Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:653/11.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TAXA PELO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE FORNECEDOR DE REDES E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I- A taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas tem natureza de contribuição financeira.
II- As normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Autoridade Nacional de Comunicações (doravante Recorrente ou ANACOM) veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação intentada pela Z……….., S.A. (atualmente designada N………….., S.A (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, referente ao ano de 2010.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1.ª Devem ser aditados ao probatório os factos indicados sob os nºs 32 a 35 das presentes alegações, relativos à (i) determinação dos rendimentos relevantes diretamente relacionados com o exercício da atividade de oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, aos (ii) custos de regulação e ao financiamento da ANACOM, (iii) ao tratamento das provisões como gasto/custo administrativo de regulação e (iv) aos benefícios da atividade de regulação económica desenvolvida pela ANACOM, factos que são relevantes para a decisão da causa, e que conduzem a conclusões inteiramente distintas das sufragadas pela sentença recorrida;

2.ª Não existe qualquer substrato material que possa suportar, no plano da regulação do setor das comunicações eletrónicas, da regulação dos serviços da sociedade da informação ou da regulação da comunicação social, a distinção feita pelo Tribunal a quo, para efeitos de delimitação dos serviços de comunicações eletrónicas entre (i) serviços de comunicações eletrónicas que transmitem sinais de televisão e (ii) serviços de comercialização de conteúdos através de redes de comunicações eletrónicas, que não seriam serviços de comunicações eletrónicas;

3.ª Um “serviço de fornecimento de conteúdos através da rede”, que apenas poderá corresponder às ofertas de empresas OTT, nunca poderá corresponder à oferta agregada de uma empresa de comunicações eletrónicas, como é o caso da Impugnante e de outras empresas que pagam a taxa de regulação em causa nos presentes autos, sob pena de ter que se considerar a distribuição de programas de televisão através de operadores de rede um serviço da sociedade de informação e nem sequer um serviço do setor da comunicação social regulado pela ERC;

4.ª A qualificação do serviço de distribuição de sinais de televisão como um serviço de comunicações eletrónicas, ao abrigo da definição constante do artigo 3.º, alínea ff) da LCE tem vindo a ser feita, quer pelas próprias empresas, quer pela ANACOM, que tem vindo a associar tais ofertas ao teor da inscrição dessas empresas no registo;

5.ª Também no plano estatístico, o serviço de distribuição do sinal de televisão é considerado um serviço de comunicações eletrónicas;

6.ª No plano da tutela dos direitos dos consumidores tem sido assumido o entendimento de que o serviço de distribuição do sinal de televisão por subscrição é um serviço de comunicações eletrónicas;

7.ª Para efeitos de aplicação do direito da concorrência, os mercados de media e conteúdos não se confundem com os mercados relacionados com a transmissão por radiodifusão (por cabo ou analógica) para a entrega de conteúdos a utilizadores finais;

8.ª A circunstância de se considerar, como fez o Tribunal a quo, que um operador de distribuição não presta um serviço de comunicações eletrónicas, limitando-se a comercializar/disponibilizar/fornecer conteúdos, deixaria essa atividade fora do âmbito da regulação e supervisão da ANACOM, com consequências no plano da proteção dos consumidores e no próprio plano da proteção dos interesses da Impugnante, já que, não estando em causa uma atividade de comunicações eletrónicas, a Impugnante não poderia beneficiar da regulação económica exercida pela ANACOM, nomeadamente quando esta institui ofertas grossistas reguladas e garante o funcionamento de mercado em condições de concorrência;

9.ª Para efeitos da regulação das atividades de comunicação social a N………… é um operador de distribuição, estando sujeita à supervisão e intervenção do Conselho Regulador da ERC e às taxas de regulação e supervisão aplicáveis, porque disponibiliza ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, serviços de programas de televisão, na medida em que tem a responsabilidade sobre a sua seleção e agregação e apenas nessa medida;

10.ª Porém, daí não decorre que essa sua atividade de disponibilização ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, de conteúdos ou programas de televisão, não esteja igualmente sujeita à regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento do ANACOM, enquanto serviço de comunicações eletrónicas, na medida em que consiste na transmissão de sinais através de redes de comunicações eletrónicas;

11.ª De acordo com a jurisprudência do TJUE «o artigo 2.°, alínea c), da diretiva-quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em proporcionar um pacote de base acessível por cabo e cuja faturação engloba os custos de transmissão bem como a remuneração dos organismos de radiotelevisão e os direitos pagos aos organismos de gestão coletiva dos direitos de autor, a título da difusão do conteúdo das obras, é abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» e, portanto, pelo âmbito de aplicação material tanto desta diretiva como das diretivas específicas que constituem o NQR, aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, desde que esse serviço compreenda principalmente a transmissão dos conteúdos televisivos mediante a rede de teledistribuição por cabo até ao terminal de receção do utilizador final» (Acórdão de 7 de novembro de 2013, processo n.º C-518/11, UPC Nederland BV c. Gemeente Hilversum, cons. 47 e n.º 1 da parte dispositiva);

12.ª Esta jurisprudência foi confirmada por acórdão de 30 de abril de 2014, tendo o TJUE afirmado que «o artigo 2.°, alínea c), da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva-quadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em oferecer, a título oneroso, um acesso condicional a um pacote, transmitido por satélite, que contém serviços de radiodifusão radiofónica e de televisão está abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» na aceção da referida disposição» e que «o operador que oferece um serviço, como o que está em causa no processo principal, deve ser considerado um prestador de serviços de comunicações eletrónicas à luz da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140»( Acórdão de 30 de abril de 2014, processo n.º C-475/12, UPC DTH c Nemzeti Média cons. 58 e n.º 1 da parte dispositiva);

13.ª O considerando 20 da Diretiva Autorização não visou tomar posição quanto ao conceito de serviço de comunicações eletrónicas, nem quanto à respetiva delimitação, positiva ou negativa, até porque, para efeitos da Diretiva Autorização, aplicam-se as definições constantes do artigo 2.º da Diretiva-Quadro (cf. artigo 2.º, n.º 1 da Diretiva Autorização);

14.ª A N………., exercendo uma atividade de comunicações eletrónicas ao abrigo da autorização geral e beneficiando do enquadramento regulamentar aplicável ao setor das comunicações eletrónicas (regulamentação da transmissão), desenvolve também, por oferecer pacotes de programas de televisão através de uma rede de comunicações eletrónicas, uma atividade regulada no âmbito da comunicação social, devendo, nesse plano, observar os critérios próprios da regulação desse setor, que se situam no plano da regulamentação de conteúdos, de modo a assegurar os objetivos da regulação a que se refere o artigo 7.º dos Estatutos da ERC;

15.ª O facto de a N………. estar sujeita à supervisão e intervenção do Conselho Regulador da ERC não a desqualifica enquanto empresa fornecedora de redes e serviços e comunicações eletrónicas;

16.ª Não existe qualquer fundamento no direito europeu ou nacional, que possa suportar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, no sentido de que está excluído «do conceito de serviço de comunicações eletrónicas, o serviço de fornecimento de conteúdos, como ocorre in casu» (p. 32 da sentença recorrida) daí retirando a conclusão – errada – de que houve erro na quantificação do tributo;

17.ª A sentença recorrida violou o disposto no artigo 2.º, alínea c) da Diretiva-Quadro e o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 3.º, alíneas dd) e ff) da LCE;

18.ª Ao não considerar a interpretação das normas de direito europeu, nos termos fixados pelo TJUE nos acórdãos proferidos nos processos nºs C-518/11 e C-475/12, a sentença recorrida pôs em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da união europeia, in casu, a interpretação e aplicação do disposto no artigo 2.º, alínea c) da Diretiva-Quadro;

19.ª As questões de interpretação de direito da união suscitadas pela sentença recorrida encontram-se resolvidas de forma consistente pelos acórdãos do TJUE proferidos nos processos nºs C-518/11 e C-475/12, e em termos contrários ao decidido pelo Tribunal a quo, pelo que não se justifica colocar ao TJUE nova questão prejudicial sobre a mesma matéria;

20.ª Não sendo esse o entendimento do Tribunal ad quem, a ANACOM, ora Recorrente, está disponível para, ao abrigo do princípio da colaboração processual, contribuir para a formulação de uma eventual questão prejudicial;

