Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3069/19.0BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:04/30/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:LICENÇA SEM REMUNERAÇÃO;
ART.º 34.º DA LEI N.º 35/2014, DE 20-07;
ACTO ADMINISTRATIVO;
DECLARAÇÕES DE CIÊNCIA, JUÍZOS DE VALOR OU OPINIÕES;
PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE UM ACTO ADMINISTRATIVO;
CRITÉRIOS PARA O DECRETAMENTO DE UMA PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
Sumário:
I - Se um trabalhador que já tenha atingido o limite de 18 meses de faltas por doença vier a ser considerado apto para o serviço pela Junta Médica da CGA, deve apresentar-se ao serviço e aí permanecer em funções por um tempo mínimo de 30 dias consecutivos (excluídas as férias), sem voltar a adoecer, sob pena de operar o n.º 5 do art.º 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20-07, e passar automaticamente, ope legis, à situação de licença sem remuneração;
II - O actual art.º 148.º do CPA optou por um conceito restrito de acto administrativo, que só incluí em tal tipologia as condutas administrativas que comportem um conteúdo decisório, porque sejam os actos jurídicos da Administração que definem (ex novo) uma determinada situação jurídica;
III - A declaração do serviço que indica que em certa data o trabalhador passa para a situação de licença sem remuneração não configura um acto administrativo, cuja eficácia possa ficar suspensa. Esta declaração não comporta nenhuma decisão, não altera a ordem jurídica, mas é, apenas, uma declaração da Administração a atestar a situação jurídica que pré-existe, por decorrência da modificação introduzida ope legis, face a um anterior comportamento omissivo do trabalhador;
IV- Para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se, de forma cumulativa os dois requisitos, periculum in mora e fumus boni iuris,sob pena de claudicar, de imediato, a providência requerida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul



I - RELATÓRIO
M..................... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a presente acção cautelar, na qual pedia a suspensão de eficácia do despacho do Vereador da Câmara Municipal de Odemira (CMO), de 08/08/2019, que determinou que se notificasse a referida trabalhadora de que passaria à situação de licença sem remuneração com efeitos a 29/07/2019, deixando de ser processados os vencimentos a partir daquela data.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 1 – A recorrente só se encontrava abrangida pelo regime das faltas por doença (natural) desde 21.12.2018, pelo que, ao contrário do que foi entendido pela sentença recorrida, não foi excedido o limite de 18 meses de faltas por doença, não sendo, assim, aplicável à situação o regime do artigo 34º da Lei n.º 35/14;
2 – A recorrente foi ilicitamente colocada na situação de licença sem vencimento, pois considerou-se erradamente que, para o cômputo daqueles 18 meses, também contavam as ausências por doença profissional;
3 – Dado que a junta Médica de 21.12.18 não tinha sido formada para os efeitos do mencionado artº 34º, mas, sim, para os efeitos do artº 38º do D.L. n.º 503/99, nada impedia a recorrente de iniciar um período de ausência por doença natural a seguir à realização daquela junta médica que serviu para lhe confirmar a doença profissional e para fixar o grau de incapacidade que da mesma resultou para a recorrente;
4 – Assim o ato que colocou a recorrente na situação de licença sem vencimento, é, sem dúvida ilegal, verificando-se a aparência do direito que permite que seja decretada a presente providência cautelar;
5 – Por outro lado, face aos FACTOS PROVADOS nas alíneas R) a U) e X) verifica-se sem dúvida que existe um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da ora recorrente, dado que o ato cuja suspensão se requer a priva de receber o seu vencimento mensal;
6 - Mostram-se, assim, reunidos os requisitos do artº 120º do CPTA para que seja decretada a providência cautelar, como é de justiça!
7 – Assim não considerando a sentença recorrida mal interpreta e aplica as normas legais acima referidas.”

