Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01324/06
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2015
Relator:CREMILDE MIRANDA
Descritores:CONCESSÃO DE ESPAÇOS COMERCIAIS EM ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS
IVA
Sumário:I. Só a falta absoluta de fundamentação da sentença, e não a fundamentação deficiente ou errada, determina a nulidade da sentença;
II. O não cumprimento do ónus especial de alegação previsto no artigo. 685º-B, do CPC, hoje, reforçado no artigo 640.º do novo CPC, quando se pretenda impugnar o julgamento da matéria de facto, determina que o tribunal de recurso não se pronuncie sobre tal questão;
III. Não constitui fundamentação a posteriori do acto de liquidação a referência, na informação que, já no processo de impugnação, sustenta a liquidação, a aspectos não mencionados no momento da prática do acto mas que não alteram o sentido da fundamentação de tal acto;
IV. Os contratos de concessão de espaços comerciais sitos em estações ferroviárias não são contratos de locação de bens imóveis pelo que não se encontram abrangidos pela isenção de IVA prevista no art. 9º nº 30, do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


……………………………., S.A., não se conformando com a sentença do então 2º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, e juros compensatórios, do exercício de 1997, vem dela interpor recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:


A) A Recorrente celebrou diversos contratos de cedência do direito de utilização de espaços comerciais do domínio público ferroviário, nos termos do qual cedia temporariamente o uso de bens imóveis de natureza pública mediante uma retribuição certa;

B) Nos termos da sentença recorrida, considera o Tribunal a quo que os contratos devem ser qualificados como uma transferência onerosa temporária de um estabelecimento comercial (cessão de exploração), que se encontra excluída da isenção prevista para a locação de bens imóveis, nos termos do disposto na alínea c) do n°30 do artigo 9° do CIVA;

C) Considera, ainda, o Douto Tribunal recorrido que, no caso em apreço, não estamos perante a mera locação de bem imóvel, mas antes uma cedência de espaços, acrescida da disponibilização das infra-estruturas próprias da estação da CP e da prestação de outros serviços como segurança, água e electricidade;

D) A Recorrente considera que nos autos ora recorridos foram apresentados e alegados - com impugnação judicial - factos acompanhados de prova documental que demonstram, sem margem para quaisquer dúvidas, o contrário do que conclui o Douto Tribunal a quo, o que não poderá deixar de consubstanciar um erro de julgamento sobre a matéria de facto;

E) Ou seja, conforme decorre da prova junta aos autos, bem como da análise dos contratos celebrados pela Recorrente, o objecto dos contratos consistia, exclusivamente, na cedência temporária do gozo do espaços comerciais situados no domínio público ferroviário, não se prevendo - ao contrário do que alega o Douto Tribunal a quo - a prestação de quaisquer outros serviços adicionais;

F) Face aos elementos apresentados apenas poderemos concluir que o Douto Tribunal a quo ou logrou num erro na apreciação da matéria de facto - pois da prova produzida não resulta que a ora Recorrente, em conjunto com a cedência dos espaços procedia à prestação de quaisquer outros serviços aos concessionários (segurança, água e luz), como refere na sua sentença - ou a sentença ora recorrida padece de manifesta insuficiência instrutória, carecendo a mesma de ser ampliada de modo a abranger a matéria de facto não ponderada pelo Tribunal na sua decisão, em obediência ao disposto no artigo 712°, n°4 do CPC;

G) O próprio artigo 123° do CPPT impõe que o Tribunal distinga matéria de facto provada da não provada, sendo evidente que cumpriria ao douto Tribunal a quo explicitar a matéria de facto por si considerada por não provada quanto ao conteúdo material dos contratos celebrados pela Impugnante de modo a sustentar a decisão proferida pelo Tribunal, sobretudo, tendo em conta a prova documental trazida aos autos por esta em sede da sua petição, padecendo, assim, a sentença de nulidade nos termos do artigo 729°, n°3 do CPC e 125° do CPPT;

