Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05367/09
Secção:CA - 2.º Juízo
Data do Acordão:11/19/2009
Relator:Coelho da Cunha
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA.
ÓNUS DA PROVA.
INEXISTÊNCIA DE LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE
NACIONAL.
Sumário:I - Na acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, incumbe ao Ministério Público o ónus de provar a existência de factos que tornam impeditivo o direito de aquisição da nacionalidade (art.342º n.º2 do Código Civil).
II – Incumbe, todavia ao R., efectuar a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (art.343º n.º1 do Código Civil).
III - A ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, demonstrativa de um sentimento de unidade e de pertença à comunidade nacional, não pode derivar apenas de um casamento de uma brasileira com um português, contraído no Brasil no ano de 1997, onde os conjugues sempre residiram e estruturaram a sua vida familiar e profissional.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul

1- RELATÓRIO
Ministério Público, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, de 16.01.2009, do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a acção administrativa especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por si intentada contra, I..., casada, de nacionalidade Brasileira, natural de Aracajú, Estado de Sergipe, República Federativa do Brasil, filha de pais brasileiros e residente em Aracajú.
Concluiu as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Atendendo a que a redacção dos n°s 1 e 2 do art. 3° da Lei n° 37/81, foi mantida pela Lei 2/2006, continua o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, a poder adquirir em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa.
2. No entanto, enquanto o art.9º, na redacção anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a "não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional";
3. Já na redacção actual refere-se que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional".
4. O art. 56°, n.º2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado Decreto -Lei n°237-A/2006, que corresponde ao referido art. 22°, prevê:
«2- Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro».
5. E o art. 57°, n° 1 deste diploma, dispõe-se que:
"Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo anterior."
6. No n°7 do mesmo artigo estabelece-se que "sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser"
7. Da leitura e análise dos citados preceitos retira-se que deixou o legislador de exigir que o interessado comprove a sua ligação efectiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a "não comprovação” dessa ligação efectiva. Ou seja, agora, não se faz menção a essa "não comprovação", mas tão só à inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser fera ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição.
8. O interessado a ter necessidade de "pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional", crendo-se que será a partir dessa pronuncia que o conservador poderá aquilatar da existência /inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.
9. Portanto, a oposição à aquisição de nacionalidade, «ao que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional deverá o interessado, que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito, pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. Assim, constatando-se, face às explicações apresentadas com vista à alegada ligação à comunidade nacional, que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir por essa ligação, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição".
10. A acção de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 4°, n 2, al. a) do CPC).
11. A acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa.
12. A nova lei "não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas".
13. De acordo com o disposto no art.343°, n°1 do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
14. Mas se quisermos, também pelo facto de estarmos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado, que aí manifesta a intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.
15. Por outro lado, no caso concreto, também a unidade familiar não pode ser entendida no sentido da prova de ligação efectiva, já existente, à comunidade nacional que é necessário fazer do requisito do art. 9°, al. a) da Lei n° 37/81, na redacção dada pela Lei n°2/2006 de 17 de Abril e art. 56°, n° 1, al. a) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL n.º 237 A/2006, de 14 de Dezembro).
16. Porque, tendo-se em conta que, a família constitui elo fundamental não só na vivência e na construção do carácter da pessoa humana, mas também na interiorização e sedimentação dos valores essências da vida em sociedade, no caso não é relevante como transmissor dos valores que são inerentes, essências e exclusivos dos portugueses.
17. Face à matéria dada como provada, deveria o Tribunal " a quo", considerar que a R. não tinha ligação efectiva à comunidade portuguesa.
A Recorrida contra – alegou, pugnando pela manutenção do decidido. (cfr. fls. 127 a 133, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
Foram colhidos os vistos legais
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2. DA MATÉRIA DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1) A ré é natural de Aracaju, Sergipe, Brasil, onde nasceu em 26 de Março de 1967, e é filha de J...e de A...(cfr. fls. 26 e 28, dos autos em suporte de papel, a que pertencem as demais folhas a citar, sem menção de origem).
2) A ré é de nacionalidade brasileira (cfr. fls. 21 a 23 e 26).
3) Em 9 de Janeiro de 1997, em Aracaju, Sergipe, Brasil, contraiu casamento civil com o cidadão português B..., natural de Oliveirinha, freguesia de Oliveira do Conde, concelho de Carregal do Sal (cfr. fls. 26 e 28 a 34).
