Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05108/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO LIQUIDAÇÃO
INQUÉRITO CRIMINAL
ARTIGO 45 LGT E ARTIGO 35º DO CIVA
Sumário:I. O prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (artigo 45.º, n.º 1 da LGT).
II. Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 45º da LGT é alargado até ao arquivamento ou, caso tenha havido acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
III. A observância dos requisitos de forma estipulados pelo artigo 35.º, n.º 5, do CIVA, constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução, como, de forma inequívoca, resulta do n.º 2 do artigo 19º do CIVA, através da expressão “Só confere direito à dedução...”.
IV. Em relação às facturas não emitidas na forma legal e que simultaneamente a ATA entende titularem também uma operação simulada, não aproveita ao contribuinte a prova de que a operação titulada se verificou na realidade ou que se verifica dúvida fundada acerca do facto tributário respectivo, se igualmente não fizer a prova de que o requisito formal está preenchido, pois que, para efeitos daquela dedução este é pressuposto quer da factura que documenta uma operação real quer da que documenta uma operação pretensamente simulada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO


………………………., LDA, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 21 de Junho de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, relativas ao exercício de 2003.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito na sentença ora recorrida:
a) ao ter considerado que a Administração Fiscal fez prova suficientemente segura de que os factos subjacentes às facturas não ocorreram na realidade;
b) ao ter dado como provado todo um relatório de inspecção, quando a grande maioria dos factos ali indicados não foram minimamente demonstrados ou provados pela Administração Fiscal e foram totalmente refutados pela Recorrente nos autos;
c) ao ter considerado que as facturas não se encontravam passadas na forma legal;
d) ao ter desconsiderado que a Recorrente logrou identificar os materiais aplicados ou serviços prestados pela ………………………, Lda., naquela obra, bem como, a quantidade dos mesmos, designadamente, através das facturas e dos autos de medição juntos ao processo, cuja existência, aliás, o próprio Tribunal a quo reconhece no ponto 15 dos factos dados como provados;
e) ao ter desconsiderado a existência dos referidos autos de medição, os quais configuram a prova clara, inequívoca e discriminada dos trabalhos efectivamente realizados;
f) ao considerar que os dados constantes das facturas e dos respectivos autos de medição, jamais impugnados ou colocados em causa pela Administração Fiscal, não foram suficientes para descrever e identificar os trabalhos que foram realizados e respectivas quantidades;
g) ao não ter fundamentado convenientemente a sua decisão quanto à forma das facturas, do ponto de vista do direito, ao não identificar em concreto qual a disposição legal violada, limitando-se a remeter para o artigo 35.º do CIVA, sem indicar, com precisão qual a alínea e número do referido artigo que foi infringido e quais as facturas que, alegadamente, incorreram nessa infracção;
h) ao ter considerado que os factos índice demonstram por si só que as operações em causa foram simuladas ou não correspondem à realidade;
i) ao ter dado como não provado que a sociedade Recorrente pediu um orçamento à sociedade ……………………………, Lda. para a concretização da referida obra e que a Recorrente deu, no dia 10 de Outubro de 2002, de subempreitada a execução da instalação eléctrica do Edifício Plaza III à …………………………………., Lda., quando na realidade a Recorrente fez prova da existência do referido contrato de subempreitada, devidamente assinado pelos respectivos representantes legais, não só mediante junção do mesmo aos autos como documento n.º 8 da pi, mas também através do depoimento das testemunhas Manuel ………………., Rosa …………………… e Lino……………………………., que não só confirmaram com precisão e certeza a existência e celebração do referido contrato como também confirmaram a apresentação prévia do orçamento por parte da ……………………………, Lda. para a referida obra;
j) ao ter considerado como não provado que “Por aquela subempreitada seria então acordado o montante orçamentado de € 105.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, o que perfazia o montante total de € 118.650,00.” e que “Pelos serviços prestados, a sociedade ……………………………, Lda. facturaria no ano de 2003, os valores constantes das facturas n.ºs 419, 421 e 428, as quais ascenderam a € 118.650,00, como atrás foi referido;”, quando na realidade o valor acordado para a subempreitada resulta expressamente, da cláusula segunda do contrato de subempreitada (Doc. 8 da pi) e coincide com o valor das facturas e recibos emitidos pela ………………………….. Lda. à Recorrente (doc. 18 da pi);
k) ao ter dado como não provados esses dois factos contrariando frontalmente parte da matéria por si dada como provada, na primeira parte da sentença recorrida, designadamente, nos seus pontos 1 e 19, (ponto 1): “Constatou-se que o contribuinte ………………………., Lda., NIPC.................., contabilizou facturas, identificadas no quadro infra elaborado e anexas (doc 1 a 3), relativamente a supostos subcontratos (trabalhos de construção civil), do contribuinte ……………….., Lda., NIPC ......................... (…)”.
Factura n.ºDataBaseIVATotal
41928-07-200385.000,0011.050,0096.050.00
42129-09-200310.000,001.300,0011.300,00
42808-11-200310.000,001.300,0011.300,00
Total105.000,0013.650,00118.650.00


“Nota-se que as facturas emitidas em nome daquele contribuinte ascendem a € 118.650,00 (…).”, e (ponto 19): “As facturas aceites (no valor de mais de € 118.000 euros) pela Impugnante foram contabilizadas como custos do período de 2003, a título de subcontratos”;
l) ao ter dado como não provado que “Mediante o respectivo pagamento as facturas eram entregues no escritório da Impugnante pelo próprio Senhor Virgílio ou pelo Senhor Lino …………” e que “Para confirmar os pagamentos, o Senhor Virgílio ou o Sr. Lino entregavam oportunamente os recibos das facturas à Impugnante.”, quando na realidade tais factos ficaram demonstrados através da prova do pagamento das facturas (documentos n.ºs 19 a 27 da pi) e do depoimento claro e preciso das testemunhas Rosa……………. e Lino…………………;
m) ao ter feito uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta da prova, prova essa que, a ter sido correctamente apreciada, conduziria, na perspectiva da Recorrente, a uma decisão diversa da encontrada pelo Tribunal a quo, designadamente, à conclusão de que as facturas foram passadas na forma legal e que os factos subjacentes às mesmas efectivamente ocorreram, ou, pelo menos, que a prova produzida foi mais que suficiente para criar uma fundada dúvida sobre a aderência das facturas com a realidade;
n) ao ter considerado que os factos subjacentes às facturas não ocorreram, com base em meros factos índice e sem que a Administração Fiscal tenha logrado provar a inexistência dos mesmos;
o) ao colocar em causa a efectividade dos referidos serviços, quando na realidade, a obra encontra-se totalmente concluída por parte da ………………… Lda. e a instalação eléctrica plenamente a funcionar, como ficou demonstrado pelas fotografias juntas como documento n.º 18 da pi e por todos os documentos e depoimentos prestados nos autos;
p) ao ter considerado que não existiu falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente da liquidação por parte da Administração Fiscal;
q) ao sustentar que da fundamentação da Administração Tributária percebem-se perfeitamente as razões de facto e de direito que motivaram a liquidação e que esta não tinha de provar inequivocamente os factos índice para o fazer;
r) ao defender que a liquidação está bem fundamentada pela Administração Fiscal quando na realidade esta não apresenta, em todo o processo, qualquer prova ou fundamento que pudesse afastar a prova produzida pela Recorrente, a qual demonstra inequivocamente, salvo melhor opinião, a existência e efectividade dos serviços prestados pela ………………………………………, Lda. naquela obra;
s) ao não anular as liquidações adicionais de IVA sub judice quando foi demonstrada cabalmente pela Recorrente a substância das operações ou, pelo menos, criada uma fundada dúvida da existência das mesmas;
t) ao não colocar em prática o principio estruturante do direito fiscal português do “in dúbio contra fiscum”, plasmado no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT: “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário há-de ser, deverá o acto impugnado ser anulado.”;
u) ao não reconhecer que as liquidações sub judice caducaram em 31 de Dezembro, quando na realidade o procedimento de inspecção que lhes deu origem foi instaurado após o prazo de caducidade, e o inquérito criminal que, supostamente poderia alagar o referido prazo, não assentou nos factos resultantes daquele procedimento de inspecção, porquanto foi levantado muito antes do início da inspecção;
v) ao ter feito uma inapropriada apreciação da prova e uma fixação imprecisa e inexacta dos factos relevantes para a boa decisão da causa.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, serem anuladas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas, por ser isso que resulta de toda a prova produzida, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!


