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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1710/09.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA
CASO JULGADO FORMAL.
Sumário:1) A apresentação da nova petição, desde que obedeça aos requisitos processuais, corresponde à propositura de uma nova acção com o intuito de renovar a anterior, nos termos do art.º 289 do CPC (actual artigo 279.º).
2) A apresentação de nova petição inicial deve conformar-se com a decisão de absolvição da instância, transitada em julgado, sem prejuízo da cuidada interpretação do alcance do caso julgado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório

L..... interpõe o presente recurso jurisdicional contra o despacho saneador-sentença proferido a fls. 116 a fls. 116 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou improcedente a impugnação judicial por este deduzida, referente às liquidações adicionais de IVA relativas ao 1.º e 2.º trimestres do ano de 1990, 1.º, 2.º e 3.º trimestres do ano de 1991, e 1.º trimestre de 1992.

Nas alegações de fls. 142 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente, L....., formula as conclusões seguintes:

«1) Conforme consta dos autos, o Recorrente apresentou a sua Petição Inicial, nos termos do disposto nos artigos 100º e 123º nº 2 do Código do Processo Tributário, alegando o que acima se transcreveu;

2) Citada para o efeito, a Representante da Fazenda Pública apresentou contestação, alegando o que consta de fls.;

3) Por Sentença de fls., a Meritíssima Juiz decidiu o acima transcrito;

4) Isto porque a ação de Impugnação foi tempestiva, visto que foi intentada no prazo de 30 dias a contar da Sentença anteriormente proferida e nos termos do artigo 289º, nº 2 do CPC;

5) Mais, a ação intentada é a competente, e tem o mesmo pedido e as mesmas partes.

6) deveria ser admitida e julgada procedente, por provada a presente impugnação;

7) Não assiste razão à Meritíssima Juiz quanto ao decidido, pelo que deverá o Venerando Tribunal revogar a Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí resultantes;

8) A presente ação foi intentada de acordo com o decidido na anterior Sentença, tendo o Impugnante cumprido com o aí decidido e no prazo aí estabelecido;

9) A ação intentada não é uma ação nova, mas derivada da primeira ação intentada, nomeadamente com as mesmas partes e o mesmo objeto, pelo que, à luz do artigo 289º o Impugnante poderia beneficiar do prazo de 30 dias para apresentar nova petição inicial;

10) Deve ser revogada a Sentença recorrida e consequentemente ser admitida a presente impugnação, com todas as consequências legais daí resultantes, o que, desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

11) A Decisão que deu causa a este recurso, não está fundamentada como exigem as normas referidas, tendo por esse facto de ser Revogada, nulidade, esta, que aqui, mais uma vez, se requer;

12) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;

13) Neste caso essa circunstância não se verifica;

14) O Venerando Tribunal com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos da Alegante, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

15) O Venerando Juiz do Tribunal a quo limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões, deficientemente e sem qualquer cabimento, conforme acima já se alegou e explicou;

16) Deixando o Venerando Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas, cometeu, pois, uma nulidade;

17) A Sentença recorrida viola:

a) O disposto nos artigos 8º, 55º, 56º, 58º, 59º, 60º, 77º,87º, b), 92º, nos 6 e 7 da LGT;

b) O disposto nos artigos 16º, 17º, 21º e 120º, alíneas a), c) e d) do CPT;

c) O disposto nos artigos 37º e seguintes do CPPT;

d) O disposto nos artigos 123º, 124º, 125º do CPA;

e) O disposto nas alíneas b), c) e d) do atual 615º do CPC;

f) O disposto no Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho;

g) O disposto nos artigos 13º, 20º, 202º, 204º, 205º, 266º, nº 2 e 268º, números 1, 2 e 3 da CRP.

Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA, por ser de: LEI, DIREITO»


X

A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer a fls. 175 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«1. Por notificações datadas de 20 de janeiro de 1993, com os n.ºs 343, 344 e 345, o Impugnante foi notificado para, em 15 dias proceder ao pagamento das liquidações adicionais de IVA e juros respeitantes ao 1.º e 2.º trimestres de 1990, 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 1991, e 1.º trimestre de 1992 – cft. Fls. 27 e ss. do Processo Administrativo (PA) anexo aos presentes autos.

2.Em 5 de fevereiro de 1993 o Impugnante pagou as liquidações adicionais identificadas em 1 – cft. Fls. 20 e ss. do PA anexo aos presentes autos.

3.Em 14 de abril de 1993 o Impugnante deduziu reclamação graciosa das “importâncias que pagou, em cumprimento das notificações n.ºs 343, 344, 345 enviadas pelo Chefe da 2.ª Repartição de Finanças de Leiria”, pedindo a final “Assim, o reclamante solicita a V. Exa. A anulação de todo o processo, devolvendo-se seguintes importâncias, por as mesmas terem sido pagas indevidamente (…)” - cft. Fls. 14 e ss. do PA.

4.No âmbito da reclamação autuada na sequência do requerimento identificado em 3., em 22 de fevereiro de 1994 o Sr. Diretor Distrital de Finanças proferiu o seguinte despacho: “No uso da competência referida no artigo 99.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de abril, e tendo em vista os elementos constantes da proposta de fls. 22, elaborado pelo Sr. Chefe da Repartição de Finanças, INDEFIRO o pedido.

Notifique-se do presente despacho, informando o reclamante que do mesmo pode recorrer nos termos dos artigos 100.º e n.º 2 do artigo 123.º, ambos do Código de Processo Tributário.” – Cft. Fls. 13 do PA anexo aos presentes autos.

5.Em 21 de março de 1994, veio o Impugnante “nos termos dos artigos 100.º e 123.º, n.º 2 do Código de Processo Tributário, interpor recurso de anulação, do Despacho do Exmo. Sr. Diretor de Distrital de Finanças, datado de 22/02/94, e que foi notificado ao recorrente em 14/03/94, que indeferiu a reclamação que o recorrente tinha apresentado nos termos dos artigos 95.º e ss. do Código de Processo Tributário” – Cft. Fls. 3 do PA anexo aos presentes autos.

6.A petição inicial identificada supra deu origem à impugnação judicial n.º 19/94, que correu termos neste TAF – Cft. Fls. 100 dos presentes autos.

7.Em 2009.04.17, foi proferida a seguinte sentença, transitada em julgado em 2009.05.04:


(“texto integral no original; imagem”)

- Cft. Fls. 101 e ss. dos autos.

8. Em 2009.05.19, o impugnante veio “nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 2 do CPC, aplicável nos presentes autos, por força do disposto no artigo 2.º do CPPT, apresentar nova petição de Impugnação devidamente corrigida.”»


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, aditam-se os elementos seguintes:

9. Na petição inicial referida no número 8., o pedido formulado tem o teor seguinte:

«Serem anuladas totalmente as liquidações adicionais de IVA, relativas ao exercício do 1.º e 2.º trimestre do ano de 1990, ao exercício do 1.º, 2.º e 3.º trimestre do ano de 1991 e 1.º trimestre de 1992, bem como as compensações, cálculos dos juros compensatórios, estornos, acertos, etc. notificados nos ofícios juntos a esta impugnação (…)».

10. A causa de pedir que sustenta o pedido da petição inicial que esteve na origem da impugnação judicial que correu termos com o n.º 19/94, referida no número 5., reside no seguinte: i) erro nos pressupostos de facto; ii) falta de fundamentação; iii) violação dos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade – fls. do p.a.


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2.2. De Direito

2.2.1. Nos presentes autos, é sindicado o despacho saneador-sentença proferido a fls. 116 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, referente às liquidações adicionais de IVA relativas ao 1.º e 2.º trimestres do ano de 1990, 1.º, 2.º e 3.º trimestres do ano de 1991, e 1.º trimestre de 1992.

