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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:509/16.4BECTB-A
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CUMULAÇÃO ILEGAL DE PRETENSÕES
CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO
Sumário:I. Em sede de ação administrativa, é possível cumular um pedido impugnatório com um pedido de condenação à prática do ato devido.
II. Reagindo o administrado contra um ato de indeferimento, é necessária a formulação de um pedido de condenação à prática do ato devido.
III. Na apreciação da (i)legalidade da cumulação de pretensões não há que atender ao mérito da pretensão formulada, mas tão-só ao preenchimento dos pressupostos da cumulação.
IV. A decisão atinente ao concreto conteúdo do ato considerado devido respeita à apreciação do mérito da ação administrativa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

O Município de Vila Velha de Rodão (doravante Recorrente) veio apresentar recurso do despacho saneador proferido a 30.08.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, no qual foi julgada procedente a exceção de cumulação ilegal de pedidos e foi indeferido o pedido de formulação de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Nas alegações apresentadas, o Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“A. Segundo jurisprudência administrativa reiterada, a determinação do meio processual adequado - impugnação judicial ou acção administrativa - está dependente do conteúdo do acto impugnado (no caso sub judice, do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa) comportar ou não a apreciação da legalidade de liquidações, sendo irrelevante o facto de tal acto se inserir no procedimento de liquidação de imposto;

B. Deste modo, e seguindo exemplos de casos já julgados pelos tribunais administrativos superiores, os pedidos de reconhecimento de direito à dedução devem ser objecto de acção administrativa para impugnar actos de indeferimento destes mesmos pedidos;

C. Se o acto de indeferimento do pedido supra identificado não tiver apreciado a legalidade das liquidações de IVA, este acto administrativo deve ser impugnado através do meio processual de acção administrativa;

D. Deste modo, um acto administrativo de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa onde se requeira o reconhecimento do direito à dedução do IVA, que não aprecie a legalidade dos correspondentes actos de liquidação de IVA, tem como meio processual adequado a acção administrativa;

E. No caso sub judice, a decisão de indeferimento em apreço só analisou as questões alusivas à (in)tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Recorrente e à inexistência de qualquer erro na autoliquidação;

F. Entendeu a AT, na decisão de indeferimento em apreço, que inexistia qualquer erro na autoliquidação, por considerar que a questão em causa era relativa ao foro do exercício do direito à dedução de IVA, concluindo pela intempestividade do pedido apresentado pelo Recorrente;

G. No despacho saneador, o Tribunal a quo reconhece expressamente que a AT não apreciou o mérito do pedido de revisão da autoliquidação de IVA, não tendo analisado a legalidade da autoliquidação em causa;

H. Neste contexto, e considerando as normais legais em vigor e a jurisprudência administrativa aplicável, e não tendo a decisão de indeferimento apreciado a legalidade da autoliquidação de IVA realizada pelo Recorrente, o Tribunal a quo deveria, no seu despacho saneador aqui recorrido, ter julgado a acção administrativa especial como meio processual adequado para apreciar o pedido de condenação da AT ao reconhecimento do direito à dedução do IVA referente ao ano 2010, no montante de € 66.632,58.

I. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CPTA, o Tribunal a quo tem poderes para apreciar o pedido do Recorrente ao reconhecimento do direito sub judice.

J. O Tribunal a quo recusou a apreciação do pedido referente ao reconhecimento do direito à dedução de IVA por parte do Recorrente, por considerar que este pedido não pode ser objecto de uma acção administrativa, mas sim de uma impugnação judicial.

K. Adicionalmente, considerou o Tribunal a quo que, com referência ao terceiro pedido formulado pelo ora Recorrente “(...) a suspensão da instância e o reenvio para o TJUE das questões que esse Tribunal venha a considerar pertinentes" - não deverá proceder pois, em seu entender, "(...) o Autor não identifica, em concreto e de forma precisa, qual o princípio do direito comunitário que se mostra violado com a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa".

L. Conforme demonstrado na petição inicial de acção administrativa, verifica-se que a decisão de indeferimento colide com o princípio da neutralidade do IVA, bem como com o princípio da equivalência e da efectividade do Direito da União Europeia.