O Recorrido nas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: ”l.º O recurso jurisdicional foi interposto contra a douta e irrepreensível sentença proferida peio Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja de 13 de Janeiro de 2020, que não concedeu provimento à providência cautelar requerida pela Autora por não se verificar o "fumus boni iuris", isto é, uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal.
2.º A tese defendida pela Recorrente de que a junta médica da CGA à qual foi submetida a 20/12/2018 - e que a considerou apta para o trabalho - ter sido formada meramente para efeito de confirmação e graduação da incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho, não tem qualquer fundamento legal, resultando expressamente do n.º 5 do art.º 34.9 da Lei n.º 35/2014 que passa à situação de licença sem remuneração o trabalhador que, considerado apto pela junta médica da CGA, falte por doença sem prestar 30 dias de serviço consecutivos.
3.º Ora, foi dado como provado que, a 16/11/2018, a junta médica da ADSE deu alta à Recorrente e, a 20/12/2018, a junta médica da CGA não a declarou incapaz para o trabalho, contudo, a Recorrente continuou a preferir não trabalhar, voltando a apresentar atestados médicos a dizer que estava doente e impossibilitada de trabalhar.
4.º Assim sendo, não tendo a Requerente trabalhado durante trinta dias consecutivos após a decisão da junta médica da CGA que, na sequência da alta da junta da ADSE, não a declarou incapaz para o trabalho, passa automaticamente e ex vi legis para a situação de licença sem vencimento, razão pela qual o acto cuja suspensão a Recorrente pretende, não enferma de qualquer nulidade.
5.º Importa salientar que tese sufragada na informação da Provedoria da Justiça - e que sustenta, em súmula, que o n.° 5 do art.° 34.° da Lei n.° 35/2014 apenas é aplicável às situações em que o trabalhador requereu a sua apresentação a junta médica da CGA - e defendida pela Recorrente, não tem qualquer fundamento legal, para além de esquecer que o serviço pode requerer a todo o tempo a sua apresentação a tal junta médica (v. art.° 26.° da Lei n.° 35/2014).
6.ºÉ manifesta a intenção do legislador de a decisão da junta médica da CGA ser a última palavra e a apreciação definitiva sobre a capacidade de trabalho do funcionário, peio que este tem de trabalhar pelo menos trinta dias seguidos após a comunicação do resultado da referida junta médica, sob pena de se o não fizer sofrer a sanção de passar à situação de licença sem vencimento.
7.- É inquestionável que, após a junta médica da CGA, a Recorrente não prestou trinta dias consecutivos de trabalho, razão pela qual passou ex vi legis à situação de licença sem vencimento, não enfermando o acto cuja suspensão se requer de qualquer ilegalidade ao reconhecer o que a lei determina."
O DMMP não apresentou a pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por indiciariamente provada a seguinte factualidade que se mantém:
A) Em 8 de Janeiro de 2004, a Requerente ingressou na Administração Pública - por acordo;
B) Em 29 de Dezembro de 2008, a Requerente foi admitida ao serviço da Entidade Requerida, na qual exerce as funções de assistente técnica em regime de exclusividade de funções _ por acordo;
C) A Requerente aufere uma remuneração base mensal no valor de € 762,08 _ cfr. Documento n.º 1 junto com o requerimento inicial;
D) Em 28 de Abril de 2015, junto da Entidade Requerida, a Requerente submeteu participação de pré-diagnóstico de doença profissional, donde consta o seguinte diagnóstico: “doença profissional presumível” _ por acordo;
E) Na ocasião mencionada em D), a Requerente fez acompanhar a referida participação de atestado médico com início reportado à data de 22 de Abril de 2015 _ por acordo;
F) Em 18 de Julho de 2018, o Departamento de Protecção Contra os Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social, IP, informou a Entidade Requerida que o processo da Requerente havia concluído pelo reconhecimento de doença profissional à Requerente, com início reportado à data de 2 de janeiro de 2017 _ por acordo;
G) Em 16 de Novembro de 2018, a Requerente foi submetida a Junta Médica do Instituto de Protecção e Assistência na Doença (ADSE), “ao abrigo do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11” _ por confissão;
H) A Junta Médica mencionada em G) deliberou por unanimidade: “Tem [a Requerente] alta do presente acidente de trabalho com eventual incapacidade permanente absoluta. Deverá ser presente a junta médica da CGA, de acordo com o artigo 20.º do DL 503/99, de 20.11.” _ cfr. Documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, em particular, pontos 2 e 3;
I) Em 20 de Dezembro de 2018, a Requerente foi submetida a Junta Médica da CGA, IP, a qual concluiu que:



