Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:59/17.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:ARBITRAL;
REJEIÇÃO DO PEDIDO DE CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO; TRIBUTAÇÕES AUTONOMAS;
OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:I – O Tribunal Central Administrativo Sul não é competente para, anulada a sentença ou acórdão arbitral, conhecer em substituição do Tribunal Arbitral da pronúncia que a este foi peticionada.
II – A decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de factos (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que só sucede quando na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, haveriam de conduzir, necessariamente, a uma solução de sentido antagónico, ou seja, verifica-se nas situações em que a proposição final (decisão ou conclusão) se revela incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos).
III – Se a decisão de improcedência proferida pelo Tribunal Arbitral é a única que logicamente pode ser extraída dos argumentos de facto e de direito que, de forma clara, foram sendo exteriorizados pelo julgamento, há que concluir que não se verifica a nulidade da sentença referida em II.
IV – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia tem sempre como pressuposto a ausência de conhecimento de uma questão que tenha sido colocada ao Tribunal por qualquer uma das partes, de cuja apreciação e decisão resultam efeitos úteis para o julgamento.
V – Se a nulidade referida em IV surge exclusivamente suportada na postergação de um argumento, há que julgar improcedente o vício suscitado
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

1. Relatório

1.1. T... PORTUGAL, S.A. veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral, proferida no processo arbitral nº 629/2016-T, que julgou improcedente o seu pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa e das consequentes autoliquidações de IRC, relativas ao exercício de 2013 e 2014.

1.2. Sintetizando os fundamentos da sua pretensão, formulou a Impugnante, no final da petição inicial, as seguintes conclusões:

«a) A decisão agora proferida assenta numa evidente contradição entre os seus pressupostos e a ratio das suas conclusões, bem como com o próprio sentido com que foi construída;

b) Para além disso, o Tribunal Arbitrai acaba por não se pronunciar sobre uma das questões suscitadas pela Impugnante e que, no caso concreto, constituía a base da argumentação que justificou a contestação das autoliquidações em apreço.

c) No que à primeira situação diz respeito, a questão que a Impugnante coloca (e é nesta que se manifesta a contradição da decisão em crise) é a de saber se se considerar que as Tributações Autónomas não têm a natureza de IRC, como alega o Tribunal Arbitral, como se pode suportar e compatibilizar esta conclusão no facto, previamente dado como assente pelo próprio Tribunal, de que essas mesmas Tributações Autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação de IRC;

d) Isto é, ao admitir, Tribunal Arbitral, - e bem - que as Tributações Autónomas são cobradas nos termos do procedimento de liquidação previsto no atual artigo 90.° do Código do IRC (o anterior artigo 83.°), é contraditório que depois venha a assumir que o benefício fiscal do SIFIDE é fiscalmente relevado à margem dessa mesma norma, quando é o próprio regime legal do SIFIDE - a Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto - que remete expressamente para o artigo 90.° do Código do IRC;

e ) Nessa perspetiva, restava ao Tribunal Arbitral uma de duas alternativas: (i) considerar que as Tributações Autónomas integram o conceito de imposto, sendo tributadas como sendo IRC, caso em que tem total aplicação o procedimento de liquidação constante no artigo 90.° do Código do IRC, ou, pelo contrário (ii) considerar não se tratarem de IRC e, nesse caso, não se aplicando tal procedimento, justificando-se desse modo a não dedução do benefício do SIFIDE à coleta das próprias Tributações Autónomas;

f) Não fazendo, nem uma coisa, nem outra, a decisão arbitrai deve ser anulada, por manifesta contradição com os seus fundamentos, o que constitui fundamento de impugnação, nos termos da alínea b), do n,° 1, do artigo 28.°, do RJAT;

g) Acresce ao acima exposto que a Impugnante pretendia que fosse sindicado o entendimento de que a liquidação das tributações autónomas tem necessariamente que se realizar nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, pois inexiste, no Código do IRC ou em qualquer outro diploma legal, uma disposição que regule essa matéria;

h) Nessa medida, o argumento nuclear do pedido arbitral foi o de que o apuramento da coleta das tributações autónomas é efetuado, única e exclusivamente, nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, motivo pela qual se considera possível a dedução do crédito de imposto do SIFIDE à coleta proveniente dessas mesmas tributações autónomas, em face da remissão legal prevista no artigo 4.° da Lei n.° 40/2005, de 3 de Agosto;

i) A presente decisão arbitrai não dá resposta, nem concretiza, perante a argumentação expendida pela Impugnante, qual a forma de apuramento do benefício fiscal do SIFIDE, à margem do disposto no artigo 90.° do CIRC, omitindo, dessa forma, a pronúncia sobre uma questão que constitui o núcleo argumentativo do pedido de anulação dos atos de autoliquidação que foram objeto do presente pedido arbitral;

j) Determinando que a Impugnante fique sem saber, por manifesta falta de pronúncia, se o Tribunal Arbitral concorda com a aplicação - direta ou indireta - do artigo 90.° do Código do IRC nesta situação ou se, como parece ser o caso, esvazia por completo o sentido e a aplicabilidade da norma prevista naquele artigo 4.°;

k) O que também constitui fundamento de impugnação, nos termos da alínea c), do n.° 1, do artigo 28, °, do RJAT,

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser anulada a decisão arbitral proferida nos autos, com os fundamentos acima invocados, devendo, ainda, ser conhecido o mérito da pretensão da Impugnante, anulando- se as liquidações do IRC de 2013 e 2014, tendo para o efeito presente a decisão proferida no Acórdão do CAAD, de 03/04/2017, no processo n.º 630/2016-T, nos termos acima referidos, tudo com as demais consequências legais.»

1.3. Admitida a impugnação e notificada para, querendo, responder, veio a Fazenda Pública fazê-lo, concluindo o seu articulado nos termos que infra se reproduzem:

«A. Em causa está a decisão arbitral proferida no processo n.º 629/2016-T, o qual correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa de acordo com o disposto no Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

B. Decidiu-se no douto acórdão ora sob escrutínio julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados.

C. Não se conformando, vem a ora Recorrente impugnar o assim decidido, ao abrigo do disposto no artigo 27º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), pugnando pela anulação da decisão, bem como pela anulação das liquidações de IRC, postas em crise.

D. Pugna assim a Recorrente pelo entendimento de que a decisão arbitrai em crise enferma de manifesta oposição entre os seus fundamentos e o respectivo segmento decisório, bem como do vício de omissão de pronúncia.

E. A Decisão Arbitral não padece, de tais vícios, como se demonstrará, pelo que deverá manter-se.

F. Porém, a mesma impugnação não configura o meio processual adequado para anular os actos tributários em causa, como acaba de peticionar a Impugnante.

G. Para que tal pudesse suceder necessário seria que o Tribunal Central Administrativo Sul se substituísse ao Tribunal Arbitral Colectivo e apreciasse o mérito da causa.

H. Ora, a sindicância do mérito da causa encontra-se subtraída à competência do Tribunal Central Administrativo Sul, uma vez que




I. Como, aliás, o próprio Tribunal Central Administrativo Sul já reconheceu por acórdão proferido a 2013-05-28 no âmbito do processo n.º 05927/12.

J. Consequentemente, a proceder a presente Impugnação da Decisão Arbitral - o que só por mera hipótese se admite —, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul não poderá atender à parte final do petitório da Impugnante, devendo assim tão-só circunscrever os seus efeitos à anulação da decisão arbitral subjudice.

K. A decisão objecto da presente impugnação foi proferida na sequência do pedido de pronúncia arbitrai formulado por apelo à disciplina instituída pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT), diploma que, no uso de autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, introduziu no ordenamento jurídico português a arbitragem tributária, apontada como «meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária».

L. Contemplando a lei a possibilidade de recurso das decisões proferidas:

- para o Tribunal Constitucional (quando a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique uma norma cuja constitucionalidade tenha sido suscitada);

- para o Supremo Tribunal Administrativo (quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo) e, por fim,

- para o Tribunal Central Administrativo (com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de prenuncia e na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes), tendo em vista a sua anulação.

M. Assim, no que ao caso interessa, de acordo com o n.º 1 do artigo 27.º do RJAT, «A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respectivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral».

N. Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo 27º determina que «ao pedido de impugnação da decisão arbitrai é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no Código do Processo dos Tribunais Administrativos".

O. Não obstante, salvo o devido respeito por opinião diversa, na verdade, a Impugnante não está de acordo é com o julgamento de facto e sua valoração, bem como, com a interpretação e aplicação do direito que foi feita na Decisão Arbitral.

P. Esse será realmente o objecto da presente Impugnação.

Q. O que não cabe nos fundamentos de impugnação da decisão arbitrai previstos no art. 28º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

R. Razão por que não deve ser admitida.

S. Ainda que assim não se entenda sempre se dirá que, a Recorrente não tem razão nos vícios que atribui à decisão ora impugnada.

T. Na verdade, a Impugnante não logra demonstrar, nas alegações que para o efeito produziu, de que forma é que a douta decisão arbitrai padece do vício de cariz processual que lhe é imputado, a saber, oposição entre os seus fundamentos e o respectivo segmento decisório, bem como omissão de pronúncia.

U. Não mais visa a presente instância recursória do que a reapreciação da questão de mérito, em termos satisfatórios para a aqui Recorrente, pretensão que não merece, porém, tutela.

V. O Tribunal apresentou a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixou, tendo feita uma correcta aplicação do direito aos factos, na sequência do expendido nesse âmbito: a natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina (vide ponto V.1.1 da decisão), a evolução da figura das tributações autónomas (vide V.1.2 da decisão), a causa e a função das tributações autónomas em sede de IRC (vide V.1.3), quanto à não dedutibilidade do SIFIDE (V.2.).

W. No que respeita à alegada omissão de pronúncia, também não assiste qualquer razão à Impugnante uma vez que, conforme pacificamente entendido na jurisprudência, a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pelas partes em defesa do seu ponto de vista.

X. Importa, assim, distinguir entre as questões sob litígio, que cumpre ao Tribunal resolver, e os argumentos esgrimidos pelas partes em abono das suas pretensões.