M. Em suma, face ao exposto, considera o Recorrente que, mal andou o Tribunal a quo em não considerar a acção administrativa como o meio processual adequado para apreciar o pedido em apreço bem como ao considerar que, in casu, não foram identificadas as disposições legais comunitárias preteridas com a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente”.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrida ou AT) apresentou contra-alegações, onde concluiu nos seguintes termos:

“A. Improcede, na sua totalidade, a impugnação, apresentada relativamente ao despacho saneador proferido no âmbito do processo 509/16.4BECTB, que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.

B. O aqui Recorrente é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral que, a 30 de Dezembro de 2014, apresentou um pedido de revisão oficiosa no sentido de lhe ser reconhecido o direito à dedução do montante de € 66.632,58, alegadamente liquidado em excesso ao longo do ano de 2010.

C. O referido pedido foi indeferido por questões meramente formais, vg, por se considerar extemporâneo, pelo que o acto administrativo em matéria tributária objecto dos presentes autos não apreciou a legalidade da (auto)liquidação,

D. O que significa que, em causa nos autos não está o indeferimento do pedido de regularização de IVA, em concreto, porquanto o mesmo nem foi analisado, mas o acto que indeferiu aquele pedido por não se estar cumprido um requisito formal - o do prazo.

E. Na verdade, não foi proferida pela R. qualquer decisão material ou substancial de indeferimento da pretensão do A., no âmbito da efectiva apreciação do direito à regularização de IVA, que lho tivesse negado por ter concluído, no final do procedimento, que o mesmo não era devido.

F. Nomeadamente, não foi feita qualquer análise da documentação contabilística do A. que permita à Ré aferir da natureza dos encargos referidos e dos montantes mencionados que lhe permitisse proferir decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de regularização.

G. Consequentemente, o despacho saneador ora questionado, em conformidade com toda a jurisprudência emanada pelos tribunais superiores, alguma até mencionada pelo ora Recorrente nas alegações apresentadas, decidiu que apenas poderia conhecer da (i)legalidade do despacho de indeferimento sem que isso implicasse, automaticamente, o reconhecimento do direito à dedução do IVA nos termos e montantes inicialmente peticionados.

H. Porque o reconhecimento desse direito está directamente ligado à apreciação da legalidade da (auto)liquidação, e essa não é a área de incidência da acção administrativa.

I. Razão pela qual, também em situações de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA, o meio próprio para sindicar tal indeferimento é, em termos judiciais, a impugnação e não a acção administrativa (vd artigo 22º n.º 13 do Código do IVA).

J. A AT não contestou que, neste caso concreto, a acção administrativa fosse o meio próprio para contestar o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mas apenas a possibilidade de, caso o Tribunal viesse a decidir pela anulação do despacho, por reputar o mesmo de ilegal, admitir, sem mais, a alegada regularização de IVA.

K. Assim, de acordo com os também mencionados nºs 2 e 3 do artigo 71º do CPTA, o Tribunal, caso considerasse o despacho da AT ilegal, deveria então ordenar à AT que promovesse a apreciação da situação, fundamentando de facto e de direito, a legalidade da regularização pretendida.

L. Apreciação, essa, que se impõe na dupla vertente de cumprimento dos demais requisitos face aos princípios basilares do IVA (mormente, a neutralidade e a repercutibilidade) e de validação do montante efectivamente a regularizar face ao IVA alegadamente liquidado em excesso.

M. Em suma, se, porventura, o presente Tribunal decidisse pela aplicação do artigo 98.º do Código do IVA ao caso concreto, não poderia, sem mais, decidir pela liquidação de IVA em excesso, conforme alega o A. mas determinar que o processo fosse devolvido à Autoridade Tributária para esta se pronunciar pela regularização peticionada.

N. E isto porque do teor da informação que fundamentou a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não se pode retirar qualquer concordância com algum enquadramento jurídico das operações económicas aqui em causa, em sede de IVA.

O. Inclusivamente, caso o Tribunal concluísse pela possibilidade de regularização no prazo de quatro anos, nos termos do artigo 98.º do CIVA, para determinar se o A. efectivamente liquidou IVA em excesso e em que montante, seria sempre essencial a análise conjunta das facturas anuladas, notas de crédito e novas facturas emitidas.

P. Pois, desde logo, da factualidade exposta constata-se que o A. não juntou qualquer sinal da prova imposta pelo artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA, isto é, prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.

Q. Deste modo, não basta ao A. alegar certa factualidade, sem que faça a devida correspondência à realidade documental, indispensável à tomada de decisão por parte do órgão decisor.

