Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 139/19.9BCLSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 01/30/2020 |
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Relator: | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
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Descritores: | DESPORTO, PROCESSO ARBITRAL NECESSÁRIO, DIREITOS FUNDAMENTAIS, PROPORCIONALIDADE |
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Sumário: | I - O artigo 112º do RDLFPF-2018 tem de ser interpretado de acordo com o artigo 9º do Código Civil, que nos remete para a unidade do sistema jurídico, sistema que é encimado pela Constituição, onde avultam os artigos 17º, 18º e 37º. II - Assim, quando o CD/FPF ou o TAD analisem este tipo de questões e apliquem o artigo 9º do Código Civil ao cit. artigo 112º devem ter presente que um dos critérios que resulta do artigo 9º nº 1 do Código Civil é a “interpretação orientada pela Constituição” no âmbito do elemento sistemático da interpretação jurídica de fontes de Direito e sob a égide dos artigos 17º, 18º e 112º da Constituição. III - Quando estão em causa questões de interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas, ou com uma atuação escrutinada por uma massa de pessoas, como ocorre com a atuação de um tribunal ou de um árbitro de futebol, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata do que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum e anónimo. IV - Um modo mais agressivo ou grosseiro de exercitar a liberdade de expressão, que assente em juízos opinativos sobre factos (o essencial da liberdade de expressão) e não apenas sobre a personalidade do visado, não configura, por si, um agir difamatório. V – Aqui, as afirmações do arguido, feitas no exercício do direito fundamental previsto no artigo 37º da Constituição, interferem com uma intensidade muito leve no direito fundamental previsto no artigo 26º nº 1 da Constituição, ao passo que considerar tais afirmações violadoras do artigo 112.° nºs 1, 3 e 4 do RDLFPF-2018 e do artigo 26º nº 1 da Constituição seria aceitar uma constrição grave ou muito séria no direito fundamental previsto no cit. artigo 37º da Constituição, assim violando o artigo 18º da Constituição e a máxima metódica da proporcionalidade. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
I – RELATÓRIO F……. — F…… SAD, intentou no T.A.D. processo arbitral “necessário” contra FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL. A pretensão formulada perante a instância arbitral foi a seguinte: - Anulação da decisão administrativa colegial de 14-05-2019 da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que, julgando procedente a acusação, decidiu condenar o Demandante pela prática de uma infração disciplinar, p. e p. pelo art. 112.°- 1, 3 e 4 do RD, aplicando uma pena de multa no valor de € 15.300,00. Por decisão arbitral colegial, a instância arbitral a quo decidiu “conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida”. * Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, ao abrigo do disposto no artigo 8º, nº 1, 2 e 5, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, formulando na sua alegação o seguinte quadro conclusivo: 1. O presente recurso tem por objeto o objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 30 de setembro de 2019, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o nº 29/2019. 2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 112, n.º 1, 3 e 4 do RD da LPFP. 3. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar. 4. O Colégio Arbitral entendeu, em suma, que a Recorrida não podia ser punida porquanto as declarações em causa, consideradas ilícitas pelo CD, foram proferidas ao abrigo do direito à liberdade de expressão. 5. Porém, a interpretação literal das declarações bem como o contexto em que as mesmas foram proferidas não deixam margem para dúvidas de que foram ultrapassados os limites da liberdade de expressão. 6. O valor protegido pelas normas disciplinares pelas quais a Recorrida foi condenada pelo CD, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.° e 181º do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa ao mesmo tempo — e primordialmente - a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play. 7. Este é o primeiro erro em que cai o Colégio de Árbitros: o conflito de interesses não é, em bom rigor, entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome dos visados, mas sim entre a liberdade de expressão e a proteção das competições desportivas, da ética e do respeito entre agentes desportivos. 8. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112.° do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem. 9. Em concreto, a norma em causa visa prevenir e sancionar a prática de condutas desrespeitosas entre agentes desportivos e para com os órgãos da LPFP e da FPF. 10. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva. 11. No enquadramento regulamentar dado pelo artigo em apreço, reprova-se e sanciona-se especialmente quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos que, assumindo natureza desrespeitadora, difamatória, injuriosa ou grosseira, ofendam o direito à honra, ao bom nome e reputação de outros órgãos e agentes desportivos. 12. O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão. 13. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem, estando, porém, adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do Regulamento Disciplinar da LPFP. 14. Dizer que os árbitros do jogo tiveram um fraco desempenho ou que cometeram erros é uma coisa (sejam quais forem as expressões utilizadas, mais ou menos contundentes desde que não infrinjam deveres de correção e urbanidade, naturalmente). 15. Dizer que o árbitro cometeu erros propositadamente em desfavor de uma das equipas ou sequer insinuar tal falta de isenção e imparcialidade, é outra bem diferente. 16. O Recorrido sabia ser o conteúdo das suas declarações adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos agentes de arbitragem, colocando assim intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação. 17. Ao colocar como título da publicação que fez "Paixão Vermelha" para, depois, referir que o árbitro em causa "teve uma carreira de árbitro recheada de decisões insustentáveis", "fez vista grossa a dois lances na área do B......", "o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo sobre Marcano", "B……. parece ter um problema com a imparcialidade", a Recorrida lançou uma crítica a uma conduta, mas também à própria pessoa. 18. Além disso, tais afirmações são potencialmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol. 19. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 112.° do Regulamento Disciplinar da LPFP. * A recorrida contra-alegou, concluindo assim: A. Ao contrário do que advoga a Recorrente, a decisão ora recorrida não merece qualquer reparo ou censura, desde logo porquanto — como bem sintetizou o Tribunal a quo —não se mostra preenchido o tipo de ilícito p. e p. pelo art. 112.°-1 e 3 do RD, em virtude de estar em causa um juízo crítico sobre o desempenho desportivo que é reconduzível ao exercício legítimo da liberdade de expressão da Recorrida. B. Prende-se o presente processo com as afirmações vertidas na newsletter "D……."