Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 972/11.0BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | ISABEL FERNANDES |
| Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL OPOSIÇÃO REVERSÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA NULIDADE |
| Sumário: | I – O tribunal goza de total liberdade na qualificação ou seja, o princípio da limitação do juiz pela causa de pedir, que só permite que o tribunal baseie a sua decisão em factos invocados pelas partes no processo como fundamentos concretos do efeito jurídico pretendido ("factos principais"), não implica que o tribunal fique vinculado à qualificação jurídica avançada pelo recorrente nem que fique, de qualquer forma tolhido na averiguação do direito aplicável ao caso. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
H…, melhor identificado nos autos, na qualidade de revertido, deduziu oposição no processo de execução n.º 2240201007000251 e originariamente instaurado contra a sociedade R…, Lda, tendente à cobrança de € 9.776,01. O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 28 de Outubro de 2018, julgou a oposição procedente relativamente ao IRC de 2006 mais julgando parcialmente extinta a execução fiscal, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao IVA de 2004 a 2007 e Coimas fiscais. Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões: «I) In casu, com elevado respeito pelo digno Aerópago a quo, na humilde perspectiva jurídico-factual da aqui Recorrente, considera-se que por aquele, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 268.º da CRP; art. 124º do CPA; art. 77.º da LGT; art. 125.º, n.º 1 do CPPT; art. 615º, al. d) e n.º 2 do art. 608º do CPCIvil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, e II) à essência do Princípio da legalidade; Princípio da Tipicidade das Formas Processuais; Princípio do dispositivo (no que tange aos factos essenciais); Princípio da igualdade de armas e o Princípio da Justiça que a todos aqueles abarca. III) Assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Aerópago a quo, o acervo documental constante dos autos, maxime, o teor de fls. 43, fls. 46 a 70, todas do PEF junto aos autos em apenso; a Contestação apresentada pela RFP (AT) no dia 06.07.2011, assim como ao teor da petição inicial aduzida pelo Oponente. IV) Tudo, devidamente condimentado com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que, V) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela inexistência de uma qualquer falta de fundamentação de despacho reversão sub judice. VI) A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo, a qual, humildosamente, se pretende que seja devidamente sindicada pelo respeitoso Aerópago ad quem, foi, mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo Tribunal recorrido excesso de pronúncia (da conjugação dos artigos 615.º, alínea d), e nº 2 do 608.º, do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT). VII) Pois que, como supra se expôs o Tribunal recorrido apreciou e decidiu de uma questão, isto é, um problema concreto que não foi suscitado/pedido pela parte. VIII) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 14º ao 80.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais, as presentes Conclusões são parte integrante. IX) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o respeitoso Areópago a quo, preconizou erro de julgamento. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais. CONCOMITANTEMENTE, * O Recorrido, H…, notificado do recurso interposto, não apresentou contra-alegações. * O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso.* Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «Dão-se por provados os seguintes factos: A) Em 07-08-2008 foi emitida a certidão de dívida nº 2008/679931, por IRC de 2006, com pagamento voluntário até 17-07-2008, do montante de €1.515,51, constando como executado a R…, Lda (fls 24, do PEF); B) Com base na certidão de dívida identificada em A) foi instaurado o PEF n 1520200801111680, para cobrança coerciva; C) Consta do Registo Comercial que a sociedade identificada em A) que tem a sua sede na Rua de S. M… 11, G…., freguesia de Loures, concelho de Lisboa (fls 36, do PEF); D) Em 11-08-2010 foi proferido despacho para audição (reversão) do oponente, enquanto responsável subsidiário, onde consta: Face às diligências de fls anteriores, determino a preparação do processo para efeitos da reversão da(s) execução(ões) contra H…(…), morador da Rua Á…., Lote 29…. 