Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08690/15
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:ARRESTO/REMIÇÃO/ANULAÇÃO DE VENDA/ANALOGIA/NORMAS EXCEPCIONAIS
Sumário:
I – O direito de remição assenta em dois elementos fundamentais: (i) a adjudicação ou venda de bens e (ii) a qualidade jurídica do titular do respectivo direito decorrente do casamento ou do parentesco que se comporte nas designações de "descendentes ou ascendentes". O arresto de bens do remidor assenta em quatro elementos fundamentais: (i) validade da adjudicação ou venda dos bens; (ii) exercício legitimo do direito de remição; (iii) deferimento/reconhecimento desse direito e (iv) falta de depósito do preço no prazo legalmente devido.
II – Sendo inquestionável a existência de uma relação de dependência entre a validade da venda e o exercício do direito de remição, enquanto estiver pendente de apreciação pedido de anulação da venda não existe fundamento para que seja exigido ao remidor o pagamento do preço e, consequentemente, para que se arrestem bens para garantir ou efectivar esse pagamento, sem prejuízo de, sendo julgada válida a venda questionada, essa obrigação de pagamento lhe poder ser exigida.
III – A aplicação analógica de uma norma constitui um fundamento jurídico de decisão a que o julgador apenas pode recorrer nas situações não expressamente previstas ou reguladas e desde que a norma a aplicar analogicamente não possua natureza excepcional (cfr. artigos 10.º e 11.º do Código Civil)
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I – Relatório

A Fazenda Pública intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 825.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, providência cautelar de arresto contra João…………………….. (devidamente identificado a fls. 2 dos autos), pedindo o arresto de metade indivisa do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …….., sito na Rua …………, n°…, em ……………….., Montes de Alvor - Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n°………………...

Como fundamento da sua pretensão, alegou que após ter sido realizada venda de um imóvel em sede de execução fiscal (venda judicial n°……………….) e aí se ter procedido à adjudicação do bem, veio a ser formulado pedido de anulação dessa venda pela adjudicatária; que o Requerido exerceu o direito de remição, que lhe foi deferido, sem contudo até hoje ter procedido ao depósito do preço sendo que, por requerimento de 12 de Fevereiro solicitou prorrogação do prazo de depósito do preço por entretanto ter tido conhecimento do pedido de anulação da venda e por, face ao tempo entretanto decorrido, ter procedido à aplicação do capital então disponível para outros fins.

A Magistrada do Ministério Público em 1ª instância pronunciou-se no sentido do deferimento do arresto defendendo estarem verificados todos os requisitos para o efeito: “o não cumprimento culposo do preço do bem remido e têm subjacente o receio de não satisfação das responsabilidades pecuniárias daí decorrentes", para além de que "in casu, o requerido solicitou uma prorrogação do prazo para efectuar o depósito mas o pedido foi-lhe indeferido e conformou-se com essa decisão".

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a providência cautelar foi julgada improcedente.

Inconformada com essa decisão, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões:

«a) A questão a dirimir é: estão ou não preenchidos os requisitos legais para o decretamento do arresto?

b) O pedido de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a existência do crédito e o receio fundado de diminuição da garantia da cobrança de créditos fiscais - cfr. artºs 136° n°1 al. a) e b) e 214° n°1 ambos do CPPT;

c) À falta de depósito do preço pelo remidor são aplicáveis as normas relativas aos proponentes ou preferentes faltosos, - cfr. art° 256° n°1 al. e) do CPPT, art.°s 842°, 839° n°2, 843° n°1 al. b) e n°2 in fine e 825° n°s 1 al. c) todos do CPC;

d) Os requisitos do arresto atinente à responsabilidade do remidor constam das citadas normas do CPC juntamente com as normas do CPPT, contrariamente ao decidido na douta sentença (vide art.°s 136º, 139° e 214°);