A sentença julgou improcedente a impugnação, com base no desrespeito, por parte da nova petição inicial apresentada, do caso julgado formado através da sentença proferida no processo de impugnação n.º 19/1994, por meio da qual foi julgada procedente a excepção de erro na forma de processo e absolvida a Fazenda Pública da instância (n.º 7 do probatório).

2.2.2. O recorrente censura a sentença recorrida, imputando à mesma nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação - dado que a explicitação dos motivos da decisão é deficiente, não conhecendo de todas as questões suscitadas - bem como erro de julgamento, porquanto, a acção deve ser julgada, quanto ao mérito, dado que o pedido e a causa de pedir são os mesmos.

2.2.3. No que respeita à nulidade, recorde-se que é nula a sentença que não se pronuncie sobre questão de que cumpre conhecer (artigo 615.º/1/d), do CPC), bem como é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615.º/1/b), do CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem».(1)

No caso, compulsado o teor do saneador-sentença sob escrutínio, não se vê, nem o recorrente enuncia questão de que cumpra conhecer e cuja apreciação tenha sido omitida.

Recorde-se que a sentença julgou improcedente a impugnação, com base no desrespeito, por parte da nova petição inicial apresentada, do caso julgado formado através da sentença proferida no processo de impugnação n.º 19/1994, por meio da qual foi julgada procedente a excepção de erro na forma de processo e absolvida a Fazenda Pública da instância (n.º 7 do probatório). Mais se consignou que nova impugnação instaurada não podia ser apreciada por caducidade do direito de acção.

Pelo que a presente imputação não se oferece procedente.

Termos em que se decidirá no dispositivo.

No que respeita à alegada falta de fundamentação, compulsado o teor do saneador-sentença sob escrutínio, cumpre referir que do mesmo consta a explicitação dos motivos fáctico-jurídicos que estão na base da decisão de absolvição da entidade demandada do pedido, por esgotamento do prazo de caducidade da acção, considerada apropriada. Ou seja, a sentença considerou que, sendo o meio processual apropriação à pretensão in judicio a acção administrativa especial e tendo sido impugnadas as liquidações adicionais de IVA, por um lado, não terá sido observado o disposto na sentença proferida no P. 19/94, pelo que não houve lugar a verdadeira e própria renovação da instância, ao abrigo do artigo 289.º/1, do CPC; por outro lado, havendo nova petição inicial de impugnação de acto tributário, da mesma não há que conhecer dado que o direito de acção que corporiza há muito que se mostrava caduco, com a consequente absolvição do pedido da recorrida.

Em face do exposto, verifica-se que a sentença contem a especificação das razões de facto e de direito que determinaram a improcedência da impugnação.

Motivo porque se julgam improcedente a presente imputação.

2.2.4. No que respeita ao alegado erro de julgamento, o recorrente pretende rescindir o veredicto da instância, solicitando que este tribunal ordene a apreciação e o julgamento da impugnação judicial, relativa às liquidações de IVA de 1990, 1991 e 1992, pretendida instaurar através da petição inicial identificada nos n.ºs 8 e 9 do probatório.

No processo de impugnação judicial n.º 19/1994, foi proferida sentença, transitada em julgado, em 04.05.2009, a qual havia decidido no sentido da procedência da excepção do erro na forma do processo e absolvido a Fazenda Pública da instância, porquanto o impugnante atacava a decisão da reclamação graciosa e não o acto de liquidação, sem possibilidade de convolação no meio processual adequado (acção administrativa especial) (n.º 7 do probatório).