R. O que acarreta, desde logo, a improcedência dos argumentos apresentados.

S. De igual modo, no que diz respeito ao pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, apenas se remete, sem mais delongas, para os artigos 33º a 41º da contestação atempadamente apresentada pela Ré.

T. Ademais, o despacho saneador aqui objecto de recurso não se limitou a dizer, e bem, que o A. "não evidencia qual a desconformidade que os preceitos legais aplicados ao caso versado encerram à luz das disposições comunitárias"

U. mas também acresce a menção de que "não se afigura que as normas aplicadas ao caso versado sejam de evidente dificuldade interpretativa que reclame a intervenção do TJUE" , o que de imediato denota que o Tribunal não considera necessário à resolução da situação em apreço tal reenvio.

V. Pelo que também sobre este ponto devem as alegações improceder.

W. Falecendo integralmente os argumentos esgrimidos peia Recorrente em prol da ambicionada anulação do despacho saneador, deve o presente recurso improceder, assim se fazendo JUSTIÇA”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo emitido parecer no sentido do não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de ser admissível a cumulação de pedidos efetuada pela Recorrente?

b) Há erro de julgamento, reunindo-se condições para a formulação de reenvio prejudicial?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 30-12-2014, o ora Autor apresentou pedido de Revisão Oficiosa «da (auto)liquidação de IVA efetuada nas declarações periódicas referentes ao ano 2010, da qual resultou a entrega de prestação tributária em excesso, no valor de € 66.632,58» – cfr. fls. 23 a 37 do processo administrativo apenso;

2) Em 24-08-2016, foi elaborada a Informação constante de fls. 3 a 8 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:

«(…)

II – APRECIAÇÃO

As regularizações pretendidas

5. De acordo com o n.º 1 do art.º 78.º da LGT, a revisão oficiosa é um mecanismo de impugnação de atos tributários, podendo ser utilizado, no limite, no prazo de quatro anos após a liquidação. No caso em apreço, foram impugnadas as (auto)liquidações de IVA de janeiro a dezembro de 2010.

6. De acordo com a exposição apresentada, se bem se percebeu, no ano de 2010 o Requerente não procedeu a qualquer dedução de IVA suportado na aquisição de bens mistos, tendo, agora, para efeitos do art.º 23.º do CIVA, calculado um pro rata de dedução de 72%.

7. No que concerne à aplicação do pro rata de dedução, entende-se que, na situação apresentada, não é aplicável o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA e no n.º 1 do art.º 78.º da LGT, nem sequer o prazo de dois anos previsto no n.º 1 do art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ou no n.º 6 do art.º 78.º do CIVA.

8. A situação descrita, de omissão de dedução de imposto suportado com bens e serviços de utilização mista (custos comuns), não configura um erro, mas uma opção legítima e comum entre sujeitos passivos mistos.

9. Essa é uma opção que se encontra no âmbito da autonomia de atuação permitida pelo imposto e é materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo. Desta forma, nestes casos, não é legítimo que o sujeito passivo venha invocar que ocorreu um erro (o que nem sequer é invocado no caso em apreço) quando as declarações periódicas apresentadas materializam uma opção por não deduzir IVA que podia eventualmente deduzir.

(…)

O direito à dedução do art.º 98.º, n.º 2 do CIVA

14. O Requerente refere o n.º 2 do art.º 98.º do CIVA como podendo salvaguardar o direito por si reivindicado.

15. Do n.º 2 do art.º 98.º do CIVA resulta que, “sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução (…) só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução”. O que está em causa nesta norma é, pois, o exercício “pela primeira vez” do direito à dedução de imposto suportado.

16. Pelo contrário, o que o Requerente suscita é a regularização do imposto anteriormente deduzido e não a sua dedução inicial. A diferença é que a regularização de imposto consiste na retificação/correção do imposto considerado em declaração periódica anterior. Está em causa a alteração de um ato anterior do sujeito passivo.

17. O ofício-circulado n.º 30.082/2005 esclarece o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização, no ponto 8., quando alerta que “não são aplicáveis os mecanismos previstos no art.º 71.º nos casos do exercício do direito à dedução do imposto mencionado em documentos ainda não registados, o qual deve ser efectuado nos termos do art.º 22.º, desde que dentro do prazo previsto no n.º 2 do art.º 91.º, todos do CIVA”.

18. Ou seja, o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização é a circunstância do direito que se pretende exercer ser relativo a documento ainda não registado (no caso do direito à dedução) ou a documento já registado (direito à regularização).