e) Dissentimos totalmente do entendimento do Mm.° Juiz, salvo melhor opinião, quando decide que da possibilidade da venda ser anulada pelo órgão de execução fiscal deriva que não estão reunidos os requisitos de que depende o decretamento do arresto, porquanto;

f) Nem a venda foi anulada nem o remidor pediu a anulação ou desistência da remição, para que esta fique sem efeito;

g) O fundamento do pedido de anulação de venda por parte da adjudicatária, em nada interfere com o direito de remição, o remidor na qualidade de filho do executado, conhece perfeitamente as características do imóvel que se propus remir;

h) Aquele pedido por parte do adquirente adjudicatário não extingue o direito do remidor;

i) Ao exercer o direito de remição, o remidor substituiu-se à adjudicatária, com a inerente obrigação de depositar o preço proposto e assumindo as consequências legais do seu não cumprimento (cfr. art.°s 843° n°1 al. b), 842° n°2 e 825º n°1 al. c) todos do CPC);

j) O Mm.° Juiz "a quo" entendeu, ainda que, "as razões de equidade que permitem que o comprador desista da compra, mutatis mutandi, são as mesmas razões de equidade que permitiriam que o remidor desistisse da remição", contudo;

k) Da factualidade (vide requerimento do remidor datado de 12 de Fevereiro de 2015) resulta que o remidor não declarou a desistência da remição, antes afirmou que, mantinha interesse em efectuar o depósito, só que utilizou a quantia para pagamento em outros fins, requerendo, assim, o alargamento do prazo de pagamento até Agosto de 2015 ou, em alternativa, autorização do pagamento em prestações;

l) O remidor conformou-se, ainda, com o indeferimento desse requerimento por parte da AT, não tendo apresentado qualquer meio processual de defesa contra o mesmo;

m) Assim sendo, não houve qualquer intenção manifestada pelo remidor, no sentido da desistência da remição ou na falta de interesse na compra do bem remido;

n) E, por outro lado, também, não se descortina como se pode afirmar, como fez a douta sentença, que a falta de depósito do preço não é imputável ao remidor, já que o pedido de anulação por parte do adjudicatário não extingue o direito do remidor;

o) A justificação do remidor para a sua falta de meios económicos para efectuar o depósito do preço não deriva de qualquer actuação ilegal por parte da AT, que possa levar a concluir que a falta do depósito do preço não derivou de culpa sua, pois;

p) A utilização do preço para outros fins que não a compra, aqui em causa, deriva pura e simplesmente da sua própria vontade;

q) Por isso, não houve qualquer preterição legal por parte da AT que possa conduzir à anulação da remição e à consequente desresponsabilização do remidor pelas obrigações assumidas;

r) Estão, assim, reunidos os requisitos legais para o decretamento do arresto em bens do remidor: 1) existência do crédito derivado do não cumprimento culposo do depósito do preço; 2) justo receio de não satisfação dessa responsabilidade pecuniária; 3) remidor é descendente do executado; 4) preço não foi depositado no prazo legal por motivo imputável ao remidor o 5) bens garantam o valor em falta e acrescidos;

s) A douta sentença, ao decidir como decidiu, fez uma incorrecta aplicação do direito à factualidade aqui subjacente, incorrendo em erro de julgamento, por violação dos artigos 136° n°1 al. a) e b), 214°n°1 e 256° n° 1 al. e) todos do CPPT, os artºs.842º, 839º, nº2, 843º, nº1 al.b) e nº2 in fine e 825º, nº1 al.c) todos do CPC.

Pelo exposto e pelo muito que V.Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA».

Notificado da admissão do recurso jurisdicional, o Recorrido não contra-alegou.

Apresentados os autos com “Termo de Vista” à Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central, foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso com o seguinte fundamento: «todos os factos invocados pela F.P. quanto aos requisitos de arresto se mostrarem comprovados. O arresto depende (…) da existência de um justo receio de insolvência ou de ocultação ou dissipação de bens por parte do executado. Ora, da correlação dos factos patentes nos autos tudo nos leva a concluir estar-se, com grande grau de probabilidade, perante a situação de receio supra referido. (…) devendo a sentença ser revogada e proceder o arresto.”.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 657 nº.4, do C.P.C. e artigo 278, nº5, do C.P.P.T), cumpre, agora, decidir por não se vislumbrarem razões de facto ou direito que a tanto obstem.

II- Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que possam ser oficiosamente conhecidas, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º n°1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção deste Tribunal de recurso.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.º n°2 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo artigo 635.º), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, devem considerar-se definitivamente decididas por estarem objectiva e materialmente excluídas daquelas conclusões, e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, in casu, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se o Tribunal a quo errou na valoração dos factos apurados e na eleição e aplicação do direito por, face ao probatório, ser forçoso concluir estarem verificados todos os requisitos exigíveis ao decretamento do presente arresto nos termos em que este se encontra previsto na lei processual tributária.

III - Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foram considerados como relevantes e provados para a apreciação e decisão da causa os seguintes factos:

1. No Processo de Execução Fiscal n° ………………… e apensos, foi efectuada a venda judicial n°…………….. através de leilão electrónico, tendo sido adjudicado a ……………………., Lda., pelo valor de € 27.515,00, a fracção autónoma designada pela letra …. do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ……… da freguesia e concelho de Portimão, descrita na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n° …………/Portimão - cfr. fls. 5-12 dos autos.

2. Em 20 de Agosto de 2014, ………………….., Lda., requereu a anulação da venda por aquela fracção autónoma ….. corresponder a uma loja que se encontra ocupada e aberta, sem delimitação de todas as paredes, fazendo parte integrante e ligação com mais outras duas lojas conexas que formam um espaço amplo de pastelaria, pronto a comer e fábrica de bolos, e tal situação que não ter sido objecto de informação no anúncio - cfr. fls. 5-13 dos autos.

3. A Administração confirmou que a fracção ..... se encontra fisicamente unida às fracções …. e …. do mesmo prédio - cfr. fls. 59-8 dos autos.

4. Em 20 de Agosto de 2014, JOÃO ………………………… requereu o exercício do seu direito de remir a fracção autónoma ….. adjudicada - cfr. fls. 59-6 dos autos.

5. No dia 18 de Setembro de 2014, o substituto do Director de Finanças de Faro, considerando que "tendo sido exercido, através de requerimento de 20/08/2014, direito de remição em momento prévio à entrega dos bens ou assinatura do título que a documenta (...), deverá este ser apreciado pelo órgão da execução fiscal já que no caso de ser deferida a remição dos bens, o remidor substitui-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra", ordenou a devolução do processo de anulação de venda "ao serviço de finanças para apreciação do pedido de remição de bens" - cfr. fls. 59-12 dos autos.

6. Em 7 de Outubro de 2014, a Chefe do Serviço de Finanças de Portimão indeferiu o pedido de remição por se confirmar "que o objecto anunciado para venda não corresponde ao bem existente no local" e com este fundamento ter sido "apresentado pedido de anulação da venda por parte do adjudicatário", tendo ordenado a remessa do requerimento de anulação de venda à Direcção de Finanças de Faro para decisão - cfr. fls. 59-14 dos autos.

7. No dia 1 de Dezembro de 2014, a Chefe do Serviço de Finanças de Portimão revogou o despacho de 7 de Outubro de 2014 "Não obstante a informação que antecede, bem como os documentos que lhe estão anexos, referirem que a fracção autónoma objecto da venda se encontra fisicamente unida às fracções …. e …. do mesmo prédio, uma vez que o pedido apresentado não fere os interesses da Fazenda Pública", e deferiu o pedido de remição - cfr. fls. 59-26 dos autos.

8. Em 12 de Fevereiro de 2015, JOÃO……………………… requereu o alargamento do prazo para depósito do preço até Agosto de 2015, alegando que pelo tempo decorrido e tendo conhecimento do pedido de anulação de venda, utilizou a quantia que mantinha disponível para outros fins, não dispondo momentaneamente de capital para realizar o pagamento - facto confessado no artigo 8º da Petição.

