Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04319/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IRS.
MAIS VALIAS.
ARTIGO 10º NºS 5 A) E 6 ALÍNEA C) DO CIRS.
EXCLUSÃO DA TRIBUTAÇÃO DOS GANHOS PROVENIENTES DA TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMÓVEIS DESTINADOS A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE DO IMPUGNANTE OU DO SEU AGREGADO FAMILIAR.
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO.
DECISÃO SURPRESA.
IRREGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO.
Sumário:I) -constitui pressuposto da não tributação das mais-valias que o adquirente requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, sendo que a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do Impugnante ou do seu agregado familiar implica a verificação do pressuposto, que consiste em requerer a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras (artigos 10°, n°s 5, alínea a) e 6, alíneas b) e c), do CIRS).

II) -A pedra de toque daquela exclusão tributária é, pois, a efectiva apresentação do requerimento para a inscrição do imóvel na matriz.

III) -Aquela exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente constitui medida de carácter excepcional instituída para a tutela de interesses públicos fiscais relevantes, estando a hermenêutica das normas que conferem essa exclusão da tributação rodeada de especiais cautelas, visto não serem susceptíveis de integração analógica e apenas admitirem interpretação extensiva, nos termos do artigo 9° do Estatuto dos Benefícios Fiscais e artigo 11° do Código Civil.

IV) -A interpretação da norma do artigo 10°, n°6, do C.I.R.S., tem de ser conjugada com o disposto no artigo 13°, n°s 1 e 3 alínea a), do CIMI, onde se estabelece o dever de requerer inscrição dos prédios na matriz no prazo de 60 dias após a conclusão das obras, mas igualmente se impõe, no n°3 al. a), que o chefe de finanças deve proceder oficiosamente a essa inscrição quando não se mostre cumprido o disposto no n°1 em que se prevêem as situações em que a inscrição dos prédios nas matrizes e a alteração dos elementos referentes aos prédios já inscritos deve ser desencadeada pelos sujeitos passivos.

V) -Na situação dos autos impendia sobre o impugnante a obrigação legal de apresentar a declaração modelo n°1 para a inscrição de prédios urbanos na matriz (aprovada pela Portaria n°1282/2003, de 13 de Novembro, da Ministra de Estado e das Finanças) no prazo de 60 dias a contar da verificação da data em que ocorreu a conclusão das obras, acarretando a falta de cumprimento do determinado no artigo 13°, n°1, do CIMI, por um lado, a comissão de uma contra-ordenação punível com coima nos termos do artigo 117°, n°2, do R.G.I.T. e, por outro, a atribuição ao chefe de finanças competente os poderes conferidos no n°3 do citado artigo 13° do CIMI, de entre os quais se destaca o poder de, oficiosamente, proceder à inscrição de um prédio na matriz, bem como às necessárias actualizações, quando não se mostre cumprido o disposto no n°1.

VI) – É errática tese da sentença segundo a qual, por interpretação extensiva, se deve entender que cabem na previsão do artigo 10°, n°6, alínea b) as situações em que compete ao adquirente requerer a inscrição do prédio na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, bem como, as situações em que o chefe de finanças tem o poder de oficiosamente inscrever o prédio na matriz, desde que observado o prazo de 24 meses conferidos para conclusão das obras.

VII) -É que ambas as previsões legais deviam ter sido cumpridas pelo ora recorrido até 23 de Junho de 2007 e 30 de Março de 2007 respectivamente, e tal não aconteceu e o n°3 do Art°13° do CIMI não serve para que o contribuinte se exima das suas obrigações declarativas, já que esta norma destina-se a acautelar situações em que a inscrição dum prédio na matriz ou as alterações a que haja lugar, podem ser efectuadas oficiosamente pelo Chefe do Serviço de Finanças competente, isto é, trata-se duma mera faculdade que está sujeita ao conhecimento concreto e real das situações previstas no n°1 da citada norma.

VIII) -Inexistindo nos autos prova de que tenha chegado ao conhecimento do Chefe do Serviço de Finanças, facto (s) que legitimassem que este procedesse oficiosamente à actualização do prédio na matriz, essa faculdade só pode ser exigida perante o conhecimento concreto e real das situações previstas no n°1 do Art°13° do CIMI.

