Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09640/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
IMPOSTO DE SELO. LEI 150/99, DE 11/9.
INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA.
VERBA Nº.28, DA TABELA GERAL DO IMPOSTO DE SELO (T.G.I.S.).
IMÓVEL CONSTITUÍDO EM PROPRIEDADE VERTICAL.
CONSIDERAÇÃO AUTÓNOMA DO V.P.T. DE CADA UMA DAS FRACÇÕES INDEPENDENTES PARA EFEITOS DE INCIDÊNCIA DA NORMA.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. No que especificamente diz respeito aos bens imóveis, a determinação do seu valor tributável passou a ter por base o novo sistema de avaliações constante do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (cfr.preâmbulo do dec.lei 287/2003, de 12/11).
3. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.
4. A verba nº.28, aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.) pelo artº.4, da Lei 55-A/2012, de 29/10, sujeita a incidência de imposto de selo, além do mais, a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (vpt) constante da matriz, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre tal vpt fazendo recair a taxa de 1%.
5. Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artº.67, nº.2, do Código do I.S., às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o C.I.M.I. Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do I.M.I., segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo I.M.I., bem como o novo I.S., liquidados individualmente em relação a cada uma das partes (cfr.artº.12, nº.3, do C.I.M.I.), não parece, a este Tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo. Neste contexto, se a lei consagra, relativamente ao I.M.I., a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, tal perspectiva se impõe, igualmente e, desde logo, em virtude do princípio da legalidade tributária, relativamente à regra de incidência da verba nº.28, da T.G.I.S. E recorde-se que o escopo desta norma de incidência é tributar realidades independentes, individualizadas e não resultantes de uma agregação ou soma, ainda que jurídica. O critério uniforme que se impõe é, portanto, o que determina que a incidência da norma em causa apenas abrange na sua previsão alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente, de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, que possua um vpt superior a € 1.000.000,00.
6. Não obstante a existência jurídica de um único prédio, no sentido civilista do termo, para efeitos de tributação do património, o legislador impõe a consideração autónoma de cada uma das fracções independentes, o que é válido em sede de l.M.I. e de Imposto de Selo, tributo que remete para o conceito de prédio constante do regime de I.M.I.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.95 a 103 do presente processo que julgou procedente a presente impugnação intentada pelo recorrido, "M…, L.da.", visando dezasseis liquidações de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2012 e no montante total de € 23.261,40.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.120 a 1127 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Face aos factos provados não poderia o respeitoso Tribunal “a quo", decidir como fez, pois face às premissas (factos provados) a conclusão a retirar deveria ser outra;
2-Na verdade, resulta provado que a impugnante é proprietária de um prédio urbano em propriedade total, licenciado para habitação e composto por 17 divisões susceptíveis de utilização independente, sendo que o VPT das unidades afectas à habitação é de € 2.328.140,00 e como tal superior a € 1.000.000,00, não estando, portanto, submetido ao regime de propriedade horizontal;
3-Assim, relativamente aos prédios constituídos em propriedade total, para efeitos de tributação em sede de Imposto do selo, verba 28 da TGIS, são considerados pela sua totalidade como um único prédio, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário;
4-Pois não se destinando a norma em apreço a imóveis que tenham afectação exclusiva a habitação, mas sim a imóveis com afectação habitacional de VPT superior a € 1.000.000,00, não se vislumbra qualquer violação da norma de incidência, ao invés, afigura-se-nos que o referido prédio reúne os requisitos para a aplicação da verba 28 da TGIS;
5-Porquanto, atendendo à norma em causa, a incidência refere-se, conforme expressão literal aí constante, ao “prédio” pelo que, por um lado, não cabe ao intérprete distinguir onde o legislador o não faz, e por outro, a matéria relativa à incidência tributária está sujeita ao princípio da legalidade tributária, princípio basilar do direito fiscal;
6-Deste modo, se o prédio foi constituído em propriedade total integra o conceito jurídico tributário de "prédio", ou seja, uma única unidade, e o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afectação habitacional e sendo este superior a € 1.000.000,00 há sujeição ao imposto do selo da verba 28 da TGIS;
7-Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço;
8-Com o devido respeito, que muito é, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas;
9-Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais qonsequências devidas;
10-Termos em que, deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial com todas as consequências legais.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.140 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.97 a 99 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante é a proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total, sito em …, na rua …, n.° 70, inscrito na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo U-742 (extinto artigo U-347 da freguesia de …), constituído por cave, r/c, e 6 andares, tendo 17 divisões susceptíveis de utilização independente, sendo dezasseis afectas a habitação (cfr.caderneta predial urbana junta a fls.150 a 156 do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos);
2-O valor patrimonial tributário da totalidade do prédio ascende a € 2.336.180,00 (cfr. caderneta predial urbana junta a fls.150 a 156 do processo administrativo apenso);
3-Todas as divisões do prédio susceptíveis de utilização independente, foram objecto de avaliação individual e tem um VPT próprio, nos termos e para os efeitos do disposto no CIMI, sendo sobre este VPT que é liquidado o IMI sobre cada divisão/andar (cfr. caderneta predial urbana junta a fls.150 a 156 do processo administrativo apenso);
4-As liquidações, em crise, incidem sobre os vários andares/fracções do prédio identificado no nº.1, cujos VPT determinados em 2012, se encontram compreendidos entre € 43.170,00 e € 168.500,00 (cfr.caderneta predial urbana junta a fls.150 a 156 do processo administrativo apenso);
5-Contudo a A. Fiscal, considerando o valor global do prédio, operou uma liquidação global de Imposto de Selo, que repartiu pelas 16 divisões com afectação habitacional, tendo operado 16 liquidações de imposto (cfr.decisão da reclamação graciosa, previamente interposta pelo impugnante, constante a fls.220 a 224 do respectivo apenso aos presentes autos);
6-Na sequência do descrito no nº.5, em 14/07/2013, a A. Fiscal emitiu 16 liquidações de Imposto de Selo, referentes ao ano de 2012 (mas aplicando a taxa de 1 %), que constituem o objecto dos autos, no valor global de € 23.261,40 (vinte e três mil duzentos e sessenta e um euros e quarenta cêntimos) efectuadas a coberto da verba 28.1. da Tabela Geral daquele Imposto (cfr.documento junto a fls.65 e 66 do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há factos não provados com relevância para as questões a apreciar…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, na análise dos documentos supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório , os quais não foram impugnados pelas partes…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação e, consequentemente, anulou os actos tributários objecto do processo (cfr.nº.6 do probatório), devido a vício de violação de lei, mais ordenando a devolução dos respectivos montantes, caso pagos pelo impugnante, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em síntese, que a impugnante é proprietária de um prédio urbano em propriedade total, licenciado para habitação e composto por 17 divisões susceptíveis de utilização independente, sendo que o V.P.T. das unidades afectas à habitação é de € 2.328.140,00 e como tal superior a € 1.000.000,00, não estando, portanto, submetido ao regime de propriedade horizontal. Que os prédios constituídos em propriedade total, para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo, verba 28 da T.G.I.S., são considerados pela sua totalidade como um único prédio, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário. Que o Tribunal “a quo” lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito aos factos (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13).
O Imposto do Selo foi introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, ambos os diplomas tendo sofrido muitas alterações posteriores. Este tributo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.; J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1977, pág.349).
Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o tributo em análise mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. No que especificamente diz respeito aos bens imóveis, a determinação do seu valor tributável passou a ter por base o novo sistema de avaliações constante do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (cfr.preâmbulo do dec.lei 287/2003, de 12/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7648/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/5/2016, proc.9509/16; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.359 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve, em primeiro lugar, fazer-se a exegese das normas constantes do artº.6, da Lei 55-A/2012, de 29/10, aplicável ao caso "sub judice" (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil):
Artº.6
(Disposições transitórias)
1-Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.° do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%:
(…)
2-Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.° 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.
(...)