H) Deve ainda considerar-se que, tratando-se da locação de espaços em "paredes nuas" e sem a prestação de quaisquer serviços adicionais, é por demais evidente que, no caso em apreço, não existe qualquer estabelecimento comercial, requisito essencial para a qualificação enquanto cessão de exploração que o Douto Tribunal a quo pretende atribuir aos contratos celebrados pela Recorrente;

I) Como facilmente se depreende da análise conceptual da figura do estabelecimento comercial, tal como unanimemente recortado pela doutrina, a qualificação de um contrato como uma cessão de exploração implica, necessariamente, a existência de um estabelecimento comercial;

J) No caso em apreço, a Recorrente cede a utilização dos espaços destinados ao comércio em "paredes nuas", como evidencia, a título de exemplo, o n°4 da cláusula segunda do contrato junto aos autos de impugnação judicial como documento n°9 que refere que "O espaço objecto do presente contrato é entregue ao CONCESSIONÁRIO sem quaisquer bens ou equipamento;

K) Como decorre com mediana clareza da análise do conceito de estabelecimento comercial, um espaço devoluto de quaisquer bens, sem materiais, equipamentos e que não prossegue, no momento da sua cedência, qualquer actividade comercial, não pode ser qualificado como um estabelecimento comercial, pois não existe nenhum conjunto de bens que autonomamente se encontram aptos ou devidamente organizados para o desenvolvimento de uma actividade comercial;

L) Para que fosse possível qualificar este contrato como uma transferência onerosa temporária de um estabelecimento comercial, seria necessário que fosse a Recorrente a responsável pela instalação do futuro estabelecimento comercial que existirá no espaço cedido, o que não sucede no caso concreto;

M) Entende a Recorrente que é notória a insusceptibilidade de qualificação dos contratos celebrados como cessão de exploração, ou transferência onerosa da exploração de um estabelecimento comercial para efeitos de preenchimento da alínea c) do n°30 do artigo 9° do CIVA, o que certamente não deixará de ser sindicado por este Venerando Tribunal;

N) Entende a Recorrente que a disponibilização das infra-estruturas que são próprias da estação da CP, não pode ser considerada como uma prestação de serviços realizada a favor do concessionário;

O) Isto porque, estamos perante um bem do domínio público que tem a função primordial de servir os seus utilizadores, neste caso, os utentes dos serviços de transporte prestados pela CP, sendo a função comercial dos espaços existentes na estação, completamente secundária relativamente à sua função primordial;

P) As infra-estruturas disponibilizadas aos concessionários decorrem não da existência de espaços comerciais, mas do facto de ser um bem de domínio público que deve estar apto à sua fruição pelos utilizadores dos serviços de transporte prestados;

Q) A Administração Tributária já se pronunciou no sentido de estarmos perante actividades parcialmente isentas (a locação das lojas em paredes nuas ou desprovidas de equipamento), por um lado, e a prestação de serviços de interesse comum (segurança, publicidade e outros serviços comuns) os quais estão sujeitos a IVA, pelo que nos casos de contratos mistos de locação e outras prestações de serviço, apenas uma parte se mostra sujeita a imposto, estando as rendas isentas (ver despacho do SEAF de 20.06.86, informação n°1625 da DSCA, informação n°1067 de 9.1.91 todas referidas na petição inicial;

R) Da análise dos contratos celebrados pela Recorrente, facilmente se retira que, com a cedência do espaço, a Recorrente não presta quaisquer outros serviços aos concessionários, limitando-se a ceder a utilização do espaço, mediante determinadas regras contratualmente estabelecidas;

S) No que respeita ao conteúdo das obrigações emergentes da relação entre a Impugnante e os lojistas, apenas resulta que a primeira proporciona o gozo temporário de um espaço ou de uma instalação, mediante uma retribuição, assemelhando-se ao contrato privado de locação de bens imóveis;

T) O que distingue estes contratos dos contratos de locação não são as obrigações contratuais assumidas pelas partes, mas sim a natureza pública dos bens cedidos e a natureza precária do vínculo jurídico, a ser regulado pelo direito público e não pela lei civilística, pelo que estamos perante uma cedência de um direito de utilização;

