Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:137/17.7BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DONATIVOS
PATROCÍNIO
MECENATO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
Sumário:I - A concessão de juros indemnizatórios representa a reposição da situação ex ante, ou seja, visa a reconstituição da situação legal que hipoteticamente existiria se não tivesse ocorrido ato lesivo ou ofensa cometida pela Administração Tributária contra os direitos e interesses protegidos dos administrados (artigo 100.º da LGT), porém a sua atribuição está dependente de um conjunto de requisitos contemplados no artigo 43.º da LGT, cuja condenação demanda uma apreciação expressa e casuísta dos mesmos.
II - Se a sentença não toma conhecimento da questão relativa aos juros indemnizatórios, e não estando o conhecimento de tal questão prejudicado pelo conhecimento de outras, a mesma padece de nulidade por omissão de pronúncia, podendo o Tribunal ad quem, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, desde que os autos reúnam todos os elementos para o efeito.
III - Se a posição da Recorrente parte de premissas que não foram tomadas em consideração aquando da elaboração do relatório inspetivo, desconsiderando, outrossim, o fundamento base em que assentou a procedência da decisão recorrida, no caso a violação do princípio da boa-fé, tal determina o não provimento do recurso.
V - Fundando-se a anulação da liquidação impugnada em vício de violação de lei, concatenada com a violação de um princípio norteador do procedimento tributário, e inexistindo atuação culposa do sujeito passivo, deve ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

S….., Lda (doravante S…..) e o DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela primeira, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.° …..594 respeitante ao exercício de 1997, no valor global de € 154.469,26 de que impugna o valor parcial de € 99.752,04.

A Recorrente S….., LDA, veio apresentar as suas alegações, tendo concluído como segue:

“1. A petição inicial da impugnação requereu ao tribunal que a Administração Fiscal ora recorrida fosse condenada, ao abrigo dos artigos 43.°, n.° 1, da LGT e 61.° do CPPT, ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da impugnante;

2. Tal pedido foi apresentado como pressuposto do dever da plena reconstituição subsequente às decisões judiciais a que se refere o artigo 100.° da LGT;

3. No processo de impugnação, tal como acolhido pela douta sentença recorrida, ficou provado e consignado que não existia qualquer fundamento válido para que a então DGCI (Direção Geral dos Impostos) tivesse lançado a liquidação adicional impugnada e que, consequentemente, foi cometido um manifesto erro de facto e de direito no seu lançamento;

4. A douta sentença recorrida reconheceu a ilegalidade cometida quanto à liquidação do imposto, dando provimento à impugnação, mas nada decidiu quanto ao pedido de condenação ao pagamento dos juros indemnizatórios;

5. Assim, a douta sentença recorrida incorreu na nulidade parcial da falta de pronúncia prevista no artigo 125.° do (CPPT) em conjugação com o disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.

Nestes termos e nos que doutamente serão supridos requer-se que seja dado provimento ao presente recurso jurisdicional e que, em consequência, seja conhecida a parte do pedido de impugnação judicial que requereu ao tribunal a condenação em juros indemnizatórios ao abrigo ao artigo 43.° da LGT em conjugação com o artigo 61.° do CPPT, como é de JUSTIÇA.”


***

O DRFP, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“i. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por S….. Lda., com o contribuinte n.° ….., contra parte da liquidação n.° …..594, no montante de €154.469,26, visando apenas a anulação do valor de €99.752,07, no âmbito do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao ano de 1997, e cuja matéria consubstancia uma dedução no apuramento do resultado do exercício de 1997, consignando uma majoração de 15% de um donativo realizado pela Impugnante à sociedade Parque Expo 98 S.A., que de acordo com a sua caracterização e natureza nunca poderá ser considerado donativo, porque advém de um contrato de patrocínio com deveres e obrigações para ambas as parte.

