Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1925/17.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRAORDENAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - A prescrição do procedimento por contraordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de seis anos (art. 28.º, n.º 3, do RGCO).
II - A suspensão da prescrição nos procedimentos pendentes não pode ultrapassar seis meses (art. 27.º-A, n.º 2, do RGCO).
III - A prescrição do procedimento por contraordenação é questão de conhecimento oficioso.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO


Vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, no âmbito do processo de contraordenação nº 30852015060000458599 julgou procedente o recurso apresentado por L...., e declarou nula a decisão de aplicação da coima determinando a anulação de todos os atos processuais que dela dependiam.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente o recurso de contraordenação apresentado nos termos do disposto no art. 80º do RGIT e revogou a decisão de aplicação da coima à recorrente no processo de contraordenação n.º 30852015060000458599, através do qual lhe foi aplicada a coima de € 1.736,79, acrescida de custas, no valor de €76,50, pela prática da infracção prevista e punida pelos arts. 27.º, n.º1 e 41.º, n.º1, al. a) do CIVA – Falta de pagamento do imposto e 114.º, n.º2, n.º5, al.a) e 26.º, n.º4, do RGIT – Falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo.

B. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice, porquanto, incorreu em erro de julgamento na interpretação dos factos provados em 4) e 5) e subsunção ao previsto no art.79.º do RGIT , ao não entender que deste probatório resulta a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas, assim como dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.

C. Assim, a decisão de aplicação da coima deve conter, ainda que de forma sumária, todos os elementos essenciais que conduziram à punição, isto é, a indicação dos factos que permitem integrar ou preencher os elementos do tipo contra-ordenacional e que permitam ao arguido compreender o iter cognoscitivo da subsunção dos factos ao direito, que levou à sua condenação e, permitindo assim também, melhor defender-se, se não se conformar com a mesma. Esta descrição, ainda que sumária, não se satisfaz com uma mera remissão para elementos externos, mesmo que se trate do auto de notícia (neste sentido os autores e obra citada, pp.517-518, e acórdãos do STA de 18-02-2009, no proc.01120/08, e de 08-07-2009, no proc.0361/09)

D. No caso dos autos, analisando o teor da decisão recorrida, conforme resulta do ponto 4) do probatório, conclui-se que contém todos os elementos necessários e suficientes para satisfazer o disposto na al. b) do n.º1 do artigo 79.º do RGIT, nomeadamente a indicação do montante de imposto exigível, o termo do prazo para o cumprimento da obrigação de entrega, o período a que respeita a infracção, bem como as normas violadas e as normas punitivas.

E. Também no que se refere à satisfação da alínea c) do mesmo preceito, conforme resulta do ponto 5) do probatório, verifica-se estarem indicados o montante da coima fixada e, como elementos que serviram de base à sua fixação , a imputação a título de negligência simples, uma situação económica e financeira baixa, a prática considerada frequente da infracção, a ausência de actos de ocultação e de benefício económico com a infracção e um tempo decorrido desde a pratica da infracção superior a 6 meses, pelo que, ainda que mencionados de forma sumária, se considera satisfeito a exigência legal.

F. No que respeita, concretamente, à questão da ausência de demonstração na decisão de qual a “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, há que referir que as normas punitivas que servem de fundamento à decisão recorrida são as constantes do artigo 114.º, n.º2 e 5 alínea a) do RGIT.

G. Como se depreende da leitura do artigo citado, a infracção por que vem condenada Recorrida, basta-se com a falta de entrega do imposto que foi ou devia ter sido liquidado em factura ou outro documento equivalente. Não tendo aqui aplicação o requisito da “prestação tributária deduzida” constante do n.º1 do mesmo artigo, nem a jurisprudência invocada, que se referiam à redacção anterior à que foi dada pela Lei n.º64-B/2011, de 30 de Dezembro, não aplicável já à data dos factos.

H. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o disposto no artigo 79.ºn.º1 do RGIT, ao considerar que a decisão de aplicação da coima omite fundamentos essenciais para a quantificação concreta da coima, e subsequente nulidade da decisão.

I. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a presente situação fática e o artigo 79.º n.º1 do RGIT, deveriam ter sido interpretados no sentido de que deve dar-se por verificado que o teor da decisão recorrida contém todos os elementos necessários e suficientes em respeito pelo art.79.º n.º1 al.b) do RGIT, assim como, a decisão contêm a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, em respeito pelo art.79.º n.º1 c) do RGIT.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”.
* *
A Recorrida não apresentou resposta.
* *
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
* *
Posteriormente, veio a Recorrida/Arguida invocar a prescrição do procedimento contraordenacional peticionando seja reconhecida a prescrição.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II- OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 412, nº 1.º, do CPP ex vi artigo 74.º, n.º 4, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento ao ter declarado a nulidade da decisão de aplicação da coima. Contudo, tendo sido suscitada a questão da prescrição do procedimento contraordenacional, tal questão será desde logo conhecida porquanto, caso ocorra a prescrição, torna-se inútil a apreciação do mérito da causa, uma vez que aquela constitui uma causa extintiva do procedimento como preceitua a alínea b) do artigo 61.º do RGIT.

* *
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Da análise da prova documental junta aos autos, resultam provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

1. Com base no auto de notícia nº 20150641619/2015, foi instaurado à recorrente, o processo contra-ordenacional nº 30852015060000458599 – cfr. fls. 1 a 36 SITAF;

2. Em 06/11/2015, foi instaurado o processo de contra-ordenação à recorrente, por alegada falta de pagamento do imposto (IVA) dentro do prazo - cfr. fls. 1 a 36 SITAF;

3. Do referido processo contra-ordenacional vem invocada a violação do disposto no art. 27º, nº 1 e 41º, nº 1 al. b) do CIVA [Falta de pagamento do imposto (T)], apresentando-se como artigo punitivo o art. 114º, nº 2, nº 5 a) e 26º, nº 4 do RGIT [Falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo (T)] – cfr. fls. 1 a 36 SITAF;

4. Em 24/06/2016, foi proferida decisão de fixação da coima, onde consta informação, quanto à Descrição Sumária dos factos: “Ao arguido foi levantado auto de notícia pelos seguintes factos: 1-Montante do imposto exigível: € 5.157,52; 2. Valor da prestação Tributária Entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta € 5.157,52; Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2012/02/15; 5. Período a que respeita a infração: 2011/12T; os quais se dão como provados. Número da liquidação: 2015.017013648231)” – cfr. fls. 49 do SITAF;

5. Da Decisão de Fixação da Coima constam ainda “Medida da Coima”:

- cfr. fls. 49 do SITAF;

6- Aquela decisão resultou na aplicação da coima no valor de € 1.736,79, acrescida de € 76,50, a título de custas – cfr. fls. 49 e 50 do SITAF.

FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos, com interesse para a questão em apreciação, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pelo recorrente, todos, objeto de análise concreta, não se detetaram que fossem suscetíveis de afetar a decisão e que, importe registar como não provados.
*
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nas informações constantes dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”.
* *
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tendo sido suscitada pela Recorrida a prescrição do procedimento contraordenacional, questão que constitui uma exceção perentória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final, importa desde já decidir tal questão, precedendo o conhecimento do mérito da causa, na medida em que, caso ocorra a prescrição, torna-se inútil a apreciação de qualquer outra questão, uma vez que aquela constitui uma causa extintiva do procedimento conforme prevê a alínea b) do artigo 61.º do RGIT.

A prescrição, que consiste na extinção de um direito por motivo do decurso de um certo lapso de tempo estabelecido na lei, constitui causa de extinção do procedimento contraordenacional, que deve ser conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto este não tiver terminado, obstando à apreciação do mérito da causa e gerando o arquivamento dos autos (cf. arts. 33.º, n.º 1, 61.º, alínea b), 77.º, n.º 1, do RGIT e Acórdão do STA de 20/05/2020, proc. n.º 01901/15.7BELRA).

Seguiremos, com as necessárias adaptações, o entendimento vertido no Acórdão do STA de 12/05/2021- proc 02248/15, que pela sua clareza, sufragamos sem qualquer reserva.