U) O artigo 9°, n°30 do CIVA não contém uma definição própria de locação para efeitos fiscais, pelo que será de entender que o referido termo deverá ser interpretado no sentido que têm nos demais ramos de direito;

V) Nos termos das obrigações estabelecidas nos contratos celebrados pela Impugnante (ver n°2 das Cláusulas 2.ª, 7ª ou 18° consoante os contratos consultados, sob a epígrafe "encargos com o estabelecimento") que "Incumbe também ao Concessionário os encargos com a instalação e utilização e consumo de telefone, água e electricidade";

W) Como se depreende com mediana clareza do clausulado contratual, não está em causa a prestação dos referidos serviços, mas sim a disponibilização das infra-estruturas necessárias para a instalação de água, electricidade, gás, sendo certo que tais instalações num bem do domínio público são insusceptíveis de serem qualificadas como equipamentos de instalação fixa, o que inviabiliza a sua subsunção na alínea c) do n°30 do artigo 9° do CIVA;

X) Se de um ponto de vista jurídico os contratos em apreço não configuram uma locação, parece inequívoco que em termos de substância económica, e em função das obrigações estabelecidas pelas partes, os contratos celebrados pela Recorrente deverão ser assimilados a contratos de locação de bens imóveis, designadamente para efeitos fiscais;

Y) Não restam quaisquer dúvidas que estamos perante uma transferência temporária onerosa da mera fruição de um bem imóvel, sem a prestação de quaisquer serviços adicionais, o que preenche todos os requisitos estabelecidos pela norma legal prevista no n°30 do artigo 9,° do CIVA;

Z) A Administração Tributária, em sede da fundamentação que sustenta a prolação do acto ora sindicado limita-se a apenas afirmar que "Esta operação não cabe no âmbito dos contratos de arrendamentos habituais como é aliás reconhecido na parte final da cláusula primeira dos contratos celebrados. Assim esta operação não se enquadra no n°30 do artigo 9° do CIVA como pretendia o sujeito passivo, ao considerá-lo isento do imposto sobre o valor acrescentado;

AA) Concretizando: o que justificou a prolação dos actos sindicados foi, exclusivamente, o julgamento da Administração Tributária sobre a natureza dos contratos celebrados pela Recorrente, os quais, na sua óptica não poderiam ser qualificados de contratos de arrendamento para efeitos da isenção prevista no n°30 do artigo 9° do CIVA;

BB) Apenas em sede da informação anexa ao Processo Administrativo Tributário, ou seja, já em sede judicial, que a Administração Tributária veio apresentar uma "nova e distinta fundamentação", referindo que "entende a Administração Fiscal que tais contratos não podem ser abrangidos pelo citado n°30 do art°9 do CIVA, mas sim pela excepção prevista na alínea c) do mesmo normativo", uma vez que "A Impugnante não se limita a ceder só o espaço, fornece-lhe água, luz, coloca à sua disposição as restantes infra-estruturas das estacões que podem ser utilizadas pelos clientes dos concessionários" (vide pontos 4 a 6 da informação da informação da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa em sede de exame à petição inicial);

CC) Não se invoque que estamos perante a mera concretização da fundamentação inicial, pois uma coisa é sustentar-se que um determinado contrato não é passível de configurar uma locação de bens imóveis, e outra totalmente distinta é invocar-se que a Impugnante prestou outros serviços aos respectivos lojistas passíveis de caírem na excepção prevista na alínea c) do n.°30 do artigo 9° do CIVA, facto tanto mais grave quanto o Tribunal a quo aderiu na íntegra a esta nova fundamentação, sendo ela que sustenta a douta sentença recorrida, numa clara diminuição das garantias da ora Recorrente;

DD) Parece, assim, claro que a Administração Tributária, já em sede de apreciação da impugnação judicial que está na origem dos presentes autos de recurso, veio apresentar fundamentação nova e diversa da que sustentou a prolação dos actos tributários sindicados;