21.ª Aderindo o Tribunal ad quem ao entendimento de que as questões de interpretação de direito da União suscitadas pela sentença recorrida se encontram resolvidas pelos acórdãos proferidos nos processos nºs C-518/11 e C-475/12, deverá aplicar ao caso o artigo 2.º, alínea c) da Diretiva-Quadro, e bem assim os artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 3.º, alíneas dd) e ff) da LCE, de acordo com o dispositivo dos referidos acórdãos do TJUE, considerando que o serviço de televisão por subscrição [STS] (por cabo e satélite, incluindo o vídeo on demand [VoD] e a subscrição de canais premium) e as receitas que lhe estão associadas (incluindo as relativas a instalações, ativações, aluguer de equipamentos [Set Top Boxes (STB)] e outros serviços de STS), constituem serviços de comunicações eletrónicas, encontrando-se abrangidos pelo âmbito material da regulação a cargo da ANACOM, nos termos do artigo 5.º da LCE, pelo que não ocorreu in casu qualquer erro na quantificação do tributo, por terem sido considerados rendimentos relevantes para efeitos da liquidação impugnada, os provenientes da prestação desses serviços;

22.ª As provisões têm um tratamento contabilístico autónomo e distinto dos fornecimentos e serviços externos (e não dos fornecedores), pois todas as naturezas de gastos são discerníveis entre si, com regras contabilísticas diferentes;

23.ª No caso das provisões, o seu registo contabilístico obedece a regras próprias, devidamente explicitadas na Norma Contabilística de Relato Financeiro 21 – Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes (“NCRF 21”);

24.ª O Tribunal a quo confundiu (i) a questão do reconhecimento contabilístico das provisões para processos judiciais relacionados com a atividade de regulação do setor das comunicações eletrónicas como gasto ou custo administrativo da ANACOM, com (ii) a questão da sua elegibilidade para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas;

25.ª Ao contrário do afirmado a págs. 34-35 da sentença recorrida, por referência aos critérios da NCRF 21 relativos ao reconhecimento e ao registo de provisões, as provisões, uma vez reconhecidas e registadas, são gastos como quaisquer outros, afetando os resultados do exercício, conforme é suportado pelos dois pareceres juntos como documentos nºs 1 e 2 com as presentes alegações, o que se faz ao abrigo do artigo 651.º, n.º 1, 2.ª parte do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT;

26.ª Embora uma provisão seja, por definição, constituída para salvaguardar riscos futuros e assente num juízo de probabilidade quanto a um eventual exfluxo de recursos baseada numa estimativa fiável da quantia da obrigação (cf. Norma Contabilística e de Relato Financeiro [NCRF21, §13]) não deixa de ser um gasto, com impacto nas demonstrações financeiras da entidade, sendo fiscalmente dedutível e afetando os resultados do exercício;

27.ª O conceito de contabilístico ou fiscal de gasto (ou custo) não exige um exfluxo financeiro atual ou presente de fundos (pagamento). Considere-se, a título de exemplo, o caso das depreciações e amortizações dos bens do ativo fixo, tangível e intangível;

28.ª De um ponto de visa contabilístico e fiscal, não são apenas gastos [custos] aqueles que envolvam um exfluxo financeiro atual ou presente, isto é, aqueles que correspondam a despesas efetivamente incorridas, por importarem a mobilização de recursos financeiros;

29.ª De um ponto de vista contabilístico e fiscal, as provisões são um custo efetivo, ainda que assentem em gastos estimados. E são um custo real, porque o seu reconhecimento tem impacto financeiro nas contas da entidade que as constitui, afetando os resultados do exercício;

30.ª Uma vez identificado o risco de exfluxo de recursos, as normas contabilísticas obrigam à constituição de provisões, pelo que não é correta a asserção constante da p. 35 da sentença recorrida, segundo a qual as provisões seriam de constituição facultativa;

31.ª Não foi a alteração efetuada pela Portaria n.º 296-A/2013 ao n.º 1 do anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 que veio determinar a inclusão das provisões para processos judiciais em curso nos custos administrativos cobertos pela taxa de regulação, uma vez que estes custos administrativos sempre incluíram as provisões nos termos do estudo “Modelo de Taxas do ICP-ANACOM, Maio 2008”, da metodologia de apuramento dos custos de regulação, do referencial contabilístico aplicável à ANACOM e da utilização da respetiva contabilidade para efeitos de apuramento dos gastos [custos] administrativos de regulação do setor das comunicações eletrónicas;

32.ª A alteração introduzida pela Portaria n.º 296-A/2013 foi apenas no sentido de deixar de se ter em conta o orçamento dos custos administrativos e provisões para processos judiciais respeitante ao ano em causa para calcular o total de custos administrativos da ANACOM cobertos pela taxa de regulação;

33.ª Tanto o “Estudo” como a “Metodologia” assentam na utilização da contabilidade analítica da ANACOM como forma de identificar os custos associados ao desenvolvimento das diferentes atividades inerentes ao exercício das atribuições da ANACOM, distinguindo aquelas que dizem respeito à regulação das comunicações eletrónicas, daquelas que dizem respeito ao setor postal, à assessoria ao Governo e a outras atividades;

34.ª Do universo de gastos administrativos da ANACOM, apenas são considerados para efeitos do lançamento e liquidação da taxa impugnada os gastos afetos à regulação das Comunicações eletrónicas, excluindo os gastos afetos a outras atividades;

35.ª Não se coloca o problema de estarem a ser financiados através da taxa de regulação das comunicações eletrónicas outros gastos administrativos da ANACOM;

36.ª O TJUE já se pronunciou por duas vezes sobre a interpretação do artigo 12.º da Diretiva Autorização e, embora afirme a natureza limitada dos custos administrativos suscetíveis de cobertura pelas taxas de regulação (cf. considerandos 22, 23 e 27 do acórdão Telefónica proferido em 21 de julho de 2011 no processo C-284/10 e considerandos 36 e 38 a 42 do acórdão Vodafone Omnitel de 18 de julho de 2013, proferido nos processos apensos nºs C-228/12 a C-232/12 e C-254/12 a C-258/12) nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorizações gerais;

37.ª O TJUE afirmou claramente que os custos elegíveis para efeitos de financiamento através dos encargos administrativos a que se refere aquele artigo 12.º compreendem a totalidade dos custos resultantes das atividades mencionadas na alínea a) do n.º 1 daquela disposição de direito da União Europeia e não apenas uma parte (cf. considerandos 38, 41, 42 e 43 do acórdão de 18 de julho de 2013);

38.ª Mais recentemente o TJUE teve oportunidade de confirmar que os custos com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação do regime de autorização geral, bem como com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação das obrigações específicas, incluindo as obrigações que podem ser impostas aos fornecedores designados para prestar o serviço universal, podem ser cobertos pelos encargos administrativos a que se refere o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização (cf. considerandos 39 e 40 do Despacho de 29 de abril de 2020, proferido no processo n. ºC-399/19);

39.ª Se todas as atividades de regulação são suscetíveis de controlo jurisdicional (cf. artigo 4.º da Diretiva-Quadro e artigo 13.º da LCE) seria manifestamente absurdo considerar tais atividades elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando as mesmas se desenvolvem de modo normal, e já não as considerar elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando se desenvolvem de modo patológico, maxime se e quando a ANACOM fosse condenada a pagar indemnizações a terceiros por atos de regulação ilegais, sustentando que, nesses casos, deve ser a generalidade dos contribuintes a suportar tais custos;

40.ª Uma das finalidades da reforma do modelo de taxas da ANACOM, foi, justamente, a de pôr termo ao financiamento dos custos administrativos da regulação através das taxas de utilização do espetro radioelétrico, internalizando no setor os custos com a respetiva regulação;

41.ª Caso a ANACOM não possa repercutir nas taxas de regulação das comunicações eletrónicas, os custos com a constituição de provisões ligadas à regulação do setor, o efeito financeiro daí adveniente projetar-se-ia nos resultados que podem ser transferidos para o Estado;

42.ª Os resultados da ANACOM são uma consequência dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico (que são uma receita devida pela utilização do domínio público radioelétrico que se encontra consignada à ANACOM e cujo excedente é entregue ao Estado);

43.ª A utilização dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico para financiar a constituição de provisões ligadas à atividade de regulação, equivaleria a transferir para outras fontes de financiamento custos que devem ser internalizados no âmbito da atividade de regulação (artigo 12.º da Diretiva Autorização e artigo 105.º, n.º 4 da LCE), implicando o regresso ao sistema anterior à Portaria n.º 1473-B/2008, em que a regulação era financiada pelo produto das taxas de utilização do espetro radioelétrico;