ii. Neste sentido a representação da Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo padece de erro de julgamento, entre a matéria de facto dada como provada, e a sua integração nas normas aplicáveis, desconsiderando os conceitos emergentes que estão em discussão e que corresponde a concluir se poderá ser designado como um donativo ou não, considerando ao tratamento fiscal realizado por parte da Impugnante na sua contabilidade, considerando o contrato de patrocínio realizado entre a Impugnante e a Parque Expo cuja responsabilidade reside para ambas as partes com deveres e obrigações e claro por a sentença se basear a sua interpretação num Despacho Conjunto do Ministério das Finanças com o da Cultura (n.° 469/98 publicado no DR 17/07/1998), proferido em 1998. 

iii. Quando a matéria dos autos se compreende sobre o exercício de 1997.

iv. Neste seguimento e de forma a justificar os motivos pelos quais não poderá proceder a decisão proferida, foi devidamente exposto toda a legislação relevante, nomeadamente, o artigo 39.° do CIRC, no n.° 3 e 4 da redacção em vigor, onde consta especificamente o termo donativos, replicamos que inclusivamente o regime excepcional criado para a Expo 98 (Lei 127-B/97 de 20/12 -OE 1998) refere no seu artigo 7.° “Os donativos”.

v. Mesmo no Despacho Conjunto n.° 469/98 de 17/7, está devidamente mencionado que “reconhece-se os donativos concedidos” pelo que toda a legislação ora relevante no presente litígio reverte a favor da posição assumida pelo serviço de inspecção tributária que ao analisarem a contabilidade da Impugnante verificaram que mesmo a Impugnante enquadrou as respectivas verbas na conta da publicidade e não na conta dos donativos.

vi. Como convém salientar um donativo para efeitos de relevância fiscal poderão ser realizados em dinheiro ou em espécie e devem ser concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial.

vii. É precisamente esta a configuração que escapa quando as verbas em causa estão ajustadas num contrato de patrocínio onde, não é demais salientar, que existem obrigações e deveres para ambas as partes e portanto contrapartidas que não configuram verbas com a qualificação de liberalidade dos donativos.

viii. Neste seguimento foi dito na informação ….. da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento, quando questionados por parte da Parque Expo e relativamente a estes contratos de patrocínio realizados durante o evento, o mesmo entendimento: “Quanto à pretensão de aplicar aos patrocínios concedidos à sociedade Parque Expo 98 regime fiscal idêntico ao dos donativos, parece não ser de proceder; De facto, a natureza de uns é total mente diferente da dos outros,”.

ix. Portanto esta irregularidade detectada na acção de inspecção e corrigida encontra-se devidamente fundamentada: “A empresa contabilizou como custos a importância de €1.788.190,46 (358.500.000$00) respeitante ao valor total de 2 (duas) facturas (Factura n° ….. de 30 de Setembro de 1997 e Factura n° ….. de 31 de Dezembro de 1997) emitidas pela Sociedade Parque Expo 98 S.A., constando das mesmas tratar-se do Contrato de Patrocínio n° …... Por sua vez ao proceder a respectiva contabilização não utilizou a conta 691 - Donativos, como seria de prever já que o Despacho Conjunto n° 469/98 dos Ministérios das Finanças e da Cultura, publicado em Diário da Republica n° 163, 2a serie, de 17 de Julho de 1998, menciona e passa-se a transcrever " Para efeitos do n° 4, do art° 39.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas ... reconhece-se que os donativos concedidos pela S….. S.A. no âmbito de contratos plurianuais foram considerados de superior interesse cultural", mas sim, na conta "62.233.105.3001 - Publicidade com. Expo 98 ", que tal como a sua designação indica, trata-se de uma conta de custos para os quais são expectáveis retornos financeiros a curto prazo, já que se trata de uma conta de resultados do exercício económico em analise. As acções de publicidade permitem projectar a imagem da empresa junto do grande público a por consequência promover os produtos associados a essa imagem".