_ cfr. Documento n.º 3 junto com o requerimento inicial;
J) Desde 20 de Dezembro de 2018, a Requerente continuou ausente do serviço tendo apresentado, junto da Entidade Requerida, “certificados de incapacidade temporária” _ por confissão;
K) Em 10 de Janeiro de 2019, a Requerente tomou conhecimento da deliberação da Junta Médica realizada em 20 de Dezembro de 2018 _ por confissão;
L) Em 1 de Abril de 2019, junto da ADSE, a Entidade Requerida solicitou a realização de Junta Médica tendo por objecto a ora Requerente _ por acordo;
M) Em 31 de Maio de 2019 e em 28 de Junho de 2019, a Requerente foi submetida a Junta Médica da ADSE, a qual se declarou, a final, incompetente para o efeito, “nos termos do disposto no artigo 11º, do Decreto Regulamentar nº 41/90” _ por acordo;
N) Em 7 de Agosto de 2019, os serviços camarários de Odemira exararam a seguinte Informação:

«Imagens no original»













O) Em 8 de Agosto de 2019, a Vereadora do Pelouro exarou o seguinte Despacho:
«imagem no original»

P) Datado de 12 de Agosto de 2019, a Entidade Requerida expediu o ofício n.º GDRHJ - 5765, no qual se lê como se segue:
«imagens no original»

_ cfr., de novo, documento n.º 2 junto com o requerimento inicial;
Q) Em 22 de Agosto de 2019, a Requerente tomou conhecimento da decisão adoptada, em 08.08.2019, pela Entidade Requerida _ por confissão;
R) A Requerente reside com o marido e duas filhas menores, de 16 e 8 anos de idade respectivamente _ cfr. artigo 27.º do requerimento inicial;
S) O marido da Requerente detém a categoria de assistente técnico e aufere uma remuneração mensal ilíquida de € 762,94 _ cfr. Documento n.º 5 junto com o requerimento inicial;
T) Com a educação das suas filhas, a Requerente despende, a título de despesas escolares, cerca de € 250,00 _ cfr. Documento n.º 6 junto com o requerimento inicial;
U) A Requerente e o seu agregado familiar despendem, ainda, mensalmente, as seguintes importâncias: ADSE: no valor de € 26,67, seguro de saúde: no valor de € 58,40, empréstimo bancário para aquisição de viatura: prestação no valor de € 149,36, empréstimo bancário: prestação no valor de € 156,77 e, ainda, com medicamentos, no valor de cerca de € 230,00 _ cfr. Documento n.º 7 junto com o requerimento inicial;
V) A Requerente é sócia (n.º 74137) do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (SINTAP), NIPC……….., o qual presta serviço de assistência jurídica aos seus associados _ cfr. Documento n.º 8 junto com o requerimento inicial;
W) O SINTAP presta, gratuitamente, apoio jurídico e judicial à Requerente _ cfr., de novo, Documento n.º 8 junto com o requerimento inicial;
X) Entre 1 de Janeiro de 2018 e 31 de Dezembro de 2018, a Requerente declarou a obtenção de rendimentos globais no valor de € 19.540,58 _ cfr. nota de liquidação de IRS junta como documento n.º 9 com o requerimento inicial;
Y) Em 8 de Novembro de 2019, foi intentada a presente providência cautelar _ cfr. fls. 1 dos autos;
FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, considero indiciariamente não provados os seguintes factos:
A) Que, após 20 de Dezembro de 2018, a Requerente tenha sido internada _ cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil;
B) Que, após 20 de Dezembro de 2018, a Requerente se tenha encontrado sujeita a tratamento ambulatório _ cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil;
C) Que, após 20 de Dezembro de 2018, a Requerente tenha padecido de doença grave, incapacitante, confirmada por junta médica, requerida pela própria, nos termos do artigo 39.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho _ cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil;
D) Que as filhas da Requerente exercem actividades desportivas e possuem despesas fixas mensais, por conta das mesmas, no valor de € 60,00 _ cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil;
E) Que o agregado familiar na qual se integra a Requerente, composto por quatro pessoas, possui despesas com água, gás, luz, telefone e “internet” que ascendem, mensalmente, a um valor € 300,00 _ cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo são:
- aferir do erro decisório e da verificação do requisito fumus boni iuris, porque para o cômputo do prazo de 18 meses de faltas, a que alude o art.º 34.º da Lei n.º 35/14, de 20/06, não se pode atender às faltas dadas por doença natural, justificadas com certificados de incapacidade temporária, que se seguem a faltas dadas por motivo de doença profissional;
- aferir do erro decisório porque, no caso, verificavam-se os restantes requisitos para se poder conceder a providência cautelar que vinha requerida.