A Recorrida, apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença sob exame, ainda que sem formular conclusões.

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PUBLICO e o Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 561 a 564, no sentido da improcedência do recurso.

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Foram colhidos os vistos aos Exmos Juizes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que a tal nada obsta.



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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se a sentença sob exame incorre em erro de julgamento por julgar
não verificada a caducidade do direito à liquidação adicional de IVA do exercício de 2003;
(ii) se as facturas desconsideradas pela ATA como podendo servir para exercer o direito à dedução do imposto suportado e nelas mencionado, cumprem todos os requisitos legais para o efeito;
(iii) se a sentença sob exame incorre em erro ao não retirar as legais consequências – anulação dos actos tributários impugnados – da ocorrência de uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário. plasmado no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
«1. O relatório fundamentador
das liquidações aqui impugnadas (v. p.a.) diz:
II - Objectivos, âmbito e Extensão da Acção lnspectiva
II - 1Credencial e período em que decorreu a acção
Ordem de Serviço n.º …………….. de 2007-11-12, Código do PNAIT 211.19, extensão ao exercício de 2003 no âmbito parcial em IRC e IVA, com início em 2008-01-14 e fim em 2008-01-16.
II - 2 - Motivo, âmbito e incidência temporal
Contribuinte com recepção de facturas no exercício de 2003, emitidas por contribuinte não declarante.
III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas
1. Constatou-se que o contribuinte ……………………, Lda., NlPC ………………, contabilizou facturas, identificadas no quadro infra elaborado e anexas (doc 1 a 3), relativamente a supostos subcontratos (trabalhos de construção civil), do contribuinte ………………………, Lda., NIPC………………, que até à data não apresentou qualquer declaração de rendimento modelo 22, nem as respectivas declarações periódicas de IVA. Relativamente às facturas emitidas pelo contribuinte, constatou-se que estas não dispõem de anexos com autos de medição, faltando também a indicação precisa dos bens ou serviços aplicados.




2. Analisadas as facturas, quanto à sua substancia e forma, depara-se com a existência no seu conteúdo, mas de forma generalizada os trabalhos realizados, com a seguinte expressão, "Trabalhos, fornecimento e colocação de material eléctrico", embora indicando a obra, não se conseguindo identificar quais os materiais aplicados. Assim não permitindo deste modo o conhecimento da finalidade do serviço prestado.
3. Procedeu-se à pesquisa no Instituto da Construção e do Imobiliário, instituição competente na certificação dos alvarás de construção, se a entidade ………………………….., Lda., NIPC……………….., tem alvará de construção, confirmando-se que não, conforme documento em anexo (doc. 11). Assim conclui-se que este contribuinte não possui as condições legais para executar os trabalhos efectuados, o que reforça os indícios de que se trata de facturação simulada.
4. Não possui meios de produção designadamente viaturas em seu nome ou trabalhadores registados na Segurança Social.
5. Nota-se que as facturas emitidas em nome daquele contribuinte ascendem a 118.650,00 €, apesar de não possuir alvará de construção, nem trabalhadores e mesmo existindo vínculo contratual com a empresa, verifica-se que esse vinculo é uma mera simulação, afim de dar credibilidade as referidas facturas.
6. Com base nas facturas analisadas deste contribuinte e facturas encontradas em outros contribuintes deste fornecedor, que foram objecto de inspecção, assumiram que tais facturas justificavam negócios simulados, pelo que, procederam à regularização das mesmas de forma voluntária.
7. Verificando que o fornecedor ………………………, Lda. realizou vários trabalhos em simultâneo em varias obras, para vários contribuintes, o que é contraditório com o facto do contribuinte não possuir estrutura empresarial para as realizar.
8. Estes factos inviabilizam qualquer controlo ulterior da efectiva realização dos serviços, e deste modo inviabilizando a comprovação da necessidade destes custos para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto. É de referir que embora os pagamentos foram efectuados por cheque, cujas copias se anexa (do. 4 a 10), verificou-se porém, que alguns deles eram passados em nome dum sujeito chamado Lino …………………………., NIF ……………….., o suposto prestador dos ditos serviços. No quadro abaixo elaborado identifica-se os destinatários dos cheques:



9. Deste modo fica inviabilizado a comprovação do real prestador dos serviços, o que também impede a comprovação da efectiva realização das operações comerciais, e que também para as quais, foram utilizadas facturas de um contribuinte não declarante.
10. Confrontado, o sujeito Lino………………….., NIF……………….., com o domicílio fiscal à Rua ……………. n.º ……….., 4440-……. Valongo, com a situação, recusou-se em assumir quaisquer responsabilidades, negando o seu envolvimento com facturas e os respectivos pagamentos. Assim, foi dirigido à Direcção de Finanças do Porto uma proposta, afim de verificar o seu envolvimento neste caso.
11. Em sede de IVA
11.1. Trata-se de um Sujeito Passivo que, através da consulta do Sistema Informático dos Serviços, encontra-se enquadrado no Regime Normal, de Periodicidade mensal.
11.2. O Sujeito Passivo durante o ano de 2003 contabilizou facturas supostamente emitidas pela sociedade atrás mencionada, nas condições supra referidas, portanto não cumprindo estas os requisitos dos artigos 20.º n.º 1, al.a), e 35° do CIVA, deduzindo o S. P. o respectivo IVA, tudo como abaixo se enumera:





11.3.O montante de IVA constante nas facturas acima relacionadas ascende a um total de 13.650,00 €. Valor este que não poderá ser deduzido para o apuramento do imposto devido, nos termos dos artigos 19.º, n.º2 e 20º, n.º1, al. a) do CIVA.
11.4.Tendo em consideração que estas facturas e recibos relativas a supostos subcontratos (trabalhos de construção civil), sem discriminação das quantidades e denominação usual dos serviços prestados, nem dispondo de anexos com autos de medição, faltando nestas também a indicação precisa da obra em concreto em que os bens ou serviços foram aplicados inviabiliza qualquer controlo ulterior da efectiva realização dos serviços, exclui a possibilidade de dedução do respectivo IVA, nos termos do n.º 3 do art. 19.º do CIVA.