44.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação – como foi decidido pelo Tribunal a quo – não assegura uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, pondo em causa o princípio da orientação para os custos, uma vez que todos os custos decorrentes de situações patológicas não seriam internalizados pelo setor, ficando a cargo do Estado, isto é, da generalidade dos contribuintes, quer através da mobilização das receitas da taxa de utilização do espetro radioelétrico, quer através de dotações orçamentais específicas;

45.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação não proporcionaria uma recuperação integral de todos os custos suportados com a regulação do setor, incluindo os custos decorrentes da impugnação de decisões da ANACOM ligadas à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral;

46.ª A inclusão das provisões na base dos gastos administrativos de regulação é inerente aos objetivos e à teleologia dos encargos a que se refere o artigo 12.º da Diretiva Autorização, sob pena de não existir uma correspondência integral entre receitas e custos, os quais não podem resumir-se às situações normais de regulação, tendo ainda que abranger as situações patológicas que envolvem a constituição de provisões;

47.ª Os custos administrativos diretamente relacionados com a atividade de regulação do setor das comunicações eletrónicas incluem, inequivocamente, os custos suportados com a constituição de provisões, os quais são elegíveis para efeitos de distribuição pelos prestadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, sendo a sua consideração absolutamente essencial para assegurar a coerência e o equilíbrio do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

48.ª Ao instituir um sistema de partilha dos custos da regulação, o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da diretiva autorização e o artigo 105.º, n.º 1, alínea b) e nºs 4 e 5 da Lei das Comunicações Eletrónicas, não pretende, seguramente, que seja a generalidade dos contribuintes a suportar os custos com indemnizações fundadas em responsabilidade civil por atos ou omissões de regulação imputáveis à ARN, nem se vê que tal solução seja compatível com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que vincula o legislador, nas suas opções de afetação de meios financeiros à satisfação de necessidades coletivas, ao respeito pelos modos de legitimação da tributação consentâneos com as utilidades geradas pela despesa pública;

49.ª Nestes termos e ao contrário do entendimento formulado pelo Tribunal a quo, a elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE, da necessidade de assegurar uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, bem como do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos;

50.ª É totalmente improcedente o alegado erro de quantificação do tributo com fundamento na integração do valor das provisões nos gastos administrativos relacionados com a atividade de regulação da ANACOM;

51.ª A sentença recorrida violou o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e o disposto no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

52.ª Existe erro de julgamento na parte dispositiva da sentença, a qual deveria ter determinado a anulação parcial da liquidação e não a anulação total, com consequências em sede de execução de sentença, uma vez que não haveria lugar à devolução do tributo pago, na sua totalidade, mas à revisão da liquidação da taxa de regulação de 2010;

53.ª A sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à condenação em juros indemnizatórios porque o alegado vício considerado procedente apenas abrange alguns dos pressupostos da liquidação (os relativos aos rendimentos provenientes da prestação do STS e os relativos aos gastos com provisões) e não envolve os valores devolvidos devido à substituição de valores de orçamento por valores de execução orçamental e devido à correção do valor dos rendimentos relevantes indicados pela PTC e relativos à prestação do serviço universal, pelo que, em relação a estes, não decorre da lei a obrigação de pagamento de quaisquer juros indemnizatórios;

54.ª Os erros de julgamento invocados nas duas conclusões anteriores, apenas deverão ser apreciados pelo Tribunal ad quem, na hipótese, não se de admite, de improcedência do presente recurso;

55.ª Nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, e na procedência do presente recurso, deverá o Tribunal ad quem conhecer as demais questões suscitadas pelas partes e substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão da causa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto e revogada a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 2.º, alínea c) da Diretiva-Quadro e do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 3.º, alíneas dd) e ff) da LCE, pondo em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da união europeia, in casu, a interpretação e aplicação do disposto no artigo 2.º, alínea c) da Diretiva-Quadro, e por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e do disposto no artigo 105.º, n.º 4 da LCE.

Na procedência do presente recurso e ouvidas as partes, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare improcedente a impugnação do ato de liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, relativa ao ano de 2010, no valor de € 109.367,49, assim se fazendo Justiça!”


***


A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“I. Na presente ação peticiona-se a declaração de nulidade ou anulação do ato de liquidação pela ANACOM da quantia de 109.367,49 € a título de “Taxa Anual pela Actividade de Fornecedor Redes e Serviços Comunicações Electrónicas”, respeitante ao ano de 2010 – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 e 2;

II. O presente recurso é interposto pela ANACOM contra a douta Sentença, de 11.05.2020, que julgou procedente o vício do erro sobre os pressupostos, com base em dois dos fundamentos invocados na P.I., e, consequentemente, anulou o ato impugnado – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 a 3;

III. Em síntese, os referidos dois fundamentos apreciados e decididos na douta Sentença recorrida, respeitam

- à circunstância de no cálculo da “taxa” em causa a ANACOM considerar a totalidade (100%) das receitas da então Z…… na sua atividade de oferta de conteúdos (televisão e vídeo), que nada tem que ver com o âmbito regulatório da ANACOM (v. págs. 23 e segs. da douta Sentença recorrida);

e, por outro lado,

- à circunstância de no cálculo da “taxa” em causa a ANACOM contabilizar as provisões constituídas pela ANACOM relativas a processos judiciais contra si intentados em que é peticionada a condenação da ANACOM no pagamento de indemnizações ou restituição de quantias em virtude de atos (alegadamente) ilegais dos seus órgãos ou agentes, assim imputando diretamente à Impugnante os valores dessas provisões e aos demais sujeitos passivos do Escalão 2 desta “taxa” (v. págs. 33 e segs. da douta Sentença recorrida); cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 1 a 3;

IV. A douta Sentença recorrida é irrepreensível, sendo patente o respetivo rigor e acerto, quer na fixação dos factos provados, quer na aplicação do Direito, quer mesmo, como veremos, na Justiça que está subjacente ao decidido e que deve ser o fim último de qualquer processo judicial - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 5 e segs.;

V. Para além do apreciado na douta Sentença recorrida foram invocados pela Impugnante, ora Recorrida, diversos outros fundamentos para a declaração de nulidade ou anulação do ato sub judice, cujo conhecimento foi considerado prejudicado na douta Sentença recorrida - cfr. texto das presentes Alegações n.º 7;

VI. Assim, caso o presente recurso da ANACOM seja julgado procedente - o que não se concede minimamente -, deve o processo baixar à primeira instância para apreciação e decisão das referidas questões, cujo conhecimento foi considerado prejudicado na douta Sentença recorrida, ou, deve ser seguido o disposto no art. 665.º/2 e 3 do CPC, ex vi art. 2.º/e) do CPPT, conhecendo esse douto Tribunal daquelas questões em substituição do Tribunal recorrido, após prévia notificação às Partes, nos termos do n.º 3 do referido art. 665.º do CPC - cfr. texto das presentes Alegações n.º 7;

VII. Feito este enquadramento, também em sede de Conclusões, cumpre formular as Conclusões para as questões que se colocam face ao recurso da ANACOM;

- DOS FACTOS

VIII. A ANACOM, ora Recorrente, não impugna os factos considerados provados na douta Sentença recorrida e reconhece, indiretamente, que os mesmos são suficientes para o decidido (v. n.º 30 a pág. 12 das Alegações da ANACOM), apesar de, depois, fazer referência à modificação da decisão de facto, com aditamento de alegados “factos”, com referências à prova gravada - cfr. texto das presentes Alegações n.º 9 e segs.;

- Factos a aditar

IX. Não obstante os Factos considerados provados na douta Sentença recorrida serem suficientes e suportarem plenamente o decidido, requer-se, a título subsidiário, nos termos do art. 636.º/2 do CPC, ex vi art. 2.º/e) do CPPT, o aditamento dos Factos indicados supra, no n.º 12 das presentes Contra-Alegações - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 12 e 13;- “Factos” que a ANACOM pretende ver aditados

X. Conforme demonstrado acima no texto das presentes Contra-Alegações, relativamente aos alegados “factos” que a ANACOM pretende aditar, os mesmos, ou (i) não são verdadeiramente factos (mas sim matéria de direito ou conclusões de factos não provados); ou (ii) são irrelevantes para a decisão da causa (aliás a ANACOM não os refere na posterior análise do Direito); ou (iii) não foram antes alegados; ou (iv) não se podem considerar provados, maxime face à prova produzida (nomeadamente a gravada), sendo, assim, totalmente improcedente o referido pela ANACOM quanto a pretensos factos a aditar - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 15 a 25;