Y. Justamente, o thema decidendum, devidamente identificado no ponto III da decisão arbitrai, tal como colocada pela Requerente, está em saber se as autoliquidações de IRC (incluindo tributações autónomas) relativas aos exercícios de 2013 e 2014 padecem do vício material de violação de lei, objecto de impugnação porquanto, segundo entende, não deve ser vedada a dedução do SIFIDE à parte da colecta de IRC correspondente às tributações autónomas, foj efectivamente apreciada pelo Tribunal.

Z. Ou seja, o Tribunal Arbitrai pronunciou-se sobre a questão que lhe foi submetida para apreciação, decidindo, porém, julgar improcedente o pedido da ora Impugnante.

AA. Para o efeito, porém, o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os fundamentos ou razões invocadas pelas partes para sustentar as suas pretensões.

BB. Portanto, o tribunal arbitrai a quo apreciou a questão fulcral a decidir, sendo certo, porém, que não aderiu aos argumentos expendidos pela Impugnante.

CC. Tal atitude, porém, que em nada contende com o disposto no entretanto renumerado artigo 608.9/2 do Novo Código de Processo Civil,

DD. Assim sendo, porque só a falta de conhecimento de questões ou pretensões formuladas pelas partes constitui nulidade por omissão de pronúncia, como resulta do art. 125º do CPPT e art. 615º, ns 1 al. d) do CPC, deverá o Tribunal julgar improcedente o vício de omissão de pronúncia que a Impugnante invoca contra a decisão arbitral.

EE. Falecem, assim, salvo o devido respeito por opinião distinta, as razões apontadas pela Impugnante no sentido da douta decisão arbitrai padecer de oposição entre os fundamentos e o segmento decisório, bem como omissão de pronúncia, de resto não se vislumbrando ter o douto Tribunal recorrido incorrido em qualquer erro ou vício na emissão da decisão impugnada.

FF. Claro fica, portanto, que nenhuma pecha pode apontar-se ao douto acórdão arbitral em análise, nomeadamente a oposição entre os seus fundamentos e o segmento decisório, bem como omissão de pronúncia, porquanto o percurso fundamentador e decisório do Tribunal foi desenvolvido e explanado de acordo com as questões suscitadas pelas partes ao longo do procedimento administrativo e reiteradas no âmbito do processo arbitral.

GG. Simplesmente, a ora Recorrente, então Requerente arbitrai não logrou convencer o tribunal quanto à procedência da sua pretensão, não mais visando a presente instância recursória do que a reapreciação da questão de mérito, em termos satisfatórios para a aqui Recorrente, pretensão que não merece, porém, qualquer tutela.

HH. Em processo de impugnação não cabe a apreciação do mérito da causa, nem a reapreciação da questão de mérito à luz do ordenamento constitucional ou infraconstitucional, como constitui jurisprudência pacífica - cfr., por todos, os Acórdão do TCAS de 06-08-2013, prolatado no processo 06121/12 e de 06-12-2014, proferido no processo 06224/12.

II. Sucumbindo integralmente os argumentos esgrimidos pela impugnante em prol da ambicionada decisão arbitral, deve a presente impugnação improceder, assim se fazendo JUSTIÇA.

Termos em que, e nos doutamente supridos, deverá ser negado provimento à impugnação, por manifestamente infundada, e em consequência manter-se o acórdão arbitrai sindicado, com o que V. Exas. farão a costumada Justiça!»

1.4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, nº1, do CPTA ex vi artigo 27º, nº2, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, não apresentou qualquer articulado.

1.5. Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se, para tanto, os autos à conferência.

2. Objecto da Impugnação das decisões arbitrais

Como é sabido, o legislador optou por qualificar o meio processual através do qual são sindicadas as decisões dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do RJAT, no que aos Tribunais Centrais Administrativos respeita, como “Impugnação de Decisão Arbitral”, vincando, dessa forma, do ponto de vista formal, uma distinção entre o tipo de sindicância que é atribuída a esses Tribunais e o tipo de controlo que é atribuído ao Supremo Tribunal Administrativo e ao Tribunal Constitucional.

Na sua essência, todavia, do que se trata é de um verdadeiro recurso em que o leque de questões de mérito, distintamente do que ocorre nos recursos clássicos tradicionalmente regulamentados no Código de Processo Civil ou numa matriz ou raiz muito próxima da aí estruturada, se encontra pré-definido pelo legislador e reduzido aos fundamentos previstos no artigo 28.º do RJAT - aqui se incluindo a violação dos princípios consagrados no artigo 16.º (para que somos remetidos pela al. d) daquele artigo 28.º) e, excepcionalmente, nulidades processuais cujo reconhecimento se mostre imposto pela unidade e completude do sistema jurídico (imposta pelo artigo 29.º do mesmo diploma legal) de cuja verificação resulte a subsequente nulidade da decisão arbitral. (1)

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, sendo indiscutível que os vícios invocados pela Impugnante se integram formalmente nos fundamentos legalmente previstos no artigo 28.º do RJAT - uma vez que aí se consagraram como fundamento de impugnação da decisão arbitral a contradição entre os fundamentos e a decisão (al. b)] e a omissão de pronúncia (al. c)]as questões que nos cumpre decidir são, face ao teor dos articulados de ambas as partes, as seguintes:

- Deve a sentença arbitral ser anulada por contradição entre os fundamentos e a decisão (tendo o Tribunal Arbitral admitido " - e bem - que as Tributações Autónomas são cobradas nos termos do procedimento de liquidação previsto no atual artigo 90.° do Código do IRC (o anterior artigo 83.°), é contraditório que depois venha a assumir que o benefício fiscal do SIFIDE é fiscalmente relevado à margem dessa mesma norma, quando é o próprio regime legal do SIFIDE - a Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto - que remete expressamente para o artigo 90.° do Código do IRC”) ? - conclusões a) a f) da petição inicial;

- deve a sentença arbitral ser anulada por omissão de pronúncia (porque o Tribunal Arbitral não apreciou o “argumento nuclear” esgrimido pela Impugnante: “o apuramento da coleta das tributações autónomas é efetuado, única e exclusivamente, nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, motivo pela qual se considera possível a dedução do crédito de imposto do SIFIDE à coleta proveniente dessas mesmas tributações autónomas, em face da remissão legal prevista no artigo 4.° da Lei n.° 40/2005, de 3 de Agosto” nem “dá resposta, nem concretiza, perante a argumentação expendida pela Impugnante, qual a forma de apuramento do benefício fiscal do SIFIDE, à margem do disposto no artigo 90.° do CIRC, omitindo, dessa forma, a pronúncia sobre uma questão que constitui o núcleo argumentativo do pedido de anulação dos atos de autoliquidação que foram objeto do presente pedido arbitral” ) ? - conclusões g) a k) da petição inicial.

Da delimitação que realizámos resulta já claro que a pretensão da Impugnante - de que este Tribunal Central Administrativo Sul, anulada a decisão arbitral, conheça do mérito do litígio submetido a resolução ao Tribunal Arbitral (alegações vertidas nos artigos 57.º e 58.º da petição inicial e vertidos na conclusão k)], é liminarmente rejeitada.

Sem prejuízo do respeito que nos merecem as interpretações veiculadas por parte da doutrina, que a Impugnante convoca, em nosso entender - e, segundo julgamos saber, para a maioria da doutrina e para a totalidade da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores – do n.º 2 do artigo 27.º n.º 2 do RJAT não pode ser extraída a conclusão de que este Tribunal Central é competente para conhecer do mérito das pretensões ou pronúncias arbitrais formuladas junto do CAAD e sob a égide do RJAT.

Para que bem se compreenda os fundamentos que suportam a rejeição limiar do pedido formulado nesta parte, importa que procedamos a uma definição rigorosa do diploma à luz do qual o Tribunal que proferiu a decisão a sindicar foi constituído, e, sobretudo, dos normativos que, nesse regime especial, delimitam os poderes e competências deste Tribunal Central Administrativo Sul na apreciação da validade formal das sentenças arbitrais.

Tal definição, revisitando igualmente a jurisprudência que nesta matéria tem sido proferida, permitirá que se demonstre a falta de fundamento da protecção ampla que a Impugnante clama e, simultaneamente se realce a singularidade da doutrina convocada.

Posto isto, e começando pelo necessário enquadramento jurídico, importa salientar que a Lei de Autorização Legislativa (integrada na Lei de Orçamento de Estado de 2010) remonta a 2010 – Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, aí tendo ficado estabelecido, para o que agora mais releva, no seu artigo 124.º, que:

“1 - Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.

2 - O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

3 - A arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes.

4 - O âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:

(…)

f) A fixação dos princípios e das regras do processo arbitral tributário, em obediência ao princípio do inquisitório, do contraditório e da igualdade das partes e com dispensa de formalidades essenciais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros na condução do processo;

(…)

h) A consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral, prevendo a possibilidade de recurso, para o Tribunal Constitucional, apenas nos casos e na parte em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada;

(…)

j) A definição do regime de anulação da sentença arbitral com fundamento, designadamente, na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão e na falta de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas ou na pronúncia de questões que não devessem ser apreciadas pelo tribunal arbitral;(…)”. (negrito de nossa autoria).

Resulta desta Lei de Autorização, desde logo, que o que se pretendeu foi a instituição de um meio jurisdicional alternativo à impugnação judicial, que constituísse um direito potestativo do contribuinte, se regesse pelo direito constituído - vedando-se expressamente o recurso a juízos de equidade como fundamento da decisão - e que ficasse consagrada a regra da irrecorribilidade da decisão.

A concretização da referida autorização legislativa, realizada através do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, sofreu, até hoje, várias alterações- determinadas pela Lei do Orçamento de Estado de 2012 (artigos 160.º e 161.º da Lei n.º 64-B/2011 e artigo 14.º da Lei n.º 20/2012 de 14 de Maio), pela Lei do Orçamento de Estado de 2013 (artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) e pelas Leis n.º 24/2019, de 13 de Março e 118/2019, de 17 de Setembro.