12. Em sede de IRC
12.1. O contribuinte encontra-se enquadrado no Regime Geral de apuramento do Lucro Tributável.
12.2. Como foi referido anteriormente, o contribuinte contabilizou facturas e recibos em montantes relativamente elevados, relativos a supostos subcontratos (trabalhos de construção civil), não possuíam discriminação das quantidades e denominação usual dos serviços prestados, nem dispunham de anexos com autos de medição, faltando nestas também a indicação precisa da obra em concreto em que os bens ou serviços foram aplicados, não podendo ser aceites como custos do exercício, nos termos do artigo 23° do CIRC, por não serem comprovadamente necessárias à obtenção dos proveitos sujeitos a imposto.
12.3. Assim, relativamente ao montante apurado no quadro constante do ponto I, que foi contabilizado como custo do exercício, a título de subcontratos, no total de 105.000,00 € deverá ser acrescido ao lucro tributável. No quadro seguinte apura-se a diferença do lucro tributável entre o declarado e o corrigido:





13.A entidade …………………………………, Lda., como também o seu único sócio o Sr. Virgilio …………………………, foram notificados no âmbito de vários processos, a fim de prestarem esclarecimentos relacionados com a actividade por si desenvolvida, as quais nunca compareceram nem deram qualquer justificação. Anexam-se duas notificações a titulo exemplo, (doc. 12 e 13).

IV - Motivo e Exposição dos Factos que implicam o Recurso aos Métodos Indirectos
Não aplicável ao caso em análise.
V - Critérios de Cálculo dos Valores Corrigidos com o Recurso aos Métodos lndirectos
Não aplicável ao caso em análise.
VI - Regularizações Efectuadas pelo S. P. no Decurso da Acção Inspectiva Não aplicável ao caso em análise.

VII - Infracções Verificadas

Capítulo do Projecto
    Discrição da Infracção
    Disposição
    Infringida
    Penalidade
    Aplicada
111
Contabilização de facturas que não correspondem a serviços realizados.Art.º 23º do CIRCArt.º 103º do RGIT
111
Contabilização de facturas
que não correspondem a
serviços realizados.
Art.º 19.º do CIVAArt.º 103º do RGIT

VII - Outros Elementos relevantes
Não faz parte integrante deste relatório os 13 documentos em anexos, viste terem sido incluídos no projecto de Correcções.

IX- Direito de Audição
IX.l - Apreciação dos fundamentos
O Sujeito Passivo exerceu o direito de audição por escrito no dia 08/02/2008, apresentando algumas justificações no sentido de por em causa a preterição de formalidades legais, invocando o seguinte:
1. A caducidade do direito de liquidação, ao abrigo do artigo 45.º da LGT, afirmando que, o imposto caduca no prazo de 4 anos, prazo esse, conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário, nos termos do n.º 4 daquela disposição.
2. O procedimento de inspecção tributária, nos termos do n.º I do artigo 36.º da RCPIT, afirmando que o procedimento é manifestamente ilegal, visto que iniciou em data posterior ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos objectos desta inspecção, isto é, após 31 de Dezembro de 2007, padecendo de vício material de violação da lei e por violação ao disposto do artigo 45.º da LGT.
3. Alega, não se tendo verificado quaisquer causas de suspensão ou interrupção do prazo de caducidade, constantes do disposto no artigo 46.º da LGT, o direito de liquidar o IRC e o IVA do ano 2003, efectivamente, caducando-se em 31 de Dezembro de 2007, nos termos do artigo 45.º daquela Lei.
4. Por fim, o contribuinte refere-se á falta da notificação do início do procedimento de inspecção, nos termos do artigo 51.º do RCPIT, para que um procedimento de inspecção se inicie efectivamente, o sujeito passivo objecto da acção de inspecção tributária deve ser validamente notificado da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção.