EE) A fundamentação dos actos tributários deverá ser contemporânea com os mesmos, não sendo de admitir fundamentação a posteriori, muito menos já depois de intentada impugnação judiciai por parte do sujeito passivo, conforme já se pronunciou o STA num aresto de 4 de Abril de 2001, recurso n.°25611;

FF) Não podendo a Administração Tributária vir a sustentar os actos tributários sindicados com fundamentação diversa da que esteve na origem da prolação dos mesmos, parece claro que a sentença recorrida padece de manifesto erro de julgamento o que se invoca para os devidos efeitos legais.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os Venerandos DESEMBARGADORES deste VENERANDO Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela ora Recorrente ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a Douta Sentença recorrida, bem como o acto tributário sindicado, melhor identificado nos presentes autos, referente a IVA do ano de 1997, tudo com as demais consequências legais, mormente a liquidação de juros indemnizatórios, à taxa legal. Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


*

As questões a decidir são as seguintes:

¾ Se a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do art. 729º, nº 3, do CPC e do art. 125º do CPPT por não ter explicitado a matéria de facto considerada não provada quanto ao conteúdo dos contratos celebrados pela Impugnante, de modo a sustentar a decisão proferida pelo Tribunal, sobretudo, tendo em conta a prova documental trazida aos autos;
¾ Se a sentença recorrida incorreu num erro na apreciação da matéria de facto por da prova produzida não resultar que a Recorrente, em conjunto com a cedência dos espaços, procedia à prestação de quaisquer outros serviços aos concessionários, ou padece de insuficiência instrutória, carecendo de ser ampliada de modo a abranger a matéria de facto não ponderada pelo tribunal na sua matéria de facto;
¾ Se os contratos designados de contratos de concessão, celebrados pela ora Recorrente, com designados concessionários, de espaços comerciais sitos em estações ferroviárias são contratos de locação de bens imóveis, como tais, abrangidos pela isenção de IVA prevista no art. 9º nº 30, do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, como defende a Recorrente, ou se, como se decidiu na sentença recorrida, são contratos de prestação de serviços sujeitos a IVA nos termos do artº 1º, nº 1, al. a) do CIVA, e dele não isentos;

¾ Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar como fundamentos do acto de liquidação impugnado argumentos que só constam da informação da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa em sede de exame à petição inicial.


Colhidos os vistos legais, há que apreciar e decidir.


*

Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1) A CP (Caminhos de Ferro Portugueses, EP) celebrou com a ora impugnante, em 4/8/1995, um contrato pelo qual atribui a esta última o direito de explorar, directa ou indirectamente, lojas e outros espaços comerciais existentes ou a criar nas estações ferroviárias, bem como o direito de promover e organizar outras formas de comercialização de produtos nas mesmas estações (vd. fls. 55 e ss. dos autos). Ao abrigo deste contrato, a impugnante celebrou diversos contratos de concessão de espaços comerciais situados no domínio público ferroviário.

2) Na sequência de diversos pedidos de reembolso de IVA, a ora impugnante foi alvo de uma inspecção tributária, a qual originou uma liquidação adicional de IVA, referente ao exercício de 1997, no valor de €222.456,97, correspondente ao montante em dívida acrescido dos juros compensatórios.

3) Em 27/5/1998, a impugnante procedeu ao pagamento do valor ora impugnado (vd. fls. 29 e ss. dos presentes autos).

4) A ora impugnante deduziu a presente impugnação em 28/8/1998.


Quanto a factos não provados, exarou-se na Sentença recorrida:

Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" -art. 511°, n°1, do Código de Processo Civil -, nenhum.

Julgando-se procedente a conclusão F das alegações de recurso, ao abrigo do art. 662º do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 2º, al. e), do CPPT, adita-se aos factos provados o seguinte, cuja prova resulta dos autos:

5) Entre outras, constam do contrato de concessão celebrado entre a Recorrente e Maria …………………… (fls. 72 e ss., dos autos) as seguintes cláusulas:


TERCEIRA
(Duração)
O presente contrato entra em vigor no dia 01 de Janeiro de 1996 e termina no dia 30 de Junho de 1996, renovando-se automaticamente por períodos de 1 (um) mês, se não for denunciado, por carta registada com aviso de recepção, com antecedência mínima de 8 (oito) dias relativamente ao termo do período inicial ou de qualquer uma das suas renovações.
QUARTA
(Preço e condições de pagamento )
1 - Pela concessão objecto do presente contrato, o CONCESSIONÁRIO obriga-se, a partir da entrada em vigor do presente contrato, a pagar mensalmente o preço de Esc.30 000$00 (trinta mil escudos).
2- O CONCESSIONÁRIO obriga-se a pagar mensalmente a quantia de Esc.2 000$00 (dois mil escudos) correspondente a uma comparticipação nos encargos com a limpeza e conservação das zonas de circulação do público e das instalações sanitárias de apoio à área comercial e ainda à recolha do lixo da mesma.
3 - As prestações fixadas no número anterior serão pagas no primeiro dia útil de cada mês nos escritórios da………….., podendo sê-lo por transferência bancária, efectuada para a conta da ………….., que esta indicar por escrito.
4- O preço a pagar será actualizado anualmente de acordo com o último índice anual de inflação publicado pelo Banco de Portugal.
QUINTA
(Caução)
1 - Para caucionar o bom pagamento do preço e de todas e quaisquer outras obrigações e responsabilidades emergentes do presente contrato, é entregue, em simultâneo com a assinatura do mesmo, uma garantia bancária autónoma no valor de Esc. 90 000$00 (noventa mil escudos), imediatamente exequível ao primeiro chamamento, a favor da ............ e de acordo com o modelo por esta fornecido.
2- O não pagamento do preço a que se refere a cláusula anterior ou de quaisquer das suas prestações, bem como de quaisquer outras responsabilidades emergentes do presente contrato, dá direito à …………… de se pagar, imediatamente e sem qualquer formalidade especial, do valor em dívida, exigindo-o da instituição de crédito que tiver prestado a garantia.
3 - As despesas e encargos inerentes à garantia bancária serão suportados integralmente pelo CONCESSIONÁRIO.
4 - A garantia bancária acima mencionada poderá ser substituída por depósito em numerário entregue à ………….., que poderá ser utilizado pela …………. nos casos previstos no número dois desta cláusula, independentemente de qualquer notificação ou comunicação ao CONCESSIONÁRIO.
5- O valor da garantia bancária ou do depósito previsto nesta cláusula deverá ser reforçado sempre que a ………. utilize qualquer parte dele de acordo com o previsto nesta cláusula, no prazo de quinze dias a contar da data em que for comunicada por escrito ao CONCESSIONÁRIO a sua utilização, podendo na falta de reforço, dentro daquele prazo a .......... rescindir imediatamente o presente contrato.
6- O depósito e a garantia serão actualizados obrigatoriamente de acordo com a actualização do preço prevista no número três da cláusula anterior.
7 - A não actualização da garantia bancária ou do depósito prevista no número anterior confere à ………… o direito de rescindir imediata e unilateralmente o presente contrato.
8 - A …………….. obriga-se a autorizar o cancelamento da garantia bancária no termo do presente contrato, desde que o CONCESSIONÁRIO tenha liquidado todas as obrigações ou responsabilidades dele emergentes.
SEXTA
(Obrigações do CONCESSIONÁRIO)
1. O CONCESSIONÁRIO obriga-se a:
a) Exercer a sua actividade respeitando o estabelecido neste contrato;
b) Manter o espaço cedido em perfeito estado de conservação e limpeza, de molde a que da sua actividade não resulte qualquer prejuízo para a estética ou boa apresentação do local onde se encontra;
c) Não realizar quaisquer práticas que contrariem a lei ou afectem a moral pública, a imagem da …………., da CP ou de quaisquer outras entidades ou pessoas; "
d) Explorar a sua actividade por forma a que dela não resulte qualquer perigo para as instalações, para a higiene ou saúde públicas, ou para a segurança e comodidade dos clientes;
f) Obter todas as licenças necessárias ao exercício da actividade a explorar, ainda que tais licenças tenham eventualmente que ser tiradas ou requeridas em nome da …………;
g) Permitir a inspecção das suas instalações sempre que se julgue necessário ou conveniente, a fim de verificar se está a cumprir todas as obrigações decorrentes do contrato, bem como para realizar quaisquer reparações ou modificações de interesse geral;
h) Manter o pessoal empregado com apresentação irrepreensível e velar pela sua correcção e idoneidade, por forma a criar um ambiente profissional, indispensável à imagem de qualidade, respeitabilidade e prestígio junto do público.
2. O CONCESSIONÁRIO obriga-se ainda a não utilizar o espaço objecto deste contrato para fins publicitários, sem prejuízo da publicidade à própria actividade.
3. Para além das obrigações decorrentes dos números anteriores, será da conta do CONCESSIONÁRIO:
a) Pagar as licenças, impostos, taxas e encargos inerentes ao exercício da sua actividade;
b) Pagar as despesas com a realização de todas e quaisquer obras que realize;
c) Pagar as despesas com a conservação interior e exterior do espaço cedido, montras ou vitrinas, assim como as reparações das canalizações de água, instalação eléctrica, reposição de vidros, arranjo de portas e janelas e outras semelhantes.
4. O, CONCESSIONÁRIO não pode estender o exercício da sua actividade para além da área abrangida pelo presente contrato, sob pena de a …………. o poder rescindir