- DO DIREITO

- Do acerto do decidido quanto aos erros na determinação dos “proveitos relevantes”

XI. O que está em causa quanto à questão dos “proveitos relevantes” (erradamente) considerados pela ANACOM é o facto de a ANACOM ter considerado a totalidade (100%) dos rendimentos da então Z…… na sua atividade de oferta de conteúdos / televisão por subscrição desenvolvida pela então Z……… (incluindo o “Video on Demand”) - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 28 e segs.;

XII. Não estão aqui em causa os serviços de Internet e telefone (nos quais não há qualquer componente de conteúdos ou em que os conteúdos advém de terceiros), englobados nos 9.826.252,85€ “voluntariamente” declarados pela Impugnante como “proveitos relevantes” para efeitos de cálculo da “taxa” em causa - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 29 e segs;

XIII. É manifesto o acerto do decidido na douta Sentença recorrida, não enfermando de qualquer erro de julgamento - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 29 e segs;

XIV. Em primeiro lugar, ao incidir a respetiva “taxa contributiva” sobre a totalidade das receitas da N……… provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS), como se verifica in casu, a ANACOM está a tributar atividades que não regula (conteúdos televisivos) - cfr. texto das presentes Alegações n.º 32;

XV. A este respeito sublinhe-se que na interpretação das normas aplicáveis não pode deixar de ser tomado em consideração que está (supostamente) a ser liquidada uma “taxa”, a qual, necessariamente, pressupõe algum nexo sinalagmático (mesmo que difuso, para os que o admitem) - cfr. texto das presentes Alegações n.º 32;

XVI. Em segundo lugar, como bem referido na douta Sentença recorrida (págs. 29 e segs), e não é colocado em causa pela ANACOM, no que respeita à oferta de conteúdos pela então Z………., a mesma encontrava-se (e encontra-se) sujeita à regulação e supervisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 33 a 35;

XVII. Ora, além de estar em causa uma atividade que não está integrada no âmbito regulatório da ANACOM, o cômputo da totalidade das receitas da então Z………. no Serviço de Televisão por Subscrição (que incluem também o Serviço “Vídeo on Demand”), determina, desde logo, a existência de uma dupla tributação, pois a ANACOM está a tributar atividades que são alheias ao seu objecto regulatório e que são tributadas pela ERC – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 33 a 35;

XVIII. Em terceiro lugar, o disposto na Portaria 1473-B/2008, relativa à “taxa” em causa, a que também se alude na sua pág. 27 da douta Sentença recorrida para fundamentar o decidido, também determina que não possam ser considerados a totalidade (100%) dos rendimentos da Impugnante na atividade de oferta de conteúdos, como fez a ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 36 e 37;

XIX. Em quarto lugar, na sequência do já acima referido quanto à ANACOM estar a tributar atividades que não regula e quanto ao âmbito regulatório da ERC, sublinhe-se não cabe nas competências da ANACOM (mas sim da ERC, como vimos), fiscalizar e/ou regular os conteúdos difundidos pela então Z………(hoje N…….), no quadro da sua atividade de televisão por subscrição – cfr. texto das presentes Alegações n.º 38;

XX. Em quinto lugar, cabia às entidades que criaram a “taxa” em causa (e não à Z………/N………) “construir” um modelo que não englobasse receitas que manifestamente não se enquadram no âmbito regulatório da ANACOM, sendo que é a ANACOM que envia à Impugnante a Declaração para preenchimento (v. Processo Instrutor) – cfr. texto das presentes Alegações n.º 39;

XXI. Finalmente, face ao alegado pela ANACOM, cumpre sublinhar que na decisão a douta Sentença recorrida aplica o Direito Português - maxime a Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas); a Portaria 1473-B/2008, de 17 de dezembro (relativa à “taxa” em apreço); e a Lei 53/2005, de 8 de novembro, e DL 103/2006, de 7 de junho, na redação dada pelo DL 70/209, de 31 de maio (relativos à ERC e respetivas “taxas”) -, não se justificando in casu a forma como a ANACOM pretende centrar a questão ao nível do Direito Comunitário – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 40 e segs.;

XXII. As referências que na douta Sentença são feitas relativamente a Diretivas Comunitárias (já transpostas) - referências essas que aqui se dão integralmente por reproduzidas -, são efetuadas a título de mero auxiliar interpretativo – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 40 e segs.;

XXIII. Aliás, nas suas Alegações, a ANACOM não atendeu ao que é dito na própria Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), que junta com as mesmas - É que, como se refere no Acórdão do TJUE, de 07.11.2013, junto com as Alegações da ANACOM: “38. (…) o NQR [novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas] não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas …” – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 40 e segs.;

XXIV. No demais, o apreciado e decidido naquela Jurisprudência do TJUE (que nem sequer respeita a taxas), não é aqui aplicável, pois o que estava em causa naqueles processos era se determinadas entidades prestavam um serviço de comunicações eletrónicas e estavam sujeitas ao respetivo quadro regulatório e não se a totalidade (100%) das receitas provenientes dos conteúdos disponibilizados pode ser considerada para efeitos de cálculo de uma “taxa” a favor de uma entidade reguladora, que não regula conteúdos, como é o caso da ANACOM (que é o que está aqui em causa) - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 40 e segs.;

XXV. Verifica-se, assim, que o alegado nas Alegações da ANACOM a propósito do Direito Comunitário e Jurisprudência que junta não é aqui aplicável e não coloca minimamente em causa o decidido na douta Sentença recorrida (antes pelo contrário) - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 40 e segs.;

XXVI. Note-se, ainda, que os fundamentos da decisão na douta Sentença recorrida não correspondem ao que é referido nas Alegações da ANACOM, que, com o devido respeito, deturpa o decidido na tentativa de aplicar a sua tese de Jurisprudência da UE (que não é aqui aplicável) - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 40 e segs.;

XXVII. Face ao exposto, o presente recurso é totalmente improcedente, não enfermando a douta Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento ao anular o ato de liquidação da “taxa anual” em análise, o qual viola, além do mais, os n.ºs 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, bem como o art. 105.º/1/b) e 4, da Lei 5/2004, ao considerar como “proveitos relevantes”, sobre os quais incidiu a “percentagem contributiva”, a totalidade das receitas da então Z………. provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) – cfr. texto das presentes Alegações n.º 42;

XXVIII. Face a tudo o acima referido, não se afigura necessário qualquer reenvio prejudicial para o TJUE, desde logo porque a questão nos presentes autos não carece de tal reenvio, podendo ser decidida com base nas disposições internas do ordenamento jurídico Português, sendo a decisão de reenvio da exclusiva responsabilidade do Tribunal Nacional (cfr. Ac. STJ, de 06.06.2000, Proc. 1269/98, disponível em www.dgsi.pt) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 43 a 46;

XXIX. Analisado o primeiro dos fundamentos da douta Sentença recorrida, a págs. 28 a 33 da mesma, relativo à consideração pela ANACOM do valor integral das receitas da então Z……. na disponibilização de conteúdos (televisão e vídeo), cumpre agora analisar o segundo fundamento (págs. 33 e ss., da douta Sentença recorrida), relativo à consideração pela ANACOM, no cálculo da “taxa” em causa, do valor das provisões das provisões constituídas pela ANACOM relativas a processos judiciais contra si intentados – cfr. texto das presentes Alegações n.º 46;

XXX. Também aqui é manifesta a improcedência do recurso da ANACOM; - Do acerto do decidido quanto à errónea inclusão do valor das provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais

XXXI. No cálculo da taxa em causa foram consideradas pela ANACOM “provisões para processos judiciais em curso” – i.e. provisões constituídas pela ANACOM para o caso de vir a ser condenado pelos Tribunais a pagar indemnizações a terceiros, por atos ilícitos da própria ANACOM, mais concretamente, por atos ilícitos praticados por titulares de órgãos, funcionários e agentes da ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 47 e segs.;

XXXII. Contrariamente ao que parece entender a ANACOM, o que está em causa não é o tratamento contabilístico que é feito pela ANACOM relativamente às provisões, nem o tratamento contabilístico das provisões em geral, o que está em causa nos presentes autos é a ilegalidade do tributo sub judice, maxime da consideração pela ANACOM de provisões para processos judiciais no cálculo do mesmo - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 47 e segs.;