4) Em 6 de Agosto de 2007 foi recebida na Conservatória dos Registos Centrais uma declaração subscrita pela ré para aquisição da nacionalidade portuguesa com base no casamento referido em 3) (cfr. fls. 17-18).
5) Com base nessa declaração foi organizado na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa o processo n°.41158/07, onde se questionou a existência de factores impeditivos da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa - falta de ligação electiva à comunidade portuguesa -, razão pela qual foi remetida ao MP certidão para efeitos de instauração do presente processo (cfr. fls. 16 e 57 a 59).
6) Em 31 de Março de 2002, em Aracaju, Sergipe, Brasil, nasceu G..., filho da ré e de B..., ao qual foi atribuído a nacionalidade portuguesa, conforme registo lavrado em 4.6.2007 (cfr. fls. 55-56).
7) Em 12 de Setembro de 2005, em Aracaju, Sergipe, Brasil, nasceu R..., filha da ré e de B..., à qual foi atribuída a nacionalidade portuguesa, conforme registo lavrado em 4.6.2007 (cfr. fls. 52-54).
8) A ré fala o português (cfr. 19 e 20).
9) Reside e sempre residiu no Brasil (acordo, conjugado com fls. 17, 19, 26, 63 e 78).
10) Exerce a profissão de advogada no Brasil (acordo, conjugado com fls. 17, 20, 26 e 40).
11) A ré gozou as suas férias relativas ao ano de 2007 em Portugal (cfr. fls. 19-20, das quais decorre que em 1.8.2007 a ré se encontrava em Lisboa).

Mais se deram, como não provados, os seguintes factos:
A) A ré nunca teve contacto com a realidade portuguesa [teve-se em conta que foi produzida prova em sentido contrário - cfr. facto provado sob o n.° 11)].
B) A ré não convive ou conviveu com portugueses [teve-se em conta que a única prova produzida foi em sentido contrário - cfr. fls. 20].
C) A ré não absorveu os costumes, referências e valores sociais e culturais da comunidade portuguesa [teve-se em conta a circunstância deste facto ter sido impugnado pela ré e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo, pois o facto da ré residir no Brasil não é incompatível com tal absorção de costumes e valores sociais da comunidade portuguesa].
D) A ré desconhece e não se "revê" na História de Portugal [teve-se em conta a circunstância deste facto ter sido impugnado pela ré e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
E) A ré mantém contacto assíduo com alguns familiares do seu marido, residentes em Portugal, recebendo-os por diversas vezes em sua casa e tendo sido recebida pelos mesmos quando se deslocou a Portugal [teve-se em conta a circunstância deste facto, e face ao teor da petição inicial, se encontrar impugnado e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
F) A ré desde muito cedo se interessou e interessa pela música portuguesa, pelos cantores nacionais, ouvindo regularmente a discografia produzida em Portugal, nomeadamente Madredeus, Amália Rodrigues, Fados de Coimbra, etc. [teve-se em conta a circunstância deste facto, e face ao teor da petição inicial, se encontrar impugnado e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
G) A ré lê as obras publicadas e escrita por autores portugueses [teve-se em conta a circunstância deste facto, e face ao teor da petição inicial, se encontrar impugnado e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
H) Conhece a história passada e recente de Portugal [teve-se em conta a circunstância deste facto, e face ao teor da petição inicial, se encontrar impugnado e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
I) Acompanha diariamente as notícias publicadas na imprensa portuguesa [teve-se em conta a circunstância deste facto, e face ao teor da petição inicial, se encontrar impugnado e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
J) Desde que se casou com B... absorveu diversos costumes, referências e valores sociais e culturais próprios da comunidade portuguesa, tendo-os reflectido na educação dos seus filhos [teve-se em conta a circunstância deste facto, e face ao teor da petição inicial, se encontrar impugnado e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
L) O seu interesse por Portugal e pela comunidade portuguesa é ainda anterior ao seu casamento, já que desde 1992 que é frequentadora do Gabinete Português de Leitura, situado na Praça da Piedade, em Salvador, Bahia [teve-se em conta a circunstância deste facto, e face ao teor da petição inicial, se encontrar impugnado e de não ter sido produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
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DO DIREITO APLICÁVEL
A Mmª Juíza do TAC de Lisboa julgou improcedente a presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa, ordenando o prosseguimento do processo na Conservatória dos Registos Centrais.