- as quais consubstanciam críticas negativas à arbitragem realizada no jogo que opôs o Clube Desportivo F...... – F……, SAD e a S……. — F…… SAD a 07-04-2019. C. Limitou-se, no entanto, a Recorrida a emitir aquela que é a sua fundada convicção sobre a insatisfatória prestação do Sr. Árbitro B......., a qual, do seu ponto de vista, vem resultando reiteradamente em benefício do S....... e, consequentemente, em detrimento dos demais clubes em competição. D. Como bem reconheceu a decisão recorrida, as afirmações vertidas no artigo "Paixão vermelha" ancoram-se num determinado desempenho (ou juízo valorativo sobre esse desempenho), tendo uma base factual, concreta e real, que legitima a formulação de tais afirmações, ainda que abstratamente lesivas da honra e da reputação de terceiro. E. Trata-se da emissão de meros juízos de valor — ainda que depreciativos, é certo — sempre voltados para o desempenho profissional do árbitro B......., apreciando-se de forma crítica as suas decisões naquele jogo em concreto, pois que, na opinião da Recorrida, as mesmas revelaram-se lamentáveis e atentatórias da verdade desportiva, padecendo de demasiados erros que prejudicavam a competição. F. Convicção para a qual concorreram diversas realidades a ter em conta, nomeadamente: as imagens do jogo, as opiniões dos diversos intervenientes no jogo e as notícias divulgadas na comunicação social acerca da arbitragem realizada no jogo de 07-04-2019. G. As quais, confirmando a existência de erros grosseiros de arbitragem, e um desempenho profissional que fica muito aquém daquele que seria o esperado de um árbitro desta categoria, levaram a Recorrida a concluir pela parcialidade na arbitragem do jogo em apreço. H. Note-se que, à data dos factos, o campeonato de futebol encontrava-se numa fase decisiva, sendo cada jogo e cada resultado especialmente importante para a competição, exigindo-se rigor e um acrescido profissionalismo às equipas de arbitragem. I. Principalmente, em face de um campeonato marcado por sucessivas revelações de suspeitas de corrupção na arbitragem, as quais deram, inclusive, origem a vários processos de natureza criminal, sendo incontáveis as denúncias públicas de suspeitas de favorecimento e de falseamento de resultados a favor e por parte do S....... . J. Ora, a democracia comunicativa requer, nas palavras de Jónatas Machado, "a criação de uma esfera de discurso público desinibida, robusta e amplamente aberta, onde possam ser livremente noticiados e debatidos todos os problemas políticos, económicos, sociais e culturais de interesse público", nos quais se englobam, logicamente, também os desportivos — cf. JÓNATAS MACHADO, "Liberdade de expressão, interesse público e figuras públicas e equiparadas", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 85, 2009, pág. 75. K Pelo que o âmbito normativo da liberdade de expressão "deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto (questões políticas, económicas, gastronómicas, astrológicas), e quaisquer que sejam as finalidades (influência da opinião pública, fins comerciais) e os critérios de valoração (verdade, justiça, beleza, racionais, emocionais, cognitivos, etc.)". L. Como vem sublinhando o TEDH, o único limite, fundado na proteção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor desprimorosos da personalidade do visado pela crítica é o da crítica caluniosa sob a forma de um "ataque pessoal gratuito". O que está longe de suceder in casu! M. Seguindo de perto o entendimento jurisprudencial e doutrinal dominante, os juízos de valor cairão fora da tipicidade das normas sancionatórias que tutelam a proteção do direito à honra e ao bom nome sempre que a liberdade de expressão não ultrapasse o âmbito da crítica objetiva — cf. entre outros, acórdão do STJ de 07-03-2007, proc. n.º 07P440, disponível em www.dgsi.pt. N. Devendo, pois, considerar-se como atípicos mesmo aqueles juízos que, como reflexo necessário da crítica objetiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto. O. Para além do mais, como vem entendendo o STJ, na esteira aberta pelo TEDH, tratando-se de juízos de valor exclui-se a prova da sua exatidão, pelo que, tudo está em saber se a emissão de juízos de valor tipicamente desmerecedores da honra de um terceiro se encontra ou não totalmente desprovida de base factual. P. Sob a perspetiva desta corrente jurisprudencial e doutrinal, os juízos de valor que possam qualificar-se como típicos sob o ponto de vista do crime de difamação só serão, portanto, penalmente ilícitos se não detiverem uma qualquer base factual que os suporte. Q. Mobilizando este parâmetro de aferição de ilicitude típica da infração p. e p. pelo art. 112.° do RD para as afirmações em apreço nos autos, terá de convir-se que as falhas de arbitragem grosseiras em que o árbitro B....... incorreu no jogo em apreço são por si só suficientes para que sobre ele pudesse ser lançado um juízo de suspeição nos termos em que o foi. R. Tinha, pois, a Recorrida base factual mais do que suficiente para criticar a prestação da arbitragem, em especial desse árbitro, nos termos duros em que o fez, não lhe podendo nessa medida ser atribuída qualquer responsabilidade disciplinar. S. De modo que, a conduta da Recorrida não consubstanciou a prática de qualquer crime, seja porque nem sequer assumiu relevo típico, seja porque (embora típica) não chegou a ser ilícita, uma vez que realizada no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão. T. Assim se impondo por isso a improcedência do presente recurso, mantendo-se in totum a decisão absolutória proferida — o que se requer com as devidas e legais consequências. * Cumpridos que estão neste tribunal superior os demais trâmites processuais, vem o recurso à conferência para o seu julgamento. * Delimitação do objeto da apelação - questões a decidir Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal a quo, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso. Esta alegação apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de Direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Assim, tudo visto, cumpre a este tribunal apreciar e resolver aqui o seguinte: -Erro de julgamento de direito quanto a não estar preenchido o tipo de ilícito disciplinar, à luz da Constituição, por que a autora foi condenada pela entidade administrativa. * II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – FACTOS PROVADOS A instância arbitral a quo fixou o seguinte quadro factual: a) No dia 7 de Abril de 2019, pelas 17h30, realizou-se no Estádio M……., em Santa M……, o jogo n.º ……, entre a Clube Desportiva F.......— F......, SAD e a S.......— F...... SAD, a contar para a 28.° jornada da "Liga NOS" (p. 10 do Acórdão de 14 de Maio de 2019 do Conselho de Disciplina); b) Para o referido jugo foi nomeado, como árbitro principal, J……., como árbitro assistente n.º 1, B……., como árbitro assistente n.