x. No caso sub judice, a administração fiscal procedeu as alterações exigíveis estabelecidas na Lei, considerando que “os donativos assumem-se como as importâncias dadas com espírito de liberalidade, isto é, não são atribuídos em consequência de qualquer obrigação legal ou contratual e sem qualquer contrapartida económica da parte de quem recebe. Nestas circunstancias, uma vez que o contrato celebrado consubstancia um patrocínio e não um donativo, conforme se pode constatar no conjunto das obrigações por parte da Sociedade Parque Expo 98 S.A. para com a S….. Lda., constantes nas alíneas a) a m) do n° 1, da clausula quarta do contrato e considerando o tratamento e classificação contabilística dos custos efectuada pela própria empresa, conclui-se que a dedução ao lucro tributável como majoração do custo não podere ser aceite para efeitos fiscais, por não se enquadrar nos termos do artigo 39°, nº 4 do CIRC. Assim, corrige-se o lucro tributável em €268.228,37 (53.775.000$00) (Anexos IV e V)."

xi. Neste sentido, a fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida faz errada interpretação dos conceitos em discussão nos presentes autos com os factos inerentes aos presentes autos, não tendo qualquer correspondência com a legislação em vigor, conforme se deixou claro e exposto, sendo relevante para a administração fiscal demonstrar, a motivação, e o percurso cognoscitivo e valorativo conducente ao juízo legitimador, pelo qual não deverá proceder a decisão proferida, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que considere a liquidação sindicada válida, regular e legal por estar baseada na legislação e nos conceitos correspondentes e devidamente enquadrados com os factos relevantes.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente.

PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


***

Não foram apresentadas contra-alegações.

***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso apresentado pela Recorrente S….. e improcedência do recurso apresentado pelo DRFP.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante “S….. Lda.,” com o NIF ….., tem sede social em ….. e como objeto, a importação e comércio por grosso de equipamento eletrónico - não contestado.

2. No exercício de 1997 (01/08/0997), a empresa, celebrou com a sociedade Parque EXPO 98, SA., um contrato denominado “Contrato de Patrocínio” (n.° …..) nos termos que a seguir parcialmente se transcrevem:




3. Durante o ano de 2002, a Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva levada a cabo pelos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária de carater polivalente aos exercícios de 1997/1998 (motivo), em sede de IRC, IRS e IVA, com base nas Ordens de Serviço nºs ….. e ….. de …..-cfr. consta do PA aqui em anexo.

4.No âmbito da referida ação inspetiva foi elaborado relatório que infra parcialmente se transcreve:






Tudo conforme consta de fls. 39 e seguintes do PA aqui em anexo.

5. A informação supra foi sancionada por despacho do Diretor de Serviços da DSPIT em 13/09/2002 e foi elaborado e documento de correção (Mod. DC - 22), com o seguinte apuramento:


Tudo conforme fls. 36 e seguintes do PA aqui em anexo.

6. A aqui Impugnante tomou conhecimento das conclusões do relatório por carta que lhe foi dirigida na mesma data (13/09/2002) - cfr. fls. 38 e seguintes do PA aqui em anexo.

7. A liquidação adicional de IRC/1997 com o nº …..594, foi levada a efeito em 09/10/2002, com apuramento de imposto no montante total de € 154.469,26 - cfr. fls. 30 dos autos.


***


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.”


***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do tribunal esteou-se fundamentalmente com base na prova documental junta aos autos, em concreto no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório e não contestados.

Aliás, cabe referir que o quadro factológico fixado é consensual divergindo as partes unicamente quanto à questão de direito.”


***




Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

7. A 09 de outubro de 2002, e na sequência da ação de Inspeção Tributária referida em 3., foi emitida a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1997, com o nº …..594, constando, no item “Juros Compensatórios art. 80.º CIRC” o valor de €113.738,23 e como imposto total a pagar o valor de €154.469,26 (cfr. fls. 75 do PA apenso);


***


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

8. A 13 de dezembro de 2002, a sociedade “S….., Lda”, procedeu ao pagamento de €40.731,03, referente à liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 1997, melhor descrita em 7. e ao abrigo do Decreto-Lei 248-A/2002, de 14 de novembro (cfr. fls. 81 do PA apenso; acordo);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, as Recorrentes, S……, Lda e FAZENDA PÚBLICA, não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela primeira, contra a liquidação adicional n.° 2002 8310034594 do exercício de 1997 no valor global de € 154.469,26 de que impugna o valor parcial de € 99.752,04.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:

¾ Se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia ao não ter apreciado a questão inerente à condenação no pagamento dos juros indemnizatórios;

¾ Procedendo a aludida nulidade se a Recorrente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios;

¾ Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, tendo desconsiderado os conceitos basilares em contenda, mormente, donativo e patrocínio.