IX.2 - Análise aos Fundamentos
Conforme o disposto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
No caso em apreço e em resultado do procedimento de inspecção, originou o levantamento de Auto de Noticia, datado de 2007/11/02, tendo este seguido para inquérito criminal, instaurado em 2007/1/108 e a que foi atribuído o número 192/07.8 IDFUN.
No que concerne á falta da notificação do início do procedimento de inspecção, é de referir que neste caso estamos perante uma ordem de serviço interna, cujos actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos, nos termos da alínea a) do n.º I do artigo 13.º do RCPIT. assim nada obriga a notificar o contribuinte da acção interna de inspecção.
Daqui resulta que os pressupostos de caducidade do direito à liquidação dos tributos postos em causa pelo contribuinte, não se verificam, visto estamos perante um alargamento de prazo que terminará até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano relativamente ao processo de inquérito n.º 192/07.8 IDFUN.
Funchal, 14 de Fevereiro de 2008
2. A Impugnante exerce como actividade principal a construção de edifícios, identificada com o código de classificação de actividade económica (CAE) 045211.
3. Ora, em 30 de Janeiro de 2008, a Impugnante foi notificada pelos Serviços de Inspecção da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, do projecto de relatório da acção de inspecção realizada ao IRC e IVA do ano de 2003 (conforme cópia do projecto de correcções junto como documento n. 1 da p.i. e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
4. A referida acção de inspecção teve por base a Ordem de Serviço Interna n.º……………….., de 12 de Novembro de 2007 e por objecto o IRC e IVA da Impugnante referente ao ano de 2003.
5. Não concordando com os argumentos apresentados pela Administração Fiscal no projecto de correcções, a Impugnante viria a exercer o direito de audição prévia no dia 8 de Fevereiro de 2008 (conforme cópia da 1.a página do exercício do direito de audição prévia junta como documento n. 2 da p.i. e que se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
6. Perante os factos alegados pela Impugnante, considerou a Administração Fiscal não existirem razões para anular ou rectificar as correcções propostas, tendo-as, por essa razão, convertido em definitivo.
7. Nessa conformidade, em 29 de Fevereiro de 2008, a Impugnante seria notificada do relatório final de inspecção, o qual limitou-se a aderir às conclusões tomadas em sede de projecto de correcções (conforme cópia da 1" pagina do relatório final junto como documento n. 3 da p.i. e que se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
8. Ora, em 17 de Março de 2008, a Impugnante seria então notificada das liquidações adicionais de IVA cits.
9. As facturas aqui não aceites pela AT dizem no descritivo apenas o seguinte, indicando a obra: "trabalhos, fornecimento e colocação de material eléctrico".
10. À data dos factos, não era possível sequer a consulta da actividade de fornecedores como é agora possível fazer via Internet.
11. Mesmo agora, consultando o site das declarações electrónicas e colocando o número de contribuinte, apenas obtemos a informação de que a entidade é um sujeito passivo ou não de IVA e qual o regime a que está sujeito.
12. Em lado nenhum se consegue informação da estrutura empresarial ou do cumprimento das obrigações fiscais.
13. No dia 3 de Julho de 2002, a sociedade ……………………….., Lda. adjudicou à Impugnante a realização de uma obra de construção civil no Sítio ……………….. no ……………, concelho de Santa Cruz, denominada Plaza III (conforme cópia do contrato de empreitada junto como documento n. 5 e que se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
14. A Empresa ……………………… informou a autarquia, no dia 14 de Junho de 2002, de que o respectivo projecto de electricidade merecia um parecer favorável daquela entidade (conforme cópia da resposta da Empresa ................................. junto como documento n.º 10 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
15. Para a concretização da referida instalação eléctrica seriam efectuadas as mais diversas medições para a iluminação, iluminação de emergência, tomadas, alimentação, correntes fracas e instalações telefónicas (conforme cópia dos autos de medição junto como documento n. 17 e se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais).
16. Existe um termo de responsabilidade assinado pelo técnico responsável pela execução da instalação eléctrica, o Senhor Ruben……………., inscrito na Direcção Regional do Comércio e Industria com o n.º ….. (vide documento n. 15).
17. A acção de inspecção foi efectuada em cumprimento da ordem de serviço n.º ………………… de 2007/11/12, código do PNAIT 211,19.
18. As aludidas facturas (anexadas ao projecto de decisão e relatório da inspecção junto aos autos pela impugnante) foram emitidas por uma entidade não declarante, isto é, por um sujeito passivo que não procedeu à entrega das declarações periódicas de IRC e IVA.
19. As facturas "aceites" (no valor de mais de 118.000 euros) pela impugnante foram contabilizadas como custos do período de 2003, a título de subcontratos.
20. A entidade emitente das facturas é um sujeito passivo de IRC e de IVA, não declarante, ou seja, que não procedeu à entrega das respectivas declarações periódicas de IVA e de rendimentos, que:
- Não possui alvará;
- Não dispõe de um quadro técnico;
- Não tem trabalhadores registados na Segurança Social - vd. relatório de inspecção tributária.
21. Confrontado com a situação de receber os referidos pagamentos, o referido Lino ………………………………. negou à AT qualquer envolvimento com estas facturas e pagamentos.

FACTOS RELEVANTES NÃO PROVADOS:
A Impugnante pediu um orçamento à sociedade ……………………., Lda. para a concretização da referida obra.
Para a concretização da referida obra, a Impugnante viria, no dia 10 de Outubro de 2002, dar de subempreitada a execução da instalação eléctrica do Edifício Plaza III à sociedade ……………………………….., Lda.
Por aquela subempreitada seria então acordado o montante orçamentado de € 105.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, o que perfazia o montante total de € 118.650,00.
Pelos serviços prestados, a sociedade ………………………., Lda. facturaria, no ano de 2003, os valores constantes das facturas n.ºs 419,421 e 428, as quais ascenderam a € 118.650,00, como atrás foi referido.
Mediante o respectivo pagamento, as facturas eram entregues no escritório da Impugnante pelo próprio Senhor Virgílio ou pelo Senhor Lino ……………………..
Alguns pagamentos foram feitos ao Senhor Lino…………………., uma vez que este, perante as falhas de pagamento de materiais e atrasos no pagamento dos salários dos trabalhadores por parte do Senhor Virgílio, adiantara algum dinheiro seu, para suprir esses problemas (conforme cópia da página 9 do relatório de inspecção feito ao Senhor Lino………………….. que aqui se apresenta como documento n.º 30 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

Por essas circunstâncias, seria acordado que o Senhor Lino receberia directamente o pagamento de alguns valores por parte da Impugnante como forma de ressarcimento das despesas incorridas.
Para confirmar os pagamentos, o Senhor Virgílio ou o Senhor Lino entregavam oportunamente os recibos das facturas à Impugnante.

PROVA E FUNDAMENTAÇÃO PROBATÓRIA
A convicção deste Tribunal Tributário do Funchal assenta na análise:
- Dos documentos juntos aos autos.
- Dos 5 depoimentos testemunhais:

Manuel……………………….., TOC da a., disse que o Virgílio existia e existe no Fisco, não se podendo saber se tinha ou não estrutura real; as facturas não remetem para autos de medição e ali não há preços; em 2003 havia muitas obras e os empregados criavam muitas vezes as suas próprias empresas; viu o contrato; esta obra é uma pequena parte da facturação da A.; a instalação eléctrica foi instalada;
M. Rosa, mulher do sócio-gerente da A. e contabilista com o TOC antes ouvido, disse: não conheço o Virgílio; os pagamentos foram feitos em dinheiro e cheques ao Virgílio ou ao Lino;
Lino ………………., electricista por conta própria, disse: teve por função fiscalizar o trabalho do Virgílio; houve orçamento e contrato; Virgílio tinha problemas com o banco e daí ser a testemunha às vezes a receber os pagamentos para ele; havia autos de medições;
Leonel, electricista, que diz que trabalhou para o Virgílio em 2003, disse: o Virgílio era o patrão, mas não era electricista, e aparecia na obra às vezes; o Lino é que supervisionava a obra; Virgílio nunca pagou Segurança Social; havia autos de medição.
Ora, daqui se pode concluir que o Virgílio, alegado subempreiteiro electricista, era e é urna figura fugidia, pouco responsável, emitente de facturas muito vagas, com problemas inexplicados com os bancos e com problemas inexplicados em receber alguns dos pagamentos a que teria direito.

Há ainda contradição entre o que Lino disse à AT e ao Tribunal.