º 2, N……., como 4° árbitro, P….. e como VAR B....... e como AVAR, A…… (p. 10 do Acórdão de 14 de Maio de 2019 do Conselho de Disciplina); c) Na sequência do sobredito jogo, no dia 8 de abril de 2019, na newsletter oficial do F...... — "D……-", foi publicado o seguinte texto: "Paixão Vermelha B....... teve uma carreira de árbitro recheada de decisões insustentáveis e, agora como VAR, segue a mesma lamentável tradição. Ontem, na feira, assinalou um penálti a favor do B...... depois de um toque tão levezinho que fez Pizzi cair em câmera (sic) lenta, mas fez vista grossa a dois lances na área do B......, um deles uma pisadela clara. Já no ano passado, também na F……, o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo sobre Marcano. Definitivamente, B....... parece ter um problema com a imparcialidade, o que pode e deve afastá-lo dos jogos que vão decidir o campeonato." (p. 13 do Acórdão de 14 de maio de 2019 do Conselho de Disciplina); d) Nos termos referidos no seu site oficial (www.fc.....pt), o Demandante disponibiliza, a todos os que a pretendam receber, uma newsletter denominada "D…….", acessível mediante subscrição gratuita no aludido site e remetida, por correio eletrónico, aos subscritores (p. 13 do Acórdão de 14 de maio de 2019 do Conselho de Disciplina); e) A newsletter "D……" é uma publicação disponibilizada gratuitamente através do site oficial do Demandante na internet, que é explorado pela referida SAD ou pelo F...... (Clube) diretamente ou por interposta pessoa, tendo veiculado as mencionadas declarações, visando o agente de arbitragem B......., a um vasto leque de destinatários, mais tendo tais declarações sido difundidas para o público em geral, através da imprensa desportiva (p. 14 do Acórdão de 14 de Maio de 2019 do Conselho de Disciplina); f) Por Acórdão de 14 de Maio de 2019 do Conselho de Disciplina foi a Demandante condenada por cometimento da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 112.°, n.ºs 1, 3 e 4 do RDLFPF 2018, punida com a sanção de multa fixada em 200 (duzentas) UC e, correspetivamente (aplicando o fator de ponderação de 0,75 estatuído no artigo 36.°, n.º 2, do RDLFPF 2018), em € 15.300,00 (quinze mil e trezentos euros) (p. 28 do Acórdão de 14 de Maio de 2019 do Conselho de Disciplina). * II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO Tendo presente o exposto, passemos agora à análise dos fundamentos do presente recurso. 1. A DECISÃO RECORRIDA O discurso fundamentador adotado pela maioria do colégio arbitral recorrido (já que há um voto de vencido; do árbitro indicado pela FPF) foi o seguinte: “A matéria factual suscita uma ponderação, a definir em concreto, entre liberdade de expressão (n.º 1 do artigo 37.° da Constituição) e direito ao bom nome e reputação (artigo 26.°, n.º 1, da Constituição). A conclusão que se alcança nesta ponderação resulta sempre subordinada, quer aos factos que suscitaram o conflito, quer aos argumentos justificativos da precedência de uma das normas conflituantes sobre a outra. Entre esses argumentos justificativos avultam, por exemplo, a valoração diferenciada dos interesses a prosseguir, no caso, por cada uma das normas conflituantes, e a utilidade dessa prossecução, bem como conexões entre quaisquer das normas em disputa e outras normas do ordenamento, ou ainda precedentes de decisões de órgãos de aplicação oficial do direito. A liberdade de expressão é condição necessária da independência decisória (moral agency), a qual, por sua vez, é coconstitutiva de urna democracia liberal. Há, portanto, que ter particular cuidado na restrição a este direito fundamental (restrição essa materializada, no caso, na tipificação e também interpretação de enunciados de normas sancionatórias), que deve seguir todos os critérios enunciados no artigo 18º, n.º 2, da Constituição. Nessa medida, adota-se o entendimento comum segundo o qual todas as restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas literalmente, sem qualquer ampliação oriunda de sistemas normativos distintos, como a moral, ou de critérios abstratos extra-normativos como, por exemplo, o "prestigio das competições". Esta orientação interpretativa serve, aliás, de norte para a densificação dos conceitos constantes do artigo 112.° do RDLFPF 2018 (no caso, "expressões, (...) escritos (...) injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com (...) árbitros (...) nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina"). Não se verificando in casu qualquer incitamento da parte do Demandante, releva para o escrutínio do acórdão posto em crise a primeira parte do 112.° do RDLFPF 2018. Como referido supra, está em causa a utilização de expressões como "Paixão vermelha", "...fez vista grossa a dois lances...", "...o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo ...", "..B....... parece ter um problema com parcialidade...". No acórdão do Conselho de Disciplina entendeu-se que: "aqui a(s) Arguida(s) ultrapassa(m) já a fronteira da crítica objetiva e entram em considerações e juízos de valor que são injuriosos e grosseiros, colocando em causa a idoneidade do visado agente de arbitragem para o exercício das respetivas funções, com isso abalando igualmente a credibilidade da competição, atento o papel fulcral que os agentes de arbitragem nela desempenham; efetivamente, analisadas na sua substancialidade, estas concretas afirmações das arguidas são inegavelmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol" (p. 23 do Acórdão de 14 de Maio de 2019 do Conselho de Disciplina). O entendimento adotado por este Colégio Arbitral é divergente, senão vejamos: Naturalmente que o contexto desportivo e a particular emotividade envolvida são elementos relevantes para a interpretação da conduta. Todavia, essa emotividade concorre para ambos os lados do argumento: se, por um lado, justifica uma maior latitude a conferir ás expressões utilizadas, por outro lado pode implicar maiores cautelas na medida em que essas expressões possam, segundo um juízo de prognose e certeza empírica, concorrer para uma danosidade social e, em último caso, violência. É relevante, no caso, levar em linha de conta se as expressões são (a) diretamente atentatórias do sujeito enquanto tal ou, em alternativa, (b) se ancoram num determinado desempenho (ou juízo valorativo sobre esse desempenho) que, independentemente da veracidade ou verosimilhança, sejam proferidas num contexto em que o emissor entenda, segundo padrões objetivos, ser o caso. Como é pacífico, o pensamento objeto da [liberdade de] expressão não tem de revestir certas características particulares, designadamente as da veracidade. Aqui chegados, torna-se claro que expressões como "...fez vista grossa a dois lances..." ou "...o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo..." se reportam muito mais a uma crítica sobre o desempenho desportivo do que propriamente visam o sujeito agente enquanto tal. Não se descortina qualquer fundamento jurídico-constitucional (ou mesmo infraconstitucional) que sustente a qualificação dessa conduta como ilícita. Aliás, o argumento do "prestígio da competição", se atendível estritamente a título auxiliar de outros direitos fundamentais contrapostos à liberdade de expressão (e dependendo dos casos), não pode redundar, em manifesta via de facto, como um elemento isolado de restrição de direitos fundamentais, aliás titulados por pessoas coletivas (clubes e SADs) nos termos do n.º 2 do artigo 12.