DÉCIMA SEGUNDA

(Horário)


O Concessionário obriga-se a manter a sua actividade aberta ao público no período compreendido entre as 9-00 horas e as 20-horas.

O horário fixado no número anterior poderá ser revisto por acordo entre as PARTES, desde que as características da actividade explorada e o funcionamento da estação assim o permitam.


DÉCIMA TERCEIRA

(Encerramento da actividade)


O CONCESSIONÁRIO apenas poderá encerrar a sua actividade nos seguintes casos:

a) Para balanço: três dias no início de Janeiro de cada ano;

b) Para obras autorizadas.

Quanto à questão da nulidade da sentença

Na conclusão G das suas alegações, assaca a Recorrente à sentença sob recurso o desvalor da nulidade por entender que a mesma incorreu na falta de fundamentação da decisão da matéria de facto. Alega que o tribunal devia ter discriminado a matéria provada da não provada, para além de fazer constar a motivação da sua decisão e que a falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão acarreta a nulidade da sentença.
Vejamos.
Nos termos do artigo 668.º, nº 1, al. b), do CPC, na redacção em vigor à data da sentença recorrida, a que corresponde, hoje, o art. 615º, É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. No mesmo sentido dispõe o artigo 125.º, nº 1, do CPPT. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, contabilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. A nulidade por falta de fundamentação inclui também a falta de exame crítico dos meios de prova.
No que respeita à falta de especificação dos fundamentos de facto, como se lê em, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. I, 6.ª Ed., p. 357,constitui jurisprudência assente a de que apenas se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação. É que, como aí se diz, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Neste caso, verifica-se que a sentença contem a indicação dos elementos na base dos quais formou a sua convicção com vista a suportar cada asserção de facto, indicando em cada uma das alíneas do probatório os elementos em que se baseou para dar como provado cerro facto, para além de que deixou explicito que não existem outros factos a dar como provados, atendendo aos possíveis enquadramentos jurídicos da causa.
Improcede, assim, a conclusão G das alegações de recurso relativa à nulidade da sentença recorrida.

Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, alegadamente consubstanciado no julgamento contrário ao que resulta dos factos apresentados e alegados

Nos termos do artigo 685.º-B, do CPC, em vigor à data da interposição do recurso, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição, para além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Mais lhe sendo exigido, sob pena de rejeição do recurso na respectiva parte, que no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos considerados relevantes.