A questão que se suscita consiste em saber se, perante a sentença transitada em julgado, referida, pode o impugnante, ao abrigo do disposto no artigo 289.º, n.º 2, do CPC (vigente à data – actual artigo 279.º do CPC), deduzir nova petição inicial, desta feita, com vista à impugnação dos actos de liquidação referidos, sem colidir com o efeito do caso julgado formal que se formou em tornou da sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 19/1994. No caso afirmativo, qual é a decisão a proferir pelo tribunal perante tal petição inicial de impugnação.

Vejamos

O preceito do artigo 289.º (“Alcance e efeitos da absolvição da instância”) estatuía o seguinte:

«1. A absolvição da instância não obsta a que se proponha nova acção sobre o mesmo objecto. // 2. Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu, mantém-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância».

No caso, existe sentença transitada em julgado, proferida no P. n.º 19/94, na qual se determinou a absolvição da instância da entidade demandada, por o processo de impugnação não ser o próprio e não ser possível a convolação para a acção administrativa especial, considerada o meio processual adequado para dirimir a pretensão impugnatória em apreço.

Na sentença sob escrutínio, entendeu-se absolver do pedido a recorrida, uma vez que a petição inicial de impugnação apresentada não observava o caso julgado formado no P. 19/94 e porque ocorria a caducidade da acção de impugnação dos actos tributários sob escrutínio.

Sucede, porém, que, salvo o devido respeito, a sentença incorre em erro de julgamento quer quanto ao alcance, quer quanto à força preclusiva do caso julgado.

Não sofre dúvida que a apresentação de nova petição inicial deve conformar-se com a decisão de absolvição da instância, transitada em julgado. «A apresentação da nova petição, desde que obedeça aos requisitos processuais, corresponde à propositura de uma nova acção com o intuito de renovar a anterior, nos termos do art.º 289 do CPC» (actual artigo 279.º do CPC) [Acórdão da TRLisboa, 08.03.2007, P. 1917/07-2].

Sem embargo, o alcance do caso julgado deve ser interpretado (artigo 612.º do CPC), não valendo de forma absoluta perante outros valores fundamentais (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 18.07.2007, P. C-119/05).

A sentença proferida na impugnação judicial n.º 19/94, transitada em julgado, determinou que o objecto do processo reside na impugnação da decisão administrativa da reclamação graciosa intentada pelo recorrente contra os actos de liquidação em apreço.

Através da petição inicial referida em 8. e 9. do probatório, o recorrente, acolhendo a sentença transitada em julgado, impugna a decisão administrativa em causa e, de forma mediata, as liquidações adicionais de IVA, que justificaram a reacção graciosa que antecedeu a via contenciosa. De onde se impõe concluir que, no que respeita ao pedido formulado, a renovação da instância, através da petição inicial referida em 8. e 9. do probatório, cumpre com o preceito do artigo 289.º/2, do CPC, dado que impugna a decisão administrativa e inequivocamente também os actos tributários pela mesma mantidos. Como diz o recorrente, no ponto 9 das suas alegações, não se pode dizer que a acção intentada seja uma nova acção, não justificada e compreendida na economia da sentença proferida na impugnação judicial n.º 19/94.

Outra questão respeita à causa de pedir, constante da nova petição inicial. Neste aspecto, compulsado o teor da petição inicial mencionada, verifica-se que, para além dos motivos já aduzidos na petição inicial originária, a qual esteve na base do P.19/94, existem outros (caducidade e prescrição), que, por não constarem da petição inicial originária não podem ser introduzidos, sob pena de violação do disposto no artigo 289.º/2, do CPC, salvo no que respeita às questões de conhecimento oficioso do tribunal.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que, atendendo à presente fundamentação, ordene a prossecução dos autos e aprecie do mérito da impugnação judicial, ora deduzida, se nada mais obstar.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à instância, com vista à prossecução dos mesmos e subsequente prolacção de sentença que aprecie o mérito da impugnação.

Custas pela recorrida, com dispensa de taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

Registe.

Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)




(1º. Adjunto)

Ana Pinhol




(2º. Adjunto)

Lurdes Toscano

(1) Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363..