XXXIII. A contabilização pela ANACOM dessas provisões para processos judiciais no cálculo da “taxa” viola o disposto n.º 4 daquele art. 105.º da Lei 5/2004 e n.º1 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008 (mais concretamente, o previsto em “C” da fórmula aí indicada), na redação em vigor à data da liquidação impugnada (2010), que referem apenas a contabilização de “custos administrativos” da ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 47 e segs.;

XXXIV. As “provisões para processos judiciais em curso” claramente não são “custos administrativos”, sendo que até a própria ANACOM autonomiza as duas situações, conforme se pode verificar pelo quadro a fls. 292 do Processo Instrutor – cfr. texto das presentes Alegações n.º n.ºs 47 e segs.;

XXXV. A inclusão pela ANACOM de provisões para processos judiciais em curso nos cálculos da “taxa anual” tem ainda por efeito/objetivo de tentar desincentivar o acesso à justiça por parte dos operadores, através da repercussão nos operadores, pelo pagamento daquela “taxa”, dos montantes de indemnizações em que pode vir a ser condenada a ANACOM por atos ilegais (cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 33/2018, de 31.01.2018) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 47 e segs.;

XXXVI. As devoluções que têm vindo a ser efetuadas, face ao termo de processos judiciais cujas indemnizações peticionadas estavam provisionadas, são reveladoras do absurdo da contabilização de provisões para processos judiciais em curso – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 57 e segs.;

XXXVII. Por um lado, essas devoluções demonstram que eram os sujeitos passivos da “taxa” que iriam pagar essas indemnizações e que irão pagar as relativas aos restantes processos provisionados, se a ANACOM for condenado nesse pagamento – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 57 e segs.;

XXXVIII. Por outro lado, a ANACOM devolve essas quantias sem juros, o que determina a existência de um enriquecimento da ANACOM sem causa justificativa (e inerente empobrecimento da Impugnante), pois teve essas quantias ao seu dispor durante vários anos sem pagar juros, ou seja, financiou-se gratuitamente à custa da Impugnante e de outros operadores e beneficiou (e continua a beneficiar) do rendimento gerado por essas quantias enquanto as teve na sua posse – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 77 e segs.;

XXXIX. A contabilização de provisões para processos judiciais em curso no cálculo das “taxas” em causa viola, assim, o disposto no n.º 4 do art. 105.º da Lei 5/2004 e no n.º1 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, na redação aplicável, bem como os princípios do Estado de Direito, da legalidade, tipicidade, confiança e segurança jurídica, constitucionalmente consagrados (v. págs. 57 e 58 do Parecer da Exma. Senhora Professora Doutora Ana Paula Dourado junto aos autos), pelo que o ato sub judice é anulável por violação de lei e erro sobre os pressupostos de facto e de direito – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 60 e segs.;

XL. O n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na posterior redação da Portaria 296-A/2013, em que se passou a fazer referência às provisões para processos judiciais, não é aqui aplicável, por ser posterior ao ato de liquidação sub judice, como referido na douta Sentença recorrida – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 63 e segs.;

XLI. O referido n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na posterior redação da Portaria 296-A/2013, além de ser inaplicável in casu, sempre seria ilegal por violação do art. 105.º da Lei 5/2004, bem como inconstitucional por violação do art. 112.º/1/2/5/6 e 7 da CRP - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 63 e segs.;

XLII. Além disso, o referido n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na sua redação inicial e de 2009 - aqui aplicável -, também enfermaria das mesmas ilegalidades e inconstitucionalidades se interpretado no sentido de já permitir a consideração das provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais no cálculo das “taxas” em causa - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 63 e segs.;

XLIII. Na mesma linha, o n.º 2 do art. 105.º da Lei 5/2004 também seria inconstitucional, se interpretado no sentido de permitir a respectiva regulamentação por uma Portaria com o âmbito e alcance da Portaria 1473-B/2008, na interpretação acima referida (maxime quanto às provisões relativas a processos judiciais), por violação dos mesmos n.ºs 1, 2, 5, 5 e 7 do art. 112.º da CRP, bem como os princípios do Estado de Direito Democrático, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e da responsabilidade das Entidades Públicas, consagrados nos arts. 2.º, 20.º e 22.º da CRP - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 63 e segs.;

XLIV. Face a tudo o exposto, não se verifica qualquer erro de julgamento na anulação da liquidação sub judice, sendo o presente recurso totalmente improcedente - cfr. texto das presentes Alegações n.º 67;

XLV. Os dois documentos juntos com as alegações da ANACOM, que esta designa de “pareceres técnicos”, alegadamente emitidos em 2015, por duas Sociedades de Revisores Oficiais de Contas (“SROC”), a saber: A…………& Associados, SROC, Lda., e B…………& Associados, SROC, S. A., são totalmente irrelevantes para a decisão da causa - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 68 a 72;

- Da improcedência do alegado pela ANACOM quanto à Anulação Parcial

XLVI. Em primeiro lugar, nunca antes a ANACOM carreou para o processo qualquer elemento que pudesse suportar essa anulação apenas parcial do ato de liquidação (e também não o faz nas presentes Alegações) - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 73 e segs.;

XLVII. Em segundo lugar e mais relevante, é manifesto que os fundamentos da anulação determinam a anulação integral do ato de liquidação sub judice e não apenas parcial, pois, por um lado, estão em causa os “proveitos relevantes” considerados pela ANACOM para o cálculo da percentagem contributiva e sobre os quais incidiu essa percentagem contributiva, e, por outro lado, no que respeita à errada consideração de provisões da ANACOM para processos judiciais estão em causa os pretensos “custos” para o cálculo da percentagem contributiva utilizada para calcular a “taxa” - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 73 e segs.;

XLVIII. É, assim, manifesto que, contrariamente ao pretendido pela ANACOM, a liquidação sub judice tinha que ser integralmente anulada e, consequentemente, o tributo pago (ainda não devolvido) integralmente devolvido à Impugnante, não existindo qualquer fundamento para uma anulação apenas parcial - cfr.texto das presentes Alegações n.ºs 73 e segs.;

- Da improcedência do alegado pela ANACOM quanto aos juros XLIX. A ANACOM não contesta que a Impugnante, ora Recorrida, tem direito ao pagamento de juros, mas invoca que, relativamente a três quantias devolvidas em 2013 e 2015 não haveria lugar ao pagamento de juros - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 76 e segs.;

L. Note-se que o que está em causa, relativamente àquelas quantias, é o pagamento de juros entre a data em que as mesmas foram pagas pela Impugnante e a sua devolução e não o pagamento de juros sobre as mesmas após aquela devolução - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 76 e segs.;

LI. Assim sendo, é totalmente improcedente o invocado pela ANACOM, que (mais uma vez) é verdadeiramente surpreendente - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 76 e segs.;

LII. Seguindo-se a tese da ANACOM, se a alguém fosse ilegalmente liquidada uma “taxa” de 10.000€, em 2000, e em 2015 lhe fossem devolvidos 9.000€ não teria direito ao pagamento de quaisquer juros sobre esses 9.000€, o que seria totalmente inaceitável - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 76 e segs.;

LIII. Como a ora Recorrida referiu antes, maxime nas alegações que antecederam a douta Sentença recorrida, conforme requerimentos apresentados pela ANACOM Sociedade R……… & Advogados Associados, SP, RL e pela Impugnante, aquela efetuou diversas devoluções de pequenas partes das quantias pagas, em regra decorrentes da eliminação de algumas provisões (pelo termo dos respetivos processos judiciais), tendo a N…….., na sequência e em conformidade com essas devoluções e em honra do princípio da colaboração, reduzido o valor do pedido de restituição, abatendo, para efeitos do cálculo dos juros, as devoluções efetuadas - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 76 e segs.;

LIV. Ou seja, cada vez que foi devolvida uma quantia pela ANACOM “parou-se” a contagem dos juros e reiniciou-se a contagem já deduzida do que foi devolvido, sendo que, se não existisse o pagamento de juros pelo período que a ANACOM teve as quantias na sua posse, estaríamos perante manifesto enriquecimento sem causa - cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 76 e segs.;

LV. Assim sendo, também quanto aos Juros improcede o Recurso da ANACOM.

Termos em que deve o Recurso da ANACOM ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida.

Nota: dado que a final das Alegações da ANACOM é pedida a modificação da decisão sobre a matéria de facto e que tal é feito com referência à prova gravada, conforme págs. 12 e segs. daquelas Alegações, ao prazo de 15 dias para Contra-Alegações acrescem 10 dias, nos termos do art. 282.º/4 do CPPT (cfr., igualmente, arts. 638.º/7 do CPC e 144.º/5 do CPTA, ex vi art. 2.º do CPPT, e, entre outos, Ac. TCA Sul, de 22.10.2015, Proc. 09010/15, disponível em www.dgsi.pt).”