9. No dia 20 de Fevereiro de 2015, a Chefe do Serviço de Finanças de Portimão indeferiu aquele requerimento e promoveu o arresto de bens por não ter sido efectuado o depósito do preço - cfr. fls. 59-19 e 59-20 dos autos.

10. João …………………………… não efectuou o depósito do preço.

IV – Fundamentação de Direito

Como claramente se extrai dos pontos I e II supra, a Fazenda Pública não se conforma com a valoração feita pelo Tribunal a quo dos factos apurados, designadamente na parte em que entendeu que os mesmos não reúnem força bastante a que sejam dados como preenchidos os pressupostos do arresto, nem com os próprios requisitos de direito enunciados para esse efeito pelo Tribunal a quo que, defende, não são os que a lei lhe exige que comprove.

Como igualmente resulta dos pareceres emitidos pelo Ministério Público em 1ª instância e neste Tribunal Central, ambos entendem, por razões de direito distintas mas, no essencial, focadas no regime estabelecido para o arresto nos artigos 136.º e 214.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que a sentença proferida deveria ter sido em sentido diametralmente oposto.

Adiantamos, desde já, que o presente recurso está votado ao fracasso.

Efectivamente, não obstante do ponto de vista jurídico não possamos deixar de reconhecer razão à Recorrente na parte em que aponta à sentença recorrida alguma deficiência no enquadramento jurídico realizado, nem desse parcial reconhecimento de direito resulta que lhe assiste razão quanto ao preenchimento dos pressupostos de decretamento do arresto no caso concreto, nem dos demais argumentos de facto e direito por si aduzidos, ou dos chamados à colação pelo Ministério Público, porque totalmente infundados, se pode concluir que a decisão é merecedora de censura.

Explicitemos, então, porque assim o concluímos, começando por relembrar a situação de facto e de direito trazida ao Tribunal a quo e o pedido que, com base nela, se pretendia ver deferido.

Nesse sentido, e tendo por base exclusivamente o alegado na petição inicial pela Requerente e o pedido aí formulado, dúvidas não subsistem que o pedido de decretamento de arresto de um bem do Requerido assenta num facto essencial, qual seja, o não depósito do preço por parte deste último (correspondente ao valor pelo qual havia sido adjudicado um imóvel em venda realizada em processo de execução fiscal) no exercício do direito de remição que lhe tinha sido deferido (artigos 1.º, 2.º, 5.º e 9.º da petição inicial)

Factos que, indubitavelmente resultaram provados (cfr. factualidade apurada no ponto III, sob os n.ºs 1, 4, 7 e 10).

Porém, do mais alegado pela Fazenda Pública, e que o Tribunal igualmente deu como apurado, resultou, ainda, que a venda judicial em causa à data da formulação do pedido de remição tinha pendente um pedido de anulação, por desconformidade entre o bem anunciado e o bem vendido, que essa desconformidade era reconhecida pela própria Fazenda que, num momento inicial e com esse fundamento indeferiu esse pedido de remição (na petição apenas se refere a existência de um despacho anterior “revogado” mas do seu teor resulta essa concreta factualidade e o entendimento da mesma Fazenda de que primeiramente deveria ser decidida a questão da nulidade da venda de que esse direito de remição estava dependente), e que posteriormente foi deferido (revogando-se o anterior despacho de indeferimento)por não afectar os interesses da Fazenda Pública”.

Mais resultou apurado que, após o Requerido ter sido notificado para proceder ao depósito do preço, com fundamento no conhecimento que lhe adviera da pendência daquela anulação e tendo ainda em conta o lapso de tempo decorrido, pedira prorrogação do prazo para proceder ao referido depósito por, entretanto, ter aplicado noutros fins o capital que dispunha para efeitos de concretizar aquela remição (tudo, conforme, em especial, artigos 3.º, 4.º e 6.º da petição inicial e factos apurados no mesmo ponto deste acórdão referido sob os n.ºs 2., 3., 5. e 6.).