O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, decorridos cinco anos sobre a prática do facto (cfr. art. 33º, nº 1 do RGIT).

Para determinar o momento da prática da infração é necessário ter em conta que o facto se considera praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão no momento em que deveria ter atuado ou naquele em que o resultado típico se tiver produzido (art. 5.º, n.º 1 do RGIT), sendo que “As infrações tributárias omissivas se consideram praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respetivos deveres tributários” (art. 5.º, n.º 2 do RGIT).

Contudo, nos termos do n.º 2 do art. 33.º do RGIT, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

Para efeitos deste dispositivo legal, o STA tem entendido que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (cfr Acórdão do STA de 28 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 777/09).

Trata-se de um prazo especial relativamente ao n.º 1, sendo casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos arts. 108.°, n.°1, 109.°, n.° 1, 114.°, 118.° e 119.°, n.° 1, todos do RGIT (nesse sentido, v. Jorge Lopes de Sousa, e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias – anotado, 3.ª ed., anotação ao art. 33.º , Áreas Editora, p. 320).

E como se sumariou no Acórdão do TCAS de 16/12/2020, proc. n.º 1579/13.2BESNT:
Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.
II-Tendo sido imputada infração à Arguida punida pelo artigo 114.º, nºs. 2, e 5, al. f), do RGIT, e estando a mesma dependente do apuramento do imposto em falta, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.”

No caso em apreço, está em causa uma contraordenação prevista pelo art. 114.º do RGIT e punível pelo mesmo artigo com coima cujo montante se determina pelo valor da prestação devida, pois os respetivos limites mínimo e máximo são fixados tendo por referência o valor do imposto em falta (cfr. Acórdão do STA de 30 de Abril de 2019, proferido no processo com o n.º 679/11.8BEALM).

Assim, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, ou seja, é reduzido a quatro anos, a contar do início do ano civil seguinte (dado estarmos perante a falta de pagamento do IVA), de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT.

Nos termos do disposto no art. 28.º, n.º 3 do Regime Geral das Contraordenações, (RGCO), “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade”.

A jurisprudência do STA tem entendido que esta norma é também aplicável, subsidiariamente, ao procedimento contraordenacional tributário, ex vi o disposto na alínea b) do art. 3.º do RGIT (Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Fevereiro de 2020, no processo n.º 273/12.6BEALM (197/18); - de 20 de Maio de 2020, no processo n.º 1901/15.BELRA; - de 16 de Setembro de 2020, proferido no processo n.º 1476/15.7BELRA e de 7 de Abril de 2021 no processo com o n.º 635/15.7BEVIS).
Assim, e para os efeitos do citado artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, a prescrição do procedimento teria lugar quando, desde a data em que se verificou o facto tributário, tivesse decorrido o prazo de quatro anos acrescido de metade.

Vejamos o caso em apreço.

Reportando-se a infração à falta de pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que deveria ter sido efetuado até 15/02/2012 (cfr. ponto 4 do probatório), o prazo de prescrição do procedimento respetivo iniciou-se em 1 de janeiro de 2013 e teria decorrido até 31 de dezembro de 2018 (4 anos + 2 anos).
Contudo importa ainda atender na contagem da prescrição, ao tempo de suspensão, que todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, não pode ultrapassar seis meses, pelo que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, in casu, ocorreu a 30/06/2019.

Destarte conclui-se que na presente data o procedimento contraordenacional encontra-se prescrito, o que conduz à sua extinção, nos termos da alínea b) do art. 61.º do RGIT, devendo ser determinado o arquivamento do processo nos termos do art. 77.º do RGIT e art. 64.º, n.º 3 do RGCO.

Resulta desta forma, prejudicada a apreciação do erro de julgamento suscitado pela Recorrente.
* *
V- DECISÃO


Nos termos expostos, acordam as juízas da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I) Julgar extinto o processo de contraordenação, por prescrição, e, em consequência, determinar o seu arquivamento;
II) Não se conhecer, por prejudicado, o objeto do recurso interposto pela AT- Autoridade Tributária e Aduaneira.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Abril de 2024

Luisa Soares
Hélia Gameiro Silva
Maria de Lurdes Toscano