19. Daí que, pretendendo o Requerente exercer o direito relativamente a documentos atempadamente registados na sua contabilidade (em 2010), em caso algum poderia ser aplicável o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA. Esta norma destina-se ao exercício do direito à dedução, quando o que o Requerente suscita é o exercício do direito à regularização de imposto.

20. Na realidade, o n.º 2 do art.º 98.º permite impor um prazo máximo ao exercício do direito e, por outro lado, eventualmente, acautelar situações excecionais que poderiam impedir a dedução de imposto nos termos dos artigos 22.º e 23.º do CIVA. No que concerne à imposição de um prazo máximo, existem, por exemplo, casos em que, por facto imputável ao prestador, vendedor ou terceiro, os documentos de suporte da dedução não são atempadamente disponibilizados pelo sujeito passivo.

21. Ou seja, na situação em apreço, pretendendo o Requerente regularizar imposto registado na contabilidade desde o ano de 2010, nunca seria aplicável o prazo de quatro anos do n.º 2 do art.º 98.º do CIVA.

22. Muito menos poderia ser atendida a pretensão do Requerente, com base no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, na parte em que se refere ao prazo de quatro anos para efeitos do direito ao reembolso do pagamento em excesso.

23. Na realidade, o termo “reembolso” é aí aplicado no seu sentido técnico, como recuperação do imposto entregue em excesso em virtude dos créditos de imposto apurados nas declarações periódicas apresentadas, nos termos do art.º 22.º, em especial n.º 5 e seguintes, e do Despacho Normativo n.º 18-A/2011, de 11 de julho.

Aliás, ao referir-se a “imposto entregue em excesso” e em “pagamento em excesso de imposto”, o n.º 2 do art.º 98.º do CIVA dá claramente a entender que não é esse um prazo de regularização de (auto)liquidações, mas sim de reembolso por pagamentos decorrentes das (auto)liquidações realizadas. Ou seja, não pode ser posto em causa o conteúdo de uma liquidação com base nessa norma.

A revisão dos atos tributários – art.º 78.º da LGT

25. Como exposto, o Requerente baseia a sua pretensão na aplicação do n.º 2 do art.º 98.º do CIVA em conjugação com o n.º 1 do art.º 78.º da LGT.

26. Ora, tendo-se concluído que, no que concerne à omissão de aplicação do método da percentagem de dedução, não existe um erro na autoliquidação, nunca poderia a pretensão do Requerente ser acolhida com base na revisão de imposto plasmada no n.º 1 do art.º 98.º do CIVA e no n.º 1 do art.º 78.º da LGT. Por igualdade de razões, também não havia fundamento para a reclamação graciosa prevista no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT.

27. Na verdade, a dedução de imposto é um direito (e não um poder-dever ou obrigação) dos sujeitos passivos, o qual é exercido (ou não) na declaração periódica de imposto. O exercício do direito à dedução está exclusivamente na disponibilidade dos sujeitos passivos, uma vez que a imputação dos custos foi por si realizada, cabendo-lhes proceder à respetiva separação por setores de atividade onde são aplicados os bens e os serviços adquiridos, e, consequentemente, reportar, em consonância com os registos contabilísticos das faturas que têm em sua posse, o imposto suportado nas declarações periódicas a apresentar dentro dos prazos legais previstos no CIVA.

28. Aliás, é incontroverso na jurisprudência que a dedução de IVA é um direito exclusivo dos sujeitos passivos, que pode ou não ser exercido, não podendo a AT substituir-se-lhes nesse direito, para além de, atento o caráter formalista do imposto, o direito à dedução estar sujeito ao cumprimento das formalidades previstas no CIVA, designadamente temporais.

(…)

30. Até porque o Requerente não alega, sequer, a existência de um erro nas autoliquidações, limitando-se a apresentar a sua pretensão de dedução adicional de imposto, como se tal dedução pudesse ser efetuada, em qualquer circunstância, no prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA.

31. Afigura-se também que a situação de erro que suportaria a pretensão do Requerente, a existir, não poderia ser tutelada pelo mecanismo da revisão oficiosa, dependendo de um atempado pedido de reclamação graciosa, nos termos do art.º 131.º do CPPT.

32. Desde logo, entende-se que as situações descritas pelo Requerente não podem ser qualificadas, para efeitos do n.º 2 do art.º 78.º da LGT, como um erro na autoliquidação.