¾ Se o Tribunal a quo, descurou o tratamento contabilístico visado, e a natureza do contrato de patrocínio realizado entre a Impugnante e a Parque Expo.

¾ Se a decisão recorrida baseou a sua interpretação num Despacho Conjunto do Ministério das Finanças e da Cultura n.° 469/98 proferido e publicado em 1998, quando a matéria respeita ao exercício de 1997.

¾ Procedendo, o aludido erro de julgamento julgar, em substituição, as questões consideradas prejudicadas.

Vejamos, então.

Comecemos pela omissão de pronúncia.

A Recorrente S….. defende que peticionou a condenação, ao abrigo dos artigos 43.°, n.° 1, da LGT e 61.° do CPPT, do pagamento de juros indemnizatórios, sendo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal pedido de condenação.

Sustenta, neste particular, que não obstante ter sido decidido que não existia qualquer fundamento válido para que a Administração Tributária tivesse emitido a liquidação adicional impugnada, donde em manifesto erro de facto e de direito no seu lançamento, a verdade é que nada decidiu quanto ao pedido de condenação no pagamento dos juros indemnizatórios, incorrendo, assim, na nulidade parcial da falta de pronúncia prevista no artigo 125.° do CPPT em conjugação com o disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.

Apreciando.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (2).

Vejamos, então.

Atentando na petição inicial constata-se, inequivocamente, que a Recorrente S….. requereu expressamente que a impugnação judicial fosse “julgada procedente, por provada, e em consequência ser ordenada a revogação parcial do acto de liquidação nº …..594, referente a IRC de 1997, no montante de €99.752,04, com a restituição do imposto oportunamente pago ao abrigo do Decreto-Lei nº 248-A/2002 (regularização excepcional das dívidas fiscais), nos termos propugnados na presente petição, assim se fazendo a costumada Justiça”.

Mais requerendo, de forma expressa, que nos “[t]ermos conjugados do artigo 43.º, nº1 da LGT e do artigo 61.º do CPPT, que seja ordenada a liquidação de juros indemnizatórios, a favor da impugnante, relativamente ao imposto oportunamente já pago.”

Resulta, portanto, perentório que a Recorrente S….. peticionou o pagamento de juros indemnizatórios, sendo que analisando a decisão recorrida verifica-se, efetivamente, que a mesma não se pronunciou sobre esse pedido, o qual representa uma questão autónoma e que não se encontrava prejudicada pela solução dada a outras.

É certo que, a Mmª Juiz do Tribunal a quo alega no seu despacho de sustentação de nulidade que a mesma não se verifica visto que no segmento decisório se determina a anulação da liquidação adicional de IRC, na parte impugnada, com as demais consequências legais, o que, na sua esteira de raciocínio, pressupõe o direito a juros indemnizatórios.

Contudo, assim o não entendemos, e isto porque ainda que a concessão de juros indemnizatórios mais não represente que a reposição da situação ex ante, ou seja, vise a reconstituição da situação legal que hipoteticamente existiria se não tivesse ocorrido ato lesivo ou ofensa cometida pela Administração Tributária contra os direitos e interesses protegidos dos administrados -conforme resulta expresso do artigo 100.º da LGT-, a verdade é que a sua atribuição está dependente de um conjunto de requisitos contemplados no artigo 43.º da LGT, cuja condenação demanda uma apreciação expressa e casuísta dos mesmos.


Face ao exposto, sendo inequívoco, no caso vertente, que a sentença não tomou conhecimento da questão relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, e bem assim que o conhecimento de tal questão não se encontrava prejudicado pelo conhecimento de outras, procede a arguida nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem todos os elementos para o efeito.