Os critérios para a atribuição de quaisquer providências cautelares – conservatórias ou antecipatórias – estão inscritos no art.º 120.º n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais administrativos (CPTA).
Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devam verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
O fumus boni iuris que ora se exige encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar-se os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do indicado preceito.

Através do presente recurso a Recorrente vem imputar um erro decisório à sentença que foi proferida, por não ter julgado verificado o requisito fumus boni iuris. Alega a Recorrente que não era aplicável ao seu caso o art.º 34.º da Lei n.º 35/14, de 20/06, pois após a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações (CGA), que ocorreu em 21/12/2018, passou a faltar por doença natural e já não por doença profissional. Diz a Recorrente, que estas últimas faltas não podem somar-se às anteriores para efeitos do cômputo do prazo de 18 meses de faltas, a que alude o art.º 34.º da Lei n.º 35/14, de 20/06. Mais invoca a Recorrente, que a Junta Médica da CGA, que ocorreu em 21/12/2018, visou confirmar e graduar a incapacidade permanente resultante daquela doença profissional, conforme o art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11 e não se realizou para efeitos do art.º 34.º da Lei n.º 35/14, de 20/06.

Nestes autos vem impugnada a pronúncia do Vereador da Câmara Municipal de Odemira (CMO), de 08/08/2019, que determinou que se notificasse a trabalhadora, ora Recorrente, de que passaria à situação de licença sem remuneração com efeitos a 29/07/2019, deixando de ser processados os vencimentos a partir daquela data, pronúncia que foi notificada pelo ofício n.º GDRHJ-5765, de 12/08/2019.
A referida pronúncia enquadra-se no art.º 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20-07 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Determinam os n.ºs 1 a 6 do indicado preceito o seguinte: “Artigo 34.º
Fim do prazo de faltas por doença
1 - Findo o prazo de 18 meses na situação de faltas por doença, os trabalhadores podem, sem prejuízo do disposto no artigo 38.º:
a) Requerer, no prazo de 30 dias e através do respetivo serviço, a sua apresentação à junta médica da CGA, I.P., reunidas que sejam as condições mínimas para a aposentação;
b) Requerer a passagem à situação de licença sem remuneração.
2 - No caso previsto na alínea a) do número anterior e até à data da decisão da junta médica da CGA, I.P., o trabalhador é considerado na situação de faltas por doença, aplicando-se-lhe o regime correspondente.
3 - O trabalhador que não requerer, no prazo previsto, a sua apresentação à junta médica da CGA, I.P., passa automaticamente à situação de licença sem remuneração, sujeita ao disposto no n.º 5 do artigo 281.º da LTFP.
4 - O trabalhador que não reunir os requisitos para apresentação à junta médica da CGA, I.P., deve ser notificado pelo respetivo serviço para, no dia imediato ao da notificação, retomar o exercício de funções, sob pena de ficar abrangido pelo disposto na parte final do número anterior.
5 - Passa igualmente à situação de licença sem remuneração o trabalhador que, tendo sido considerado apto pela junta médica da CGA, I.P., volte a adoecer sem que tenha prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, nos quais não se incluem férias.
6 - O disposto no número anterior não é aplicável se durante o prazo de 30 dias consecutivos, referido no número anterior:
a) Ocorrer o internamento do trabalhador;
b) Existir sujeição a tratamento ambulatório ou a verificação de doença grave, incapacitante, confirmada por junta médica, requerida pelo trabalhador, nos termos do artigo 39.º.
7…”
Determina, ainda, o art.º 39.º da indicada Lei n.º 35/2014, de 20-07, o seguinte: “Artigo 39.º
Junta médica de recurso
1 - Quando a junta médica da CGA, I.P., contrariamente ao parecer da junta médica competente, considerar o trabalhador apto para o serviço, pode este ou o serviço de que depende requerer a sua apresentação a uma junta médica de recurso, não podendo esta deixar de se pronunciar para os efeitos do artigo anterior, quando aplicável.