33. Na realidade, não se pode perder de vista que, de acordo com o n.º 1 do art.º 44.º e os artigos 45.º e 48.º do CIVA, a dedução e liquidação de imposto é objeto de registo na contabilidade dos sujeitos passivos, servindo tal registo de base ao preenchimento da respetiva declaração periódica. A dedução e liquidação de imposto são efetuadas pelo sujeito passivo na sua contabilidade (internamente).

34. Assim, como exposto, os erros seriam prévios à autoliquidação e decorreriam dos registos contabilísticos do Requerente, pois a autoliquidação praticada limita-se a refletir os registos contabilísticos, não dando origem a um erro novo.

35. Ou seja, o erro não ocorreria na autoliquidação, mas sim nas operações praticadas a montante, não sendo legítimo estender, no n.º 2 do art.º 78.º da LGT, o conceito de erro na autoliquidação a estas situações em que a autoliquidação de imposto se limita a refletir erros pré-existentes.

36. Por outras palavras, a autoliquidação realizada nem sequer está errada porque se encontra em conformidade com os registos contabilísticos do Requerente.

37. Erros na autoliquidação são aqueles que só ocorrem na declaração periódica, como é o caso típico de erros na transcrição das faturas ou dos registos para os campos das declarações periódicas de imposto.

(…)

42. Assim o erro na autoliquidação aludido no n.º 2 do art.º 78.º da LGT é o erro que só ocorre na operação de autoliquidação de imposto, não sendo o conceito extensível a erros prévios que vêm a repercutir-se no preenchimento da declaração periódica de imposto apresentada pelo sujeito passivo.

(…)»

3) Com base na informação antecedente, foi, em 02-09-2016, proferido despacho de indeferimento – cfr. resulta de fls. 2 do PA apenso;

4) Desse indeferimento foi o ora autor notificado por ofício expedido em 13-09-2016 - cfr. resulta de fls. 56 do PA apenso;

5) Em 12-12-2016, o ora Autor apresentou junto deste TAF a presente acção administrativa – cfr. resulta de fls. 1 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na decisão recorrida:

“Com interesse, nada mais se provou”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A matéria de facto dado como provada resulta dos documentos juntos aos autos bem como os que constam do processo administrativo apenso”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto à matéria de exceção

Considera o Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento atinente à matéria de exceção suscitada, na medida em que, face ao conteúdo do ato sob escrutínio, é meio de reação próprio a ação administrativa, sendo também o meio adequado para apreciar o pedido de condenação da AT formulado na petição inicial.

Vejamos.

Determina o art.º 97.º, n.º 2, da LGT, que “… [a] todo o direito corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”, dispondo o seu n.º 3 que “[o]rdenar-se-á a correção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.

A ação administrativa, em processo tributário, abrange os casos referidos no n.º 2 do art.º 97.º do CPPT (redação vigente à data da propositura da presente ação), ou seja, a impugnação de “… atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação da autoria da administração tributária…”.

Por seu turno, a impugnação judicial é o meio adequado para reagir contra um ato tributário de liquidação, com fundamento em qualquer ilegalidade, tendo por objetivo a anulação total ou parcial dos atos tributários ou a declaração da sua nulidade ou inexistência.

Havendo um pedido de revisão de atos de autoliquidação, como in casu, o meio próprio de reação, em relação à respetiva decisão, pode ser tanto a impugnação judicial como a ação administrativa especial, dependendo do conteúdo do ato recorrido.

Assim, se, na decisão do pedido de revisão, houver uma pronúncia expressa sobre a legalidade da liquidação (ou seja, sendo o seu objeto mediato a liquidação em causa, a respetiva legalidade), é meio adequado a impugnação judicial; já se tal decisão não se debruçar sobre a legalidade da liquidação ou se o A. apenas alegar vícios próprios dessa mesma decisão (v.g., se a decisão for de indeferimento por extemporaneidade), será meio próprio a ação administrativa (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.02.2005 – Processo: 01171/04).

In casu, foi apresentado um requerimento pela ora Recorrente, junto dos serviços da AT, pedindo a revisão dos atos de autoliquidação de IVA relativos ao ano de 2010.

Como não é controvertido, a AT, no ato de indeferimento praticado, não se pronunciou sobre o mérito da pretensão da Recorrente, considerando tratar-se de pedido extemporâneo.