De relevar, neste particular, que estando a aludida questão inteiramente dependente do mérito da presente lide e bem assim da natureza do vício que, sendo caso disso, determine a anulabilidade do ato de liquidação relega-se o seu conhecimento para fase ulterior.

Aqui chegados, vejamos, então, se procede o arguido erro de julgamento.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, entre a matéria de facto dada como provada, e a sua integração nas normas aplicáveis, visto que desconsiderou os conceitos emergentes que estão em discussão e que a levaram a concluir pela presença de um donativo, visto que, por um lado não considerou o tratamento contabilístico visado, e por outro lado, porque o contrato de patrocínio realizado entre a Impugnante e a Parque Expo atribui responsabilidade a ambas as partes com inerente atribuição de deveres e obrigações.

Mais sustenta que existe erro de julgamento visto que a decisão recorrida baseou a sua interpretação num Despacho Conjunto do Ministério das Finanças e da Cultura n.° 469/98 publicado no DR 17/07/1998, o qual foi proferido em 1998, sendo que a matéria dos autos respeita ao exercício de 1997.

Sem embargo, sustenta que mesmo no Despacho Conjunto n.° 469/98 de 17 de julho, está devidamente mencionado que “reconhece-se os donativos concedidos” pelo que toda a legislação ora relevante no presente litígio reverte a favor da posição assumida pelo serviço de Inspeção Tributária que ao analisarem a contabilidade da Impugnante verificaram que mesmo a Impugnante enquadrou as respetivas verbas na conta da publicidade e não na conta dos donativos.

Conclui, assim, que a irregularidade detetada na ação de inspeção e corrigida encontra-se devidamente fundamentada, sendo que a Administração Tributária procedeu às alterações exigíveis estabelecidas na Lei, considerando que os donativos se assumem como as importâncias dadas com espírito de liberalidade, isto é, não são atribuídos em consequência de qualquer obrigação legal ou contratual e sem qualquer contrapartida económica da parte de quem recebe, o que não sucede no caso vertente.

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que contrariamente ao evidenciado e alegado pela Recorrente DRFP o Tribunal a quo não desconsiderou os conceitos emergentes que estavam em discussão no caso vertente, concretamente, donativo ou patrocínio.

Não assistindo, igualmente, razão quando aduz que face à realidade fática provada e às normas jurídicas aplicáveis não poderia ter concluído pela presença de um donativo.

E isto porque, se atentarmos na decisão recorrida a mesma não só analisou os conceitos com relevo para a qualificação da realidade fática controvertida, com a respetiva densificação do âmbito e alcance das expressões donativos e patrocínios associando a uma o caráter de liberalidade e a ausência de contrapartidas, e a outra o caráter comercial e de publicidade, como não qualifica, de todo, o montante pecuniário atribuído à Parque Expo 98 como um donativo, bem pelo contrário.

É certo que não analisou o tratamento contabilístico conferido ao montante de €1.788.190,46, mormente, a sua contabilização na conta ….., mas a verdade é que face à solução preconizada pelo Tribunal a quo, tal contabilização em nada relevaria para fundamentar a improcedência almejada pela Recorrente.

Com efeito, a convocação do argumento formal da contabilização só traduziria relevo caso o Tribunal a quo tivesse qualificado a verba em questão como um donativo o que, como já evidenciado, não o fez.

Conforme dimana expresso da decisão recorrida, a procedência da impugnação radicou na convocação do princípio da boa fé, aderindo a um parecer do Gabinete do Ministro das Finanças.

Atentemos, então, com o pormenor que se impõe a decisão recorrida.

Para concluir pela procedência a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo alinhou o seguinte discurso fundamentador:

Começa por convocar o Despacho conjunto nº 469/98 dos Ministérios das Finanças e da Cultura, publicado no Diário da República em 17 de julho de 1998, relevando que “[d]o despacho não resulta qualquer tipo de equiparação entre o donativo e patrocínio, apenas se limita a dizer que os donativos concedidos no âmbito de contratos plurianuais, foram consideradas de superior interesse cultural.”