E embora nenhuma das mencionadas alterações assumam relevo especial para a questão suscitada nos autos, a última, que entrou em vigor a 16 de Novembro de 2019 do corrente ano, alargando o objecto do recurso a interpor para o Supremo Tribunal Administrativo, ficando contemplada a possibilidade de o recurso a interpor para o STA incidir sobre eventuais oposições relativas à mesma questão fundamental de direito entre acórdãos proferidos pelos Tribunais Arbitrais ou entre estes e os proferidos pelos Tribunais Centrais ou pelo Supremo Tribunal (cfr. nova redacção do artigo 25.º do RJAT introduzida pelo artigo 17.º da Lei 119/19 já citada), é um indicador claro de que o legislador completou, muito recentemente e no limite do que entendeu necessário, as fragilidades que, no seu entender, padecia o sistema de reavaliação das decisão de mérito dos Tribunais Arbitrais.

Daí que, salvo o devido respeito, se deva concluir que se mantêm incólumes os objectivos então adiantados na Lei de Autorização Legislativa assumidos no preâmbulo do DL 10/2011, que a arquitectura legal visou efectivar, designadamente através de um princípio tendencialmente orientador de irrecorribilidade da decisão arbitral e a relação que, por via dessa arquitectura legal e do referido princípio, se entendeu que devia existir entre os Tribunais Arbitrais/Tribunais Estatais Administrativos e Fiscais e o Tribunal Constitucional.

No plano formal - expressão que aqui utilizamos como equivalente a fundamentos da impugnação judicial e de recurso - importa realçar que o RJAT estabelece dois meios principais e um meio subsidiário de sindicância da decisão do tribunal arbitral: nos primeiros, integram-se a impugnação e o recurso das decisões arbitrais; no segundo, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nas situações em que o tribunal arbitral é a última instância de decisão (em cumprimento do § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, conforme preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

Nos termos dos artigos 27.º e 28.º do RJAT, as decisões arbitrais são susceptíveis de serem anuladas pelos Tribunais Centrais Administrativos com fundamento em não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; oposição dos fundamentos com a decisão; pronúncia indevida ou omissão de pronúncia; violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas nos termos em que se mostram consagrados no artigo 16.º do RJAT.

Nos termos do artigo 25.º do mesmo diploma, que estabelece o regime dos recursos sobre o mérito da pretensão, são dois os tipos de fundamentos, por sua vez determinantes da competência dos tribunais de controlo: estando em causa a recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada, o recurso é da competência do Tribunal Constitucional (n.º 1 do referido preceito e diploma); quando esteja em causa uma alegada oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito entre decisões arbitrais ou destas com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, o recurso é da competência do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 2 do RJAT).

Em suma, centrando apenas a nossa atenção na distinção emergente do regime legal entre recurso a interpor para o Tribunal Constitucional ou para o Supremo Tribunal Administrativo e Impugnação a interpor para este Tribunal Central, que é a que nos importa frisar atento o teor das alegações e conclusões invocadas nesta impugnação, a que supra demos relevo, devemos ter por seguro que:

- no RJAT ficaram estabelecidos “dois meios ou duas vias de ataque” à decisão do tribunal arbitral: o recurso e a impugnação judicial;

- decorridos já mais de 9 anos desde a introdução no ordenamento jurídico português da regulamentação relativa à arbitragem em matéria tributária (2) e, consequentemente, da existência de um controlo jurisdicional das decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais neste domínio, continua a ser dominante o entendimento de que foi vontade do legislador estabelecer um elenco fechado de fundamentos de reacção às decisões dos tribunais arbitrais (3) de que decorre que o controlo dessas jurisdicional dessas decisões só deve ser admitido: (i) no que concerne ao seu mérito, para o Tribunal Constitucional, nos termos do estatuído no n.º 1 do art.º 25.º, do aludido DL n.º 10/2011 e para o Supremo Tribunal Administrativo nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal; (ii) no que respeita à sua validade formal, para este Tribunal Central, se a reacção impugnatória vir suportada na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia e na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes, tal como delimitado pelo art.º 16.º, do mesmo diploma legal, por força do preceituado nos artigos 27.º e 28.º do mesmo diploma legal citado; (4)

- da rigorosa delimitação de fundamentos e competências consagradas no RJAT “resulta que nem o Tribunal Central Administrativo Sul pode conhecer do mérito da pretensão como pretendido pela Impugnante, porque nesse caso estaria a invadir a esfera de competência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, nem estes últimos podem conhecer dos fundamentos de anulação, porque tal matéria está atribuída ao Tribunal Central Administrativo Sul”. (2)

Vale, tudo quanto ficou exposto, para reforçar que, em nosso entender, o argumento de que “ o n.º 2 do artigo 27.º do RJAT, ao determinar a aplicação do regime de recurso de apelação previsto no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, parece possibilitar que os Tribunais Superiores, neste caso o TCAS, profira uma decisão quanto ao mérito da questão decidenda, conhecendo de fato e de direito “- não tem fundamento, por, o lastro de aderência à letra da lei ser fortemente contrariado pelos demais critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil.

Em nosso entender, do citado normativo legal, o que deve extrair-se é que as normas do recurso de apelação previstas no ordenamento jurídico processual administrativo e processual civil são de aplicação subsidiária à Impugnação Judicial estritamente na parte relativa às nulidades das sentenças (na parte em que os conceitos devam ser considerados integralmente coincidentes – e sabemos que tal não ocorre no que respeita à alínea d) “ pronúncia indevida” cuja amplitude vai bem mais além do que o mero excesso de pronúncia previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC), isto é, no que respeita ao seu reconhecimento, não no que respeita aos efeitos directos da declaração de anulação, especialmente o conhecimento em substituição previsto nos artigos 662.º do CPC, por tal lhe estar expressamente vedado pela especial disciplina contida no RJAT.

Donde, sendo anulada a sentença ou acórdão arbitral a única consequência é a posterior remessa dos autos ao CAAD para os efeitos que aí forem julgados adequados.

São, pois, estas as razões que nos determinam, como já avançado, a rejeitar liminarmente a pretensão formulada de um potencial conhecimento de mérito deste Tribunal Central em substituição do Tribunal Arbitral.

3. A sentença impugnada detém o seguinte teor:

“I. RELATÓRIO

I.1

1. Em 20.10.2016 a contribuinte A…, S.A. com sede na Rua …, …, …-…, …, com o número de pessoa coletiva e de identificação fiscal…, requereu nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do colectivo de três árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 21 de Dezembro de 2016.

3. A Requerente não procedeu à nomeação dos árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º2, al. a) do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

4. A AT apresentou a sua resposta em 2 de fevereiro de 2017.

5. Por despacho de 03.02.2017, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e fixada a data para prolação da decisão o dia 5 de Julho de 2017.

6. A Requerente apresentou alegações, no dia 24.02.2017

7. A Requerida apresentou as suas alegações em 01 de março de 2017.

8. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, a ilegalidade das autoliquidações de IRC, relativas ao exercício de 2013 (liquidação n.º 2015…) e 2014 (liquidação n.º 2015…) e, bem assim, a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

Em consequência da aprovação das candidaturas ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), foram atribuídos à Requerente créditos fiscais nos montantes de € 65.938,28 com referência ao exercício de 2012 e € 552.570,13 com referência ao exercício de 2013.

A Requerente utilizou nos exercícios em análise (2013 e 2014) parte dos créditos fiscais disponíveis.

Igualmente, nos períodos de tributação em causa (2013 e 2014), a Requerente incorreu em despesas que foram sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.° do Código do IRC no montante de € 119.080,77 em 2013 e € 123.999,81 em 2014.

A Declaração Modelo 22 e o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não o permitiam, à data em que foram efetuadas as autoliquidações de IRC cuja anulação se requer, que a Requerente deduzisse a totalidade dos montantes de SIFIDE reportáveis à coleta apurada nos períodos de tributação de 2013 e 2014, a qual inclui os montantes apurados a título de tributação autónoma.

No entendimento da Requerente o apuramento da coleta das tributações autónomas é efetuada nos termos do referido artigo 90.º do Código do IRC pelo que não deve subsistir quaisquer obstáculos à dedução do crédito de imposto decorrente do SIFIDE à coleta proveniente das tributações autónomas.

Aliás, a introdução do novo artigo 23.°- A do Código do IRC vem clarificar que as tributações autónomas se devem conter na parte “O IRC” do referido artigo e não na parte “outros impostos”, uma vez que a referência a outros impostos se mantém, sendo as tributações autónomas incluídas como parte integrante do IRC, o que é claro na redação da alínea a) do n.° 1 daquele preceito na parte que refere “O IRC, incluindo as tributações autónomas”.

A simples realização de determinada despesa não determina de forma instantânea o montante de tributação autónoma a ser suportado, pois a mesma está intimamente relacionada com o resultado apurado no período de tributação em causa.

Torna-se claro para a Requerente que as tributações autónomas, como o restante IRC, são um imposto de formação sucessiva, podendo o apuramento de ambos, dependente do resultado final de determinado exercício ser reconduzido a um lucro tributável ou a um prejuízo fiscal.

Mais, prossegue a Requerente alegando que o apuramento da tributação autónoma não é efetuado de forma independente, mas sim com algumas diferenças, quais sejam a taxa aplicável e a incidência, estando todas essas diferenças expressamente previstas no Código do IRC.

Nestes termos, é manifesto que existe apenas uma norma em todo o CIRC que regula a liquidação do IRC, sendo essa norma o artigo 90.° do Código do IRC.

É, nestes termos, absolutamente claro para a Requerente que a liquidação da tributação autónoma não é efetuada de modo separado, independente ou diferente do disposto no artigo 90.° do CIRC, uma vez que aceitar tal facto significaria aceitar a existência de uma liquidação efetuada sem base normativa, e como tal estaria enferma de ilegalidade e, neste caso, de inconstitucionalidade (art. 103º, n.º 3 da CRP).

Deve ser reconhecido que o apuramento da coleta das tributações autónomas é efetuada nos termos do referido artigo 90.º do Código do IRC pelo que deve ser admitida a dedução do crédito de imposto decorrente do SIFIDE à coleta proveniente das tributações autónomas.

Em face do exposto, a Requerente entende que se deverá reconhecer nos presentes autos o seu direito de deduzir o seu crédito fiscal atribuído por via do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, no valor de € 119.080,77 em 2013 e € 123.999,81 em 2014.