2 - A junta médica de recurso a que se refere o número anterior é constituída por um médico indicado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., um médico indicado pela ADSE ou pelas juntas médicas previstas no n.º 3 do artigo 33.º e um professor universitário das faculdades de medicina, designado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, que preside.”
Portanto, conforme os n.ºs 1 a 6 do art.º 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20/07, se um trabalhador que já tenha atingido o limite de 18 meses de faltas por doença vier a ser considerado apto para o serviço pela Junta Médica da CGA, deve apresentar-se ao serviço e aí permanecer em funções por um tempo mínimo de 30 dias consecutivos (excluídas as férias), sem voltar a adoecer, sob pena de operar o n.º 5 do referido art.º 34.º e passar automaticamente, ope legis, à situação de licença sem remuneração.
As únicas ressalvas a esta situação são as previstas no n.º 6 do mesmo preceito.
No âmbito do indicado n.º 6 do art.º 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20/07, permite-se, apenas relativamente às doenças graves, incapacitantes, que se prolongue aquele prazo para 36 meses. Quanto a estas doenças, são as definidas por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, administração pública e da saúde, correspondendo às referidas no Despacho Conjunto n.º A-179/89-XI, de 22/09, in DR n.º 219, II Série, da mesma data.
Esgotado o período dos 18 meses, o trabalhador que for considerado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das funções por Junta Médica da CGA, pode pedir a corresponde passagem à situação de aposentado.
Caso essa incapacidade não se verifique, estando o trabalhador apto para o trabalho, por assim ter sido declarado pela Junta Médica da CGA, deve apresentar-se ao serviço. A indicada aptidão para o trabalho e a obrigação de apresentar-se ao mesmo ocorre mesmo que a Junta Médica considere que o trabalhador padece de alguma incapacidade parcial.
Esgotado o período dos 18 meses, se o trabalhador optar por não se submeter à Junta Médica da CGA, passa de imediato à situação de licença sem remuneração.
A passagem à situação de licença sem remuneração pode também ser requerida pelo trabalhador.
Passa, igualmente, à situação de licença sem remuneração o trabalhador que, tendo sido considerado apto pela Junta Médica da CGA, volte a adoecer antes de ter prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, nos quais não se incluem férias.
Para o cômputo destes 30 dias de faltas por doença apenas se ressalvam as situações previstas no n.º 6 do art.º 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20/07, relativas a faltas por internamento (hospitalar) ou ocasionadas pela sujeição a tratamento ambulatório ou a verificação de doença grave, incapacitante, confirmada pela Junta Médica de recurso da CGA, requerida pelo trabalhador.
Neste sentido, remete-se para o já decidido nos Acs. do TCAS n.º 2376/16.9BELSB, de 10/10/2019, do TCAN n.º 01898/16.6BEPRT, de 02/03/2018 e n.º 02551/15.3BEPRT, de 04/03/2016. Ao abrigo da anterior legislação, idêntica nos aspectos que interessam agora à discussão, vide também os Acs. do STA n.º 050/04, de 27/05/2004 ou n.º 0868/14, de 30/04/2015 e do Pleno de 18/02/2016.
No caso dos autos, a Recorrente, após o período de 18 meses de faltas por doença, foi submetida em 16/11/2018 a uma Junta Médica da ADSE, que lhe deu alta da doença motivada por acidente de trabalho, “com eventual incapacidade permanente absoluta”, determinando que a trabalhadora fosse presente à Junta Médica da CGA.
Em 20/12/2018 a trabalhadora, ora Recorrente, foi presente à Junta Médica da CGA que julgou não existir uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, nem de todo e qualquer trabalho, fixando-lhe uma incapacidade permanente parcial de 5%.
Portanto, conforme esta última Junta Médica, a trabalhadora, ora Recorrente, foi considerada apta para o serviço, não obstante a fixação da dita incapacidade permanente parcial de 5%.
Sem embargo, conforme facto J), a A. e Recorrente manteve-se a faltar ao serviço, por motivo de doença, após a indicada deliberação da Junta Médica da CGA.
Assim, porque a A. e Recorrente, após ter sido considerada apta para o trabalho pela Junta Médica da CGA, voltou a adoecer, sem que tivesse prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, no seu caso, operou automaticamente a determinação contida no n.º 5 do art.º 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20/07, e passou para a situação de licença sem remuneração. Esta passagem à situação de licença sem remuneração operou-se por mero efeito da referida falta ao trabalho por motivo de doença e da indicada determinação legal, não ficando dependente de nenhuma decisão administrativa.
Mais se indique, que o n.º 5 do art.º 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20/07, refere-se às faltas por doença, não distinguindo entre doença motivada por acidente de trabalho e por outra causa natural. Ou seja, para além da salvaguarda indicada no n.º 6 do art.º 34.º, o n.º 5 do referido preceito não exclui daquelas faltas por doença as ocasionadas por doenças naturais.
Consequentemente, para o cômputo do prazo de 18 meses de faltas, a que alude o art.º 34.º da Lei n.º 35/14, de 20/06, há que atender a todas as faltas dadas por doença, que se sigam ao anterior período de faltas (igualmente dadas por motivo de doença, considerada já não verificada pela Junta Médica).
Quanto à circunstância da Junta Médica da CGA ter qualificado e fixado a incapacidade da trabalhadora, conforme o art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, não afasta a conclusão pela respectiva aptidão para o trabalho e, consequentemente, o despoletar dos efeitos previsto no art.º 34.º da Lei n.º 35/14, de 20/06.
Por conseguinte, constatando a supra-indicada realidade fáctica – o sentido da decisão da Junta Médica da CGA e a falta da trabalhadora ao serviço por motivo de doença – o Vereador da CMO comunicou à ora Recorrente, através do ofício referido em P), a nova situação em que a mesma se encontrava.
Neste ponto, dê-se nota, que através da presente acção não se pode entender que a ora Recorrente pretenda reagir contra um acto administrativo, pois tecnicamente o acto que identifica como sendo o acto suspendendo não pode ser qualificado como tal.
A passagem da Recorrente à situação de licença sem remuneração decorreu ope legis, por mero efeito da falta cometida pela ora Recorrente, após as anteriores faltas por doença e da deliberação da Junta Médica.
Um acto administrativo caracteriza-se por ser uma decisão tomada no exercício de poderes jurídico-administrativos, que visa produzir efeitos jurídicos externos, numa situação individual e concreta - cf. art.º 148.º do CPA.
O actual art.º 148.º do CPA optou um conceito restrito de acto administrativo, que só incluí em tal tipologia as condutas administrativas que comportem um conteúdo decisório, porque sejam os actos jurídicos da Administração que definem (ex novo) uma determinada situação jurídica. Para existir um acto administrativo é necessário que a Administração, no uso dos seus próprios poderes de autoridade, manifeste uma vontade que, só por si, altera a ordem jurídica, decidindo acerca daquele caso concreto (cf a este propósito, ALMEIDA, Mário Aroso de - Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, pp. 115-121; ALMEIDA, Mário Aroso de - Teoria Geral do Direito Administrativo. O novo regime do Código do Procedimento Administrativo. 3.a ed. Coimbra: Almedina, 2015, pp.223-227).
Assim, afastam-se da natureza de acto administrativo as pronúncias administrativas que apenas exprimam declarações de ciência, juízos de valor ou opiniões.
Ora, a conduta contra a qual a ora Recorrente quer reagir e relativamente à qual pede a suspensão de eficácia dos seus efeitos não é um acto administrativo, mas é uma mera declaração da Administração.
Através da pronúncia referida em N) e O), tal como decorre do enquadramento legal da matéria e do próprio teor da pronúncia, o Vereador da CMO exprime o entendimento daquela Câmara relativamente à situação jurídica em que se passou a enquadrar a A. e Recorrente. O Vereador da CMO declara que a partir de 29/07/2019 a A. e ora Recorrente “passou à situação de licença sem remuneração, com base no n.º 5, do Art.º 34.º da lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”.