Assim, não se tendo a AT pronunciado sobre a validade da pretensão e, bem assim, sobre a legalidade das autoliquidações, nos termos já enunciados supra é meio processual adequado de reação a ação administrativa.

A questão que se coloca é a de saber se é admissível a cumulação dos pedidos formulados sob as alíneas (i) e (ii) ou se a mesma não é admissível, em virtude de, como considerou o Tribunal a quo, o meio próprio para a apreciação do pedido formulado em (ii) ser a impugnação judicial.

Para a apreciação da questão controvertida, cumpre, antes de mais, atentar no regime contido no CPTA, aplicável ex vi art.º 97.º, n.º 2, do CPPT.

Como decorre do disposto no art.º 37.º, n.º 1, als. a) e b), do CPTA, seguem a forma da ação administrativa, designadamente, os processos que visem a impugnação de atos administrativos ou a condenação à prática de atos administrativos devidos.

Considerando o disposto no art.º 66.º do mesmo diploma:

“1 - A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.

2 - Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória”.

Ou seja, resulta desta disposição legal que, reagindo o administrado contra um ato de indeferimento (expresso ou tácito), o objeto do processo é não o indeferimento, mas a pretensão do interessado. Daí que tenha de ser formulado o pedido de condenação à prática de ato devido.

A esse propósito, chama-se ainda à colação o disposto no n.º 4 do art.º 51.º do CPTA, nos termos do qual:

“4 - Se contra um ato de indeferimento ou de recusa de apreciação de requerimento não tiver sido deduzido o adequado pedido de condenação à prática de ato devido, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de deduzir o referido pedido”.

Na palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (1)

“O n.º 4, ao impor ao juiz a prolação de um despacho de aperfeiçoamento para efeito da substituição da petição, quando contra um ato de indeferimento ou de recusa da apreciação de requerimento tenha sido deduzido um pedido impugnatório e não o adequado pedido de condenação à prática do ato devido, pretende harmonizar o requisito da impugnabilidade dos atos administrativos, a que este artigo 51.º se refere, com 0 objeto e os pressupostos processuais do pedido de condenação à prática de ato devido”.

No caso, como resulta da petição inicial foi cumulado um pedido impugnatório com um pedido de condenação à prática de ato devido.

Nos termos do art.º 4.º, n.º 2, do CPTA,

“É, designadamente, possível cumular:

a) O pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo com o pedido de condenação da Administração ao restabelecimento da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado;

(…)

c) O pedido de condenação da Administração à prática de um ato administrativo legalmente devido com qualquer dos pedidos mencionados na alínea a)”.

Ou seja, daqui decorre que qualquer pedido do tipo impugnatório pode ser cumulado com pretensões condenatórias visando a prática do ato devido.

É ainda de sublinhar que o facto de, aos diferentes pedidos corresponderem formas processuais distintas, não é, per se, óbice à cumulação de pedidos, como resulta, desde logo, do art.º 5.º do CPTA, então em vigor, atinente à cumulação de pedidos próprios de ação administrativa urgente com pedidos próprios de processos não urgentes.

Deste contexto, e independentemente de se poder considerar irrelevante formular um pedido impugnatório em sede de ação em que se reage de um indeferimento da pretensão do administrado, visando a condenação à prática do ato devido (2) (uma vez que, como já referimos supra, o desaparecimento da ordem jurídica do ato de indeferimento decorre inexoravelmente da pronúncia condenatória), é possível cumular um pedido impugnatório com um pedido de condenação à prática do ato devido.

Ora, a cumulação ilegal de pedidos (ou ilegalidade da cumulação de pretensões) é uma exceção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito, expressamente prevista no art.º 89.º, n.º 4, al. j), do CPTA (3), cuja verificação deve dar lugar, num primeiro momento, à formulação do despacho mencionado no então n.º 3 do art.º 4.º do CPTA (ou seja, convite à indicação do pedido que pretende ver formulado). Só após tal despacho e não tendo sido indicado qual o pedido que o A. pretende ver apreciado é que haverá lugar à absolvição da instância.

Não foi o que sucedeu no caso dos autos, tendo antes o Tribunal a quo decidido pela cumulação ilegal das pretensões, por considerar que nunca a pronúncia condenatória a eventualmente proferir pelo Tribunal pode ter o conteúdo contido no pedido formulado no ponto ii).

Desde já se refira que não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo no sentido da procedência da matéria de exceção, não obstante considerarmos que o entendimento distinto também não tem necessariamente o alcance que lhe é assacado pelo Recorrente.

Com efeito, como vimos, foi in casu cumulado um pedido impugnatório com um pedido de condenação à prática de ato devido, o que per se é perfeitamente admissível em sede de ação administrativa.

Na análise da cumulação ilegal de pedidos não tem de se olhar ao mérito da pretensão, mas tão-só à verificação de uma relação de prejudicialidade ou dependência entre os pedidos formulados. E essa relação, in casu, existe: o Recorrente reagiu perante um ato de indeferimento e formulou um pedido de condenação à prática do ato que, na sua perspetiva, é o ato devido.

Coisa diferente é aferir se a pronúncia condenatória pode ter o conteúdo peticionado pelo autor.

Com efeito, o Tribunal não está vinculado a condenar a entidade demandada à prática do ato devido nos exatos termos peticionados, devendo, sim, proceder à condenação que expresse o respeito pelo direito do administrado.

A este propósito, cumpre atentar no disposto no art.º 71.º do CPTA, atinente aos poderes de pronúncia do Tribunal, no âmbito das ações tendentes à condenação à prática do ato devido, nos termos do qual:

“1 - Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido.

2 - Quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.

3 - Quando tenha sido pedida a condenação à prática de um ato com um conteúdo determinado, mas se verifique que, embora seja devida a prática de um ato administrativo, não é possível determinar o seu conteúdo, o tribunal não absolve do pedido, mas condena a entidade demandada à emissão do ato em questão, de acordo com os parâmetros estabelecidos no número anterior” (sublinhado nosso).

Este n.º 3, decorrente da revisão de 2015 do CPTA, veio justamente clarificar o que já referimos supra, no sentido de que, ainda que o pedido formulado respeite a uma condenação à prática de um ato com um determinado conteúdo, a situação em concreto pode não admitir tal condenação, mas sim outra (ou seja, numa situação em que não foi conhecido o mérito da pretensão requerida, por exemplo, ao invés da condenação peticionada à prática de um ato com um conteúdo material determinado condenar-se à prática de um ato que conheça do mérito do requerimento apresentado).

A este respeito, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (4)

“O n.º 3, aditado pela revisão de 2015, explicita que os poderes de pronúncia do tribunal não estão confinados pelo pedido tal como foi formulado pelo autor na ação.

Assim, se o autor tiver formulado um pedido de condenação da Administração à prática de um ato com conteúdo determinado, seja porque entende que o ato em causa é vinculado quanto ao conteúdo e à oportunidade, seja porque considera que, embora a Administração disponha de margem de livre apreciação na conformação do conteúdo do ato, nas circunstâncias do caso, não lhe resta senão uma única solução como legalmente possível, e o tribunal verificar que não pode emitir uma sentença condenatória desse tipo, mas que foram violados normas ou princípios jurídicos que justifiquem uma condenação de alcance mais limitado, o tribunal não profere uma sentença de condenação estrita, como foi requerido, mas não deixa de proferir uma sentença de condenação genérica que (…) determina que a Administração, no reexercício do seu poder administrativo, pratique um novo ato que não reincida nas mesmas ilegalidades” (sublinhados nossos).

Ou seja, o facto de o autor formular um pedido de condenação à prática do ato devido com um determinado conteúdo não impede o Tribunal de formular uma pronúncia condenatória de conteúdo diverso, conquanto seja essa que consubstancie o ato a cuja prática o administrado tem efetivamente direito. Aliás, é no fundo isso que é, de certa forma, abordado na decisão sob apreciação. No entanto, esta questão prende-se com a apreciação do mérito, com a definição dos termos da eventual pronúncia condenatória.

Sublinhe-se, aliás, que, a manter-se a decisão sob escrutínio nesta parte, tal traduzir-se-ia na prossecução dos autos sem que existisse qualquer pedido de condenação à prática do ato devido, o que não se compatibiliza com o regime a que nos vimos a referir, dado que a reação a um indeferimento exige, inexoravelmente, a formulação de um pedido de condenação à prática de ato devido e, da mesma forma, na sentença, caso a mesma seja procedente, terá a administração de ser condenada na prática do ato que se considere ser o devido.

Em suma, não existe cumulação ilegal de pedidos, sendo que o alegado no sentido de que é admissível uma pronúncia condenatória com o conteúdo que o A. formulou em sede de petição inicial não pode ser ora apreciado, tendo sim a ver com a decisão de mérito.