Mais alega a Requerente que os benefícios fiscais são derrogatórios dos princípios da generalidade e da igualdade da tributação e são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa.

“Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.”.

Para além da quantia referente a imposto indevidamente liquidado, a Requerente peticiona o seu ressarcimento através do pagamento de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, 43.º, n.º 4 da LGT, 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril.

I.B. Na sua resposta a AT invocou, o seguinte:

Os montantes em que se traduz o SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis.

Para a Requerida a colecta a que se refere o artigo 90º quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação. (cf. artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do CIRC).

Elucidativo da circunstância de que o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido, e apenas, à colecta assim apurada, ou seja, à colecta apurada com base na matéria colectável, é o disposto no artigo 5º, alínea a), da lei reguladora do SIFIDE, que impede que os créditos dele decorrente sejam deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos .

E muito menos no que respeita à consideração das tributações autónomas, que, como é sabido, são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do artigo 90 ° do CIRC.

Assim, não seria razoável para a Requerida, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.

Prossegue a Requerida alegando que a situação que ficou mais clara na nova redacção da alínea a) do n.º1 do artigo 23.º-A do CIRC, a qual expressamente refere que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável: “O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros "tendo-se limitado a explicitar o que já decorria da ordem jurídica por aplicação das regras de interpretação.

Nesse sentido, seria contrário ao espírito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 90.° do CIRC, fosse retirado, ou pelo menos desvirtuado, às tributações autónomas esse caráter anti-abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.

Isto posto, resulta claro que não devem as tributações autónomas ser consideradas para efeitos das deduções referidas no n.º 2 do artigo 90.° do CIRC.

II. SANEAMENTO

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

III. THEMA DECIDENDUM

A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se as autoliquidações de IRC (incluindo as tributações autónomas) relativas aos exercícios de 2013 e 2014 padecem do vício material de violação de lei, objeto de impugnação porquanto, segundo entende, não deve ser vedada a dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC correspondente às tributações autónomas.

IV. – MATÉRIA DE FACTO

IV.1. Factos provados

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

A Requerente candidatou-se ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE).

Em consequência da aprovação das candidaturas foram-lhe atribuídos créditos fiscais nos montantes de € 65.938,28 com referência ao exercício de 2012 e € 552.570,13 com referência ao exercício de 2013.

A Requerente é uma entidade sujeita e não isenta de IRC, tendo efetuado as correspondentes autoliquidações de IRC de 2013 (liquidação n.º 2015…) e 2014 (liquidação n.º 2015…) mediante a apresentação das respetivas declarações Modelo 22.

A declaração de 2013 foi entregue em 13.03.2015 e a declaração de 2014 foi entregue em 21.05.2015.

A Requerente utilizou nos exercícios de 2013 e 2014 parte dos créditos fiscais disponíveis, no montante de € 167.190,25 em 2013 e no montante de € 102.145,48 em 2014.

A Requerente tinha a sua situação tributária regularizada junto do Estado.

A Requerente fez constar do processo de documentação fiscal como foi apurado o crédito fiscal declarado.

Após a dedução parcial do crédito fiscal atribuído, a Requerente ficou com um crédito fiscal no montante de € 350.417,15, para deduzir nos exercícios seguintes.

Nos períodos de tributação de 2013 e 2014, a Requerente incorreu em despesas que foram sujeitas a tributação autónoma, no montante de € 119.080,77 em 2013 e € 123.999.81 em 2014.

A Declaração Modelo 22 e o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não o permitem que a Requerente deduza a totalidade dos montantes de SIFIDE aos montantes apurados a título de tributação autónoma.

A Requerente apresentou, em 17 de maio de 2016, uma Reclamação Graciosa contra as autoliquidações de IRC de 2013 e 2014.

A Reclamação Graciosa não foi decidida.

IV.2. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

IV.3. Motivação da matéria de facto

Os factos que constam dos números 1 a 12 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 9 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral) e pela posição assumida pelas partes.

V. Aplicação do direito aos factos

V.1.1. A natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina

No sentido de com as tributações autónomas se tributar a despesa e não o rendimento aponta-se, entre o mais, o voto de vencido do Exmo Senhor Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010 do Tribunal Constitucional, em que afirma, referindo-se às tributações Autónomas:

“Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta.

Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC”.

Foi igualmente reconhecido pela jurisprudência do STA (2.ª secção, processo 830/11, de 21-03-2012) “que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC.

Refira-se, contudo, que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afectas á actividade empresarial e “indispensáveis” pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites.

Por sua vez, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 18/11, diz-nos que existem factos sujeitos a tributação autónoma, que correspondem a “encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos” e que por isso a proibição da aplicação retroativa da lei nova não se aplica, pois tais encargos teriam sido incorridos independentemente do regime fiscal aplicável: isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas. Este argumento do Tribunal Constitucional, a propósito da aplicação retroativa da lei fiscal às tributações autónomas (e esta matéria da aplicação da lei no tempo não cabe no objeto desta decisão), interessa-nos apenas salientar que o Tribunal reconhece que este regime constitui uma limitação à tributação do rendimento real (a qual é garantida pelo art.º 104.º n.º 2 da CRP).

Em recente Acórdão (n.º 310/12, de 20 de Junho, Relator Conselheiro João Cura Mariano), o Tribunal Constitucional vem reformular a doutrina do Acórdão n.º 18/11, aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do Acórdão do STA n.º 830/11, todos citados nos parágrafos anteriores, nos termos seguintes. “Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º,n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.”

Jurisprudência reiterada pelo Acórdão do Plenário, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e no Acórdão n.º 197/2016, processo n.º 465/2015.

Em relação à doutrina constatamos que, no essencial, o conceito e a natureza das tributações autónomas não se afasta substancialmente do entendimento da jurisprudência produzida pelo Tribunal Constitucional.

Como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.” (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203).

No mesmo sentido, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas colectivas e não despesa por elas efectuadas -, mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente”. Também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614. No mesmo sentido, cfr. ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal, Lições, 2015, p. 237).

Em suma, alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa. Assim, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.

Acresce que é aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/accionistas da sociedade. Como refere SALDANHA SANCHES, “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.” (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406). “Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam…” (CASALTA NABAIS, Idem, p. 614).

V.1.2. Evolução da figura das tributações autónomas

Na redação inicial do Código do IRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, não se fazia nenhuma referência expressa ou implícita a tributações autónomas, no âmbito do IRC. Só com a Lei n.º 101/89, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1990, foi feita uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que consta do n.º 3 do seu artigo 15.º, em que se preceitua o seguinte:

3 - Fica o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código.

Como é consabido, a origem no ordenamento jurídico fiscal português das tributações autónomas remonta a 1990, com a publicação do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de junho, onde concretamente no seu artigo 4º, com relação a despesas confidenciais ou não documentadas se estabelecia uma tributação autónoma à taxa de 10% e, relativamente a despesas de representação e encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, uma taxa de 6,4%. Concretizando esta autorização legislativa, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 192/90, em que incluiu, à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas em que se estabelece o seguinte:

Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho

Artigo 4.º

As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.

Esta norma e de uma forma geral, o regime das tributações autónomas, veio a ser objeto de diversas alterações (v. g. a Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro; a Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro; a Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril; a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) nomeadamente através de sucessivas modificações, quer das taxas, quer da sistematização e redação às mesmas conferida, nos respetivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos, ou seja, quer no CIRC, quer no CIRS.

Com a aprovação da Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, o Decreto que consagrou as “tributações autónomas” foi revogado, aditando-se ao CIRC o artigo 69º-A – correspondente à data dos factos subjacentes (2012 e 2013) ao artigo 88º, onde para além da manutenção da incidência destas às despesas não documentadas, às despesas de representação e às despesas com viaturas, se estendeu a mesma a outras situações da natureza diversa.

Podemos, assim, retirar duas ilações de princípio:

(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC;

(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos.

Em relação às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, caso se admitisse a sua dedutibilidade, estaria a admitir-se a dedutibilidade de um encargo não indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Podendo ter-se como assente, e para o que relevará no sentido da decisão a proferir no âmbito dos presentes autos os seguintes pressupostos:

(i) as tributações autónomas de IRC ancoradas nos diversos números e alíneas do artigo 88º do CIRC traduzem situações diversas, às mesmas cabendo também taxas de tributação diferentes;

(ii) as tributações autónomas de IRC incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria coletável;

(iii) interpretadas como pagamentos, associados ao IRC, ou com este pelo menos relacionado podendo entender-se como uma exceção no que respeita ao princípio da tributação das pessoas coletivas de acordo com o lucro real e efetivo apurado (artigo 3º do CIRC),

(iv) nas tributações autónomas, o facto tributário que dá origem à tributação é instantâneo: esgota-se no acto de realização de determinadas despesas que estão sujeitas a tributação (embora o apuramento do montante de imposto resultante das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesas consideradas, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário);

(v) o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não o transforma num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa;

(vi) a tributação autónoma não é equivalente à não dedutibilidade das despesas realizadas pelo sujeito de IRC.

Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a) A tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b) Pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;

c) Trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

d) Considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exata da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.

V.1.3.A causa e a função das tributações autónomas em sede de IRC

É pacífico que as tributações autónomas radicam, como se aflorou, na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objeto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são suscetíveis de configurar formalmente um gasto da pessoa coletiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto.

Ciente desta dificuldade de muitas vezes, se efetuar uma separação rigorosa destas duas realidades, foi sucessivamente “enxertado”, conforme supra descrito, no regime de tributação do lucro real e efetivo estabelecido no CIRC, como padrão geral, um regime autónomo de tributação de certos gastos, no todo ou em parte indesejados e indesejáveis que contaminam os termos do dever de imposto, que assim, surge configurado abaixo da real capacidade contributiva da entidade que a releva como tal.

Nestes termos, na ontologia das coisas pode afirmar-se que as tributações autónomas surgem integradas no regime do IRC, são apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e é no quadro dela que se efetua o seu apuramento. Mas não “são IRC”, tout court como a Requerente lapidar e definitivamente o afirma. Para que o fossem teriam, desde logo, que tributar o rendimento, e isso não é o que sucede, em momento algum, pelo que, neste respeito, não nos parece necessário lucubrar mais profundamente. Embora exista – não se nega -, uma instrumentalidade evidente entre o IRC e o modelo de tributação da renda em Portugal e as tributações autónomas, facto de resto bem evidenciado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, em especial, do Tribunal Constitucional, prevalece o entendimento de que as tributações autónomas tributam despesas.