1º andar, Quinta do C…– 2975-… Quinta do C…, na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo descriminada. OBJECTO REVERSÃO Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT). Não foram localizados bens da executada, encontra-se cessada em sede de IVA desde 2007-07-20, conforme Auto de Diligências. Gerente Conforme Certidão Permanente. (…). E) Pelo ofício nº 3867 de 11-08-2011 notificação ao oponente para audição – prévia (reversão) sob registo RM 5427 6203 8 PT (fls 38, do PEF); F) Conforme informação dos CTT (pesquisa de objecto) a carta de notificação identificada em E) não foi entregues ao destinatário ausente, tendo sido colocado aviso e que veio a ser devolvido por não reclamado (fls 42, do PEF); G) Em 10-09-2010 foi proferido despacho de reversão contra o oponente, nos termos de fls 43, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais e, onde consta, nomeadamente: Face às diligências de fls anteriores, determino a preparação do processo para efeitos da reversão da(s) execução(ões) contra F…(…). OBJECTO REVERSÃO Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT). Não foram localizados bens da executada, encontra-se cessada em sede de IVA desde 2007-07-20, conforme Auto de Diligências. Gerente Conforme Certidão Permanente. (…). H) Consta a Nota de Citação como doc n 1 da pi, dos autos: (Imagem, original nos autos) (Imagem, original nos autos) I) Junto com a nota de citação (reversão) apenas consta como anexo, a lista das dívidas em causa (doc nº 1, da pi); J) Em 26-11-2011 deu entrada a presente oposição, constando do cabeçalho da petição que o oponente é residente na Rua Á…, lote 2…, 1º andar, Quinta do C….» * Factos não provados Nada consta da decisão recorrida. * Motivação da decisão de facto «A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados, inexistindo quaisquer outros, provados ou não provados.» * - De Direito Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia, de erro de julgamento por errada valoração da prova documental junta aos autos e constante do PEF, apenso, e de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito aos factos. Comecemos por apreciar a invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia. Afirma a Recorrente que a sentença sofre de nulidade por excesso de pronúncia em virtude de ter apreciado e decidido questão que não foi suscitada pelo ora Recorrido, a saber, da falta de fundamentação do despacho de reversão. Para tanto, refere que em momento algum, específica e concretamente, o Oponente, através do seu mandatário constituído, alegou como causa petendi fundamentos atinentes à preterição de formalidade essencial como a falta de fundamentação do despacho de reversão. Conclui que o Tribunal a quo, ao apreciar a não invocada falta de fundamentação do despacho de reversão, extrapolou veementemente o seu poder de direcção e de gestão processual nos autos, o que, nos termos do preceituado nos artigos 615º, alínea d) e nº2 do artigo 608º do CPC, se traduz em excesso de pronúncia, inquinando a sentença recorrida de nulidade. Vejamos, então. A sentença recorrida julgou procedente a Oposição deduzida pelo Recorrido por entender que se deve considerar que inexiste fundamentação do despacho de reversão pela circunstância de o Recorrido não ter tido acesso ao despacho proferido em sede de audição prévia à reversão e ao despacho de reversão. Como bem sintetiza a DDMP, no seu parecer, da análise da PI resulta que o Recorrido fundamentou a ilegalidade da reversão na nulidade dos títulos executivos constantes da citação, na falta de qualquer actividade da sociedade devedora originária desde a sua constituição e na falta de pressupostos da reversão por coimas fiscais (sendo que este último fundamento não se encontra, aqui, em discussão). Atentemos no segmento da sentença recorrida que, de momento, releva: “(…) Na realidade não integramos a alegação do oponente na irregularidade ou sequer a nulidade da citação, mas é possível integrar a alegação do oponente e, designadamente nos artºs 3º a 6º na falta de fundamentação, pois só assim tem sentido a alegação que ali se encontra impressa. É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou legítimos interesses dos administrados, em harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT. (…) Parece claro que efectivamente o oponente não teve acesso aos despachos tendo sido notificado apenas de uma Citação (reversão) sem qualquer fundamentação. Pelo que deve aqui ser considerado que inexiste fundamentação do despacho de reversão. (…)” – sublinhado nosso. Constata-se, assim, que a sentença recorrida concluiu pela inexistência de fundamentação do despacho de reversão, a qual, efectivamente, não tinha sido invocada, expressamente, pelo Recorrido na petição inicial. O STA, em Acórdão proferido em 01/08/2020, no âmbito do processo nº 