Insista-se, por relevante, que a Fazenda Pública neste recurso não dissente da factualidade que foi apurada e que a factualidade dada como assente corresponde a toda a que foi alegada pela Fazenda Pública. Com o que a Fazenda Pública discorda é com a valoração que dos factos foi realizada pelo Tribunal a quo e que o determinou a decidir pela improcedência da providência, por entender que tais factos, devidamente valorados, deveriam ter conduzido ao juízo de que estavam reunidos os pressupostos do arresto.

Em ordem a demonstrar essa sua asserção, defende a ora Recorrente que uma vez que a venda não foi anulada e os fundamentos invocados pela adjudicatária para esse efeito não contendem com o direito de remição (já que este, como filho do executado conhece perfeitamente as características do imóvel que se propôs remir e aquele pedido do adjudicatário não extingue o direito do remidor que, substituindo-se à adjudicatária, com a inerente obrigação de depositar o preço proposto, assumiu as consequências legais do seu não cumprimento), era forçoso que o Tribunal tivesse concluído estarem reunidos os requisitos legais para o decretamento do arresto em bens do remidor: existência do crédito derivado do não cumprimento culposo do depósito do preço; justo receio de não satisfação dessa responsabilidade pecuniária; remidor é descendente do executado; não depósito do preço no prazo legal por motivo imputável ao remidor e os bens a arrestar garantem o valor em falta e acrescidos.

Tudo, para concluir que a sentença que assim não valorou os factos, incorreu em erro de julgamento e violou os artigos 136° n°1 al. a) e b), 214°n°1 e 256° n° 1 al. e) todos do CPPT, os artºs.842º, 839º, nº2, 843º, nº1 al. b) e nº2 in fine e 825º, nº1 al. c) todos do CPC.

Como já deixamos, dito, sem razão determinante.

Seguindo o percurso da sentença recorrida - que, bem, iniciou a apreciação da questão que se lhe impunha decidir pelo facto originário, isto é, pela situação de facto e direito da qual nascera o dever cujo cumprimento foi exigido ao Requerido (depósito do preço pelo qual o bem tinha sido vendido) e de cuja violação deriva o pedido de arresto – importa relevar que, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, realizada a venda em processo de execução fiscal são passadas as guias para o adquirente depositar a totalidade do preço à ordem do órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da decisão de adjudicação, sob pena das sanções legalmente previstas (artigo 256.º al. e) do identificado Código).

É, assim, o adquirente do bem em venda realizada em processo de execução fiscal quem, em regra e por princípio, passa, a partir da adjudicação, a ser responsável perante o órgão de execução fiscal pelo cumprimento das obrigações decorrentes daquela adjudicação, mormente pagamento do preço por depósito à ordem daquele.

Todavia, o legislador processual tributário, sensível à manutenção do bem em alienação no património familiar pelas razões por demais conhecidas, reconheceu ao cônjuge e aos parentes em linha recta o poder de fazer sua a propriedade do bem pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou venda: "Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda" (artigo 842° do Código de Processo Civil.).

Em suma, resulta, do que vimos expondo, o que a sentença recorrida também expressamente refere, que o legislador concede àqueles concretos sujeitos um direito de preferência na aquisição do bem, bastando que o remidor faça sua a declaração de vontade do adjudicatário (expressando, no tempo também legalmente estabelecido, declaração nesse sentido e alegando a qualidade familiar exigida pela lei), situação em que, se posteriormente à venda for deferida a remição de bens, aquela venda não é anulada, verificando-se apenas uma alteração subjectiva da relação jurídica que se mostrava estabelecida: o remidor assume, por substituição, o comprador nas obrigações deste perante o órgão de execução fiscal decorrentes da venda, para o que ora releva, pagando o preço e as despesas da compra (cfr. artigo 839° n° 2 do código de Processo Civil). Se não cumprir, sem justificação, essas obrigações, a Administração Tributária deve proceder à liquidação das suas responsabilidades, promovendo perante o juiz o arresto de bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas (artigos 825,º n.º 1 e 2 e 843.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