De facto, elas são um instrumento que, afastando-se e introduzindo alguma medida de entorse num sistema que declara tributar rendimentos reais e efetivos, afinal também tributa gastos, dedutíveis ou não em IRC. Sem que com isso fiquem violados os ditames constitucionais já que a norma aplicável (art.º 104.º, n.º 2 da CRP) declara imperativa a tributação das empresas “fundamentalmente” sobre o seu rendimento real, sem prejuízo quer das situações de tributação segundo os lucros ou o rendimento real quando seja apurado por métodos indiretos, quer das situações de tributação de gastos objeto de tributação autónoma por expressa opção de lei, do estabelecimento de soluções técnicas como é o caso do pagamento especial por conta e das regras específicas visando a sua devolução.

Vale lembrar, a propósito, que nem os sistemas fiscais nem os modelos de imposição concreta correspondem a modelos puros, isentos de elementos de extraneidade ao próprio sistema fundacional, de valores, ou ao próprio regime geral de um qualquer imposto abstratamente considerado. Todos os impostos possuem caraterísticas ou soluções que, quando vistas isoladamente, podem representar objetivamente uma descaraterização do modelo tal como na pureza dos conceitos foi concebido, mas que, quando articuladas com o modelo, se verifica que concorrem para a sua efetividade, e lhe conferem ou reforçam a sua coerência.

Essas soluções, mais pragmáticas ou específicas, não ferem tais ditames valorativos essenciais, sejam eles de proteção da receita ou de densificação dos ideais valorativos gerais (da ordem tributária) ou específicos do imposto, como é o caso da necessidade de evitamento de abusos. Desde que, eles mesmos não sejam de tal modo relevantes que abjurem o modelo de tributação-regra ou falseiem estruturalmente os valores em que radica.

Embora, no caso, a opção da lei fundamental e da lei ordinária, por consequência, haja sido claramente no sentido de tributar o rendimento das pessoas coletivas e, nas formas possíveis de apuramento deste se haja escolhido a tributação do rendimento real e efetivo como manifestação do mais elevado padrão de justiça fiscal, a verdade é que o sistema sempre conheceu desvios mais ou menos relevantes. Seja porque certos gastos não são considerados como tal pela lei fiscal, embora objetivamente possam ser imputáveis a uma atividade comercial, seja porque a lei fiscal, reconhecendo essa essencialidade, teme a ocorrência de abusos, como é o caso das tributações autónomas, genericamente falando.

Em parte este afastamento da pureza dos conceitos é uma consequência inevitável da complexidade das relações da vida, seja porque modelos de imposição fiscal puros são mais onerosos de implementar e gerir já que requerem informação relevante muito mais apurada, seja porque no campo dos impostos, como noutros campos da vida, há que temperar o ideal de justiça consagrado com soluções de razoabilidade normativa na qualificação dos factos relevantes e técnica nas soluções e exigências a estabelecer. Tudo para evitar que os modelos tributários sejam excessivamente complexos e onerosos deixando de atingir as realidades e práticas que mitiguem a carga tributária ou concorram para uma má distribuição da mesma.

Ora, deste balanceamento dos valores que suportam o dever de estabelecer / suportar imposto com as realidades da vida pode resultar a necessidade de estabelecer limites (fiscais ou outros) ao comportamento dos sujeitos passivos, em ordem a manter dentro de padrões gerais de equilíbrio, as soluções legais do sistema.

Por outro lado, importa ter presente, porque isso releva para efeitos da decisão a tomar, que as TA’s configuram normas anti - abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes face ao dever de imposto, pelos quais tradicionalmente conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efetivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada. E com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.

Consequentemente, faz sentido admitir que se façam deduções gerais à coleta do imposto, que são permitidas por lei para dar sentido efetivo ao princípio da tributação do rendimento real e efetivo. Mas que, com relação à coleta devida por tributações autónomas, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti abusivo que as impregna; o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.

Ora, as tributações autónomas, como parece claro, não têm uma finalidade marcadamente reditícia, isto é, não visam, primacialmente, a obtenção de (mais) receita fiscal, embora este possa não ser um aspeto despiciendo, verificável. Elas visam dissuadir comportamentos, práticas ou opções das empresas radicadas em razões essencialmente de natureza de poupança fiscal, reditícia. Por outro lado, preservam os equilíbrios próprios do regime de tributação das pessoas coletivas, evitando distorções não apenas ao nível dos resultados tributáveis, como ondas de comportamentos desviantes, afetadores da expetativa jurídica da receita, em cada ano económico.

E forçam, através destas cláusulas gerais anti abuso, a manutenção de uma correlação saudável entre os volumes de negócios, os lucros tributáveis e o imposto devido a final pelas entidades sujeitas a IRC, em linha com os níveis médios de carga fiscal efetiva que recai sobre os diferentes grupos de contribuintes, dentro do sistema fiscal português e, até, comparativamente com a dos estados membros da OCDE ou fora dela.

As tributações autónomas, incluindo as previstas na alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do CIRC têm, pois, uma função disciplinadora geral que não é alheia às finalidades sistémicas do imposto. E isto porque elas – as tributações autónomas – como mecanismo anti abuso, não são alheias aos fins gerais do sistema fiscal.

A adoção de regimes legais que limitem os efeitos nefastos que resultem de comportamentos afetadores da equilibrada repartição da carga fiscal sobre os diferentes grupos de contribuintes não constitui apenas uma opção do legislador, mas é, antes, uma obrigação estrita, em resultado na obrigatoriedade de gizar e fazer funcionar o sistema como um todo de forma equilibrada. As tributações autónomas introduzem, é certo, mecanismos de tributação que, naturalmente, desagradarão aos seus destinatários, mas impedem ou limitam os efeitos nefastos de práticas abusivas que prejudicariam outros e são, por isso, necessárias à preservação dos equilíbrios do sistema. Ora, as empresas, tal como as pessoas singulares, também estão sujeitas e com a mesma intensidade ao dever geral de pagar impostos e, nesta medida, a lei fiscal não pode deixar de consagrar mecanismos que limitem procedimentos desviantes. Exatamente porque cada um deve suportar o imposto segundo o que pode, isto é, segundo são as suas capacidades contributivas reveladas.

Importa notar que nos nossos dias se adotou, como regra geral, o regime da tributação segundo o rendimento real e efetivo para as pessoas coletivas. Ora, este não constitui apenas uma mera opção de funcionamento do sistema fiscal, de entre várias outras possíveis. Ela é, antes, uma manifestação concreta da modernidade e da maturidade de um sistema fiscal que exige dos seus destinatários / beneficiários uma madureza da mesma estatura pois representa também uma nova forma de responsabilização ética e social perante o fenómeno do imposto (a propósito das questões sobre os limites da moral face ao imposto vejam-se SUSANNE LANDREY, STEF VAN WEEGHEL e FRANK EMMERINK). Pois que existe uma interligação profunda e indiscutível entre o direito e a moral (JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 9.ª Reimp. pp. 50 e segs.).

Como referiu oportunamente SALDANHA SANCHES, citado na Decisão Arbitral 187/2013-T, pp. 28, que as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a atuações abusivas: “... que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis. Este caráter anti abuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita. Elas “terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)” (A Decisão Arbitral do CAAD 210/13-T fala em “despesas que partilham entre si um risco de não empresarialidade, isto é, um risco de não serem realizadas com fins empresariais, mas sim extra-empresariais ou privados”.

Todas estas considerações convocam o que nos parece ser a verdadeira sententia legis, posto que a descoberta do verdadeiro sentido da lei constitui um imperativo, pois que importa assegurar que a atividade do intérprete atinja um sentido interpretativo pelo qual a lei exteriorize o seu sentido mais benéfico, mais profícuo e mais salutar, no dizer de FRANCESCO FERRARA, no seu Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado, editores, 1978, p. 137 e segs. Por outro lado, o sentido lógico da interpretação não nos conduz senão no sentido de que as tributações autónomas assentam numa lógica segundo a qual a lei pretende evitar ou desincentivar tais pessoas coletivas de relevar (abusivamente) como gastos valores relativos a bónus ou remunerações variáveis. É a relevação como gasto para efeitos de IRC, na sua inteireza, que se pretende desincentivar.

Fazendo apelo à ratio legis fica claro que as tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação do IRC de acordo com uma raiz e uma dogmática próprias que levam a que a colecta total do imposto não seja uma realidade unitária mas composta (MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis). Assim, é nela possível descortinar a coleta de imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do CIRC e nos termos e modos ali referenciados.

A esta coleta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adoção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do Código do IRC, que configura, com é pacífica doutrina, uma norma anti abuso, o que nos permite convocar aqui toda a dogmática própria em que se fundamenta. Sendo que, neste caso, por se tratar de cumprir finalidades que extravasam os fins puramente reditícios do imposto, para se situar no campo dos comportamentos que a lei considera abusivos e / ou não desejados, nos parece claro que não faz sentido que se lhe efetuem deduções, sob pena de se esvaziar, na prática, de qualquer sentido o regime anti abusivo criado.

Atento o que vai exposto, estamos agora em condições de analisar o pedido da Requerente, quanto à legalidade da dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC correspondente às tributações autónomas.

V. 2. Quanto à não dedutibilidade do SIFIDE

Concluiu-se que a coleta das tributações autónomas tem uma raiz diferente, que não pode, sob pena de subversão da ordem de valores, permitir a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir.

Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso, está em causa o SIFIDE[1], pelo cumprimento dos objetivos ou adoção das condutas fixadas na norma consagradora do direito ao benefício fiscal) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e anti ético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do CIRC).

Conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE para 2016), ao n.º 21) do artigo 88.º do CIRC, que passa a ter o seguinte conteúdo: “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”

Em suma, o legislador ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC com o conteúdo mencionado limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes como ficou demonstrado pelo raciocínio supra exposto.