Pelo que o tribunal tal como a AT e o MP, considera pouco verosímil a sua real existência e participação nesta obra

***

A.1.Compulsadas as conclusões do presente recurso, enquanto balizadoras dos respectivos âmbito e objecto, constata-se que, com exclusão das que contem matéria meramente opinativa e conclusiva, nas suas alíneas i) a l), inclusive, a Recorrente acusa, a sentença recorrida de concretos erros de julgamento no âmbito da matéria de facto.
Começando a apreciação de tal questão no que concerne à matéria constante na conclusão i), referente ao contrato de subempreitadas celebrado entre a impugnante e a firma «…………………………., Lda», concorda-se com a Recorrente.
De facto encontra-se documentado nos autos, através de um documento particular assinado pela impugnante (assinatura com o seu carimbo) e por «………………………………….., Lda», um contrato de subempreitada, para instalação eléctrica na obra em questão (Plaza III), contrato esse que não foi colocado em causa pela ATA, nem tão pouco as aquelas assinaturas forma impugnadas, pelo que, o mesmo não pode deixar de ser levado ao probatório, independentemente da valoração que deles se imponha fazer quanto à aderência à realidade das operações a que se reportam as facturas aqui em causa.
Por consequência, a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto quando deu por não provado que: «Para a concretização da referida obra a impugnante viria, no dia 10 de Outubro de 2002, dar de subempreitada a execução da instalação eléctrica do Edifício Plaza III à sociedade ……………….., Lda», pelo que tal não se pode manter.
Com referência à conclusão j), a Recorrente, na sequência da conclusão que antecede, refere que a sentença errou «ao ter considerado como não provado que “Por aquela subempreitada seria então acordado o montante orçamentado de € 105.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, o que perfazia o montante total de € 118.650,00.» e que «Pelos serviços prestados, a sociedade ……………………………….., Lda facturaria no ano de 2003, os valores constantes das facturas n.ºs 419, 421 e 428, as quais ascenderam a € 118.650,00, como atrás foi referido (…)». Ora, neste domínio, quando aquele primeiro segmento cabe referir que o mesmo se encontra plasmado no referido contrato de subempreitada, nos termos do n.º1 da sua cláusula 2º e, que quando ao segundo que resulta da prova produzida nos autos particularmente da de natureza testemunhal, que quem procedeu à emissão material, das facturas em causa nos autos foi a firma «…………………………., Lda», entidade na qual, todas elas tiveram origem.
Ora, nenhuma contraprova foi feita sobe tais asserções testemunhais que se apresentam feitas de forma clara, consistente e firme, não se vislumbrando nenhuma razão concreta para que se possa não dar por assente que as referidas facturas, que, evidentemente, tem existência física, foram, emitidas pela referida «………………………….., Lda», pelo que a sentença recorrida, na matéria de facto dada por não provada, na parte em que seja susceptível de ser entendida como afirmando que assim não sucedeu – segundo segmento § 4 pág.465 - não se pode manter, o que imporá por outro lado, que a matéria alegada na conclusão k), para além de se mostrar prejudicada, não importa qualquer contradição como os pontos 18 e 21 do probatório, uma vez que o que delas consta se reporta à realidade substantiva das operações tituladas pelas facturas e não à autoria material das mesmas.
Por último e no que respeita à matéria constante da conclusão L), também se propende que, da prova feita em julgamento, e pelos depoimentos testemunhais prestados, sem que respectiva credibilidade tenha sido posta em crise, nos domínios a agora apreciados, por quem quer que fosse, se demonstra que as facturas foram apresentadas, pelo Senhor Virgílio ou pelo Senhor Lino………………….. e que foi com base nelas que foram passados os cheques identificados nos autos, pagamentos estes que não foram nunca contestados pela ATA, o que vale dizer que assiste razão à recorrente quando acusa a sentença recorrida no que toca ao último parágrafo da matéria de facto dada por não provada.

Importa, nesta medida, proceder à alteração do julgamento da matéria de facto, e outra, conexionada com esta, face aos elementos probatórios carreados para os autos e que revela pertinente à sentença que, a final importa vir a proferir, à luz das possíveis soluções de direito e que, por isso, se impõe ser aditada, a coberto do preceituado no artigo 662º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT.
Neste contexto, altera-se o probatório fixado em 1ª Instância, nos termos seguintes:
22. Em resultado do cruzamento de dados efectuado no sistema informático da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira foi levantado Auto de Noticia, datado de 2.09.2007, relativo às facturas 419, 421 e 428, emitidas respectivamente em 28.07.2003, 29.08.2003 e 08.11.2003, pela ………………………………… Lda, à impugnante do qual consta designadamente o seguinte: «O contribuinte contabilizou facturas emitidas em nome das sociedades “ ……………………………………….. Lda” (…) a empresa em nome da qual as facturas foram emitidas trata-se de uma entidade não declarante. Desta forma, põe-se em causa a efectiva realização dos serviços e a necessidade destes custos para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto. As facturas emitidas, nas condições supra referidas, não cumprem com os requisitos para a dedutibilidade do IVA, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 19º do CIVA, alínea b) e n.º1 do art. 20º do mesmo diploma legal, tendo o contribuinte, apesar disso procedido à sua dedução (…)». (Doc. fls. 393/394 dos autos)
23. Em 08.11.2007, foi instaurado o processo de inquérito criminal n°192/07.8IDFUN, contra a Impugnante face aos elementos constantes no Auto de Noticia a que alude o ponto 22 do probatório. (Doc. fls. 393/394 dos autos)
24. No ano de 2003, a firma “ ……………………………. Lda ”, emitiu em nome da Impugnante as seguintes facturas, contabilizadas nesse ano pela Impugnante:
Nº facturaDataQuant.DescriçãoTaxa impostoValor
419
29.07.2003
2
Fornecimento e colocação de material eléctrico na obra de Plaza III13%96.050.00
421
29.08.2003
4
Trabalhos na vossa obra como combinados Instalação eléctrica no Plaza III13%113000.00
428
08.11.2003
3
Trabalhos de fornecimento e colocação de material eléctrico e mão de obra no Plaza III13%113000.00

(Doc. fls. 271/ 273 dos autos)

25. Os Serviços do Ministério Público de Ponta do Sol comunicaram aos presentes autos para, os efeitos do artigo 47º, n.º2 do RGIT a suspensão do processo de inquérito criminal n°192/07.8IDFUN determinada ao abrigo do artigo 47º, n.º1 do RGIT. (Doc. fls. 400/401 dos autos)
26. Com data de 10.10.2003, foi celebrado entre a Impugnante e “ ……………………………….., Lda”, o contrato de subempreitada, documentado a fls. 91/92 dos autos que, aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais e onde, designadamente, se estabelece que a primeira outorgante deu de subempreitada à segunda, a execução da instalação eléctrica do edifício “ Plaza III”, ali identificado e pertença da empresa “ ……………….., LDA”, pelo valor global de € 105,000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
27. No termos do clausulado no contrato a que alude o ponto 27 o subempreiteiro obrigou-se a « (…) ter a Segurança Social regularizada bem como a Contribuição Fiscal e Seguros de Acidente de Trabalho». (Doc. fls. 91/92 dos autos)
28. As facturas foram apresentadas à impugnante ou pelo Lino…………….. ou pelo Virgílio – depoimentos testemunhais.
29. Os escritos de fls. 144 a 155 dos autos, intitulados “Medições – Habitação Plurifamiliar – Caniço – Santa Cruz” não se encontram datados e deles constam os seguintes pontos: “ Bloco”; “Zona”, “Material”, “Qtd”, “Und”, “P.Unt” e “P.Total”.