° da Constituição. Já as expressões "Paixão Vermelha" e "parece ter um problema com a imparcialidade..." suscitam a este Colégio Arbitral uma análise mais detalhada. Importa aferir se visam diretamente o sujeito (agente desportivo) enquanto tal — as suas propriedades inatas — ou, diferentemente, o desempenho da respetiva função. O contexto da expressão "parece ter um problema com a imparcialidade..." não pode, porém, ser desligado do desempenho em causa (nem o título da publicação "Paixão Vermelha", que representa um play on words pouco adequado, mas não necessariamente ilícito em função dessa inadequação). Independentemente da avaliação do bom gosto, ou juízo de sensatez, a respeito da expressão utilizada publicamente — a liberdade de expressão compreende a faculdade prima facie de veicular ideias e expressões insensatas" —, não parece crível que, com estas expressões, se pretenda atacar diretamente o sujeito fora do contexto do seu desempenho. Na realidade, não se predica, com a conduta em causa, a propriedade da "parcialidade" ao sujeito (que, aliás, se afirma "parecer ter'), antes se utiliza a expressão visando o sujeito a pretexto do seu desempenho como VAR e no contexto em que o emissor crê haver verdade ou verosimilhança no substrato das suas afirmações. Por outras palavras, não se compreende a expressão "parece ter problemas com imparcialidade" sem o contexto do seu desempenho, precisamente o que alegadamente fundamenta o "parece ter". Adicionalmente, se o grau de certeza empírica sobre resultados socialmente danosos é um elemento relevante para a avaliação de expressões veiculadas no contexto desportivo (e.g., criação de clima de coação ou probabilidade de violência aumentada pela expressão utilizada), as expressões utilizadas em concreto não preenchem esse requisito — ou, pelo menos, não o preenchem de modo a que, num juízo de ponderação, a lesão do bom nome deva prevalecer sobre a faculdade de emitir juízos críticos sobre um determinado desempenho. Os tribunais portugueses, em quase duas dezenas de casos apreciados pelo TEDH, não têm conferido o devido peso aos interesses da liberdade de expressão, quando prima facie contrapostos à honra, o bom nome ou o segredo de justiça, circunstância que tem acarretado várias condenações do Estado Português. Existe, todavia, jurisprudência que tem acolhido o devido peso da liberdade de expressão (novamente, não um peso abstrato absoluto, mas um peso concreto relativo a aferir num juízo de ponderação considerando os interesses coenvolvidos), jurisprudência que, com maiores ou menores discordâncias metodológicas se acolhe na presente decisão. Assim, já o Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. 18/19.0BCLSB), em posição próxima da sustentada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sustentou o seguinte: "Entre a publicitação de uma opinião — direito que integra a liberdade de expressão — e a proteção dos bens pessoais ao bom nome e reputação de terceiros, há que fazer uma ponderação quando estes direitos entrem em conflito, devendo-se aferir em que moldes aquela opinião, pelas expressões que usa e pelas imputações que faz, ataca desproporcionadamente a honra e consideração desses terceiros. Nesta aferição há que ter em conta todo o contexto em que os direitos são exercidos para se encontrar o limite do razoável ou aceitável; (..)A imputação a equipas de arbitragem de certos jogos de futebol de um "roubar" de golos, associada à afirmação relativa à "cambada de ladrões", não integra uma infração disciplinar punível nos termos do art.° 136.°, n.º 1, do RD; (...) O art.° 136.°, n.º 1, do RD, deve ser interpretado e enquadrado atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelos que as expressões contantes daquele RD relativas ao "desrespeito", à "injúria", à "difamação" ou à "grosseria" terão, necessariamente, que ajustar-se àquela mesma realidade; (...) A afirmação do "roubar" de golos não pode ser tida como ofensiva da honra e consideração das pessoas que fazem parte das equipas de arbitragem, por ofender seriamente as suas qualidades morais e profissionais e lhes provocar uma real humilhação ou o desprezo de terceiros; Um discurso em clara oposição com uma dada arbitragem, que se apresenta como uma opinião pessoal, subjetiva, suportada pela invocação de diversos factos que, na ótica do declarante, apontam para aquela mesma opinião, não é um discurso objetivamente difamatório, por se pretender apenas denegrir a imagem e a honra do árbitro, sem qualquer base factual e apreensível. O TEDH vem defendendo que, quando estão em causa questões de interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas, ou com uma atuação escrutinada por uma massa de pessoas, como ocorre com a atuação de um árbitro de futebol, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo. Por seu turno, estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta — face ao direito à liberdade de expressão, que está a ser exercido — há que aferir-se atendendo aos factos de que se detém conhecimento e que estão na base dos juízos que se formulam. O TEDH tem também defendido que só em face da inexistência de factos, as afirmações produzidas podem ser consideradas delituosas, porque difamatórias. O TEDH também vem distinguindo afirmações puramente factuais — que exige alicerçadas em factos concretos— da manifestação de meras opiniões ou de juízos subjetivos, que aceita que não tenham por base uma prova real, existente, que confirme a sua verdade ou veracidade, por se entender que tal exigência aniquilaria a própria liberdade de expressão; Neste contexto jurisprudencial, um discurso alicerçado na invocação de diversos factos, que, na perspetiva do declarante, justificam as suas suspeitas e imputações, é um discurso suportado numa base factual mínima, que ainda que possa não corresponder a factos realmente provados, concede ao declarante fundamento bastante para que, em boa fé, acredite nas afirmações que produz. Nestes termos, entende-se que não foi cometida a infração disciplinar p. e p. no artigo 112.°, n.ºs 1, 3 e 4 do RDLFPF 2018, em virtude de estar em causa um juízo crítico sobre o desempenho desportivo que é reconduzível ao exercício legítimo da liberdade de expressão do Demandante, consagrada no artigo 37.° e por aquele titulado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.°, ambos da Constituição.“ 2. JURISPRUDÊNCIA ANTERIOR Vamos começar por plasmar aqui parte de um acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul. Assim, no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 04-10-2018, P. nº 66/18…, escreveu-se o seguinte: “2.5. Invoca ainda a recorrente que o teor dos tweets não é injurioso, difamatório ou grosseiro (incluindo a referência a “A…….”), o que seria, aliás, confirmado pelas decisões favoráveis do TAD nos seus processos nº 1…/2016 (vd. p. 33 da alegação de recurso) e nº 5…/2016-17, referentes a outrem, decisões essas diferentes da decisão ora recorrida (cf. artigos 26º/130 e 37º/31 CRP, ética desportiva, lealdade, probidade). Apreciemos. Sem prejuízo do expendido no nº 2.2. e sem prejuízo do cit. processo do TAD com o nº 1…/2016, que não resultou em condenação disciplinar (vd., porém. A p. 33 da alegação de recurso da S.... SAD), também consideramos que as expressões cits., não divulgados pelo S.... SAD nem pelas entidades referidas no nº 3 do artigo 112º cit., não têm a dimensão suficiente para serem censuradas. Parece-nos que elas não igualizam o caso concreto à corrupção do “A......”, antes dizem – apenas - que foi a pior arbitragem desde a época do “A......”, uma “vergonha” (s….). Ora, deduzir daqui a referência à corrupção (aspeto essencial na decisão recorrida) é ir longe de mais, é policiar e supor, s.m.j., esquecendo (1º) o contexto português habitual do futebol profissional português (com crítica e indignação continuadas) e (2º) que há conexão objetiva suficiente com a arbitragem em questão. Isto, especialmente, na delicada matéria abordada pelo cit. artigo 37º/1 da CRP. “. No Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 07-02-2019, P. nº 85/18…, escreveu-se o seguinte: “2.1. Em