Assim sendo, por tudo quanto vai exposto, improcede também o argumento invocado pela Requerente, no sentido da ilegalidade das liquidações, por ausência de base legal para a sua efetivação, com base nos artigos 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e 103.º, n.º 3, da Constituição, preceito este que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

Com efeito, a solução encontrada por este coletivo encontra base legal clara sem necessitar sequer de fazer aplicação da norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, como ficou demonstrado da argumentação supra exposta.

Termos em que, não assiste razão à Requerente, pelas razões e com os fundamentos invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao SIFIDE à coleta das tributações autónomas.

V. 3 Juros Indemnizatórios

A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.

Mantendo-se os atos tributários sindicados, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.

VI. DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

1. Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa e das consequentes autoliquidações de IRC, relativas ao exercício de 2013 (liquidação n.º 2015…) e 2014 (liquidação n.º 2015…);

2. Manter integralmente os atos tributários objeto deste processo;

3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

4. Fundamentação de Direito

Deixámos já identificado no ponto 2. deste acórdão que os fundamento da presente Impugnação Judicial se reconduzem às alegadas contradição dos fundamentos com a decisão e omissão de pronúncia, ou seja, aos fundamentos previstos no artigo 28.º, n.º 1 als. b) e c, 2ª parte, do RJAT, que, como é sabido, se reconduzem aos vícios da sentença previstos no artigo 615.º als. c) e d), 1ª parte, do Código de Processo Civil: é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Considerando que a jurisprudência, há longas décadas, se vem pronunciando sobre os vícios-fundamento desta Impugnação, limitar-nos-emos a acolher a densificação que sobre eles vem sendo realizada.

Assim, quanto à contradição entre os fundamentos e a decisão, é importante sublinhar que não é suficiente, para que a mesma se declare verificada, que haja uma divergência entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) a que o legislador não julgou ser de atribuir a gravidade da sanção de nulidade da sentença.

Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento». Ou seja, a contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente», (3) isto é, “verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso». (4)

No que respeita ao segundo dos fundamentos invocados – omissão de pronúncia, salientamos apenas que, recaindo sobre o juiz o dever de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, salvo aquelas cujas decisões fiquem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608.º, n.º 2 do CPC), impõe-se-lhe que aprecie toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos os pedidos que, em consequência dessa alegação, lhe formulem. Excepções legalmente admissíveis são, assim, apenas as que se prendem com as alegações ou pedidos que devam ser entendidos como irrelevantes, cuja apreciação se revelar inútil por força do enquadramento jurídico escolhido ou por força de resposta que tenha sido dada a questões previamente decididas.

Em suma, o dever de pronúncia impõe que o juiz aprecie «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as questões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objecto de litígio.» (5)

Conclui-se, pois, do que vimos expondo, que a sentença não padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia se nela o juiz apreciou todos os problemas ou questões fundamentais do objecto de litígio, ainda que não se pronuncie sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, por aquela nulidade pressupor, necessariamente, uma omissão absoluta da questão (ões) fundamental (ais) colocada (as). Ou seja, só há omissão de pronúncia e, consequentemente, nulidade da sentença, se o Tribunal não apreciar nem declarar expressamente prejudicada uma questão suscitada por qualquer uma das partes.

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, temos que, no acórdão recorrido (6) – e destacaremos apenas o essencial para as questões que nos cumprem decidir - o Tribunal Arbitral começou por identificar as partes, os actos impugnados e o pedido sobre o qual o Tribunal Arbitral se devia pronunciar (“8. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, a ilegalidade das autoliquidações de IRC, relativas ao exercício de 2013 (liquidação n.º 2015…) e 2014 (liquidação n.º 2015…) e, bem assim, a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.”).

Posteriormente, o Tribunal Arbitral realçou - de forma manifestamente abrangente – os argumentos que lhe pareceram ter sido os mais relevantes na argumentação de ambas as partes e as conclusões que desses cada uma delas extraía (“I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos://Em consequência da aprovação das candidaturas ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), foram atribuídos à Requerente créditos fiscais nos montantes de € 65.938,28 com referência ao exercício de 2012 e € 552.570,13 com referência ao exercício de 2013.//A Requerente utilizou nos exercícios em análise (2013 e 2014) parte dos créditos fiscais disponíveis.//Igualmente, nos períodos de tributação em causa (2013 e 2014), a Requerente incorreu em despesas que foram sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.° do Código do IRC no montante de € 119.080,77 em 2013 e € 123.999,81 em 2014.//A Declaração Modelo 22 e o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não o permitiam, à data em que foram efetuadas as autoliquidações de IRC cuja anulação se requer, que a Requerente deduzisse a totalidade dos montantes de SIFIDE reportáveis à coleta apurada nos períodos de tributação de 2013 e 2014, a qual inclui os montantes apurados a título de tributação autónoma.//No entendimento da Requerente o apuramento da coleta das tributações autónomas é efetuada nos termos do referido artigo 90.º do Código do IRC pelo que não deve subsistir quaisquer obstáculos à dedução do crédito de imposto decorrente do SIFIDE à coleta proveniente das tributações autónomas.//Aliás, a introdução do novo artigo 23.°- A do Código do IRC vem clarificar que as tributações autónomas se devem conter na parte “O IRC” do referido artigo e não na parte “outros impostos”, uma vez que a referência a outros impostos se mantém, sendo as tributações autónomas incluídas como parte integrante do IRC, o que é claro na redação da alínea a) do n.° 1 daquele preceito na parte que refere “O IRC, incluindo as tributações autónomas”.//A simples realização de determinada despesa não determina de forma instantânea o montante de tributação autónoma a ser suportado, pois a mesma está intimamente relacionada com o resultado apurado no período de tributação em causa.//Torna-se claro para a Requerente que as tributações autónomas, como o restante IRC, são um imposto de formação sucessiva, podendo o apuramento de ambos, dependente do resultado final de determinado exercício ser reconduzido a um lucro tributável ou a um prejuízo fiscal.//Mais, prossegue a Requerente alegando que o apuramento da tributação autónoma não é efetuado de forma independente, mas sim com algumas diferenças, quais sejam a taxa aplicável e a incidência, estando todas essas diferenças expressamente previstas no Código do IRC.//Nestes termos, é manifesto que existe apenas uma norma em todo o CIRC que regula a liquidação do IRC, sendo essa norma o artigo 90.° do Código do IRC.//É, nestes termos, absolutamente claro para a Requerente que a liquidação da tributação autónoma não é efetuada de modo separado, independente ou diferente do disposto no artigo 90.° do CIRC, uma vez que aceitar tal facto significaria aceitar a existência de uma liquidação efetuada sem base normativa, e como tal estaria enferma de ilegalidade e, neste caso, de inconstitucionalidade (art. 103º, n.º 3 da CRP).//Deve ser reconhecido que o apuramento da coleta das tributações autónomas é efetuada nos termos do referido artigo 90.º do Código do IRC pelo que deve ser admitida a dedução do crédito de imposto decorrente do SIFIDE à coleta proveniente das tributações autónomas.//Em face do exposto, a Requerente entende que se deverá reconhecer nos presentes autos o seu direito de deduzir o seu crédito fiscal atribuído por via do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, no valor de € 119.080,77 em 2013 e € 123.999,81 em 2014. Mais alega a Requerente que os benefícios fiscais são derrogatórios dos princípios da generalidade e da igualdade da tributação e são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa. “Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.”. Para além da quantia referente a imposto indevidamente liquidado, a Requerente peticiona o seu ressarcimento através do pagamento de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, 43.º, n.º 4 da LGT, 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril.// I.B. Na sua resposta a AT invocou, o seguinte: Os montantes em que se traduz o SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis. Para a Requerida a colecta a que se refere o artigo 90º quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação. (cf. artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do CIRC). Elucidativo da circunstância de que o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido, e apenas, à colecta assim apurada, ou seja, à colecta apurada com base na matéria colectável, é o disposto no artigo 5º, alínea a), da lei reguladora do SIFIDE, que impede que os créditos dele decorrente sejam deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos//E muito menos no que respeita à consideração das tributações autónomas, que, como é sabido, são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do artigo 90 ° do CIRC.//Assim, não seria razoável para a Requerida, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.//Prossegue a Requerida alegando que a situação que ficou mais clara na nova redacção da alínea a) do n.º1 do artigo 23.º-A do CIRC, a qual expressamente refere que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável: “O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros "tendo-se limitado a explicitar o que já decorria da ordem jurídica por aplicação das regras de interpretação.//Nesse sentido, seria contrário ao espírito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 90.° do CIRC, fosse retirado, ou pelo menos desvirtuado, às tributações autónomas esse caráter anti-abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.//Isto posto, resulta claro que não devem as tributações autónomas ser consideradas para efeitos das deduções referidas no n.º 2 do artigo 90.° do CIRC.).”

Após, realizou o saneamento dos autos e identificou a questão a decidir A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se as autoliquidações de IRC (incluindo as tributações autónomas) relativas aos exercícios de 2013 e 2014 padecem do vício material de violação de lei, objeto de impugnação porquanto, segundo entende, não deve ser vedada a dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC correspondente às tributações autónomas.”, selecionou os factos que julgava provados e não provados, efectuando a respectiva motivação.

De seguida, tendo em vista a aplicação do direito aos factos, o Tribunal Arbitral procedeu a uma incursão pela “natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina”, salientando, a final queEm suma, alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa. Assim, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.” E que “Acresce que é aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/accionistas da sociedade. Como refere SALDANHA SANCHES, “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.” (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406). “Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam…”(CASALTA NABAIS, Idem, p. 614).”, fez uma resenha da evolução legal associada às tributações autónomas desde a sua consagração originária, extraindo as “ duas ilações de princípio” a considerar “(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC;//(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos.”, explicitando que “Em relação às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, caso se admitisse a sua dedutibilidade, estaria a admitir-se a dedutibilidade de um encargo não indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” e sublinhando que “Podendo ter-se como assente, e para o que relevará no sentido da decisão a proferir no âmbito dos presentes autos os seguintes pressupostos:(i) as tributações autónomas de IRC ancoradas nos diversos números e alíneas do artigo 88º do CIRC traduzem situações diversas, às mesmas cabendo também taxas de tributação diferentes;//(ii) as tributações autónomas de IRC incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria coletável;//(iii) interpretadas como pagamentos, associados ao IRC, ou com este pelo menos relacionado podendo entender-se como uma exceção no que respeita ao princípio da tributação das pessoas coletivas de acordo com o lucro real e efetivo apurado (artigo 3º do CIRC),//(iv) nas tributações autónomas, o facto tributário que dá origem à tributação é instantâneo: esgota-se no acto de realização de determinadas despesas que estão sujeitas a tributação (embora o apuramento do montante de imposto resultante das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesas consideradas, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário);//(v) o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não o transforma num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa;//(vi) a tributação autónoma não é equivalente à não dedutibilidade das despesas realizadas pelo sujeito de IRC.”.”, reconhecendo nos normativos legais as características anteriormente apontadas pela doutrina e identificou “A causa e a função das tributações autónomas em sede de IRC”.