Como tal, nesta parte assiste razão ao Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento quanto ao despacho de indeferimento do pedido de reenvio prejudicial

Entende, por outro lado, o Recorrente que a decisão sob escrutínio padece de erro de julgamento, no que toca ao indeferimento do pedido de reenvio prejudicial, na medida em que, em seu entender, a decisão colide com o princípio da neutralidade do IVA e, bem assim, com o princípio da equivalência e da efetividade do direito da União Europeia.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), é possível submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) dois tipos de questões prejudiciais: as relacionadas com a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (reenvio de interpretação) e as relacionadas com a validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (reenvio de validade).

Assim, os órgãos jurisdicionais dos diversos Estados Membros da União Europeia, enquanto tribunais comuns da ordem jurídica da União Europeia, podem e devem formular as necessárias questões prejudiciais pertinentes para a resolução de litígios.

A formulação de questões prejudiciais pode configurar-se, por outro lado, como facultativa ou obrigatória.

Assim, nos termos do art.º 267.º do TFUE: “[s]empre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal” (5).

Como tal, nos reenvios de interpretação, caso o processo seja passível de recurso ordinário, a formulação de questão prejudicial é facultativa.

A propósito do reenvio de interpretação, refere-se nas Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01):

“12. (…) [U]m órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial em direito interno é obrigado a submeter esse pedido ao Tribunal, exceto quando já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto) ou quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

13. Assim, um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece. Todavia, um reenvio prejudicial pode ser particularmente útil quando se trate de uma questão de interpretação nova que apresente um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União, ou quando a jurisprudência existente não se afigure aplicável a um quadro factual inédito”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Na sua petição inicial, o A. formulou o seguinte pedido:

“(iii) E, sendo inequívoca a pertinência da clarificação do princípio da efetividade do direito comunitário e da consequente apreciação, a essa luz, das normas nacionais relativas ao prazo para a regularização da dedução do IVA incorrido nos recursos de utilização mista, caso esse Tribunal entende necessário, se requer, desde já, a suspensão da instância e o reenvio para o TJUE das questões que esse Tribunal venha a considerar pertinentes”.

Ou seja, rigorosamente, o Recorrente não sugeriu qualquer questão prejudicial em concreto, cujo conhecimento pretendia que viesse a ser suscitado junto do TJUE, limitando-se a invocar, abrangentemente, o “princípio da efetividade” do direito da União Europeia. Aliás, o próprio Recorrente refere requerer a suspensão da instância para a submissão das questões que o Tribunal venha a considerar pertinentes.

Ora, o Tribunal a quo, como já referimos, não é obrigado, in casu, a submeter qualquer pedido de reenvio prejudicial que, como já referimos, é, neste caso, facultativo, uma vez que os autos são suscetíveis de recurso ordinário.

Ademais, o próprio Tribunal a quo refere não se deparar com dificuldades interpretativas que justifiquem o reenvio, sendo que, aliás, como mencionámos, a própria Recorrente não as configura em concreto, invocando, vagamente, a eventual necessidade de reenvio prejudicial. Esta conclusão não impede que, no momento em que proceda à apreciação do mérito da presente ação, o julgador venha a formular questão prejudicial ao TJUE, dado ser sempre uma faculdade que lhe assiste, até a título oficioso.

Face ao exposto, não se afigura que o despacho nesta parte padeça de qualquer erro de julgamento, motivo pelo qual improcede o recurso neste segmento.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a. Revogar o despacho saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a matéria de exceção suscitada pela entidade demandada, julgando-se improcedente tal matéria de exceção;

b. Manter o decidido quanto ao pedido de reenvio prejudicial.

b) Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50%;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)


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(1) Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., Almedina, 2017, p. 353.

(2) Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob cit., p. 455: “… a eliminação da ordem jurídica do eventual ato de indeferimento resulta directamente da pronúncia condenatória, não se sendo, por isso, necessário que o autor deduza um pedido de anulação do ato de indeferimento ou que o juiz anule ou declare nulo esse cto”.

(3) Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob cit., p. 68.

(4) Ob. cit., p. 353.

(5) Cfr., no entanto, sobre o reenvio de validade, o Acórdão de 22 de outubro de 1987, C-314/95, Foto-Frost, ECLI:EU:C:1987:452.