É partindo deste enquadramento e do pressuposto de que, no caso do arresto de bens do remidor, os pressupostos legais ao seu decretamento se consubstanciam na verificação dessa qualidade (cônjuge não separado judicialmente, ascendente ou descendente do Executado), na inexistência de anulação de venda, não depósito do preço no prazo de 15 dias por motivo àquele imputável e que os bens garantam o valor em falta e acrescido (e não nos requisitos previstos no artigo 136.º e 214.º do CPPT como defendido em recurso pela fazenda e pelo Ministério Público neste Tribunal), que o Tribunal a quo indagou do seu preenchimento perante o probatório, tendo concluindo em sentido negativo.

Conclusão essa que assentou, em síntese nossa, e se bem interpretamos a sentença recorrida, em duas ordens de razão. A primeira é a de que existe uma relação absoluta entre a venda e o direito de remição no sentido de que este último só existe se aquele primeiro existir e for válido, situação que está ainda por apurar por a Administração Tributária ter acabado por deferir a apreciação dessa validade para momento posterior à efectivação do direito de remição. A segunda, é a de que razões de equidade e justiça impunham essa mesma solução por o remidor não dever ser responsabilizado pela não realização imediata do depósito do preço uma vez que a falta de capital para esse efeito (e a sua aplicação noutros fins) é o resultado da própria demora da tramitação do próprio procedimento de venda face ao pedido de anulação da venda entretanto formulado.

Concordamos quanto á primeira parte da fundamentação.

Na verdade, contrariamente ao que a Recorrente e o Magistrado do Ministério Público defendem, o arresto que aqui está em questão não está dependente no seu decretamento dos requisitos previstos nos artigos 136.º ou 214.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, carecendo de qualquer sentido falar-se aqui em receio de insolvência ou sonegação de bens do executado ou substituto do executado.

O arresto de bens do remidor está dependente (posto que esteja reconhecida a questão da legitimidade do exercício do sujeito nessa qualidade, como é o caso já que é a própria Administração que alega que quem exerceu o direito de remição foi “o filho do Executado”, sendo irrelevante, neste enquadramento, discutir-se a prova dessa qualidade do ponto de vista de documento com força bastante a comprovar aquela relação familiar), no caso de venda judicial em processo de execução fiscal, da validade desta, do tempestivo exercício do direito de remição, do seu deferimento e do não depósito do preço por que o bem foi adjudicado/vendido no prazo legal.

Daí que, com o devido respeito, careçam de sentido as afirmações feitas quanto àqueles requisitos de “risco de insolvência e sonegação de bens” ou aos demais pressupostos legais contidos o artigo 136.º e/ou 214.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (respectivamente, requisitos do arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário e requisitos do arresto em caso de justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens) que, como o mostra a petição inicial, nem sequer de forma indiciária se mostram enunciados.

Vale isto para dizer que não só os requisitos constantes do artigo 136.º e 214.º não são aplicáveis ao arresto previsto no artigo 825.º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT), como, se fossem, era evidente o naufrágio da providência por nenhum artigo da petição inicial se referir a qualquer receio de insolvência do pretenso arrestado ou lhe ser imputado qualquer descaminho de bens, a inexistência de património capaz de assegurar a “dívida” ou, sequer, lhe ser imputada a responsabilidade subsidiária pelo pagamento da quantia exequenda (para não falar de que a sua conduta para com a administração comprovada nos autos, recebendo e respondendo sempre aos seus ofícios e até o pedido de prorrogação de prazo indicarem vontade de cumprimento “da obrigação” e, consequentemente, afastarem qualquer juízo doloso que, necessariamente, o decretamento do arresto à luz das normas jurídicas convocadas em recurso sempre imporia).