Para tanto, considerou, designadamente, que tendo em conta o estatuído no artigo 8º n.º2 do Código Civil, conclui-se que, face à actual Lei da Nacionalidade, recai sobre o Ministério Público o ónus da prova da inexistência de ligação à comunidade nacional. Não tendo este logrado provar este fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, como lhe incumbia, terá de improceder a presente oposição, devendo, em consequência, prosseguir o processo na Conservatória dos Registos Centrais, não podendo, no entanto, o tribunal conceder a nacionalidade portuguesa à Ré por tal extravasar o âmbito da presente acção, na qual cumpre apenas apurar se o motivo invocado pelo autor como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da Ré procede ou não.
Salvo o devido respeito, entendemos que a prova produzida nos autos conduz à conclusão oposta.
É certo que o estrangeiro casado há mais de três anos com um nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio (art.3º nº1 da Lei n.º 25/94).
E também é certo que incumbe ao Ministério Público o ónus de provar a existência de factos que tornam impedido o direito (aquisição de nacionalidade) que o interessado quis fazer valer (art.º342º n.º2 do Código Civil).
Todavia, a prova dos factos constitutivos de tal direito incumbe ao interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa.
Em síntese, incumbe ao estrangeiro, casado com um cidadão nacional há mais de três anos, que pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa, expressar essa vontade na constância do matrimónio (conforme o n.º1 do artigo 3º da Lei n.º31/87, com a alteração introduzida pela Lei n.º 25/94), e demonstrar que se encontra inserido na comunidade nacional.
Um dos requisitos essenciais a provar é a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, que no caso concreto, não resulta evidente, o que levou a Conservatória dos Registos Centrais a não lavrar o registo pretendido, remetendo o processo ao Ministério Público.
O requisito da ligação efectiva à comunidade nacional pressupõe a existência de uma ligação, cultural, sociológica e familiar à comunidade portuguesa, mas verifica-se que a interessada não possui tal ligação, pois que reside e sempre residiu no Brasil, onde exerce a sua profissão de advogada, e apenas gozou as suas férias relativas ao ano de 2007 em Portugal. A interessada funda o seu pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, essencialmente no seu casamento com um português, celebrado em 9.01.97, no Brasil e no facto de ter dois filhos nascidos em Sergipe, Brasil, cuja inscrição de nascimento no Registo Civil Português data apenas de 2007.
Ou seja, tudo sugere que o interesse pela aquisição da nacionalidade portuguesa é recente, e que a evolução profissional e familiar da Ré, no tocante a valores sociais e culturais, foi feita no interior da Comunidade Brasileira, ao longo de muitos anos.
Quanto a nós, o casamento de uma cidadã brasileira com um português, efectuado em 9 de Janeiro de 1997, em Aracaju, Sergipe, Brasil, onde o casal continuou a sua vida até ao presente, não é só por si suficiente para integrar o conceito de ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, como resulta da insuficiente e escassa matéria de facto provada (artigos 1º a 11º do probatório).
Como argumenta a Digna Magistrada do Ministério Público: “ também não procede o argumento da unidade familiar, uma vez que o facto de a requerida se encontrar desde sempre a residir no Brasil e viver integrada naquela comunidade, bem como todos os elementos que constituem a sua família nuclear… não podem ser tidos em conta como transmissores de valores que são inerentes, essenciais e exclusivos dos portugueses”.
Também não é relevante o facto de a Ré falar a língua portuguesa, pois que se trata de um factor de unidade social e cultural da comunidade lusófona, que abrange diversas nacionalidades com valores sociais e culturais distintos.
Pode concluir-se, em suma, que a Ré não demonstrou uma ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, antes ressaltando dos autos que as referências e identidades culturais se mantêm intactas, pela elementar razão de que a mesma sempre esteve radicada no Brasil, do ponto de vista familiar, social e profissional. Demonstrativo de tal realidade é o elenco de factos não provados fixados na sentença recorrida, dos quais se destaca a ausência de contacto com a realidade portuguesa e a circunstância de não ter absorvido os costumes, referências e valores da sociedade, apenas mantendo contacto com alguns familiares do seu marido. Os demais factos não provados excluem uma efectiva ligação à comunidade portuguesa, pelo que entendemos que a factualidade assente nos autos deveria ter conduzido a uma decisão em sentido contrário da perfilhada, incorrendo a decisão de 1ª instância em erro de julgamento.
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4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a presente acção de oposição à aquisição de nacionalidade intentada pelo Ministério Público.
Sem custas
Lisboa,19/11/2009

Coelho da Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira