Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:596/15.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CGA
CÁLCULO DA PENSÃO
N° 1 DO ARTIGO 43° DO EA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I– O Acórdão do Tribunal Constitucional n° 134/2019, de 3 de abril de 2019, proferido no âmbito do processo n° 716/18 e publicado no Diário da República n° 66/2019, Série I, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 43°, n° 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação.
II- Nos termos do artigo 282° da CRP, «[a] declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado».
III- Uma vez que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, se reportam à entrada em vigor da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, a saber, 1 de janeiro de 2013, e tendo o Autor requerido a sua passagem à reforma em dezembro desse mesmo ano, importa concluir que nos presentes autos deverá ser considerada a redação do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo Decreto-Lei n° 238/2009, de 16 de setembro.
IV- Assim, à luz da alínea a) do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação, o «regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base [...] na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se».
V- As reduções de remunerações previstas, nomeadamente no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro apenas passam o crivo da constitucionalidade enquanto medidas temporárias e transitórias.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
A Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa intentada pelo aqui Recorrido C……….., tendente:
“a) A anulação da decisão de cálculo da pensão de aposentação do Autor;
b) A condenação da Entidade Demandada a restituir a importância respeitante ao remanescente da pensão que o Autor teria direito a receber, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
c) Que seja reconhecido o direito do Autor ao cálculo da pensão considerando a data de 31.12.2013 ou, se assim não se entender, considerando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 33.° da Lei do Orçamento do Estado para 2014, decidida pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/2014”, inconformada com a decisão proferida no TAC de Lisboa em 9 de dezembro de 2019, que julgou a ação procedente, veio em 28 de janeiro de 2020, interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, aí tendo concluído:
“1ª O Acórdão n° 134/2019, de 3 de Abril, veio declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do segmento do artigo 43°, n° 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação.
2ª A declaração de inconstitucionalidade do n° 1 do artigo 43°, na redação conferida pela Lei n° 66-B/2012, fez repristinar a redação anterior do referido artigo, a saber, aquela que fora conferida pelo Decreto-Lei n° 238/2009, de 16 de Setembro.
3ª Nos termos do artigo 43°, nesta redação, o regime de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base: a) Na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se; b) Na lei em vigor à data em que seja recebido o pedido de aposentação pela CHGA, sem prejuízo do disposto no n° 7 do artigo 39°, e na situação existente à data em que o mesmo seja despachado, se o interessado não indicar data a considerar.
4ª Sucede que a situação concreta do Autor não beneficia, porém, da declaração de inconstitucionalidade do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação.
5ª Em causa, está uma reforma voluntária ao abrigo da al. c), n° 1, art° 16° do Decreto- Lei n.º 90/2015, de 29 de maio), ou seja, por ter mais de 60 anos, o Autor requereu em 31 de Dezembro de 2013a sua passagem à reforma.
6ª No caso concreto, a aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional 134/2019, não altera as condições de aposentação. Na verdade, na data de entrada do requerimento, 31 de Dezembro de 2013, estava em vigor uma norma que previa também redução dos vencimentos, a saber, o artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
7ª Por outro lado, não se entende a posição defendida pelo tribunal a quo: o Autor beneficiou, e continua a beneficiar, da chamada pensão por inteiro, ou seja, de uma pensão correspondente a 90% da remuneração auferida à data do despacho, sem aplicação de qualquer penalização nem tão pouco de fator de sustentabilidade, nem tão pouco das novas regras de cálculos da pensão resultantes da convergência com o regime geral da segurança social.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 1 de fevereiro de 2020.
O aqui Recorrido veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 7 de março de 2020, concluindo:
“(1ª) A entidade Recorrente delimita o objeto de recurso no argumento de que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação não abrange a situação dos presentes autos, bem como de que, a título subsidiário, ainda que fosse aplicável a norma revogada pela norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, por motivos da respetiva repristinação, a reforma do Autor sempre seria reduzida por força do disposto no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro;
(2ª) Deverá a douta sentença ser confirmada, porquanto é acertado o entendimento, na esteira do artigo 282° da CRP, de que a declaração de inconstitucionalidade do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação, com força obrigatória geral, determina que se deva «considerar, no caso dos autos, a redação que o artigo 43°/1 do Estatuto da Aposentação tinha e que lhe havia sido dada pelo Decreto-Lei n° 238/2009, de 16 de setembro»;
(3ª) Pelo que, à luz da alínea a) do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação, o «regime [leia-se, as condições] da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa se com base [...] na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se», a qual, tendo em consideração a prova produzida nos autos, indiscutivelmente corresponderá ao dia 31 de dezembro de 2013;
(4ª) Por outro lado, alega a entidade Recorrente, sem razão, que, ainda que se admita que a declaração de inconstitucionalidade referida supra abrange a situação dos presentes autos, «na data da entrada do requerimento, 31 de Dezembro de 2013, estava em vigor uma norma que previa também redução dos vencimentos, a saber, o artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro»;
(5ª) Porém, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente dos doutos Acórdãos n° 413/2014, de 30 de maio de 2014, e n° 187/2013, de 5 de abril de 2013, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, as reduções de remunerações previstas, entre outras disposições legais, no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro apenas poderão passar o crivo da constitucionalidade na medida em que as mesmas possuam um caráter temporário e transitório, devendo o legislador, em conformidade com as conclusões do Tribunal Constitucional, providenciar pela respetiva renovação em cada orçamento, sob pena de violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos;
(6ª) Ora, se a redução da remuneração do Autor deverá fazer efetivamente referência à referida data de 31 de dezembro de 2013, conforme exposto supra, poder-se-á concluir que a vigência da disposição legal invocada pela entidade Recorrente apenas afetou 1 (um) dia do ano civil de 2013;
(7ª) E, no que diz respeito ao ano de 2014, idêntica disposição foi objeto de nova lei orçamental, a saber, o artigo 33° da Lei n° 83-C/2013, de 31 de dezembro, o qual foi objeto da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, com efeitos ex nunc, conforme o mencionado douto Acórdão do Tribunal Constitucional n° 413/2014, pelo que o mesmo apenas terá tido aplicabilidade à reforma do Autor até à data da respetiva prolação;
(8ª) E, ainda que se admitisse o caráter perpétuo da redução de vencimentos prevista no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, o que apenas se concebe por mera cautela de patrocínio, sempre sem conceder, nunca se poderia acompanhar a conclusão da entidade Recorrente, quando afirma que a pensão do Autor não tem «aplicação de qualquer penalização nem tão pouco de fator de sustentabilidade, nem tão pouco das novas regras de cálculos da pensão resultantes da convergência com o regime geral da segurança social»;
(9ª) É que, salvo melhor opinião, as regras de cálculo observadas pela entidade Recorrente consideraram um fator de redução de 12%, quando, à luz do invocado artigo 27°, n° 1, alínea b), da Lei n° 66 B/2012, de 31 de dezembro, tal fator de redução jamais poderia ultrapassar os 10%, motivo pelo qual, ainda assim, o ato de decisão do cálculo da pensão de reforma do Autor, notificada pelo ofício da entidade Recorrente n° E………/00, de 18 de novembro de 2014, se mostraria ilegal e gravemente prejudicial face ao regime legal em vigor na data do requerimento, i.e., 31 de dezembro de 2013;
(10ª) Em bom rigor, admitir a posição transversalmente sufragada nos presentes autos por parte da entidade Recorrente - de que nem a data do requerimento do Autor, nem a data do despacho da entidade Recorrente relevam para efeitos do cálculo da pensão - significa negar toda e qualquer validade ao direito aplicável à situação sub judice;
(11ª) Tal sucede na medida em que, com a respetiva atuação, a entidade Recorrente ignorou, por um lado, o disposto no artigo 43° do Estatuto da Aposentação, na redação em vigor no momento da verificação do facto alegadamente relevante (a data em que o Autor completou 5 anos na situação de reserva fora da efetividade de serviço, i.e., 25 de fevereiro de 2014), não considerando a data em que foi proferido o despacho a reconhecer a aposentação;
(12ª) Por outro lado, a entidade Recorrente fez tábua rasa do douto Acórdão do Tribunal Constitucional n° 413/2014, aplicando-lhe a disciplina do artigo 33° da Lei n° 83 C/2013, de 31 de dezembro, declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, o que naturalmente impediria calcular a pensão do Autor com qualquer tipo de redução de vencimentos;
(13ª) Acresce que, no cálculo da pensão de reforma do Autor, a entidade Recorrente considerou 432 meses de carreira contributiva (e não 430 meses), em clara contradição com a respetiva argumentação, uma vez que, a considerar como data alegadamente relevante o dia 25 de fevereiro de 2014, a carreira contributiva do Autor deveria ter abrangido os meses de janeiro de fevereiro de 2014, o que claramente não sucedeu;
(14ª) Salvo melhor opinião, esta atuação afigura-se não apenas incoerente, mas também atentatória dos princípios do Estado de Direto Democrático, da legalidade e da justiça previstos nos artigos 2° e 266°, n° 2, da CRP, motivo pelo qual, ainda assim, o ato de fixação da pensão de reforma do Autor padeceria de ilegalidade, devendo ser confirmada a douta Sentença recorrida.
Termos em que o Recurso deve ser julgado improcedente, com as legais consequências, com o que, V. Exas., Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, farão a acostumada e necessária Justiça!”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 21 de abril de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente/CGA, a qual defende que:
i. a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação não abrange a situação dos presentes autos e
ii. ainda que fosse aplicável a norma revogada pela norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, por motivos da respetiva repristinação, a reforma do Autor sempre seria reduzida por força do disposto no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada.
A) Em 25.2.2009, por ter atingido o limite de idade, o Autor passou à situação de reserva (documento n.º 2 junto com a petição inicial);
B) Em dezembro de 2013 o Autor requereu a sua passagem à reforma, nos termos do disposto no artigo 159.°, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), por possuir, desde 25.2.2013, mais de 60 de idade (acordo),
C) tendo passado à situação de reforma em 3.2.2014, com efeitos reportados a 31.12.2013 (documento n.º 3 junto com a petição inicial);
D) Por despacho de 18.11.2014 da Direção da Entidade Demandada foi reconhecido ao Autor o direito à aposentação, tendo sido considerada a sua situação existente em 25.2.2014, nos termos do artigo 43.° do Estatuto da Aposentação, e fixada a sua pensão de reforma em € 2.572,34 (documento constante do processo administrativo).”


IV – Do Direito
Veio peticionada:
“a) A anulação da decisão de cálculo da pensão de aposentação do Autor;
b) A condenação da Entidade Demandada a restituir a importância respeitante ao remanescente da pensão que o Autor teria direito a receber, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
c) Que seja reconhecido o direito do Autor ao cálculo da pensão considerando a data de 31.12.2013 ou, se assim não se entender, considerando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 33.° da Lei do Orçamento do Estado para 2014, decidida pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/2014”.


No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“1. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 134/2019, de 27.2.2019, publicado no Diário da República, 1.a série, de 3.4.2019, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do segmento do artigo 43.°/1 do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, com fundamento nos artigos 2.° e 13.° da Constituição.
2. Tanto basta para que a presente ação seja procedente. Na verdade, e de acordo com o disposto no artigo 282.° da Constituição, «[a] declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado».
Deste modo, há que considerar, no caso dos autos, a redação que o artigo 43.°/1 do Estatuto da Aposentação tinha e que lhe havia sido dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de setembro, com o seguinte teor:
«1 - O regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base:
a) Na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se;
b) Na lei em vigor à data em que seja recebido o pedido de aposentação pela CGA, sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 39.°, e na situação existente à data em que o mesmo seja despachado, se o interessado não indicar data a considerar».
3. Como resulta do probatório, o Autor requereu a passagem à situação de reforma em dezembro de 2013, o que veio a ocorrer com efeitos a 31.12.2013.
A Entidade Demandada terá, por isso, de proceder a novo cálculo da pensão do Autor, em função dessa data, devendo pagar-lhe a importância respeitante ao remanescente da pensão que teria direito a receber. A essa importância acrescem os respetivos juros de mora (artigos 804.° e 806.° do Código Civil), que serão, no caso, como peticionou, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento. A ação procederá, pois, na sua totalidade.”


Correspondentemente, no que aqui releva, decidiu-se 1ª Instância:
“(…) decide-se julgar a presente ação totalmente procedente e, em consequência:
a) Reconhece-se o direito do Autor ao cálculo da pensão considerando a data de 31.12.2013;
b) Condena-se a Entidade Demandada a pagar ao Autor a importância respeitante ao remanescente da pensão que o Autor teria direito a receber, em função do novo cálculo, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento”.


Vejamos:
A procedência da presente Ação assentou na circunstancia do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 134/2019, de 3 de abril de 2019, proferido no âmbito do processo n° 716/18 e publicado no Diário da República n° 66/2019, Série I, ter declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 43°, n° 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação.


Entende a CGA, enquanto Recorrente, o seguinte:
i. a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação não abrange a situação dos presentes autos e
ii. ainda que fosse aplicável a norma revogada pela norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, por motivos da respetiva repristinação, a reforma do Autor sempre seria reduzida por força do disposto no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro.


Refira-se, desde já, que a decisão proferida em 1ª Instância será para manter.


Da aplicabilidade do artigo 43° Estatuto da Aposentação às reformas dos Militares
Alega a Recorrente/CGA que «o aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional 134/2019, não altera as condições de aposentação».


Em qualquer caso, nos termos do artigo 282° da Constituição da República Portuguesa (CRP), «[a] declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado».


Assim, como decorre do discurso fundamentador da decisão de 1ª Instância, a declaração de inconstitucionalidade do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação, com força obrigatória geral, determina que se deva «considerar, no caso dos autos, a redação que o artigo 43°/1 do Estatuto da Aposentação tinha e que lhe havia sido dada pelo Decreto-Lei n° 238/2009, de 16 de setembro», onde se referia:
«1. O regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base:
a) Na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se;
b) Na lei em vigor à data em que seja recebido o pedido de aposentação pela CGA, sem prejuízo do disposto no n° 7 do artigo 39°, e na situação existente à data em que o mesmo seja despachado, se o interessado não indicar data a considerar».


Deste modo, é incontornável que nada resulta do legalmente estatuído que o Estatuto da Aposentação não seja aplicável ao Autor, uma vez que tal decorre inequivocamente do Estatuto dos Militares das Forças Armadas e do próprio Estatuto da Aposentação.


Efetivamente, refere-se no n° 2 do artigo 122° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas em vigor à data dos factos que, «[s]em prejuízo do disposto no presente diploma, ao cálculo da pensão de reforma dos militares das Forças Armadas é aplicável o regime geral da aposentação».


Por outro lado, logo no preâmbulo do Estatuto da Aposentação se estabeleceu que «[o] regime geral estabelecido no presente Estatuto aplica-se também à reforma de militares em tudo o que não for incompatível com as disposições especiais que no mesmo diploma se contém».


Na realidade, nada consta do Estatuto dos Militares das Forças Armadas que permitisse concluir que aos militares não seja aplicável o artigo 43°, em face do que se não acompanha o entendimento da Recorrente de acordo com a qual «a situação concreta do Autor não beneficia, porém, da declaração de inconstitucionalidade do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação».


Assim, uma vez que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, se reportam à entrada em vigor da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, a saber, 1 de janeiro de 2013, e tendo o Autor requerido a sua passagem à reforma em dezembro desse mesmo ano, importa concluir que na situação controvertida nos presentes autos deverá ser considerada a redação do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo Decreto-Lei n° 238/2009, de 16 de setembro.


Assim, à luz da alínea a) do n° 1 do artigo 43° do Estatuto da Aposentação, o «regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base [...] na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se», a qual, tendo em consideração a prova produzida nos autos, corresponderá inequivocamente ao dia 31 de dezembro de 2013.


Da aplicabilidade aos presentes autos do artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro
Alega ainda a Recorrente/CGA que, independentemente da declaração de inconstitucionalidade aqui em causa, «na data da entrada do requerimento, 31 de Dezembro de 2013, estava em vigor uma norma que previa também redução dos vencimentos, a saber, o artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro».


Com efeito, no que aqui importa, dispõe o referido n° 1 do referido artigo 27° que:
«1 - A partir de 1 de janeiro de 2013 mantém-se a redução das remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n° 9, de valor superior a €1500, quer estejam em exercício de funções naquela data quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, conforme determinado no artigo 19° da Lei n° 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, e mantido em vigor pelo n° 1 do artigo 20° da Lei n° 64-B/2011, de 30 de dezembro, alterada pela Lei n° 20/2012, de 14 de maio, nos seguintes termos:
[...]
b) 3,5 % sobre o valor de €2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os €2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a €2000 até €4165;
[...]
9 - O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificados:
[...]
m) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas».


A propósito da constitucionalidade da referida disposição legal, o Tribunal Constitucional concluiu pela respetiva conformidade constitucional, afirmando, como sumariado no douto Acórdão n° 413/2014, de 30 de maio de 2014, proferido no âmbito do processo n° 14/2014, o seguinte:
«Concluiu assim o Tribunal [no Acórdão n° 187/2013, de 5 de abril de 2013, proferido no âmbito dos processos n.ºs 2/2013, 5/2013, 8/2013 e 11/2013] que, apesar de a redução do valor da retribuição mensal imposta pelo artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, ao contrário da suspensão do pagamento do subsídio de férias então prevista no respetivo artigo 29°, não ter "normativamente expressa uma duração correspondente à do PAEF", se justificava, perante o respetivo enquadramento orçamental, a "qualificação unitária" de ambas como "medidas com caráter transitório", sujeitas à exigência de "renovação (...) em cada orçamento" como condição de obtenção, em face da "regra da anualidade orçamental", de uma "aplicação plurianual".


Em qualquer caso, para o tribunal a quo, ambas as medidas previstas na Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, revestiam "em comum uma vigência temporária, não definitiva", o que permitia reconhecer nelas "a característica tida em conta nos acórdãos n.ºs 396/2011 e 353/2012"».


Assim, ao invés do entendimento adotado pela CGA, as reduções de remunerações previstas, nomeadamente no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro apenas passariam o crivo da constitucionalidade enquanto medidas temporárias e transitórias.


Em qualquer caso, idêntica disposição foi objeto de nova lei orçamental, a saber, o artigo 33° da Lei n° 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014) o qual foi objeto da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, com efeitos ex nunc, conforme o mencionado no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 413/2014.


Assim, as reduções de vencimentos verificadas não afetaram o essencial da pensão do Autor a pagar pela CGA.


Mesmo que se admitisse o caráter definitivo da redução de vencimentos prevista no artigo 27° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, ainda assim, não se acompanharia o entendimento da CGA de acordo com o qual, a pensão do Autor não tem «aplicação de qualquer penalização nem tão pouco de fator de sustentabilidade, nem tão pouco das novas regras de cálculos da pensão resultantes da convergência com o regime geral da segurança social».


Na realidade, as regras de cálculo estabelecidas pela CGA consideraram um fator de redução de 12%, quando, à luz do invocado artigo 27°, n° 1, alínea b), da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, tal fator de redução não poderia ultrapassar os 10%, em face do que o cálculo da pensão do Autor, notificada pelo ofício da entidade Recorrente n° E………./00, de 18 de novembro de 2014, sempre se mostraria incorreta, atento o regime legal em vigor na data do requerimento (31 de dezembro de 2013).


Ao contrário do preconizado pela CGA, não é possível viabilizar um entendimento que ignore, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 413/2014, que julgou inconstitucional o artigo 33° da Lei n° 83-C/2013, de 31 de dezembro.


Em face de tudo quanto si discorreu, confirmar-se-á o entendimento adotado em 1ª Instância, julgando-se improcedente o recurso.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença Recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 24 de abril de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco

Julieta França

Eliana Pinto