***

B. DO DIREITO

Em causa no presente recurso está a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IVA referentes ao exercício de 2003. Tais liquidações foram emitidas na sequência de uma acção de inspecção realizada à contabilidade da Impugnante, com referência ao ano de 2003, em que a Administração Tributária e Aduaneira (doravante ATA) concluiu que aquela terá deduzido indevidamente IVA contido em facturas n.ºs 419, 421 e 428 emitidas pela «………………………………., Lda», por entender que as mesmas se não preenchem os requisitos legais constantes no artigo 35º, nº 5 do CIVA e corresponderem a operações simuladas.

Quanto à ORDEM DE CONHECIMENTO DOS VÍCIOS - erros de julgamento – imputados à sentença, tendo em conta o artigo 608º do CPC, começaremos por analisar a caducidade do direito à liquidação, seguida da falta de fundamentação do Relatório de Inspecção, e com a aderência, ou não, à realidade das operações tituladas nas facturas n.ºs 419, 421 e 428, por assim se assegurar uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, atendendo a que a eventual procedência do primeiro fundamento obsta à renovação do acto.

Vejamos, então.

Ø Da caducidade do direito à liquidação

A primeira questão a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao nela se ter considerado por não verificada a caducidade do direito às liquidações de IVA do ano de 2003, por se encontrem reunidos os pressupostos contidos no artigo 45º, n.º 5 da LGT.

Na sentença recorrida entendeu-se que tendo sido instaurado em 08.11.2007, um inquérito criminal relacionado com os factos subjacentes à liquidação impugnada o prazo de «(…) o prazo da caducidade de 4 anos cit. não chegou ao fim».

Como emerge das conclusões acima transcritas a Recorrente esgrime argumentação defendendo que à data do início da acção de inspecção, isto é, em 14.01.2008, já tinha expirado o prazo de caducidade do direito à liquidação, uma vez que, atendendo ao ano a que se reportavam os factos e ao estatuído no artigo 45º da LGT, o seu terminus se verificou em 31.12.2007, já que se não verificou qualquer circunstância adequada á sua suspensão, particularmente a instauração de procedimento criminal com suporte nos factos aqui em discussão.

No caso, como se deu conta, encontra-se especialmente controvertido entre a Recorrente, por um lado, e a sentença sob exame e a Fazenda Pública, pelo outro, a aplicação do artigo 45º, n.º 5 da LGT ao caso trazido a juízo.

Vejamos, então.

A questão da caducidade do direito à liquidação prende-se com a validade substancial do acto tributário, contendo com a sua validade e, por consequência, constitui fundamento da impugnação judicial. Como refere Joaquim Gonçalves «a obrigatoriedade da notificação da liquidação no prazo de caducidade não retira ao próprio acto da notificação a natureza do requisito de eficácia, embora para efeitos de caducidade tal notificação tenha, por força da lei, definido um regime especial, pois que releva, agora, também como pressuposto da caducidade do direito à liquidação por parte do Estado, esta, sim, uma ilegalidade concreta que afecta a validade do acto de liquidação e que, como tal, é susceptível de fundamentar a respectiva impugnação.». (“A caducidade face ao direito tributário”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, p. 237).

Já dissemos que estão em causa liquidações adicionais de IVA do exercício de 2003, pelo que, de acordo com o artigo 45º, nº1 da LGT, o direito à liquidação do imposto «caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».

Assim, sendo o imposto em causa referente a IVA do ano de 2003, a caducidade do direito à sua liquidação (que iniciou em 1 de Janeiro de 2004) só ocorreria, se a liquidação não fosse validamente efectuada à Recorrente até 31.12.2007.

Para evitar a caducidade do direito de liquidar não basta que as liquidações tenham sido simplesmente operadas dentro do pertinente prazo; é necessária a ocorrência da indispensável notificação válida das liquidações ao contribuinte.

Por força da Lei n.º 60-A/2005, de 30.12.2005, que entrara em vigor em 1.1.2006, fora aditado um novo n.º 5 ao citado artigo 45.º da LGT, o qual dispõe que sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 desse normativo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

O disposto neste n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005 (artigo 57.º, n.º 2 desta Lei).

De acordo com o preceituado no artigo 45º, n.º 5 da LGT «Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.».

O normativo transcrito consagra um vector de alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando ele derivar de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, alargamento este que tem como termo final o arquivamento ou trânsito em julgado da sentença exarada em processo criminal, acrescido de um ano (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pág.366).

No caso em presença, é um verdadeiro axioma que o auto de notícia de que se dá conta o probatório, e que deu origem a processo criminal, se ancora, exactamente, nos mesmos factos que, aqui, se controvertem, e que se prendem com as facturas n.ºs 419, 421 e 428 emitidas pela firma «……………………., Lda» à Impugnante.

Todavia, em data posterior à notificação da Recorrente da liquidação aqui em crise, aquele processo de natureza criminal ainda se encontrava pendente, forçoso se impõe concluir, como concluiu a sentença recorrida, e a coberto do artigo 45º da LGT, que não se verificou a caducidade do direito à liquidação.

Assim, tem que se concluir que à data em que a Recorrente foi notificada das liquidações aqui em causa, isto é, 17.03.2008 [cfr. Ponto 8 do probatório] não decorrera ainda o prazo de caducidade do direito à liquidação atendendo ao alargamento do prazo em virtude da instauração do processo crime que ainda se encontra pendente. [cfr. Pontos 23 e 25 da matéria de facto por nós aditada].

Acresce, que, a Recorrente parece confundir o conhecimento da data da ocorrência dos factos em causa, com a data do início da acção de inspecção.

Ora, nada implica que a Administração Tributária e Aduaneira, julgando-se conhecedora de indícios da ocorrência de tal factualidade, possa levantar, de imediato, auto de notícia, quando entenda que a mesma consubstancia ilícito de natureza penal, e posteriormente, inicie uma acção inspectiva – respeitados que sejam, evidentemente, os respectivos pressupostos legais – tendentes a verificar e a apurar a real dimensão tributária dessa mesma factualidade.

Consequentemente, forçoso se impõe concluir que, nesta vertente, a sentença não padece, do apontado erro de julgamento.

Ø Do vício de forma por falta de fundamentação de direito

A Recorrente defende, nas suas alegações, e leva às respectivas conclusões a tese de que a ATA não fundamentou «convenientemente a sua decisão quanto à forma das facturas, do ponto de vista do direito, ao não identificar em concreto qual a disposição legal violada, limitando-se a remeter para o artigo 35.º do CIVA, sem indicar, com precisão qual a alínea e número do referido artigo que foi infringido e quais as facturas que, alegadamente, incorreram nessa infracção»;

A sentença recorrida depois de ter efectuado o enquadramento legal, do dever geral de fundamentação dos actos administrativos, fez o seguinte julgamento do caso concreto «Lida a fundamentação, percebem-se perfeitamente as razões de facto e de direito que motivaram esta liquidação».

Nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa os administrados têm direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Este princípio constitucional foi levado ao procedimento administrativo pelo artigo 124.º do CPA e ao procedimento tributário pelo artigo 77.º da LGT que estipula «A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição de razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.».

Na verdade, o dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática. Mas apesar de a fundamentação dever ser contextual e integrada no próprio acto, pode ser feita de forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta) e estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma (cfr. artigo 77º da LGT).

Em relação à suficiência da fundamentação de direito (no caso, da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário) a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos pertinentes ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real. (Neste sentido vide entre outros: Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 08-06-2011, recurso n.º 068/11 e de 17-11-2010, recurso n.º 1051/09, disponível no endereço www.dgsi.pt)

Ora, no caso vertente, apesar de não haver referência expressa à alínea e número do artigo 35º do CIVA, que sustenta a fundamentação de direito, como bem afirma a Recorrente, o certo é que, que o quadro legal no qual se situa os acto tributários controvertidos é perfeitamente cognoscível, e disso dá conta o Relatório de Inspecção Tributária na passagem que se transcreve: «(…) estas facturas e recibos relativas a supostos subcontratos (trabalhos de construção civil), sem discriminação das quantidades e denominação usual dos serviços prestados,(…)».

No caso a Recorrente captou inequivocamente os fundamentos de facto e de direito das liquidações em crise, reflectindo-se tal percepção mormente na impugnação que apresentou contenciosamente. E, face aos termos constantes das alegações de recurso revela igualmente haver compreendido o alcance e os fundamentos subjacentes aos actos tributários impugnados, contestando os pressupostos de facto e de direito nos quais estes se estribou [fls.20 a 22 da petição recurso sob o titulo - Das facturas na forma legal-].

Neste contexto, pode afirmar-se que os actos de liquidação ajuizados foram praticados num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível, e disso nos dá conta toda a argumentação corporizada na petição inicial e alegações de recurso.

Sendo, assim terá de concluir-se que improcede o invocado vício de forma, por falta de fundamentação de direito.

Prosseguindo.

As liquidações objecto dos presentes autos (IVA relativo ao exercício de 2003) resultam de a ATA não reconhecer à Impugnante, o direito a dedução do IVA, que lhe foi liquidado nas facturas emitidas n.ºs 419, 421 e 428 emitidas pela firma « …………………………. , Lda», porquanto se referem a «(…) a supostos subcontratos (trabalhos de construção civil), sem discriminação das quantidades e denominação usual dos serviços prestados, nem dispondo de anexos com autos de medição, faltando nestas também a indicação precisa da obra em concreto em que os bens ou serviços foram aplicados inviabiliza qualquer controlo ulterior da efectiva realização dos serviços, exclui a possibilidade de dedução do respectivo IVA, nos termos do n.º 3 do art. 19.º do CIVA

Como é bom de ver, para proceder às liquidações impugnada, a ATA fundamentou-se em duas razões: por um lado, as facturas não obedecem aos requisitos previstos no artigo 35º do CIVA; por outro lado, apurou existirem indícios de simulação fiscal, na medida em que não teriam tido lugar as prestações de serviços pretensamente documentadas pelas ditas facturas, tratando-se, assim, de operações simuladas.

Ora, independentemente da questão da simulação, a Impugnante ora Recorrente desde logo faz assentar a sua discordância com o decidido, também naquele facto: a falta dos requisitos legais exigidos para que as facturas possam conferir à impugnante o direito à dedução do IVA nelas liquidado.

Com efeito, sustenta a Recorrente que os dados constantes das facturas e os respectivos autos de medição são suficientes para descrever e identificar os trabalhos realizados e respectivas quantidades.

Assim, as questões que importam conhecer consistem em saber se a impugnante efectuou operações com direito a dedução de imposto, e, também, saber se o imposto mencionado nas facturas em questão pode ser deduzido, considerando a exigência do nº 2 do artigo 19º do CIVA.

Isto posto.

Atendendo ao especial regime de liquidação e cobrança do IVA (o Estado comete a liquidação aos intervenientes nas operações sujeitas e a entrega final impende sobre o sujeito passivo), para que haja direito à dedução do IVA mencionado nas facturas e documentos equivalentes, além de ser necessário que estes estejam passados em forma legal - nº 2 do artigo 19º e artigo 35º do CIVA)-, também é necessário que as operações constantes das facturas ou documentos equivalentes se tenham realizado e pelo preço aí referido, não podendo deduzir-se imposto que resulte de operações simuladas ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente (nº 3 do artigo 19º do CIVA).

Por um lado, aquela exigência de observância da forma legal prescrita no CIVA para conferir o direito à dedução do imposto justifica-se dentro da lógica interna do regime de um imposto plurifásico, que incide sobre cada fase da transacção dos bens ou serviços, por ser necessário o cumprimento rigoroso das regras legais, de forma a facilitar o controlo da fiscalização e evitar a fuga à tributação e, por outro lado, é dentro dessa lógica de combate à evasão fiscal que o n° 3 do também citado artigo 19° do CIVA estipula que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente (a simulação ocorre quando, por acordo entre o declarante e o declaratário e no intuito de enganar terceiros, se verifica divergência entre a declaração negocial e a vontade real das partes - artigo 240º do CC). (Neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.4.2009, proferido no recurso n.º 951/08, disponível no endereço www.dgsi.pt).

Para melhor se compreender o enquadramento legal em que nos movimentamos, relembre-se, o teor das normas que temos vindo a chamar à colação:

O nº 5 do artigo 35º do CIVA, dispõe:

«5 - As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.

6.No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.»

Por sua vez o artigo 19º do CIVA dispõe, (no que interessa para os presentes autos):

«1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos;

(...)

2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.

3 - Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.».

No caso vertente, as facturas questionadas (Ponto 24 do probatório) sob o descritivo dizem o seguinte: «fornecimento e colocação de material eléctrico na obra de Plaza III»; «trabalhos na vossa obra como combinados- instalação eléctrica no Plaza III» e «trabalhos e fornecimentos e colocação de material eléctrico e mão de obra na obra Plaza III».

E, foi perante estas menções que a ATA considerou que as ditas facturas se apresentam «(…) sem discriminação das quantidades e denominação usual dos serviços prestados, nem dispondo de anexos com autos de medição, faltando nestas também a indicação precisa da obra em concreto em que os bens ou serviços foram aplicados inviabiliza qualquer controlo ulterior da efectiva realização dos serviços, (…)», ou seja, que as mesmas não preenchem os requisitos do nº 5 do artigo 35º do CIVA, i.é. não contêm a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável.

Efectivamente, estamos perante uma descrição que não cumpre o disposto naquela norma legal (cfr. artigo 35º, n.º5, al.b) do CIVA), pois não se quantifica e descreve o material fornecido nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos e respectivo preço unitário, bem como a(s) data(s) em que este foi(foram) prestado(s).