Dispunha o citado art. 685º-B,º do CPC, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos nos termos do disposto no nº 2 do art. 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. (…).

Resulta, pois, do citado artigo 685º-B, do CPC, em vigor à data da interposição do Recurso, com idêntica expressão no actual art. 640.º, a consagração de um ónus especial de alegação, que impende sobre o Recorrente, quando se pretenda impugnar a matéria de facto, ónus que, aqui, não foi satisfeito, determinando a não satisfação de tal ónus, nos termos dos citados preceitos, a rejeição do recurso.

Assim sendo, será de rejeitar o Recurso na parte em que vem impugnado o julgamento da matéria de facto (conclusão D) devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios constantes do processo que, em opinião do Recorrente, impunham decisão da matéria de facto diversa da adoptada pela decisão recorrida que não se vislumbram.

Quanto ao alegado erro de julgamento resultante de terem sido considerados como fundamentos do acto de liquidação impugnado argumentos que só constam da informação da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa em sede de exame à petição inicial.

Alega a Recorrente (conclusões Z a FF) que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao julgar com base em fundamentos que a A T acresceu a posteriori aos actos de liquidação contra os quais deduziu impugnação, já que tais actos tiveram por fundamento o entendimento da AT de que, com base na parte final da cláusula primeira dos contratos em causa, não se está perante contratos de arrendamento habituais, tendo vindo a sustentar tais actos, em sede de apreciação da impugnação, com o facto de a Impugnante não se limitar a ceder o espaço, fornecendo água e luz, e colocando à disposição dos concessionários as restantes infra-estruturas das estações que podem ser utilizadas pelos seus clientes. Ou seja, entende a Recorrente que a sentença recorrida considerou, ao confirmar as liquidações impugnadas, fundamentos acrescidos aos actos de liquidação já na fase de impugnação.

Não lhe assiste razão.

A referência, na Informação da AT, elaborada na fase de impugnação, sustentando as liquidações impugnadas, à existência de cláusulas contratuais que prevêem o fornecimento de água e luz e a colocação à disposição dos cessionários, para utilização dos seus clientes, das infra-estruturas das estações ferroviárias, mais não é que o reforço do pressuposto subjacente às liquidações. É a confirmação de que a qualificação dos contratos em causa não é a de contratos de locação, não a introdução de quaisquer fundamentos novos, diferentes dos considerados no momento da prática dos actos. Não se está perante a fundamentação a posteriori dos actos de liquidação.

Improcedem, assim as conclusões Z a FF.

Quanto à questão de fundo: Se os contratos designados de contratos de concessão, celebrados pela ora Recorrente, com designados concessionários, de espaços comerciais sitos em estações ferroviárias, são contratos de locação de bens imóveis, como tais, abrangidos pela isenção de IVA prevista no art. 9º nº 30, do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, como defende a Recorrente, ou se, como se decidiu na sentença recorrida, são contratos de prestação de serviços sujeitos a IVA nos termos do artº 1º, nº 1, al. a) do CIVA, e dele não isentos;


A regra geral do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, quanto à incidência objectiva, é a constante do art. 1º, nº 1, do CIVA, onde se lê:

Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

b) As importações de bens;

c) As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

O conceito de transmissão de bens é-nos dado pelo art. 3º do CIVA nos seguintes termos:

1 - Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

2 - Para esse efeito, a energia eléctrica, o gás, o calor, o frio e similares são considerados bens corpóreos.