Em suma: o direito de remição assenta em dois elementos fundamentais: (i) a adjudicação ou venda de bens e (ii) a qualidade jurídica do titular do respectivo direito decorrente do casamento ou do parentesco que se comporte nas designações de "descendentes ou ascendentes". O arresto de bens do remidor assenta em quatro elementos fundamentais: (i) validade da adjudicação ou venda dos bens; (ii) exercício legitimo do direito de remição; (iii) deferimento/reconhecimento desse direito e (iv) falta de depósito do preço no prazo legalmente devido.

Regressando de novo ao probatório e às conclusões de facto e direito que do mesmo foram extraídas pelo Tribunal recorrido, não vemos também como possam ou devam ser questionadas.

Efectivamente, não sendo questionável a relação umbilical e a dependência entre a validade da venda e o exercício ou possibilidade de exercício do direito de remição e estando pendente de apreciação a validade da venda realizada, não encontramos fundamento para que esteja a ser exigido ao remidor o pagamento do preço e, consequentemente, para que se arrestem bens para garantir ou efectivar esse pagamento, já que, enquanto aquele primeiro direito (adjudicação) se não mostrar integralmente validado, o segundo (remição) como que fica cristalizado no tempo, sem prejuízo de, se a apreciação das condições de validade do facto/direito de origem vierem a ser julgadas em sentido negativo (o que, no caso, pelo que os autos indiciam, é altamente improvável) tais obrigações lhe virem a ser exigidas.

É neste contexto que deve ser interpretada a sentença recorrida na arte em que se afirma que “a responsabilização do remidor, designadamente através do arresto de bens seus, está lógica (e deverá estar também cronologicamente) situado em momento posterior à apreciação da requerida anulação da venda, afirmação que integralmente subscrevemos.

Aliás, a percepção integral deste enquadramento de facto e direito foi desde logo bem apreendida pela Administração Fiscal, que apenas veio a revogar o despacho que com esse fundamento e sentido negativo tinha proferido, após numa segunda reflexão ter percebido que a situação - ilegalidade da venda e pagamento da dívida do executado - ficaria rápida e simplesmente resolvida através da aceitação da remição e exigência do depósito do preço ficando, como à contrario se depreende do seu despacho, satisfeitos os interesses que prosseguia.

E embora discordemos da sentença recorrida quando limita aos compradores e aos interesses destes o direito de remição, isto é, quando exclui desse exercício e dos efeitos por ele produzidos qualquer interesse próprio da Administração - o qual se encontra legalmente reconhecido, quer quando lhe é atribuída a faculdade ou poder de aferir da possibilidade (legitimidade) desse exercício, quer quando vela pelo cumprimento das obrigações daí decorrentes, quer, por último, quando através dele satisfaz o interesse público de liquidação da quantia exequenda -, acolhemos, no mais, com os fundamentos expostos, a decisão ou julgamento final a que chegou.

E ainda que a decisão ou julgamento por nós já realizado não seja afectado pelo juízo que possa ser feito no que respeita à bondade do fundamento cumulativamente aduzido na sentença recorrida, importa, por respeito à Recorrente e considerando a integralidade dos fundamentos do recurso – que nessa parte igualmente crítica a sentença recorrida – apreciar se idêntica decisão de improcedência do arresto se imporia por razões de justiça e equidade.

Não acolhemos nesta parte a decisão, sendo também de duas ordens as razões que nesse sentido convergem.

Antes, porém, de revelarmos porque discordamos da decisão, é pertinente transcrever o discurso argumentativo de facto e direito aduzido pelo Meritíssimo Juiz:

Aliás, à mesma solução se chegaria se se atendesse ao requerimento apresentado pelo remidor (que requereu o alargamento do prazo para depósito do preço até Agosto de 2015, alegando que pelo tempo decorrido e tendo conhecimento do pedido de anulação de venda, utilizou a quantia que mantinha disponível para outros fins, não dispondo momentaneamente de capital para realizar o pagamento - cfr. ponto 8 do probatório), pelas mesmas razões de equidade que permitem que o comprador desista da compra.