síntese, a entidade jusarbitral recorrida, na sua deliberação jusarbitral, invocando o que chamou de “jurisprudência” do “T.A.D.”, considerou haver nas declarações públicas do ora recorrente uma ofensa à honra e reputação dos citados árbitros de futebol [cf. artigo 26º-1 da CRP e artigos 112º-1-4 e 136º-1 do RD/LPFP]. Tal como considerara o ato administrativo impugnado [“acórdão” do C.D./F.P.F., segundo a respetiva linguagem]. Ou seja, considerou que o ora recorrente, com aquelas declarações a jornais [cf. factos B e C], difamou os cits. árbitros, violando o RD. E que tal ofensa ou difamação – num sentido não penal – não caberia simplesmente no direito à crítica, antes sendo um exercício ilícito ou desequilibrado da liberdade de expressão [cf. artigo 37º-1-2 da CRP e artigos 112º-1-4 e 136º-1 do cit. RD], com afetação negativa relevante do bom nome e reputação dos cits. árbitros de futebol. É que o arguido, com aquelas declarações a jornais [cf. os factos provados B e C], teria posto em causa a seriedade e honestidade dos cits. árbitros de futebol, ao fazer a cit. relação ou associação com o caso A...... e ao aludir a uma suspeita de alteração do relatório do jogo por parte de um dos árbitros. E não relevaria a favor do arguido o facto de os árbitros de futebol cits. serem figuras públicas. Traduzindo a decisão arbitral colegial recorrida segundo a linguagem da metódica dos direitos fundamentais, temos o seguinte: o arguido-autor-recorrente exercitou o seu direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento de um modo que afetou ou atingiu o direito fundamental dos cits. árbitros ao bom nome, honra e reputação; tal concreto exercício foi desproporcionado ou exagerado em desfavor do direito fundamental dos cits. árbitros ao bom nome, honra e reputação e, portanto, inconstitucional e ilegal [neste último ponto, com referência aos cits. artigos do RD/LPFP; v. ainda o artigo 70º-1 do CC]. Será assim? 2.2. Preliminarmente e ao contrário do que parece ocorrer na decisão arbitral recorrida, devemos sublinhar que, na análise jurídica de um exercício concreto do direito fundamental à liberdade de expressão eventualmente colidente com outro direito fundamental, não se deve atender, logo à partida, a algo que só interessa a final: a teleologia infraconstitucional – portanto, abaixo do tema dos direitos fundamentais – das disposições legais de natureza administrativa disciplinar eventualmente violadas. Sob pena de se minar o raciocínio metódico-jurídico, que é especialmente importante quando pareça estar em questão uma colisão entre direitos fundamentais. 2.3. Como referido no ato administrativo impugnado e na decisão arbitral recorrida, estão em causa, sobretudo, os direitos fundamentais previstos nos cits. artigos 26º-1 e 37º-1-2 da CRP: Artigo 26º-1: “A todos são reconhecidos os direitos (…) ao bom nome e reputação (...)”; Artigo 37º-1-2: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, (…), sem impedimentos nem discriminações. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.” Além disso, relevaram os cits. artigos 112º-1 e 136º-1 do RD/LPFP, normas meramente administrativas, que, como tal, não podem afrontar minimamente a CRP: Artigo 112º-1: “O clube que desrespeite ou use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com os órgãos da Liga ou da Federação Portuguesa de Futebol, respetivos titulares, árbitros, dirigentes e demais agentes desportivos, em virtude do exercício das suas funções, são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 250 UC”; Artigo 136º-1: “Os dirigentes que praticarem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra os membros dos órgãos da estrutura desportiva, elementos da equipa de arbitragem, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espetadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de um ano e, acessoriamente, com a sanção de multa a fixar entre um mínimo de 25 UC e o máximo de 200 UC”. 2.4. O efetivo “controlo de proporcionalidade, ou melhor, de desproporcionalidade” não é simplesmente identificável com a chamada “metodologia da ponderação de bens jurídicos”; esta, a ponderação ou sopesamento de direitos ou princípios colidentes, não é a mesma coisa do que controlar a desproporcionalidade das medidas que interfiram com bens ou princípios jurídicos colidentes [cf. assim JORGE REIS NOVAIS, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional, AAFDL Edit., 2017, Parte III, maxime pp. 248 ss]. Sobre a chamada “metodologia da ponderação de bens jurídicos”, adota-se a doutrina de E. GRABITZ, hoje um lugar-comum, decorrente da jurisprudência alemã dos anos 1950 a 1990, e na prática aceite quase acriticamente há décadas, entre nós, como está sumariada a pp. 249-250, nota de rodapé nº 242, da cit. obra de JORGE REIS NOVAIS: (1º) quanto maior for a intensidade da restrição, mais significativos devem ser os valores comunitários que a justificam; (2º) quanto maior for o peso e a premência de realização do interesse comunitário que justifica a restrição, mais intensa ela pode ser; (3º) quanto mais diretamente forem afetadas manifestações elementares da liberdade individual, mais exigentes devem ser as razoes comunitárias que fundamentam a restrição. Esta metodologia da ponderação de bens jurídicos colidentes utiliza sucessivamente os três exames próprios da metódica da proporcionalidade no primeiro momento da apreciação judicial dos bens em causa. Pode, assim, designar-se “mera ponderação de bens jurídicos colidentes, com recurso à ideia de proporcionalidade em sentido amplo”. Na verdade, a ponderação de bens jurídicos fundamentais, como método, pouco controla efetivamente ou pouco limita de um modo jurídico e jurisdicional. E daí que, a montante do heterocontrolo, no âmbito legiferante, a ideia de otimização dos direitos fundamentais – comandos a otimizar no caso concreto [ALEXY] – tenha, na verdade, uma mera função autorregulativa do decisor legislativo, bastando o cumprimento racional dos três segmentos ou testes da máxima metódica da proporcionalidade em sentido amplo [VITALINO CANAS, in O Princípio da Proibição do Excesso na Conformação e no Controlo de Atos Legislativos, 2017, pp. 1156-1157 e 1169]. 2.5. Diferentemente, o controlo da desproporcionalidade propriamente dito, o estrito, a propósito de uma medida legislativa ou a propósito de uma medida administrativa, ou ainda a propósito de uma atuação particular correspondente ao exercício de um direito fundamental, coincide, em regra, não com uma “concordância prática ou harmonização” à semelhança do que ocorre com o artigo 335º do CC, mas, sim, com uma análise e ou comparação sopesante de medidas ou atuações que afetem direitos fundamentais ou direitos subjetivos públicos [cf. M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, pp. 457 ss; J. REIS NOVAIS, ob. e pp. cits.; PAULO OTERO, Manual de D. Admin., I, 2013, pp. 432 ss, maxime pp. 443-449; VITALINO CANAS, ob. cit., p. 1164, conclusões nº 46 a 48]. Essa análise ou comparação sopesante atua após a ponderação [abstrata] dos bens, interesses ou valores jurídicos afetados; isto é, o controlo estrito da desproporcionalidade opera, com real utilidade, a propósito da medida ou atividade concreta pertinente relativamente à colisão entre diferentes bens jurídicos fundamentais sujeitos a interferências ou limitações. Neste segundo momento, que pode ser designado como “controlo estrito da desproporcionalidade