378/10, apreciou esta questão, nos seguintes termos: “(…) IV - O tribunal goza de total liberdade na qualificação ou seja, o princípio da limitação do juiz pela causa de pedir, que só permite que o tribunal baseie a sua decisão em factos invocados pelas partes no processo como fundamentos concretos do efeito jurídico pretendido ("factos principais"), não implica que o tribunal fique vinculado à qualificação jurídica avançada pelo recorrente nem que fique, de qualquer forma tolhido na averiguação do direito aplicável ao caso. V - Sendo certo que a invocação do vício não depende da qualificação jurídica efectuada pelo recorrente, mas dos factos ou circunstâncias que são apontados como motivos da invalidade, não deveria o oponente ser prejudicado e ver precludido o direito invocado por ter especificado juridicamente ainda que de forma menos perceptível os vícios alegados. VII - Assim, ao conhecer da falta de fundamentação do despacho de reversão, como o fez, por considerar ter sido invocado tal fundamento, tendo em conta que este decorre, inequivocamente, dos factos claramente expostos na petição inicial, não proferiu o Mm°. Juiz a quo uma sentença nula nos termos da al. d) do n.°1 do art.° 668° do C.P.Civil (actual 615º)..(…)” Regressando ao caso dos autos, temos que a sentença recorrida conformou a causa de pedir de forma diferente da apresentada pelo Oponente, ou seja, entendeu que a situação concreta, não obstante ter sido enquadrada no âmbito da irregularidade da citação, deveria ser conhecida no âmbito da falta de fundamentação do despacho de reversão. Sabido que é que o tribunal não se encontra vinculado à conformação jurídica da causa de pedir apresentada pelas partes, não nos encontramos, aqui, perante uma situação de excesso de pronúncia, geradora de nulidade, antes perante uma apreciação jurídica diferente da realidade apresentada. Se o não fez correctamente constitui matéria a apreciar no âmbito de um eventual erro de julgamento, o que é diferente da nulidade por excesso de pronúncia que vem assacada à sentença recorrida. Carece, pois, de razão a Recorrente, não sofrendo a sentença recorrida de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do preceituado nos artigos 125.º do CPPT e da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pelo que improcede a respectiva alegação recursiva. * Do erro de julgamento A Recorrente afirma que a sentença padece de erro de julgamento motivado pela errada valoração do acervo documental constante dos autos, maxime, o teor de fls. 43, 46 a 70, todas do PEF, apenso aos autos, bem como por não ter valorado e considerado a contestação apresentada pela Fazenda Pública e a petição inicial. Refere que o despacho de reversão consta a fls. 43 do PEF e que a citação foi efectuada por carta precatória, pelo SF de Sesimbra, como se constata pelo teor de fls. 46 a 70 do PEF. Ora, a sentença recorrida não levou em consideração a documentação do PEF, nem ponderou a argumentação constante da contestação, o que a inquina de erro de julgamento por défice instrutório, como refere a DMMP, quando diz: sobre a falta de fundamentos da reversão no ofício de citação, padece a sentença de défice instrutório, porquanto da citação junta a fls. 46 do PEF, constam os fundamentos de facto e de direito da reversão e tal acto foi deprecado, constando da certidão de citação que foi entregue a nota de citação, cfr. fls. 69 do PEF. Assim, face às incongruências detectadas entre a citação junta pelo Recorrido e a citação que consta a fls. 46 do PEF, deveria o Juiz a quo ter diligenciado pelo respectivo esclarecimento. É que, na primeira, não consta a fundamentação da reversão, e, na segunda, já consta. Situação que cumpre clarificar. Por outro lado, resulta do probatório (cfr. alíneas e) e f)) que o Recorrido foi notificado para se pronunciar quanto ao projecto de despacho de reversão, sendo que esta factualidade não foi levada em consideração na apreciação efectuada pela sentença recorrida, o que a inquina de erro de julgamento. Face ao que foi dito, será de considerar procedente a argumentação recursiva, devendo os autos baixar à primeira instância para que aí se procedam às diligências necessárias ao esclarecimento das incongruências detectadas nas citações que dos autos constam, bem como para fixar a factualidade relevante que resulte do teor do PEF, como explanado supra. * III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância com vista às necessárias diligências instrutórias para posterior prolação de sentença. Custas pelo Recorrido. Registe e Notifique. Lisboa, 1 de Junho de 2023 (Isabel Fernandes) (Catarina de Almeida e Sousa) (Maria Cardoso) |