Com efeito, num cenário paralelo ao dos presentes autos, "pode imaginar-se a anulação da remição, no caso, por exemplo, de ser revogado o despacho que a deferiu.

Em tal hipótese, não fica sem efeito a venda que lhe deu causa. A lei actual já não o diz. Só fica sem efeito a substituição do comprador. Tudo se passa como se o direito de remição não tivesse sido exercido.

Sem embargo, parece que, por razão de equidade, se deverá permitir que o comprador desista da compra.

Como dizia ALBERTO DOS REIS, «no lapso de tempo decorrido desde a compra até à anulação da remição podem ter-se modificado profundamente as circunstâncias que haviam levado afazer a tentativa de compra»; «seria uma violência injusta forçá-lo a adquirir posteriormente os bens, numa altura em que já não tem a quantia necessária para efectuar o pagamento do preço, nem possibilidade de a arranjar».

Por idêntico motivo é que, na venda mediante propostas e segundo o n°4 do artigo [820ºdo CPC], o proponente deixa de considerar-se vinculado se a abertura das propostas for adiada por mais de 90 dias" - cfr. EURICO LOPES-CARDOSO, ob.cit., pp. 658-659.

Pelo que, também por aqui, mutatis mutandi, as mesmas razões de equidade permitiriam que o remidor desistisse da remição - pois que a falta do depósito do preço, face à pendência da anulação da venda e ao primeiro indeferimento do seu requerimento, não lhe é imputável (tal juízo de censura seria uma violência injusta) -, não se encontrando, então, preenchido também este requisito.”.

Ou seja, e se bem entendemos o raciocínio exposto, o que o Tribunal a quo entende é que sempre obstaria ao decretamento deste concreto arresto a vontade expressa pelo Requerido no sentido de ser prorrogado o prazo, interpretado como desistência de remição, a qual se deveria ser julgada válida nos mesmos termos em que vem sendo entendida como válida a desistência da compra pelo proponente nas situações legalmente previstas.

Não cremos que tal juízo seja de aceitar ou, no limite, o acolhimento do mesmo apenas poderia ser considerado se em causa estivesse qualquer pedido ou declaração de desistência do direito de remição.

Ora, não é essa a situação de facto ou de direito que os autos, em especial o probatório, evidencia, já que, como bem refere a Recorrente, nunca essa desistência foi formalmente formulada, nem, de resto, do probatório se pode retirar como materialmente indiciada essa vontade de desistir.

Aliás, é o próprio remidor que deixa bem claro, ao pedir a prorrogação do prazo de depósito do preço até Agosto e ao afirmar que nessa data provavelmente já terá disponível capital para realizar esse depósito, a sua vontade de manter o exercício do direito de remição

Por outro lado, a situação de desistência do proponente no caso de venda em proposta em carta fechada, encontra, como a sentença recorrida não deixou de referir, expressa previsão na legislação processual e, não menos importante, como norma de natureza excepcional de desvinculação do proponente às obrigações nascidas da apresentação da proposta, sem paralelo na regulamentação do exercício do direito de remição.

Por último, existindo regulamentação expressa a regular a situação em causa, como supra ficou devidamente esclarecido, carece de sentido e é mesmo legalmente inadmissível fundar a decisão numa aplicação analógica (de norma excepcional) que, como é sabido, constitui fundamento de decisão a que é apenas possível recorrer nas situações não expressamente previstas na lei (cfr. artigos 10.º e 11.º do Código Civil).

Temos, pois, por seguro, que a sentença recorrida, com os fundamentos adiantados na sentença recorrida e neste acórdão acolhidos, com as limitações referidas, deve ser confirmada.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que integram esta Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública e, em conformidade e com os fundamentos expostos no ponto IV supra, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.

Registe e notifique.

Lisboa, 21-5-2015

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]