Esta manifestação do Vereador da CMO não comporta nenhuma decisão, não altera a ordem jurídica, mas é, apenas, uma declaração da Administração a atestar a situação jurídica que pré-existe, por decorrência da modificação introduzida ope legis, face a um anterior comportamento faltoso da trabalhadora.
Foi a conduta faltosa da trabalhadora, A. e Recorrente, que despoletou a norma e determinou a sua passagem à situação de licença sem remuneração.
Quanto à conduta subsequente do Município de Odemira, não tem a natureza de acto administrativo, sendo uma conduta impugnável enquanto mera actuação administrativa que não reconhece à A. e Recorrente um direito ou uma situação jurídica que esta julga dever ser-lhe reconhecida.
Portanto, no caso dos autos não deveria ter sido pedida a suspensão de eficácia de um acto administrativo, dirigido contra a actuação do Vereador da CMO, referida em O) e P), pois tal actuação não tem, em termos técnicos, a natureza de acto administrativo.
Sem embargo, é sempre possível entender que através desta acção cautelar a A. e Recorrente quer reagir contra aquela conduta, por a Administração ter-lhe negado o reconhecimento de um direito que se arroga deter.
É nesta mesma óptica que aprecia o presente recurso, isto é, entendemos ser irrelevante para efeitos da apreciação da pretensão material da A. e Recorrente o nomem iuris que se atribuiu ao acto referido em O), ou o nome que se deu ao pedido final formulado, de suspensão de eficácia de um acto administrativo.
Face à PI, à causa de pedir aí exposta e ao pedido final que vem formulado, é manifesto que a A. e Recorrente quer reagir contra a conduta do Vereador da CMO que vem transcrita em O) e quer obstar aos efeitos que a Administração declarou.
Porém, tal como acima se aduziu, no caso, o Vereador da CMO não poderia deixar de declarar que a A. e Recorrente passava à licença sem remuneração, por decorrer imperativamente do art.º 34.º, n.ºs 1 a 6 da Lei n.º 35/2014, de 20-07, essa mesma circunstância.
A trabalhadora, ora Recorrente, findo o prazo de 18 meses em situação de faltas por doença foi presente a Junta Médica da CGA, que a considerou apta para o serviço, sem embargo de lhe fixar uma incapacidade permanente parcial de 5%. Após essa decisão da Junta Médica, a trabalhadora manteve-se a faltar por doença. Logo, operou o art.º 34.º, n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 20-07, e por decorrência desse novo período de faltas por doença, a trabalhadora passou à situação de licença sem remuneração. Essa passagem foi declarada pelo Vereador da CMO.
Na decisão recorrida julgou-se inexistir uma probabilidade forte de a acção principal vir a proceder, claudicando o requisito fumus boni iuris. Nessa mesma medida, fez-se improceder a providência requerida sem se conhecer dos demais requisitos para a procedência da tutela cautelar, por estes serem cumulativos.
Esta decisão está certa.
Como decorre do acima assinalado, no caso em apreço haverá fumus malus e não fumus boni iuris.
Ou seja, as invocadas ilegalidades da conduta administrativa não se verificam, de forma manifesta.
As consequências que derivam para a A. e Recorrente da situação de licença sem remuneração advém da opção legislativa e não de qualquer conduta ilegal do Vereador da CMO.
Portanto, neste caso irreleva a apreciação do periculum in mora, pois dos autos não resulta a probabilidade de o Vereador da CMO ter praticado as ilegalidades que vêm invocadas, existindo aqui uma situação próxima do fumus malus.
Claudica, pois, o presente recurso.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, mantendo a decisão recorrida;
- sem custas pela Recorrente, porque isenta face aos rendimentos de que goza (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 4.º, n.º 1, al. h) do RCJ e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Notifique nos termos habituais, considerando-se que no presente processo, porque urgente, os respectivos prazos não estão suspensos para a prática de actos processuais que possam realizar-se via SITAF, ficando apenas ressalvadas as situações que configurem justo impedimento - cf. art.º 7.º, n.º 7, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04.

Lisboa, 30 de Abril de 2020.
(Sofia David)

(Paula de Ferreirinha Loureiro, em substituição da 1.ª Adjunta)

(Pedro Nuno Figueiredo)