***


Foram os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos do artigo 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***


Com dispensa de vistos (artigo 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

***


II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:

“1- A impugnante e o grupo em que se insere, dedica-se à prestação de diversos serviços, designadamente televisão, internet fixa e voz fixa – depoimento das testemunhas D………e de M…………;

2- A utilização da rede, seja de televisão, seja de internet fixa e voz fixa, são serviços regulados pelo ICP-ANACOM- depoimento da testemunha D………………;

3- Por e-mail datado de 25/06/2010, o ICP-ANACOM enviou à Z……. a um ofício do qual constava que relativamente à taxa anual mencionada na alínea b) do nº1 do art. 105º da Lei 5/2004:


- facto não controvertido;

4- Por carta de 30/06/2010, a impugnante respondeu ao ofício, mencionado no ponto anterior, remetendo documento intitulado-Declaração para efeitos da Taxa Anual devida pelo Exercício da Atividade de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas, preenchido e assinado, como se enuncia seguidamente:



- cfr. doc. nº 3 junto com a p.i.;

4- A impugnante, com base no documento referido no ponto anterior, declarou como ¯Proveitos Relevantes, do ano em causa, o valor de € 9.826.252,85 - cfr. doc. nº 3, pág. 2, junto com a p.i.;

5- Em 06/08/2010, o ICP-ANACOM, ora impugnado, publicou no sítio da Internet, um documento denominado ¯Cálculo das Taxas devidas pelo Exercício da Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas Acessíveis ao Público, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 105º da lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, sendo o valor dos custos administrativos do ICP-ANACOM, a considerar para efeitos do cálculo da taxa em causa, correspondente ao montante de € 31.526.163,00, como se enuncia:


[textos na íntegra no original]




[textos na íntegra no original]













- cfr. doc. nº 4 junto com a p.i.

6- Por ofício de 01/09/2010, o ICP-ANACOM, comunicou à impugnante que ¯... no âmbito do processo de emissão de faturação, detetou indícios de aplicação não uniforme do conceito de proveitos relevantes por parte de entidades que exercem a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pelo que decidiu que fosse verificada a informação recolhida no âmbito deste processo, com vista a garantir a uniformidade de critérios utilizados para o cálculo dos proveitos relevantes, contando com a colaboração da E……….& Associados, SROC, SA. – cfr. doc. nº 5 junto com a p.i.;

7- Por ofício de 02/11/2010, o ICP-ANACOM comunicou à impugnante o seguinte:


- cfr. doc. nº 6 junto com a p.i.;

8- Por ofício do ICP-ANACOM, de 29/11/2010, a impugnante foi notificada do documento denominado ¯Fatura/Nota de Liquidação/Recibo com o nº F…………, referente à ¯Taxa Anual Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas Escalão 2, indicando o valor da taxa a pagar, para o ano de 2010, de € 109.367,49 – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i.;

9- Em anexo ao documento, enunciado no ponto anterior, são juntas três páginas denominadas ¯E………..¯, com o seguinte conteúdo:



10- Em 18/11/2010, a impugnante dirige requerimento ao ICP-ANACOM, sob o Assunto: ¯Auditoria aos proveitos relevantes relativos ao ano de 2009, reportados ao ICP-ANACOM, no âmbito da circular enviada a 1 de Junho de 2010” refere para o efeito o seguinte (...)


(...)

[textos na íntegra no original]



- cfr. doc. nº 7 junto com a p.i.;

11- Por deliberação de 25/11/2010, o ICP-ANACOM elaborou documento intitulado ¯Cálculo das taxas devidas pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas para 2010, publicado no seu sítio da internet, com o seguinte teor:



- cfr. doc. nº 8 junto com a p.i.;

12- Em 29/12/2010, a impugnante procedeu ao pagamento do montante de € 109.367,49, correspondente à fatura/recibo nº F………. - cfr. documento nº 2 junto com a p.i.;

13- O serviço de televisão e o de video on demand (VoD, consubstanciado no serviço de venda ou aluguer de filmes ou séries) prestado pela impugnante, usava a rede utilizada pela impugnante no fornecimento dos serviços de acesso à Internet e de telefone fixo – cfr. depoimento da testemunha D………… e da testemunha M………..;

14- A impugnante, no exercício da prestação de serviços de televisão por subscrição, construía pacotes com características diversas, designadamente em termos de composição dos canais que os integravam – cfr. depoimento da testemunha D…………. e da testemunha M…………;

15- Para efeitos de construção dos pacotes mencionados no ponto anterior, a impugnante procedeu à seleção de canais e conteúdos e à sua agregação - cfr. depoimento da testemunha D……………. e da testemunha M………….;

16- Para os efeitos referidos no ponto anterior, a impugnante adquiria a título oneroso conteúdos a outras entidades produtoras de conteúdos - cfr. depoimento da testemunha D……………. e da testemunha R…………….;

17- Nalguns dos conteúdos, designadamente filmes e séries, adquiridos pela impugnante, a legendagem dos mesmos era feita pela impugnante - cfr. depoimento da testemunha cfr. depoimento da testemunha D………….. ;

18- Nalguns dos pacotes construídos estavam incluídos canais exclusivamente disponibilizados pela impugnante e/ou canais premium, sendo a impugnante quem escolhia os conteúdos (v.g. P…,B….., H…….,T……….) - cfr. depoimento da testemunha D…………… e da testemunha M…………;

19- No serviço de televisão por subscrição estava incluído o VoD. - cfr. depoimento da testemunha D………………. e da testemunha M…………;

20- O preço cobrado ao cliente final no STS dependia dos conteúdos em concreto de cada um dos pacotes, aumentando em função da complexidade do pacote - cfr. depoimento da testemunha D…………….. e da testemunha M……….;

21- Quando um cliente contratava o Serviço de Televisão por Subscrição, era instalado pela impugnante um equipamento de conversão do sinal de analógico para digital, designado de “Z……… box- cfr. depoimento da testemunha D…………….. e da testemunha R………….;

22- Para os serviços premium e VoD era necessário o equipamento mencionado no ponto anterior - cfr. depoimento da testemunha D……………. e da testemunha M…….. ;

23- O equipamento mencionado no ponto 21, era alugado ou vendido apenas pela impugnante - cfr. depoimento da testemunha D………………. ;

24- O preço pago por um cliente que subscrevesse um serviço de televisão com a impugnante abrangia um valor relativo à assinatura, pacote, canais premium, aluguer da Z…… box e VoD. - cfr. depoimento da testemunha D…………….. e da testemunha M……….;

25- Toda a atividade de conteúdos era regulada pela ERS, Entidade para a qual a impugnante pagava uma taxa anual – cfr. depoimento da testemunha M………….e da testemunha R…………...


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos com relevância para a decisão da causa, que importe destacar como não provados.”


***


Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo instrutor apenso, não impugnados, nas posições assumidas pelas partes no procedimento administrativo, bem como nos depoimentos prestados pelas testemunhas, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

As testemunhas D…………… , M……….. e R……………., todos diretores da N…….., demonstraram possuir conhecimento direto dos factos em presença por trabalharem para a impugnante, apresentando-se os correspondentes depoimentos credíveis e consistentes com restante prova documental que se apresenta nos autos.

Não foram relevados os depoimentos das testemunhas da impugnada, em virtude de os mesmos não acrescentarem aos autos nada que não resultasse já da prova documental obtida nos autos.”


***

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, relativa ao ano de 2010.

Ab initio, importa relevar que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Preceitua, porém, o artigo 204.º da CRP que: “[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Logo, revestindo as questões de inconstitucionalidade conhecimento oficioso, a apreciação do litígio deve principiar com essa apreciação, adensando essa ordem de conhecimento, a própria alteração do artigo 43.º da LGT, materializada pela Lei n.º 9/2019, de 01 de fevereiro, cuja verificação passou a legitimar o direito ao pagamento a juros indemnizatórios, conforme resulta expressamente da alínea d), do seu n.º 3.

Sendo de relevar, neste concreto particular, que na sua petição inicial, já a Impugnante alegara a inconstitucionalidade do tributo em causa, material e orgânica.

Assim, face a todo o expendido, sem embargo dessa questão não ter sido conhecida pelo Tribunal a quo, porque julgada prejudicada, atenta, como visto, a circunstância de a mesma ser de conhecimento oficioso e considerando que foi assegurado às partes o exercício do direito ao contraditório, por força do cumprimento do disposto no artigo 665.º, n.º 3, do CPC, passar-se-á à sua apreciação em primeira linha.