Com efeito, muito embora se refira «trabalhos e colocação de material eléctrico» a exigência contida no preceito legal citado no parágrafo anterior não se limita à indicação dos serviços prestados, estando abrangida na mesma alínea, não só a especificação concreta dos serviços, mas também a data e tempo de realização da sua prestação de modo a permitir um efectivo controlo pela ATA.

E a expressão «quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos bens necessários à determinação da taxa aplicável» tem como finalidade permitir quer ao cliente quer à ATA controlarem se a taxa incidente sobre o valor tributável é a correcta. Por isso, porque a exigência de tais documentos assim apercebidos tem também esta finalidade de apetrechar a entidade pública (ATA) do controlo da situação tributária, e não somente a de obter prova segura dos factos a controlar, os mesmos são formalidades substanciais, que não meramente probatórias, e, como tal, insubstituíveis por qualquer outro género de prova, como decorre do artigo 364º do CC. (Neste sentido entre outros o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.09.2000, proferido no recurso n.º 25033).

Deste modo impõe a lei que nas facturas se especifiquem concretamente os bens transmitidos e os serviços prestados. E por esta exigência deve entender-se não só a concreta especificação dos serviços prestados como também o local onde foram prestados, a sua natureza, o período de tempo a que se reporta, se for caso disso. A não ser assim a ATA não poderia controlar a veracidade do conteúdo das facturas.

Tratando-se de facturas que não respeitam integralmente o artigo 35° n° 5 do CIVA, não se pode considerar que estejam passadas “em forma legal” e, consequentemente, não permitem a dedução do respectivo IVA de harmonia com o artigo 19º nº 2 do CIVA, independentemente da prova que se faça da realidade das operações subjacentes. E, é este o entendimento da nossa jurisprudência, como se pode ver em, entre muitos outros, no acórdão deste TCA de 25.6.2002, proferido no recurso n° 6721/02, do qual extraímos o seguinte trecho:«/- A importância que as facturas assumem no funcionamento do IVA- imposto que opera pelo método do crédito do imposto ou das facturas - exige também que estas respeitem os requisitos formais enunciados no art. 35. °, n. ° 5, do CIVA. II- A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos -facturas-tem como escopo permitir à Administração tributaria o controlo da situação tributaria, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade ad substantiam, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio deprava. III- A factura que não respeita os requisitos legais de forma prescritos no art. 35. °, n. ° 5, do CIVA, não confere direito à dedução do IVA nela mencionado, independentemente da efectiva realização da operação a que a mesma se refere (cfr. art. 19. °, n. ° 2, do CIVA).IV-(…)
V- Daí que a impugnante que aceitou uma factura nos termos supra referidos, ou seja, que não respeita a forma legal, não pode pretender, como forma de demonstrar o direito a dedução do IVA nela mencionado, que o Tribunal averigúe se a operação a que a mesma se refere corresponde ou não à realidade e se ela pagou ou não o IVA nela mencionado, não constituindo essa falta de averiguação qualquer atropelo ao princípio do inquisitório em vigor no processo judicial tributário (cfr. art. 13. ° do CPPT)».

Note-se que, contrariamente ao ora sugerido pela Recorrente (vide conclusão f)), os autos de medição [ponto 29 do probatório] da obra Edifício Plaza III, não podem ser aceites para a validação formal das respectivas facturas nos termos legais, já que a lei é muito clara ao obrigar que essa discriminação seja feita na própria factura e não em documentos particulares anexos.

E nem essas declarações constituem “documentos equivalentes” a facturas nem a sua anexação às facturas transformam estas em “documentos equivalentes”, já que os “documentos equivalentes” a que a lei se refere têm, eles próprios e por si só, de conter todos os requisitos enunciados no artigo 35º do CIVA, o que não acontece com aquelas declarações.

Mas mesmo a admitir-se a aceitação de “autos de medição” para efeito de “validar” as facturas, tal como defende a Recorrente, no caso em presença não é possível efectuar a correspondência da discriminação do material ai consignado com cada uma das facturas em causa (com a destrinça por unidades, metros, preços e quantias totais a pagar), desde logo, por se desconhecer a data em que foram elaborados.

Refira-se, ainda, que nem sequer estamos perante caso a que seja aplicável o regime do artigo 38º do CIVA, nem perante caso em que o contribuinte possa processar facturas globais, comunicando previamente o facto à DGCI.

Acresce que, não obstante a prova testemunhal produzida nos autos, os depoimentos não podem substituir as indicações que a lei impõe sejam discriminadas na própria factura: para efeitos de IVA só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal e, como assim, por mais apropriados que sejam outros métodos, dado que o legislador só conferiu o direito à dedução do imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes, estes têm que ser necessariamente os processados pelos vendedores.

Assim, independentemente da questão da simulação, também apreciada na sentença recorrida, esta questão da regularidade formal das facturas que antecedeu, como acima já se disse, aquela: a factura só pode, em qualquer caso, conferir direito à dedução do imposto nela liquidado se, à partida, estiver emitida na forma legal.

Portanto, em relação às facturas não emitidas na forma legal e que simultaneamente a ATA entende titularem também uma operação simulada, não aproveita ao contribuinte a prova de que a operação titulada se verificou na realidade ou que se verifica dúvida fundada acerca do facto tributário respectivo, se igualmente não fizer a prova de que o requisito formal está preenchido, pois que, para efeitos daquela dedução este é pressuposto quer da factura que documenta uma operação real quer da que documenta uma operação pretensamente simulada.

Concluindo-se, pois, que as facturas questionadas (e por cuja não aceitação - por parte da ATA - da dedução do IVA nelas mencionado foram feitas as liquidações adicionais impugnadas) não estão passadas na forma legal, tal como a impõe o artigo 35º do CIVA e sendo certo que as ditas liquidações foram feitas também porque a ATA apurou este facto (como consta do respectivo relatório da fiscalização).

Prejudicado fica o conhecimento das demais questões objecto do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2 do CPC.

IV. CONCLUSÕES:

I. O prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (artigo 45.º, n.º 1 da LGT).

II. Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 45º da LGT é alargado até ao arquivamento ou, caso tenha havido acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

III. A observância dos requisitos de forma estipulados pelo artigo 35.º, n.º 5, do CIVA, constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução, como, de forma inequívoca, resulta do n.º 2 do artigo 19º do CIVA, através da expressão “Só confere direito à dedução...”.

IV. Em relação às facturas não emitidas na forma legal e que simultaneamente a ATA entende titularem também uma operação simulada, não aproveita ao contribuinte a prova de que a operação titulada se verificou na realidade ou que se verifica dúvida fundada acerca do facto tributário respectivo, se igualmente não fizer a prova de que o requisito formal está preenchido, pois que, para efeitos daquela dedução este é pressuposto quer da factura que documenta uma operação real quer da que documenta uma operação pretensamente simulada.

V.DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.


Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 14 de Abril de 2015.

[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Pereira Gameiro]