de uma medida concreta relativa a bens jurídicos fundamentais colidentes”, onde ocorre uma verdadeira aplicação do postulado aplicativo da proporcionalidade, há já uma grande efetividade no controlo feito sobre a admissibilidade constitucional da medida ou atividade concreta que afete direitos ou bens fundamentais. Acaba, após uma efetiva atuação autónoma dos três exames ínsitos na metódica da proporcionalidade quanto ao “como” da interferência [aptidão; indispensabilidade; e equilíbrio ou razoabilidade[1] ou proibição do excesso], a decidir sobre a prevalência em concreto de um dos direitos em colisão, afastando a relevância do outro nesse caso concreto. Essa diferença entre a “mera ponderação de bens colidentes” [ainda que com recurso à ideia da proporcionalidade jurídica] e o “controlo de desproporcionalidade de uma ou mais atuações interferentes em vários bens colidentes entre si” [com recurso ao sopesamento das atuações interferentes, utilizando com utilidade cada um dos três testes do postulado aplicativo da proporcionalidade], na verdade e ao contrário do que parece ser entendimento de REIS NOVAIS [ob. cit., p. 249], não é ignorada por R. ALEXY a propósito das limitações legislativas impostas a direitos fundamentais, como se pode ver em “A construção dos direitos fundamentais”, in Direito § Política, nº 6, Loures, 2014, pp. 38 ss, e em “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, in O Direito, 146º, IV, Lisboa, 2014, pp. 817 ss, bem como nas ali abordadas duas “leis da ponderação” e duas “fórmulas do peso”. Mas, aqui, no presente processo, estamos em sede de “controlo de desproporcionalidade de uma ou mais atuações interferentes em vários bens colidentes entre si” [com recurso ao sopesamento das atuações interferentes, utilizando com utilidade cada um dos três testes do postulado aplicativo da proporcionalidade]. Note-se que falamos sempre de controlo da “desproporcionalidade” e não da “proporcionalidade”. 2.6. Por outro lado, consideramos, talvez contra a prática ou mesmo contra a teoria comum, que a “fiscalização jurisdicional da desproporcionalidade no exercício da função administrativa” é e deve ser de amplitude normal, ou seja, mais intensa do que a “fiscalização jurisdicional da desproporcionalidade no exercício da função legislativa”. Trata-se de, quanto ao “dever de não desproporcionalidade na função administrativa”, os tribunais administrativos, com referência (i) ao artigo 7º do CPA e (ii) aos artigos 266º e 268º-4 da CRP, invalidarem todas as decisões administrativas que sejam excessivas ou desproporcionadas, independentemente da sua natureza manifesta ou não manifesta; logicamente sem que o tribunal possa proceder a escolhas administrativas - cf. assim MÁRIO AROSO, Teoria Geral do Direito Administrativo, 5ª ed., pp. 87-88 e pp. 92-98. Quer dizer, o juiz administrativo deve concluir pela ilegalidade de uma qualquer medida ou atuação que seja, racional e fundamentadamente, desproporcionada entre os termos da comparação; o que, ainda assim, é diferente, de o juiz poder exigir – positivamente – o proporcional ou o ótimo; isto o juiz não pode fazer, por causa do princípio estruturante da divisão das funções ou poderes do Estado. Quer dizer: aqui, a metódica da proporcionalidade implica que o juiz administrativo invalide aquilo que for desproporcionado no caso concreto, sem recurso à autocontenção ou à ideia de desproporção manifesta ou notória, mas já não o que não seja ótimo. De menor intensidade, por razões amplamente conhecidas, é a “fiscalização jurisdicional da desproporcionalidade constitucional das leis”, uma vez que a fiscalização da constitucionalidade à luz da máxima metódica da proporcionalidade se guia apenas (i) pela Constituição e (ii) pelo princípio constitucional estruturante da separação de poderes [cf. assim, por ex., VITALINO CANAS, O Princípio da Proibição do Excesso na Conformação e no Controlo de Atos Legislativos, 2017, pp. 1141-1157], e não, como se passa na “fiscalização da atividade de administração pública”, pelo central princípio de que a lei infraconstitucional é o pressuposto, o fundamento e o limite das atividades de administração pública. Com efeito, as normas constitucionais ou legalmente reforçadas que parametrizam a função legislativa são normalmente mais abertas e imprecisas do que as que parametrizam a função administrativa; ao que acresce que o autor da decisão legislativa tem, normalmente, legitimidade democrática direta, mas o autor da decisão administrativa não a tem normalmente. Haverá, enfim, desrespeito pelo “´princípio´ da juridicidade administrativa” se a concreta tutela jurisdicional efetiva ficar à porta da desproporcionalidade administrativa, mesmo não manifesta, isto é, se a tutela jurisdicional efetiva parar à porta da desproporcionalidade apurada através do exercício regular ou típico da função jurisdicional ante a função administrativa do Estado. O único limite imanente à fiscalização jurisdicional administrativa regular da desproporcionalidade administrativa é, sublinhe-se de novo, o princípio da divisão das funções soberanas do Estado, vulgo separação de poderes. Ou seja, o de que, tal como o juiz constitucional face às leis, o juiz administrativo de um Estado democrático de Direito não pode invalidar as atuações administrativas não ótimas no âmbito dos direitos fundamentais. Mas, ao contrário do juiz constitucional – porque limitado imediatamente pela legitimidade democrática direta do legislador e pelo tipo de linguagem da lei fundamental - o juiz administrativo pode e deve invalidar condutas de administração pública que, sendo desproporcionadas, não o sejam de modo notório ou manifesto. 2.7. O artigo 26º-1 da CRP prevê 9 direitos de personalidade [cf. Ac.TC nº 110/95]. Releva aqui o direito ao bom nome e reputação, o direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social. O artigo 37º-1-2 da CRP protege, i.a., o direito de cada pessoa exprimir livremente as suas ideias e opiniões, independentemente de um dever de verdade [cf. GOMES CANOTILHO/V.M., CRP Anotada, 4ª ed., I, p. 572]. 2.8. Aqui chegados, vamos aos factos provados. 2.8.1. O ora recorrente afirmou, a propósito de concretas situações identificadas no probatório, que: (afirmação 1) - «Nem no tempo Apito Dourado do existe memória de uma semana tão negativa e com decisões tão escandalosas com reflexos diretos nos resultados como esta semana.»; (afirmação 2) - «Os sinais são muito preocupantes, há decisões e escolhas lamentáveis e pouco cuidadosas de árbitros e vídeo-árbitros, relatórios que colocam em causa a veracidade dos mesmos, tudo perante uma grande inércia das estruturas de decisão do futebol»; (afirmação 3, igual à 2) - «Sinais muito preocupantes com escolhas lamentáveis e pouco cuidadosas de árbitros e vídeo-árbitros, com relatórios que põem em causa a veracidade dos mesmos». Não há dúvidas de que estas afirmações cabem perfeitamente no previsto no cit. artigo 37º-1-2 da CRP: liberdade de expressão do pensamento. Resta saber se interferem com o direito previsto no artigo 26º-1 da CRP, tendo ainda presente os cits. artigos do regulamento disciplinar citado. A afirmação 1 significa que “esta semana de arbitragem” foi mais negativa do que na época do “caso A......” [processo judiciário de inquérito a propósito de corrupção de árbitros de futebol profissional pelo F…… , sem quaisquer condenações no seio deste clube] – 1ª interpretação. Também significa que estas “atuais” arbitragens de Futebol foram mais “escandalosas” do que naquela época do F...... português – 2ª interpretação. A afirmação 2, tal como a 3, aliás muito pouco claras, significam: 1) que o arguido discorda das escolhas de árbitros e vídeo-árbitros - 3ª interpretação; 2) que um dos sinais que o arguido considera preocupantes é o facto – não falso – de haver relatórios [de árbitros] que parece não serem fidedignos - 4ª interpretação. 