Convoca, ulteriormente, o artigo 39.º, nº4 do CIRC e enfatiza a sua literalidade e expressa alusão aos donativos, sublinhando, depois, que “[a]tenta a materialidade fixada é claro que mantemos o que vem dito quer pela Fazenda Pública quer pelo Digno Magistrado do Ministério Publico, já que a questão com que nos confrontamos se situa no âmbito do seu enquadramento como donativo ou como patrocínio, sendo que as normas jurídico tributárias relacionadas com o benefício fiscal, cujo direito a impugnante arroga se refere sempre a donativos e o contrato que a Impugnante pretende fazer valer reporta-se a um patrocínio.”

Sem embargo, aduz que “[n]ão olvidamos a diferença conceptual existente entre as duas figuras, latu sensu, acordada, a primeira (mecenato) no carater cultural, social ou humanitário e a segunda (patrocínio) no caracter mais comercial e publicitário ou promocional, com objetivo de criação de retorno no montante investido.”

Para depois ressalvar que “[t]ambém não podemos olvidar o contexto nacional envolvente à data da realização do contrato e o interesse nacional vigente. Na verdade tudo parecia facilitar e confluir para a realização do evento “EXPO’98”.”

Ulteriormente convoca e adere à fundamentação constante do parecer emitido pelo Gabinete do Ministro das Finanças datado de 06 de junho de 2001, transcrevendo os seguintes trechos que reputou relevantes:

“No âmbito da organização e apresentação da Exposição EXPO 98 foram celebrados para diversas empresas contratos que consubstanciaram transferências financeiras para a EXPO 98:

No caso em análise, a (...), celebrou com a Parque Expo um Contrato plurianual, onde esta adquiriu o estatuto de Patrocinador Oficial EXPO 98, assumindo consequentemente todos os direitos e obrigações previstas no contrato tipo.

Nesse contrato tipo insere-se um anexo II, onde no ponto 8.º, se encontra claramente estabelecido que o patrocinador oficial beneficiará dos benefícios fiscais de acordo com a Lei que rege o Mecenato Cultural.

Nesta lógica, atendendo às obrigações assumidas, a Parque EXPO, (...), solicitou aos Ministros das Finanças e da Cultura o entendimento de que as importâncias pagas por aquelas entidades no âmbito de tais contratos fossem consideradas de superior interesse cultural, podendo ser enquadradas na majoração de que beneficia o mecenato.

Nesse âmbito, foi emitido o Despacho Conjunto n° A-43/97-XIII, de 7 de Abril de 1997, onde se refere que os donativos concedidos por diversas empresas, (...), revestem de superior interesse cultural, pelo que podem merecer a majoração de 115%.

Entretanto, a Inspeção Tributária, relativamente ao ano de 1997, efectua uma correcção à matéria colectável referindo que, do teor do contrato, se refere que a transferência de (...), que mereceu a majoração de 150% (...), consubstancia um patrocínio e não um donativo, pelo que não considera a majoração, corrigindo a dedução ao lucro tributável.

Perante este facto a (...) contesta esta correcção referindo que efetuou a transferência no pressuposto de que poderia usufruir da majoração, ainda mais quando esta lhe foi prometida, tendo ainda merecido aprovação ministerial, pois o único donativo que concedeu foi esse, não havendo qualquer efeito útil do despacho, se se retirar do seu conteúdo a operação em causa.

(…) Afigurando-se claro que existe, de facto uma diferença conceptual entre a figura do mecenato e a figura do patrocínio. (...)

Na situação em apreço, consubstanciou-se, a nosso ver, uma figura mista, pois procurou- se valorizar a imagem institucional da empresa, sem uma associação directa à promoção de um produto, no entanto, sendo tal inevitável pela notoriedade da empresa.

Pelo exposto, não sendo possível efetuar uma qualificação exacta da realidade que está em causa, tanto mais que está ligada a um grande evento de promoção nacional, cujo Estado foi o principal impulsionador.