Por sua vez, igualmente se deve levar em consideração que a citada Lei 55-A/2012, de 29/10, a qual entrou em vigor no pretérito dia 30/10/2012 (cfr.artº.7, nº.1, da Lei 55-A/2012, de 29/10), aditou à Tabela Geral do Imposto de Selo, aprovada pela Lei 150/99, de 11/9, a verba nº.28 com a seguinte redacção:

28-Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;
(...).

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Por outro lado, releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).
A norma sob exegese, a verba nº.28, aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.) pelo artº.4, da Lei 55-A/2012, de 29/10, sujeita a incidência de imposto de selo, além do mais, a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (vpt) constante da matriz, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre tal vpt fazendo recair a taxa de 1%. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7648/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/5/2016, proc.9509/16).
Revertendo ao caso dos autos, está em causa um prédio urbano, em regime de propriedade total, constituído por cave, r/c, e 6 andares, tendo 17 divisões susceptíveis de utilização independente, sendo dezasseis afectas a habitação (cfr.nº.1 do probatório) que a A. Fiscal entende estar abrangido pela norma de incidência constante da verba 28.1 na T.G.I.S., anexa ao Código do Imposto do Selo.
O Tribunal "a quo" decidiu que não.
Vejamos quem tem razão.
A questão a decidir consiste em saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilização independente, é um “prédio com afectação habitacional”, a incluir na norma de incidência objectiva do imposto sobre a propriedade criado pela citada Lei 55-A/2012, de 29/10, a verba nº.28, aditada à T.G.I.S.
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artº.67, nº.2, do Código do I.S., às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o C.I.M.I. Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do I.M.I., segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo I.M.I., bem como o novo I.S., liquidados individualmente em relação a cada uma das partes (cfr.artº.12, nº.3, do C.I.M.I.), não parece, a este Tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo. Neste contexto, se a lei consagra, relativamente ao I.M.I., a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, tal perspectiva se impõe, igualmente e, desde logo, em virtude do princípio da legalidade tributária, relativamente à regra de incidência da verba nº.28, da T.G.I.S. E recorde-se que o escopo desta norma de incidência é tributar realidades independentes, individualizadas e não resultantes de uma agregação ou soma, ainda que jurídica.
O critério uniforme que se impõe é, portanto, o que determina que a incidência da norma em causa apenas abranje na sua previsão alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente, de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, que possua um vpt superior a € 1.000.000,00.
E, mais se diga, que foi esse, inclusive, o entendimento adoptado pela A. Fiscal.
Com efeito, esta também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada uma das fracções susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas fracções, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si (cfr.nºs.4 a 6 do probatório). Todavia, olvidou a Fazenda Pública que não poderia, em virtude do enquadramento anteriormente vertido, proceder ao somatório dos vpt individuais das fracções independentes mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da verba nº.28, da T.G.I.S., porquanto só haveria lugar a incidência de I.Selo (no âmbito da verba nº.28, da T.G.I.S.) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um vpt superior a € 1.000.000,00.
Isto é, não obstante a existência jurídica de um único prédio, no sentido civilista do termo, para efeitos de tributação do património, o legislador impõe a consideração autónoma de cada uma das fracções independentes, o que é válido em sede de l.M.I. e de Imposto de Selo, tributo que remete para o conceito de prédio constante do regime de I.M.I., conforme já mencionado supra (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/4/2016, rec.1534/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/5/2016, rec.1344/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/5/2016, rec.1352/15).
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 29 de Junho de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)