Apreciando.

Comecemos por convocar o respetivo quadro normativo.

Cumpre principiar por referenciar que o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações eletrónicas e aos recursos e serviços conexos, e bem assim as competências da entidade reguladora neste âmbito, foram objeto de regulamentação na Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, denominada de Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), atualmente revogada pela Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto, com efeitos a partir de 14 de novembro de 2022.

A qual nasce como reflexo de transposição de diretivas comunitárias, concretamente das diretivas 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março, e 2002/77/CE, da Comissão, de 16 de setembro.

Sendo que, o quadro comunitário relativo às comunicações eletrónicas surgiu num contexto de necessidade de acompanhamento da abertura do mercado das telecomunicações à concorrência (transição de mercados monopolistas para mercados de plena concorrência). Daí que, tenha sido aprovado um pacote de diretivas, onde se incluem as já mencionadas.

Para o caso vertente, importa convocar, especificamente, a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, concernente a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva quadro”), e em concreto o seu considerando (5), da qual resulta a necessidade de “… separar a regulação da transmissão, da regulamentação dos conteúdos. Assim, este quadro não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas, como sejam conteúdos radiodifundidos, serviços financeiros, ou determinados serviços da sociedade da informação”.

Mais importa relevar que, a Diretiva consagra um quadro harmonizado para a regulamentação das redes de comunicações eletrónicas, definidas, desde logo, no normativo 2.º, alínea a), abrangendo os serviços de comunicações eletrónicas, elucidados no artigo 2.º, alínea c).

De sublinhar, ainda, que a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, respeitante à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva autorização”), implementa um regime de autorização geral, conforme plasmado designadamente no seu artigo 3.º.

No concreto particular da citada LCE e face ao quadro comunitário expendido anteriormente, há que convocar o seu título VII, com a epígrafe “Taxas, supervisão e fiscalização”.

Com especial relevância dispõe o artigo 105.º, n.º 1, al. b), que o “exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas” está sujeito a taxas de periodicidade anual.

Remetendo, por seu turno, o n.º 2 da mesma disposição legal para a Portaria do membro do governo responsável pela área das comunicações a definição, entre outros, do montante da taxa referida.

Estatuindo, ainda, o n.º 4 do citado artigo 105.º, que os montantes são determinados em função dos custos administrativos, nos seguintes termos:

“Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28.º, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objetiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos”.

Atenta, como visto, a remissão consignada no citado nº2, há que chamar à colação a Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação em vigor, que aprova as taxas devidas pela emissão das declarações comprovativas dos direitos, pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pela atribuição de direitos de utilização de frequências e de números, pela utilização do espectro radioelétrico e demais taxas devidas à Anacom.

Destacando, para o caso vertente, o Anexo II, na redação vigente à época, da qual resulta que, para o cálculo do tributo ora em apreciação, é, desde logo, ponderado o valor dos “rendimentos relevantes” diretamente conexos com a atividade de comunicações eletrónicas relativa ao ano anterior àquele em que é efetuada a liquidação do tributo, sendo cada entidade enquadrada em um dos três escalões definidos, de acordo com tais valores, e bem assim computados os custos administrativos, previstos no já citado artigo 105.º, n.º 1, alínea b), da LCE.

Sendo que, a taxa T0 é de 0,00 Eur. e a taxa T1 é de 2.500,00 Eur, enquanto a taxa T2, enquadradas no escalão 2, é uma taxa variável, calculada de acordo com a fórmula constante do Anexo II da mencionada Portaria, em que, num primeiro momento, é obtido o valor t2, obtendo-se a percentagem contributiva (%) das empresas do escalão 2 no Ano n. Calculada a t2, é calculada a T2, correspondente ao produto de t2 pelos rendimentos relevantes das entidades do escalão 2 no ano n-1.

Aqui chegados, visto o regime jurídico que releva para os presentes autos, aquilatemos, então, da inconstitucionalidade material e orgânica.

Neste particular, e uma vez que a questão foi tratada por este Tribunal, designadamente, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos nºs 21/13, de 29.09.2022, 567/13, de 15.09.2022, 966/12, e 968/12, ambos de 24.11.2022, 275/11, 06.12.2022, 645/11, de 204.04.2023, 967/12, de 04.05.2023, e 28/15, de 02.11.2023, e uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no último dos citados Acórdãos, inteiramente transponível para o caso vertente, e que convoca demais jurisprudência constitucional proferida no âmbito da visada questão.

Lê, assim, no aludido Acórdão, e no que para os presentes autos releva o seguinte:
“Cumpre, assim e antes de mais, considerar a tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português.
Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas.
Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo.
Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, os tributos têm uma natureza tripartida:
a) Impostos;
b) Taxas; e
c) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da LGT.
Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias.
Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico.
No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico.
A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas.
Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015:
“[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…).
Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos).
Nas palavras de Sérgio Vasques: “O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”.
Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 223.

Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras.
Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes.
Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance.
Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais.
Assim, reconhece-se ao Governo uma competência concorrente em matéria de criação de contribuições financeiras individualizadas.
Chama-se a este respeito, a título exemplificativo, à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20 de outubro, onde se refere:
“A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras. E a aprovação desse regime geral não surge como ato-condição ou pressuposto necessário da criação individualizada desses tributos (Cf. Blanco de Morais, em “Curso de direito constitucional”, Tomo I, pág. 273, nota 400, ed. 2008, da Coimbra Editora), não havendo razões para que se considere que a atribuição reservada daquela competência pelo legislador constitucional tenha procurado refletir uma aplicação mais rarefeita do princípio matriz do parlamentarismo “no taxation without repre­sentation”.
A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa.
Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar.
Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, “na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legislador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral” (In “Comentário à IV Revisão Constitucional, pág. 417, ed. de 1999, da AAFDL).
O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue.
Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro, atinente à taxa anual devida pelo exercício da atividade de prestador de serviços postais, cujos contornos apresentam grande paralelismo com o tributo ora em apreciação:
“A jurisprudência constitucional em matéria de tributos comutativos e paracomutativos tem seguido uma orientação com dois traços fundamentais: a criação desses tributos pode fazer-se através de decreto-lei simples e a concretização do respetivo regime, desde que este conste essencialmente de um ato legislativo, pode ser objeto de portaria (…)
[O] Tribunal tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no Acórdão n.º 539/2015 − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais». Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por ato legislativo do Parlamento ou do Governo”.
Feito este enquadramento, cumpre, então, passar à concreta situação.
Sobre a mesma, já este TCAS teve a oportunidade de se pronunciar, nos Acórdãos de 29.09.2022 (Processo: 21/13.3BELRS), de 24.11.2022 (Processos: 966/12.8BELRS e 968/12.4BELRS), de 06.12.2022 (Processo: 275/11.0BEALM) e de 04.05.2023 (Processo: 967/12.6BELRS).
Assim se escreveu do primeiro dos citados arestos:
“Percorrido o regime normativo nos aspectos que relevam para os autos, começaremos por dizer que, não obstante o tributo impugnado tenha a designação legal de “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, propendemos para a sua caracterização como contribuição financeira.
Com efeito, estão reunidas as principais notas características desta categoria tributária: é uma prestação pecuniária (i), coactiva (ii), cujas receitas são consignadas subjectiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusa – visando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v) – vd. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 268/2021, de 29/04/2021.
Tratam-se, de acordo com a caracterização da doutrina, de contribuições especiais parafiscais, que financiam entidades públicas de base não territorial cuja actividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários.
Como refere Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal – Lições”, Almedina, 2015, a pág.67, “No quadro da parafiscalidade, são de destacar as novas taxas de regulação económica. Elas têm vindo a proliferar e podemos considerá-las essenciais para financiar as despesas e garantir a independência das entidades reguladoras em relação aos governos emanados das maiorias parlamentares. A mais recente doutrina defende a sua autonomização face aos impostos”.
Concluindo-se que a designada “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, tem natureza de contribuição financeira – realçando-se que a querela em torno da qualificação jurídica do tributo impugnado como taxa ou contribuição financeira não assume particular relevância para a decisão a proferir, daí a desnecessidade de mais extensas considerações de ordem dogmática – impõe-se a este Tribunal de apelação, nos termos do art.º 204.º da CRP [“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”], apreciar e decidir da questão prejudicial imprópria de inconstitucionalidade (vd. Jorge Miranda, “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal”), arguida na impugnação da liquidação do tributo (cf. ponto VII da douta P.I.) e cujo conhecimento a sentença deu por prejudicado em vista da solução dada ao litígio (art.º 665/2 do CPC), na medida em que se constata existir um nexo incindível entre ela e a questão principal objecto do recurso, ou seja, entre a alegada interpretação não conforme à Constituição que foi feita das normas previstas na alínea b) do art.º 1.º da Portaria n.º 1473-B/2008 e das normas previstas nos n.ºs 1, 4 e 5, do seu Anexo II, em que assenta a liquidação do tributo, e o feito submetido a julgamento, qual o de indagar se os custos administrativos de regulação, que o tributo liquidado visa compensar, poderão incluir as provisões constituídas para processos judiciais pendentes.
E passando ao conhecimento da questão de constitucionalidade, em causa está a dimensão normativa dos identificados preceitos da Portaria n.º 1473-B/2008 na parte em que determinam a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços enquadrados no “escalão 2”, bem como a isenção prevista para certos operadores de comunicações.
Como se sabe, na ausência do enquadramento legislativo geral a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, a jurisprudência constitucional tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no seu Acórdão n.º 539/2015, de 20/10/2015 (cf. ponto 2 da fundamentação do acórdão, “Da alegada inconstitucionalidade orgânica”) − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais».
Como se refere no recente Ac. do TC n.º 152/2022, de 17/02/2022, que se debruçou sobre questão idêntica à destes autos, mas em que discutia a conformidade constitucional do acto de liquidação da “taxa anual de prestação de serviços postais” relativa ao ano de 2016, «Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por acto legislativo do Parlamento ou do Governo. Com efeito, ao determinar que o regime geral das contribuições financeiras integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, a Constituição atribui, pelo menos de modo implícito, natureza legislativa a toda a matéria das contribuições na ausência de um regime geral. Esta exigência de que a matéria seja regulada por acto legislativo é da maior relevância, pois não obstante o mesmo órgão − o Governo − ter simultaneamente competência legislativa e regulamentar, há diferenças significativas entre o regime constitucional dos decretos-leis e dos regulamentos, seja qual for a forma que estes revistam. Como se explica no Acórdão n.º 474/2021, a propósito da distinção entre decretos-leis e decretos regulamentares:
«A Constituição impõe que os regulamentos independentes revistam a forma de decreto regulamentar (n.º 6 do artigo 112.º), tal se devendo ao facto, não apenas de estes serem assinados pelo Primeiro-Ministro (n.º 3 do artigo 201.º) − ao contrário das portarias ou dos despachos dos membros do Governo –, como ainda − ao contrário do que sucede também com as resoluções do Conselho de Ministros com conteúdo normativo − de carecerem da promulgação do Presidente da República (alínea b) do artigo 134.º) e implicarem recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional em caso de recusa de aplicação de norma (n.º 3 do artigo 280.º). Estes traços de regime aproximam os decretos regulamentares, em boa medida, do regime constitucional dos decretos-leis; mas há certas qualidades procedimentais, relevantes do ponto de vista da legitimidade democrática e da separação de poderes, que só estes possuem. Com efeito, ao contrário dos decretos regulamentares, os decretos-leis, mormente em matéria de competência legislativa concorrencial, devem ser aprovados em Conselho Ministros (alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º), estão sujeitos a apreciação parlamentar (artigo 169.º) e podem ser objeto de fiscalização preventiva da constitucionalidade (alínea g) do artigo 134.º)» (fim de cit.).
Ora, continuando a acompanhar, com as devidas adaptações, o raciocínio do douto Tribunal, constata-se que as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 aqui em apreço regulamentam, é certo, a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mas em termos que, face à delimitação da incidência subjectiva e objectiva que resulta dos n.ºs 1 alínea b), 2 e 4 do art.º 105.º deste diploma, não podem deixar de ser considerados substancialmente inovatórios. No que respeita, em especial, à parte em que é determinada a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas, enquadrados no «escalão 2», que é o caso da impugnante e ora recorrida, é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes directamente conexos com a actividade de serviços de comunicações electrónicas, apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada aos operadores enquadrados neste escalão.
Assim, forçoso é reconhecer que certos elementos da impugnada taxa de regulação, determinantes da quantificação do tributo, foram objecto de normação primária por via regulamentar, ou seja, através do exercício da função administrativa.
Acontece que esses elementos, no entendimento do Tribunal Constitucional, que aqui acompanhamos e acolhemos, «integram a reserva de função legislativa, reserva essa, cujo desiderato, na ausência de um regime geral das contribuições financeiras constante de lei parlamentar ou decreto-lei devidamente autorizado, é o de assegurar um certo nível de coerência, transparência, equidade e legitimidade na criação desses tributos. Claro está que, se a matéria em causa integra o domínio da competência legislativa concorrencial da Assembleia da República e do Governo, não está em causa simplesmente a violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, cujo alcance é o de delimitar o domínio reservado ao legislador parlamentar em matéria tributária. Em causa está antes a invasão pelo poder administrativo de um domínio que a ordem constitucional reserva ao poder legislativo, ou seja, em que esta não é indiferente a que a regulação da matéria – os elementos essenciais das contribuições financeiras − conste de decreto-lei ou de mero regulamento. O problema essencial, como é bom de ver, prende-se com a legalidade da Administração Pública, relevando do inciso inicial do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, não na dimensão de preferência de lei – que, por ser uma questão de legalidade, em que o parâmetro imediato de controlo é a lei ordinária, extravasa os poderes de cognição da jurisdição constitucional −, mas na dimensão de reserva de lei – que, por dizer respeito a saber se as normas regulamentares invadem um domínio que a Constituição reserva ao legislador, consubstancia uma questão de constitucionalidade» (fim de cit.).
Ora, as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, ao regularem de forma inovatória elementos essenciais da taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas enquadrados no «escalão 2», violam essa reserva de função legislativa que se pode extrair das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”.
Assim, estamos perante uma contribuição financeira, cujas normas, designadamente de incidência objetiva e taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, concretamente do escalão 2, aqui em causa, constam não de ato legislativo (cfr. art.º 112.º, n.º 1, da CRP), mas de diploma regulamentar, infra legislativo.
Como se refere no já citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro, “é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada” (no mesmo sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 754/2022, de 9 de novembro).
Ulteriormente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 244/2023, de 11.05.2023, atinente ao tributo ora em apreciação, referiu:
“O presente caso não apresenta particularidade de relevo em relação àquele que foi apreciado nos Acórdãos n.º 152/2022 e n.º 754/2022 (…), nem qualquer outra razão que justifique apreciação diversa da que ali foi adotada. Na verdade, o concreto problema em causa – o facto de se tratar de normas que definem, na prática, e em termos inovatórios, a incidência objetiva e subjetiva e a taxa, elementos fundamentais na determinação do tributo em questão – é em tudo idêntico ao que naqueles arestos se apreciou. Deste modo, cumpre reiterar aqui o juízo de inconstitucionalidade”.
Pelo que aí se decidiu “[j]ulgar inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Declaração de Retificação n.º 16-A/2009, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”.
No mesmo sentido vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 429/2023 e 430/2023, ambos de 04.07.2023, n.ºs 601/2023 e 606/2023, ambos de 28.09.2023 (estes relativos ao mesmo exercício de 2013) e n.ºs 661/2023, 664/2023 e 665/2023, todos de 12.10.2023.”

Ora, face a todo o supra expendido, à fundamentação jurídica nele transcrita à qual aderimos na íntegra, e tendo presente, outrossim, que o juízo de inconstitucionalidade em contenda, tem sido reafirmado de forma unânime, mormente, nos seguintes Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 723/2023, de 07.11.2023, 740/2023, de 08.11.2023, 746/2023, de 08.11.2023, 788/2023, de 28.11.2023, 850/2023, de 07.12.2023, 910/2023, de 04.01.2024, 911/2023, de 04.01.2024, 912/2023, de 04.01.2024, impõe-se, assim, a este Tribunal recusar aplicar as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, por violação das disposições conjugadas da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da CRP.

E por assim ser, fica sem suporte normativo a liquidação impugnada, o que determina a sua anulação.

Destarte, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões, incluindo as questões objeto do recurso, sendo, por conseguinte, de negar provimento ao recurso, embora com a presente fundamentação.


***


IV. DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Tributária Comum:

Negar provimento ao recurso, e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 15 de fevereiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Luísa Soares)

(Susana Barreto)