2.8.2. Antes de prosseguirmos, passemos ao contexto relevado pela entidade administrativa e pela entidade jusarbitral: (i) uma relação ou associação com o caso A...... e (ii) uma alusão a uma suspeita de alteração do relatório do jogo por parte de um dos árbitros. Ora, não existe qualquer relação, melhor “associação” a casos de corrupção, aliás não provados. Esta associação – que teria sido feita pelo arguido - de um ambiente passado de corrupção com uma atual “semana … negativa” e com atuais “decisões … escandalosas” é uma suposição e conclusão exagerada, injustificada e “policiadora”. O arguido não colocou em causa a seriedade e honestidade dos cits. árbitros de futubol. 2.8.3. Simplificando as cits. 1ª e 2ª interpretações que fizemos, sem supor ou deduzir: o arguido disse (i) que esta semana de arbitragem foi mais negativa do que no tempo em que havia rumores de corrupção e (ii) que estas decisões de arbitragem foram mais escandalosas do que nesse tempo. Aquela primeira afirmação não atinge qualquer direito de personalidade dos árbitros, cabendo perfeitamente, sem colisões com outros direitos, na liberdade fundamental de expressão e crítica. A segunda afirmação [“escandalosas”], também não contendo imputações de corrupção, cabe igualmente no direito fundamental consagrado no artigo 37º-1-2 da CRP e não interfere com o direito consagrado no artigo 26º-1 da CRP. É verdade que o arguido não se limitou a dizer que os árbitros erraram, mas que o exercício da arbitragem de futebol concreta foi “escandaloso”, o que significa que se cometeu vários ou muitos erros graves ou chocantes. Mas, imputar a um “juiz” de futebol ou a um juiz de direito ou a um jusárbitro uma decisão como sendo grave, escandalosa ou chocante interfere de modo relevante no direito fundamental ao bom nome, honra e reputação de tal “juiz” de futebol, juiz de direito ou jusárbitro? Não. Significa apenas que quem discorda ou critica está a discordar muito, que pensa que as decisões do “juiz” de futebol ou do juiz de direito ou do jusárbitro são extraordinariamente erradas. Portanto, também aqui estamos no lícito exercício da liberdade fundamental de expressão e crítica. E sem interferir com o direito consagrado no artigo 26º-1 da CRP. Passemos agora às afirmações nº 2 e nº 3, e às 3ª e 4ª interpretações cits. O arguido discorda das escolhas de árbitros e vídeo-árbitros. Nada mais normal. Por outro lado, um dos sinais que o arguido considera preocupantes é o facto – não falso – de haver relatórios [de árbitros] que parece não serem fidedignos. É que foi divulgado na imprensa desportiva do dia 13/04/2018 que, por causa do teor do relatório subscrito pelo árbitro J……. relativo ao jogo entre as equipas da Clube Desportivo de T….. - F......, SAD e da S…. - F......, SAD, fora instaurado processo disciplinar àquele árbitro (fls. 120 dos autos do processo disciplinar) – cf. facto H. Portanto, neste contexto objetivo, real e público, a afirmação do arguido – “sinais preocupantes” - também não é uma imputação de uma ilegalidade ou de uma conduta incorreta e ilegal ao árbitro, mas sim o considerar o facto H um sinal preocupante. Nada mais natural e normal, especialmente num dirigente desportivo. E nada o poderia ou pode impedir de o afirmar daquela maneira, a qual, repete-se, nada de ofensivo imputou ao árbitro. O arguido não colocou em causa a seriedade e honestidade dos cits. árbitros de futebol. Pelo que o arguido, ora recorrente, não afetou o direito previsto no artigo 26º-1 da CRP e exerceu em termos não desproporcionais o direito previsto no artigo 37º-1-2 da CRP. E também não violou o RD/LPFP, interpretado sob a égide dos artigos 18º, 26º e 37º da CRP e do artigo 9º do CC. 2.9. Enfim, não compete (i) nem a Administração Publica [C.D.], (ii) nem à arbitragem jurídica de Direito desportivo forçada ou “necessária” [T.A.D.], (iii) nem aos tribunais previstos nos artigos 110º e 212º da CRP (1) policiar, (2) supor, (3) deduzir em sede de “climas de suspeições” ou (4) opinar sobre o teor do exercício da liberdade de expressão do pensamento e da opinião dos cidadãos. Por outro lado, quando o objeto da crítica são decisões de figuras públicas ou, mesmo, de tribunais, o direito fundamental de liberdade de expressão só pode ser constrangido, segundo o TEDH e os nossos tribunais superiores, em casos objetivamente claros e graves de afronta a outros direitos fundamentais. No caso presente, isso não ocorreu. Nenhuma das afirmações do arguido interfere com o direito previsto no artigo 26º-1 da CRP. Cf. também assim o Ac. deste TCA Sul de 04-10-2018, p. nº 66/18.7. E, ainda que interferisse, seria num grau muito leve quando comparado com a alternativa de o arguido estar calado a propósito das mesmas questões, em constrição – que seria de intensidade média ou alta - do direito previsto no artigo 37º-1-2 da CRP; ou seja, haveria desproporcionalidade se entendêssemos como entenderam o CD/FPF e o TAD, porque não haveria desproporcionalidade na concreta relação comparativa entre os direitos em aparente colisão no caso concreto. Portanto, o ato administrativo colegial do CD/FPF, sindicado pela arbitragem jurídica forçada, aqui recorrida, é ilegal e anulável [cf. artigo 163º-1-2 do CPA].”. Renovamos aqui o espírito de tais textos. Mas continuemos. 3. O CASO PRESENTE Como vimos, a decisão arbitral recorrida considerou, em síntese, que não foi cometida a infração disciplinar p. e p. no artigo 112.°, n.ºs 1, 3 e 4 do RDLFPF-2018, em virtude de estar em causa um juízo crítico sobre o desempenho desportivo que é reconduzível ao exercício legítimo da liberdade de expressão do Demandante, consagrada no artigo 37.° e por aquele titulado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.°, ambos da Constituição. Para o TAD, as afirmações em causa assentaram numa análise e crítica a desempenhos do VAR em questão. Por isso, nunca visaram apenas a pessoa daquele. Em consequência, integram-se no legítimo exercício do direito fundamental de liberdade de expressão, sem abalar autonomamente os direitos de personalidade do VAR. Segundo a recorrente, o conflito de interesses não é, em bom rigor, entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome dos visados, mas sim entre (i) a liberdade de expressão e (ii) a proteção das competições desportivas, da ética e do respeito entre agentes desportivos. E acrescenta: “Dizer que os árbitros do jogo tiveram um fraco desempenho ou que cometeram erros é uma coisa (sejam quais forem as expressões utilizadas, mais ou menos contundentes desde que não infrinjam deveres de correção e urbanidade, naturalmente). Dizer que o árbitro cometeu erros propositadamente em desfavor de uma das equipas ou sequer insinuar tal falta de isenção e imparcialidade, é outra bem diferente.” Vejamos. O cit. artigo 112º do RDLFPF-2018 tem de ser interpretado, como é normal, de acordo com o artigo 9º do Código Civil, que nos remete para a unidade do sistema jurídico, sistema que é encimado pela Constituição, onde avultam os artigos 17º, 18º e 37º. Assim, quando o CD/FPF ou o TAD analisem este tipo de questões e apliquem o artigo 9º do Código Civil ao cit. artigo 112º devem ter presentes que um dos critérios que resulta do artigo 9º/1 do Código Civil é a “interpretação orientada pela Constituição” no âmbito do elemento sistemático da interpretação jurídica de fontes de Direito e sob a égide dos artigos 17º, 18º e 112º da Constituição.