3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo:

a) A entrega material de bens em execução de um contrato de locação com cláusula, vinculante para ambas as partes, de transferência de propriedade;

b) A entrega material de bens móveis decorrente da execução de um contrato de compra e venda em que se preveja a reserva de propriedade até ao momento do pagamento total ou parcial do preço;

c) As transferências de bens entre comitente e comissário, efectuadas em execução de um contrato de comissão definido no Código Comercial, incluindo as transferências entre consignante e consignatário de mercadorias enviadas à consignação. Na comissão de venda considera-se comprador o comissário; na comissão de compra é considerado comprador o comitente;

d) A não devolução, no prazo de um ano a contar da data da entrega ao destinatário, das mercadorias enviadas à consignação;

e) A entrega de bens móveis produzidos ou montados sob encomenda, quando a totalidade dos materiais seja fornecida pelo sujeito passivo que os produziu ou montou;

f) Ressalvado o disposto no artigo 26.º, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto;

g) A afectação de bens por um sujeito passivo a um sector de actividade isento e, bem assim, a afectação ao uso da empresa de bens referidos no n.º 1 do artigo 21.º, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.

O conceito de prestação de serviços é dado pelo art. 4º, nº 1, do CIVA, de forma residual: São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições comunitárias ou importações de bens.

Sendo os contratos de concessão em causa celebrados a título oneroso, e não cabendo na definição de transmissão de bens do art. 3º do CIVA, hão-de ser considerados, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 4º do CIVA, prestações de serviços e, numa primeira análise, ser-se-ia tentado a considerá-los, sem mais, sujeitos a IVA, nos termos do art. 1º, nº 1, do Código.

Mas, no art. 9º do CIVA, com a epígrafe Isenções nas operações internas, prevê-se a isenção de IVA de determinadas operações enquadráveis no conceito de prestação de serviços, entre elas, nos termos do nº 30, a locação de bens imóveis.

E é na previsão do nº 30 do art. 9º do CIVA que a Recorrente fundamenta a sua pretensão de não ser sujeita a IVA relativamente aos contratos de concessão de espaços comerciais a que respeitam as liquidações contra as quais deduziu impugnação.

Mas estar-se-á perante contratos de locação imobiliária?

Nos termos do art. 11º, nº 2, da Lei Geral Tributária, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

E, no nº 3 da mesma norma, diz-se que, persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, atender-se-á à substância económica dos factos tributários.

O conceito de locação consta do art. 1022º do Código Civil, como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.

Defende a Recorrente que é o caso dos contratos sub judice e que, por isso se encontram isentos de IVA nos termos do nº. 30º do art. 9º do CIVA.

Mas o que resulta dos factos que, por resultarem dos autos, se aditam ao probatório da sentença recorrida é que de tais contratos constam cláusulas que não são próprias do contrato de locação. Não cabe no âmbito de um contrato pelo qual alguém se obriga a proporcionar a outrem o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, a prestação de serviços de limpeza e conservação e a recolha do lixo, obrigação prevista na cláusula quarta do contrato referido no probatório, assim como não cabe no contrato de locação a estipulação de um horário de funcionamento do estabelecimento a instalar no locado, e dos dias do ano em que o estabelecimento pode estar encerrado, como consta das cláusulas décima segunda e décima terceira.

E, se é certo, como vem alegado, que, nos casos de contratos mistos de locação e outras prestações de serviço, apenas uma parte se mostra sujeita a imposto, estando as rendas isentas, como entendeu, já a Administração Tributária no seguimento da jurisprudência do TJUE – Acórdão C-572/07, de 11-06-2009, RLRE Tellmer Ptoperty – os contratos em causa não podem ser considerados contratos mistos de locação e outros serviços por se opor ao conceito de locação, já acima referido, o clausulado quanto ao horário de funcionamento dos estabelecimentos e aos dias em que é permitido que os mesmos se encontrem encerrados.

Do exposto resulta que se está perante a celebração de contratos que não são, nem parcialmente, contratos de locação de imóveis.

E, assim sendo, perante as definições dos arts. 3º e 4º do CIVA, não se tratando de transmissão de bens, trata-se de operações internas de prestações de serviços que, não se encontrando abrangidas pelas isenções previstas no art. 9º do mesmo Código, estão sujeitas a IVA, nos termos do art. 1º, nº 1, alínea a).


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Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

23 de Abril de 2015


Cremilde Abreu Miranda

Joaquim Condesso

Catarina Almeida e Sousa