E, por fim, numa súmula do que anteriormente apurara, de facto e de direito, centrando-se na questão colocada nos autos, expendeu o seguinte juízo:

“Nestes termos, na ontologia das coisas pode afirmar-se que as tributações autónomas surgem integradas no regime do IRC, são apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e é no quadro dela que se efetua o seu apuramento. Mas não “são IRC”, tout court como a Requerente lapidar e definitivamente o afirma. Para que o fossem teriam, desde logo, que tributar o rendimento, e isso não é o que sucede, em momento algum, pelo que, neste respeito, não nos parece necessário lucubrar mais profundamente. Embora exista – não se nega -, uma instrumentalidade evidente entre o IRC e o modelo de tributação da renda em Portugal e as tributações autónomas, facto de resto bem evidenciado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, em especial, do Tribunal Constitucional, prevalece o entendimento de que as tributações autónomas tributam despesas.//De facto, elas são um instrumento que, afastando-se e introduzindo alguma medida de entorse num sistema que declara tributar rendimentos reais e efetivos, afinal também tributa gastos, dedutíveis ou não em IRC. Sem que com isso fiquem violados os ditames constitucionais já que a norma aplicável (art.º 104.º, n.º 2 da CRP) declara imperativa a tributação das empresas “fundamentalmente” sobre o seu rendimento real, sem prejuízo quer das situações de tributação segundo os lucros ou o rendimento real quando seja apurado por métodos indiretos, quer das situações de tributação de gastos objeto de tributação autónoma por expressa opção de lei, do estabelecimento de soluções técnicas como é o caso do pagamento especial por conta e das regras específicas visando a sua devolução.

Vale lembrar, a propósito, que nem os sistemas fiscais nem os modelos de imposição concreta correspondem a modelos puros, isentos de elementos de extraneidade ao próprio sistema fundacional, de valores, ou ao próprio regime geral de um qualquer imposto abstratamente considerado. Todos os impostos possuem caraterísticas ou soluções que, quando vistas isoladamente, podem representar objetivamente uma descaraterização do modelo tal como na pureza dos conceitos foi concebido, mas que, quando articuladas com o modelo, se verifica que concorrem para a sua efetividade, e lhe conferem ou reforçam a sua coerência.

Essas soluções, mais pragmáticas ou específicas, não ferem tais ditames valorativos essenciais, sejam eles de proteção da receita ou de densificação dos ideais valorativos gerais (da ordem tributária) ou específicos do imposto, como é o caso da necessidade de evitamento de abusos. Desde que, eles mesmos não sejam de tal modo relevantes que abjurem o modelo de tributação-regra ou falseiem estruturalmente os valores em que radica.

Embora, no caso, a opção da lei fundamental e da lei ordinária, por consequência, haja sido claramente no sentido de tributar o rendimento das pessoas coletivas e, nas formas possíveis de apuramento deste, se haja escolhido a tributação do rendimento real e efetivo como manifestação do mais elevado padrão de justiça fiscal, a verdade é que o sistema sempre conheceu desvios mais ou menos relevantes. Seja porque certos gastos não são considerados como tal pela lei fiscal, embora objetivamente possam ser imputáveis a uma atividade comercial, seja porque a lei fiscal, reconhecendo essa essencialidade, teme a ocorrência de abusos, como é o caso das tributações autónomas, genericamente falando.

Em parte este afastamento da pureza dos conceitos é uma consequência inevitável da complexidade das relações da vida, seja porque modelos de imposição fiscal puros são mais onerosos de implementar e gerir já que requerem informação relevante muito mais apurada, seja porque no campo dos impostos, como noutros campos da vida, há que temperar o ideal de justiça consagrado com soluções de razoabilidade normativa na qualificação dos factos relevantes e técnica nas soluções e exigências a estabelecer. Tudo para evitar que os modelos tributários sejam excessivamente complexos e onerosos deixando de atingir as realidades e práticas que mitiguem a carga tributária ou concorram para uma má distribuição da mesma.

Ora, deste balanceamento dos valores que suportam o dever de estabelecer / suportar imposto com as realidades da vida pode resultar a necessidade de estabelecer limites (fiscais ou outros) ao comportamento dos sujeitos passivos, em ordem a manter dentro de padrões gerais de equilíbrio, as soluções legais do sistema.

Por outro lado, importa ter presente, porque isso releva para efeitos da decisão a tomar, que as TA’s configuram normas anti - abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes face ao dever de imposto, pelos quais tradicionalmente conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efetivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada. E com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.

Consequentemente, faz sentido admitir que se façam deduções gerais à coleta do imposto, que são permitidas por lei para dar sentido efetivo ao princípio da tributação do rendimento real e efetivo. Mas que, com relação à coleta devida por tributações autónomas, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti abusivo que as impregna; o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.

Ora, as tributações autónomas, como parece claro, não têm uma finalidade marcadamente reditícia, isto é, não visam, primacialmente, a obtenção de (mais) receita fiscal, embora este possa não ser um aspeto despiciendo, verificável. Elas visam dissuadir comportamentos, práticas ou opções das empresas radicadas em razões essencialmente de natureza de poupança fiscal, reditícia. Por outro lado, preservam os equilíbrios próprios do regime de tributação das pessoas coletivas, evitando distorções não apenas ao nível dos resultados tributáveis, como ondas de comportamentos desviantes, afetadores da expetativa jurídica da receita, em cada ano económico.

E forçam, através destas cláusulas gerais anti abuso, a manutenção de uma correlação saudável entre os volumes de negócios, os lucros tributáveis e o imposto devido a final pelas entidades sujeitas a IRC, em linha com os níveis médios de carga fiscal efetiva que recai sobre os diferentes grupos de contribuintes, dentro do sistema fiscal português e, até, comparativamente com a dos estados membros da OCDE ou fora dela.

As tributações autónomas, incluindo as previstas na alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do CIRC têm, pois, uma função disciplinadora geral que não é alheia às finalidades sistémicas do imposto. E isto porque elas – as tributações autónomas – como mecanismo anti abuso, não são alheias aos fins gerais do sistema fiscal.

A adoção de regimes legais que limitem os efeitos nefastos que resultem de comportamentos afetadores da equilibrada repartição da carga fiscal sobre os diferentes grupos de contribuintes não constitui apenas uma opção do legislador, mas é, antes, uma obrigação estrita, em resultado na obrigatoriedade de gizar e fazer funcionar o sistema como um todo de forma equilibrada. As tributações autónomas introduzem, é certo, mecanismos de tributação que, naturalmente, desagradarão aos seus destinatários, mas impedem ou limitam os efeitos nefastos de práticas abusivas que prejudicariam outros e são, por isso, necessárias à preservação dos equilíbrios do sistema. Ora, as empresas, tal como as pessoas singulares, também estão sujeitas e com a mesma intensidade ao dever geral de pagar impostos e, nesta medida, a lei fiscal não pode deixar de consagrar mecanismos que limitem procedimentos desviantes. Exatamente porque cada um deve suportar o imposto segundo o que pode, isto é, segundo são as suas capacidades contributivas reveladas.

Importa notar que nos nossos dias se adotou, como regra geral, o regime da tributação segundo o rendimento real e efetivo para as pessoas coletivas. Ora, este não constitui apenas uma mera opção de funcionamento do sistema fiscal, de entre várias outras possíveis. Ela é, antes, uma manifestação concreta da modernidade e da maturidade de um sistema fiscal que exige dos seus destinatários / beneficiários uma madureza da mesma estatura pois representa também uma nova forma de responsabilização ética e social perante o fenómeno do imposto (a propósito das questões sobre os limites da moral face ao imposto vejam-se SUSANNE LANDREY, STEF VAN WEEGHEL e FRANK EMMERINK). Pois que existe uma interligação profunda e indiscutível entre o direito e a moral (JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 9.ª Reimp. pp. 50 e segs.).

Como referiu oportunamente SALDANHA SANCHES, citado na Decisão Arbitral 187/2013-T, pp. 28, que as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a atuações abusivas: “... que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis. Este caráter anti abuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita. Elas “terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)” (A Decisão Arbitral do CAAD 210/13-T fala em “despesas que partilham entre si um risco de não empresarialidade, isto é, um risco de não serem realizadas com fins empresariais, mas sim extra-empresariais ou privados”.

Todas estas considerações convocam o que nos parece ser a verdadeira sententia legis, posto que a descoberta do verdadeiro sentido da lei constitui um imperativo, pois que importa assegurar que a atividade do intérprete atinja um sentido interpretativo pelo qual a lei exteriorize o seu sentido mais benéfico, mais profícuo e mais salutar, no dizer de FRANCESCO FERRARA, no seu Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado, editores, 1978, p. 137 e segs. Por outro lado, o sentido lógico da interpretação não nos conduz senão no sentido de que as tributações autónomas assentam numa lógica segundo a qual a lei pretende evitar ou desincentivar tais pessoas coletivas de relevar (abusivamente) como gastos valores relativos a bónus ou remunerações variáveis. É a relevação como gasto para efeitos de IRC, na sua inteireza, que se pretende desincentivar.

Fazendo apelo à ratio legis fica claro que as tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação do IRC de acordo com uma raiz e uma dogmática próprias que levam a que a colecta total do imposto não seja uma realidade unitária mas composta (MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis). Assim, é nela possível descortinar a coleta de imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do CIRC e nos termos e modos ali referenciados.