[2] Veremos que foi isso que o TAD fez, mas que não foi isso que o órgão administrativo CD/FPF fez, ao emitir o ato administrativo sindicado pelo TAD. Nas situações de colisão de direitos fundamentais em caso concreto (G. Canotilho fala também em “concorrência de direitos fundamentais”[3]), o que ocorre na maior parte dos casos é o uso da metodologia da ponderação expressa e racional e a aplicação expressa e racional do critério da proporcionalidade, podendo chegar-se à conclusão de que um dos direitos ou interesses tem de ceder totalmente perante o outro (cf. assim J. MELO ALEXANDRINO, Direitos Fundamentais-Introdução Geral, 2ª ed., Principia, 2011, p. 127; P. PEREIRA GOUVEIA, “O método e o juiz da intimação…”, in O Direito, 145º, 2013, I-II, nº 2.2 e 2.5; J. REIS NOVAIS, Direitos Fundamentais Justiça Constitucional, AAFDL Edit., 2017, pp. 76 e 79-80, e Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares, 2018, p. 192 e 207-210; G. CANOTILHO, Direito Constitucional e…, 7ª ed., p. 1241). Ora, é verdade que foi afirmado que o árbitro cit. “fez vista grossa a dois lances na área do B......, um deles uma pisadela clara. Já no ano passado, também na Feira, o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo sobre Marcano. Definitivamente, B....... parece ter um problema com a imparcialidade”. Disse-se, por outras palavras, que (1º) este árbitro não viu três irregularidades claras e que, por isso, (2º) tem um problema com a imparcialidade. O que ali foi dito constitui, assim, um juízo opinativo e valorativo, ainda que talvez superficial e desagradável, sobre factos de jogos de futebol. Desse juízo opinativo sobre factos de um mero jogo de futebol e sobre um desempenho público resultou a afirmação de que o árbitro não viu algo que seria muito claro, uma conduta desportiva irregular. E daí decorreu a afirmação de que “parece que o VAR tem um problema com a imparcialidade”. Não se diz sequer, ali, que este árbitro/VAR é ou foi dolosamente parcial. Como se vê e foi referido pelo TAD, o modo mais agressivo ou talvez grosseiro como foi aqui exercitada a liberdade de expressão assentou em juízos opinativos sobre factos (o essencial da liberdade de expressão) e não apenas sobre a personalidade. Aliás, como este Tribunal Central Administrativo Sul já referiu num dos arestos acima identificados, pense-se numa crítica pública a um certo juiz de direito que profere determinada sentença. Neste tipo de situação, não é proibido, como se sabe e ocorre, que um cidadão discorde da sentença e seus pressupostos de facto e que, por isso (!), diga publicamente que o juiz de direito foi parcial, que decidiu assim por ser racista, machista, feminista, sexista ou incompetente. Com efeito, o TEDH vem defendendo que, quando estão em causa questões de interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas, ou com uma atuação escrutinada por uma massa de pessoas, como ocorre com a atuação de um árbitro de futebol, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo. Por seu turno, estando em causa juízos de opinião, a aferição da desproporcionalidade da conduta — face ao direito à liberdade de expressão, que está a ser exercido —atende aos factos de que se detém conhecimento e que estão na base dos juízos que se formulam. O TEDH tem também defendido que só em face da inexistência de factos, as afirmações produzidas podem ser consideradas delituosas, porque difamatórias. O TEDH também vem distinguindo afirmações puramente factuais — que exige alicerçadas em factos concretos— da manifestação de meras opiniões ou de juízos subjetivos, que aceita que não tenham por base uma prova real, existente, que confirme a sua verdade ou veracidade, por se entender que tal exigência aniquilaria a própria liberdade de expressão. Neste contexto, um discurso alicerçado na invocação de alguns factos, que, na perspetiva do declarante, justificam as suas suspeitas e imputações, é um discurso suportado numa base factual mínima, que ainda que possa não corresponder a factos realmente provados, concede ao declarante fundamento bastante para que, em boa fé, acredite nas afirmações – deselegantes ou não - que produz. É o caso presente. Concluímos, pois, que as afirmações do arguido, feitas no exercício do direito fundamental previsto no artigo 37º da Constituição, interferem com uma intensidade muito leve no direito fundamental previsto no artigo 26º/1 da Constituição, ao passo que considerar tais afirmações violadoras do artigo 112.°/1/3/4 do RDLFPF-2018 e do artigo 26º/1 da Constituição seria aceitar uma constrição grave ou muito séria no direito fundamental previsto no cit. artigo 37º da Constituição, assim violando o artigo 18º da Constituição e a máxima metódica da proporcionalidade (utiliza-se aqui a ”métrica” ponderativa de ALEXY: “A construção dos direitos fundamentais”, trad. de P. Pereira Gouveia, in revista Direito & Política, Dir. Paulo Otero, nº 6, 2014, ponto 5, e “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, trad. de P. Pereira Gouveia, in revista O Direito, Dir. Jorge Miranda, 146º, 2014, pp. 822-825). Na verdade, considerar tais afirmações violadoras do artigo 112.° do RDLFPF-2018 implicaria, implica, uma incorreta interpretação jurídica do artigo 112º cit., alheia (i) aos artigos 37º e 18º da Constituição e (ii) à metodologia concretizadora dos direitos fundamentais em concretas colisões desses mesmos direitos, a qual deve orientar o interprete das normas infraconstitucionais que pretendam concretizar os artigos 37º ou 26º da Constituição (cf. ainda os artigos 112º da Constituição e 9º do Código Civil). Portanto, ao não entender assim, o ato administrativo do CD/FPF errou, como bem decidiu o TAD. Finalmente, quanto ao suposto bem jurídico protegido, segundo a FPF, “a proteção das competições desportivas, da ética e do respeito entre agentes desportivos”, o que nos parece é que se trata apenas de uma das razões de ser ou objetivos do RD/FPF. E não de um bem jurídico fundamental que esteja no nível ou grau de possibilidade de colisão com o direito fundamental previsto no artigo 37º da Constituição. * III - DECISÃO Nestes termos e ao abrigo do artigo 202.º da Constituição e do artigo 1.º, nº 1, do EMJ (ex vi artigo 57.º do ETAF), os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso e assim confirmar a decisão arbitral. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 30-01-2020 Paulo H. Pereira Gouveia - Relator
Catarina Jarmela
Paula de Ferreirinha Loureiro
[1] Sobre esta não autonomia da razoabilidade face à proporcionalidade, concorda-se com VITALINO CANAS, in O Princípio da Proibição do Excesso na Conformação e no Controlo de Atos Legislativos, 2017, pp. 1077 ss. [2] Pode ver-se um exemplo da correta aplicação desta opinião em PEDRO F. SANCHEZ, “Código dos Contratos Públicos e Constituição:…”, in A Constituição e a Administração Pública, Lisboa, AAFDL Edit., 2018, p. 61. [3] Cf. Direito Constitucional e …, 7ª ed., pp. 1268 e 1270. |