Sendo uma situação controvertida, deverá fazer-se uso de todos os auxílios de interpretação possíveis. No entanto verifica-se que tal interpretação foi já efetuada por via do Despacho Conjunto n.° A-43/97-XIII, de 2 de Abril de 1997, publicado no DR II Série de 14 de Abril do mesmo ano.

Qualquer outra interpretação administrativa, pois é isso que está em causa quando se qualificam as transferências em causa, pecaria por má fé se for efectuada à revelia do disposto no citado Despacho Conjunto, o que consubstanciaria uma violação directa da Lei Geral Tributária.

Pelo exposto, é meu parecer, salvo melhor opinião, que a Inspecção Tributária deverá remeter-se à interpretação adoptada no Despacho Conjunto (...), qualificando-se a situação concreta como aí enquadrável, tendo em consideração o primado da actuação da boa fé da Administração Tributária previsto no artigo 59.° da Lei Geral Tributária.(…)” (destaques e sublinhados nossos).

Concluindo, depois, que “[v]erificando que é a própria administração na figura do seu expoente máximo, que aceita a interpretação que foi inclusivamente veiculada por despacho ministerial, acolhemos o parecer supra na parte em que diz que qualquer outra interpretação pecaria por má fé se efetuada e consubstanciaria uma violação direta da Lei Geral Tributária.”

Ora, atentando nos excertos da decisão recorrida conclui-se que inexiste o apontado erro de julgamento, visto que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente analisou os conceitos em apreço, com a devida substanciação e qualificação da verba em questão, tendo aliás, nesse particular, concluído no sentido propugnado pela Recorrente.

Mais importa relevar que não logra provimento a alegação da Recorrente DRFP quando convoca erro de julgamento por a decisão recorrida ter baseado a sua interpretação no Despacho Conjunto do Ministério das Finanças e da Cultura n.° 469/98 publicado no DR 17/07/1998, proferido e publicado em 1998, quando a matéria dos autos respeita ao exercício de 1997.

E isto porque a aludida fundamentação não é contemporânea do Relatório de Inspeção Tributária, não podendo, por isso, ser valorada, visto que atentando no mesmo dimana perentório que sempre foi convocado o aludido despacho conjunto n.º 469/98, de 6 de julho, sem nunca se colocar em causa o âmbito de aplicação por reporte à data da sua publicação. Com efeito, o que se entendeu que é o aludido benefício fora indevidamente concedido, por se ter entendido que o contrato em causa não respeitava o disposto no artigo 39.º, do CIRC.

Ademais, a decisão recorrida sustenta a sua esteira de razão com base na interpretação sufragada no Despacho Conjunto n.° A-43/97-XIII, de 2 de abril de 1997, publicado no DR II Série de 14 de abril, na sequência de pedido apresentado pela Parque Expo 98, tendente a aquilatar da concreta qualificação das verbas em questão e inerentes benefícios fiscais.

Com efeito, o Tribunal a quo de forma expressa, clara e inequívoca acolhe o parecer na parte em que o mesmo convoca e adere ao Despacho Conjunto n.° A-43/97-XIII, de 2 de abril de 1997, publicado no DR II Série de 14 de abril, sustentando que a manter-se o juízo de entendimento da entidade fiscalizadora tal colidiria com o princípio da boa fé, pelo que o juízo da Recorrente não pode lograr provimento na medida em que parte de premissas que não foram tomadas em consideração aquando da elaboração do relatório inspetivo, desconsiderando, outrossim, o fundamento base em que assentou a procedência da decisão recorrida.

De relevar, neste particular, que este entendimento foi também preconizado em outros Arestos deste Tribunal, propugnando-se no sentido de que “[p]arece realmente muito curial que, na interpretação do Despacho Ministerial de concessão de majoração, se tenha em conta o argumento de que se as empresas nele elencadas não deram outros donativos para além das contribuições previstas nos contratos plurianuais de patrocínio, pelo que o Despacho se referia precisamente a elas. Ou seja, apreciando a situação de facto e certamente conhecendo os contratos que a Expo convidava as empresas a assinar como forma de se associarem ao evento, contribuindo financeiramente para a sua realização, o Senhor Ministro das Finanças terá concordado com o tratamento da situação como mecenato, concedendo o beneficio da majoração. (3) "

Pelo que, contrariamente ao que é aventado pela Recorrente não foram desconsiderados os conceitos basilares, não foi desvirtuado o tratamento contabilístico, nem tão-pouco se verifica qualquer errada subsunção normativa face à qualificação do contrato e consequentemente do montante pecuniário atribuído e em contenda.