A esta coleta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adoção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do Código do IRC, que configura, com é pacífica doutrina, uma norma anti abuso, o que nos permite convocar aqui toda a dogmática própria em que se fundamenta. Sendo que, neste caso, por se tratar de cumprir finalidades que extravasam os fins puramente reditícios do imposto, para se situar no campo dos comportamentos que a lei considera abusivos e / ou não desejados, nos parece claro que não faz sentido que se lhe efetuem deduções, sob pena de se esvaziar, na prática, de qualquer sentido o regime anti abusivo criado.

Atento o que vai exposto, estamos agora em condições de analisar o pedido da Requerente, quanto à legalidade da dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC correspondente às tributações autónomas.

V. 2. Quanto à não dedutibilidade do SIFIDE

Concluiu-se que a coleta das tributações autónomas tem uma raiz diferente, que não pode, sob pena de subversão da ordem de valores, permitir a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir.

Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso, está em causa o SIFIDE[1], pelo cumprimento dos objetivos ou adoção das condutas fixadas na norma consagradora do direito ao benefício fiscal) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e anti ético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do CIRC).

Conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE para 2016), ao n.º 21) do artigo 88.º do CIRC, que passa a ter o seguinte conteúdo: “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”

Em suma, o legislador ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC com o conteúdo mencionado limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes como ficou demonstrado pelo raciocínio supra exposto.

Assim sendo, por tudo quanto vai exposto, improcede também o argumento invocado pela Requerente, no sentido da ilegalidade das liquidações, por ausência de base legal para a sua efetivação, com base nos artigos 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e 103.º, n.º 3, da Constituição, preceito este que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

Com efeito, a solução encontrada por este coletivo encontra base legal clara sem necessitar sequer de fazer aplicação da norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, como ficou demonstrado da argumentação supra exposta.

Termos em que, não assiste razão à Requerente, pelas razões e com os fundamentos invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao SIFIDE à coleta das tributações autónomas.».

Decisão de que, subsequentemente, e em conformidade, extraiu a improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Ora, salvo o devido respeito, ficou demonstrado, através da transcrição quase integral do acórdão, que é evidente que nem há contradição entre os fundamentos da decisão, nem há omissão de pronúncia.

Não há contradição porque todo o julgamento está solidamente encadeado – independentemente da bondade da decisão que lhe possa ou deva ser reconhecida – sendo lógicas as ilações e conclusões decisórias que dele foram extraídas.

Ou seja, não há nenhuma incompatibilidade entre o Tribunal Arbitral ter considerado - diz a Recorrente, “bem” – que as Tributações Autónomas são cobradas nos termos do procedimento de liquidação previsto no atual artigo 90.° do Código do IRC (o anterior artigo 83.°), e não ter julgado fiscalmente relevante, em sede de IRC, o benefício fiscal do SIFIDE, porque no acórdão constam claramente as razões pelas quais, do ponto de vista legal (recorrendo à densificação doutrinal e à posição da jurisprudência, incluindo constitucional e à natureza e função da norma), o benefício, pese embora o mecanismo de tributação aí estar inserido – não é, pelo menos para o Tribunal Arbitral, ser relevado do ponto de vista fiscal no sentido pugnado pela Impugnante.

Para o Tribunal Arbitral embora as tributações autónomas estejam integradas no regime do IRC, sejam apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e pese embora seja nesse quadro que se efetua o seu apuramento, não são,” tout court”, IRC, porque não tributam rendimentos, mas despesas. São, nas suas palavras, “um instrumento que, afastando-se e introduzindo alguma medida de entorse num sistema que declara tributar rendimentos reais e efetivos, afinal também tributa gastos, dedutíveis ou não em IRC. E não se subsumindo o beneficio fiscal, pelas razões que exterioriza, a essa categoria, não pode no seu âmbito ser relevado, em resumo, “sob pena de descaracterização dos princípios que especificadamente se pretendem prosseguir”.

A decisão de improcedência de ambas as pretensões surge, pois, inquestionavelmente, como o corolário lógico, a decorrência linear dos pressupostos/fundamentos de facto e de direito anteriormente exteriorizados.

Do que fica exposto resulta, pois, que nos afastamos das alegações e conclusões da Impugnante na parte em que sugere hipóteses para suplantar uma contradição entre os fundamentos e a decisão que, como demonstrado, inexiste, sendo evidente, salvo o devido respeito, que o que essas hipóteses substanciam são soluções alternativas de julgamento, fundadas em interpretações do quadro jurídico que o Tribunal Arbitral não entendeu ser de acolher.

Em suma, com o que a Impugnante está verdadeiramente inconformada é com o julgamento de direito realizado pelo Tribunal Arbitral. Porém, independentemente de lhe assistir ou não razão, do que se trata não é de uma contradição entre os pressupostos e a decisão, mas, a existir, de erro de julgamento, que, como a Impugnante seguramente sabe, não constitui fundamento de nulidade da sentença.

Relativamente à questão da nulidade do acórdão arbitral por padecer de omissão de pronúncia também, para nós, se não verifica.

Como dissemos anteriormente, a propósito da densificação do conceito, a nulidade por omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz não se pronúncia sobre uma questão que qualquer uma das partes lhe coloque e a não julgue expressamente prejudicada pela solução dada a outra que previamente tenha sido apreciada a decidida.

Começamos por fazer notar que a Impugnante não discute que a questão central colocada foi apreciada. E, importa também desde já, dizê-lo, no acórdão arbitral também ficou expressamente justificado o motivo pelo qual o Tribunal Arbitral julgava prejudicada a apreciação do pedido relativo a juros indemnizatórios e os fundamentos invocados como suporte do mesmo: para o Tribunal esta pretensão só seria de apreciar se tivesse proferido uma decisão de procedência da questão principal, o que não sucedera.

Com o que a Impugnante discorda é que nessa apreciação não tenha alegadamente sido atendido o argumento que julga nuclear - “o apuramento da coleta das tributações autónomas é efetuado, única e exclusivamente, nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, motivo pela qual se considera possível a dedução do crédito de imposto do SIFIDE à coleta proveniente dessas mesmas tributações autónomas, em face da remissão legal prevista no artigo 4.° da Lei n.° 40/2005, de 3 de Agosto”. E no entendimento de que adecisão arbitral não dá resposta, nem concretiza, perante a argumentação expendida pela Impugnante, qual a forma de apuramento do benefício fiscal do SIFIDE, à margem do disposto no artigo 90.° do CIRC, omitindo, dessa forma, a pronúncia sobre uma questão que constitui o núcleo argumentativo do pedido de anulação dos atos de autoliquidação que foram objeto do presente pedido arbitral» - defendendo, por isso, que há omissão de pronúncia.

No que a esta conclusão respeita, sublinhamos, de novo, que, como supra ficou exposto, a nulidade por omissão de pronúncia reporta-se às questões e não aos argumentos. E, mesmo concedendo, que em qualquer exposição jurídica há sempre argumentos mais importantes do que outros e, consequentemente, que a eles deve, de forma especial, atentar o Tribunal, acolhendo-os ou refutando-os, o certo é que da subvalorização de um concreto argumento não resulta a nulidade da sentença, sem prejuízo de, em consequência do desvalor que lhe seja atribuído, se poder concluir que a decisão fica menos rigorosa ou mais pobre do ponto de vista jurídico.

Diga-se, todavia, que, no caso, nem se nos afigura que tal subvalorização tenha ocorrido e que essa argumentação não tenha sido considerada, resultando da integral leitura do acórdão que o Tribunal Arbitral, como cuidamos de acentuar, não só atribuiu especial destaque no relatório à argumentação aduzida por ambas as partes, sobretudo da Impugnante, como, na decisão, rebateu, de forma expressa, aqueles que foram entendidos como os seus principais argumentos, sendo que, no que ao concreto argumento nuclear respeita, ele resulta rebatido da compreensão total do julgamento realizado.

Por fim, no que respeita a uma alegada falta de resposta sobre “qual então a forma de apuramento do benefício fiscal do SIFIDE”, importa realçar que o Tribunal Arbitral não tinha que responder a essa questão já que, a questão que lhe foi colocada, o que lhe foi pedido que sindicasse foi a legalidade de um concreto acto de indeferimento, sustentado pela Administração Tributária, em síntese nossa e para o que ora interessa, na não relevância fiscal do referido benefício em sede de IRC. A essa questão concreta, insista-se, o acórdão impugnado deu resposta.

É, assim, por todo o exposto, de julgar improcedente a presente Impugnação do acórdão arbitral e, em conformidade, não determinar a sua anulação com os fundamentos convocados pela Impugnante.

5. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar procedência à presente Impugnação de Decisão Arbitral e, em conformidade, em não anular o acórdão arbitral proferido no processo n.º 629/2016-T (CAAD).

Custas pela Impugnante.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Maio de 2020


(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

(Luísa Soares)


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(1) A inclusão no objecto do processo de Impugnação da Decisão arbitral das “nulidades processuais “ que pela sua gravidade e reflexos na validade do processos arbitral, para que já por diversas vezes chamamos a atenção, não significa que este Tribunal Central Administrativo Sul não tenha presente a amplitude a que deve reconduzir-se a densificação do conceito de “pronúncia indevida”, mas que, independentemente dessa amplitude, outras nulidades processuais, insusceptíveis de se reconduzirem ao conceito de “ violação do princípio do contraditório” ou “ pronúncia indevida” (por muito amplo que este conceito se possa e deva entender) e que pela sua gravidade e reflexos na decisão imponham uma declaração de não validade formal desta. Nesse sentido já decidimos no acórdão de 4-6-2015, proferido no processo n.º 8233/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt
(2) Neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31-10-2019, proferido no processo 50/19.3BCLSB, integralmente disponível em www.dgsi.pt
(3) Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56.
(4) Acórdão do supremo Tribunal Administrativo, de 8-11-2018, proferido no processo n.º 149/18.3BALSB, integralmente disponível em www.dgsi.pt
(5) Entre muitos, todos no mesmo sentido, vide, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-9-2015, proferido no processo 637/15, integralmente disponível em www.dgsi.pt.
(6) Todos os negritos e sublinhados realizados no acórdão recorrido são de nossa autoria.