Destarte, para obter vencimento a pretensão da Recorrente seria imperioso que a mesma sindicasse a interpretação sufragada no aludido Despacho Conjunto n.° A-43/97-XIII, de 2 de abril de 1997, publicado no DR II Série de 14 de abril, e em concreto rebater a posição defendida pelo Tribunal a quo no sentido de que a manutenção das correções colidiria com princípios norteadores da atuação da Administração Tributária, em concreto o princípio da boa fé.

E a verdade é que sobre a errada interpretação do princípio da boa fé nada foi dito, nada foi sindicado pela Recorrente, sendo que, como já devidamente evidenciado anteriormente, tal seria a questão que importaria rebater por traduzir, como visto, o acento tónico da decisão recorrida.

Como tal, a decisão sob escrutínio, nesse particular, não foi minimamente atacada nos seus termos, motivo pelo qual o alegado não pode se não conduzir ao não provimento do presente recurso, mantendo-se, assim, a procedência e anulabilidade do ato de liquidação nos moldes sindicados.

Aqui chegados, subsiste por analisar a condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.

O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à Administração Tributária.

Do teor do artigo 43.º da LGT, resulta que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos.

De harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:
a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.

In casu, resulta do probatório resulta que o imposto foi pago (ponto 8 da factualidade assente, ora, aditado).

Vejamos, então, os restantes requisitos.

Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (4).

A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT(5).

O entendimento jurisprudencial assenta, essencialmente, na circunstância de que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da Administração Tributária erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu (6).

De chamar à colação, neste particular, o Acórdão proferido pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA, no processo nº 0632/14, com data de 21 de janeiro de 2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se sumariou, entre o mais:

“ II-Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.

III – Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de atuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da Administração Tributária, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito (artº 35º, nº 1 da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações” (sublinhados e destaques nossos).

Assim, em consonância com a fundamentação jurídica constante no citado Aresto e demais jurisprudência nele citada, que se perfilha, a anulação da liquidação impugnada fundou-se em vício de violação de lei, concatenada com a violação de um princípio norteador do procedimento tributário. Pelo que, inexistindo atuação culposa do sujeito passivo e tendo a liquidação sido emitida pela Administração Tributária deve à mesma ser imputado o vício de violação de lei que está na base da anulação de tal liquidação.

Em face do que vem sendo dito, conclui-se que se verificam os requisitos para o reconhecimento, no caso em apreciação, do direito da Recorrente S….. a juros indemnizatórios, já que o tributo foi pago e a liquidação impugnada resulta de erro imputável aos serviços, erro esse determinante da anulação do ato impugnado.

Há, pois, direito a juros indemnizatórios impondo-se a condenação da Entidade Impugnada no respetivo pagamento, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- Conceder provimento ao recurso da Recorrente S….., julgando parcialmente nula a sentença por omissão de pronúncia e, em substituição, condenar a Recorrida a pagar à Recorrente juros indemnizatórios calculados sobre o montante do tributo pago, desde a data em que foi efetuado esse pagamento até à data em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito.
- Negar provimento ao recurso da Fazenda Pública, mantendo-se a decisão recorrida na ordem jurídica.

Sem custas. Vencida a DRFP seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

Registe. Notifique.
Lisboa, 07 de maio de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)

---------------------------------------------------------------------------------
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(3) Vide Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 02730/08, de 12.05.2009
(4) Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472.
(5) Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015.
(6) Vide Acórdãos proferidos nos processos: 1529/14, de 26/2/2014; 0481/13; de 12/3/2014; 01916/13; de 21/1/2015; 0843/14; de 21/1/2015; 0703/14, de 11.05.2016; 704/14 e de 01.06.2016, 1352/14