IX) -E haverá que conhecer em substituição do mérito da impugnação, pois o processo reúne todos os elementos para decidir (cfr. artigo 715º n.º 1 do CPC).

X) -O artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil é plenamente aplicável em processo judicial administrativo e tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as, as denominadas decisões - surpresa.
Assim, caso não seja dada possibilidade à Recorrente de se pronunciar sobre um facto decisivo para a decisão recorrida, o Acórdão em causa incorreria em nulidade, por violação do principio do contraditório e do artigo 3°, do Código de Processo Civil.
XI) -O artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
XII) -O princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões -surpresa.
XIII) -Tendo o recurso sido decidido com base nos factos alegados e provados, factos esses de que a recorrente teve conhecimento e contra os quais poderia esgrimir os argumentos que entendesse convenientes, na altura própria, a decisão tomada no acórdão em nada afecta quer a pretensão deduzida, quer a defesa.
XIV) -Acrescente-se que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências.
XV) -A lei contempla a situação de ser utilizada a simples carta registada quando a liquidação do imposto resulte de declarações dos contribuintes como decorre do n.°3 do Art.° 38.° do CPPT e a não observância da forma de notificação exigida apenas constitui mera irregularidade, que não afecta a validade da notificação, sempre que a mesma tenha sido efectivamente efectuada.
XVI) –O facto de não ter resultado qualquer prejuízo para a Fazenda Pública é completamente irrelevante para a decisão de mérito quando o que se controverte nos autos é, apenas, o não cumprimento dos requisitos legais que a lei impunha para que haja exclusão de tributação em sede de IRS.
XVII) –Como improcede a questão da tributação ser exagerada ou desproporcionada porque a matéria tributável apurada resulta directamente da lei, ou seja, in casu tributam-se os ganhos porque não estão preenchidos os requisitos de exclusão da tributação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. A FAZENDA PÚIBLICA, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do TAF de Loulé, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação do IRS do ano de 2004.

São estas as conclusões das alegações do recurso e que definem respectivo objecto:

“a) É necessário analisar o teor do Art.° 10.° n.° 6 al. c) do CIRS e do Art.° 13.° n.° 3 al. a) do CIMI para se decidir se o entendimento vertido na douta sentença tem suporte legal, ou seja, pode ou não por interpretação extensiva, entender-se que cabem na previsão daquele artigo, as situações em que o Chefe de Finanças tem o poder de oficiosamente inscrever o prédio na matriz, desde que observado o prazo de 24 meses conferidos para a conclusão das obras?
b) A al. c) do n.° 6 do citado Art.° 10.° estabelece que "não há lugar ao benefício referido no n.° 5 quando: (...) c) tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização" e o n.° 3 da al. a) do Art.° 13.° do CIMI prevê que "o chefe de finanças competente procede, oficiosamente: a) à inscrição de um prédio na matriz, bem como as necessárias actualizações, quando não se mostre cumprido o disposto no n°1";
c) Dúvidas não existem que ambos os prazos previstos no Art° 10° n°6 al. c) do CIRS e Art°13° n°1 do CIMI (24 meses e 60 dias respectivamente) não foram cumpridos pelo ora recorrido, como lhe era exigido legalmente, pois, as obras tiveram início em 24 de Junho de 2006 e a inscrição na matriz apenas ocorreu em 22 de Outubro de 2007, com violação dos referidos preceitos legais, como admite o próprio recorrido no art.°33° da sua p.i. e o Mm.° Juiz "a quo" na douta sentença;
d) Assim sendo, ambas as previsões legais deviam ter sido cumpridas pelo ora recorrido até 23 de Junho de 2007 e 30 de Março de 2007 respectivamente, e tal não aconteceu;
e) Porém, e contrariamente ao decidido na douta sentença, o n°3 do Art°13° do CIMI não serve para que o contribuinte se exima das suas obrigações declarativas, já que esta norma destina-se a acautelar situações em que a inscrição dum prédio na matriz ou as alterações a que haja lugar, podem ser efectuadas oficiosamente pelo Chefe do Serviço de Finanças competente, isto é, trata-se duma mera faculdade que está sujeita ao conhecimento concreto e real das situações previstas no n°1 da citada norma;
f) Já que apenas se pode exigir à DGCI que proceda, por sua iniciativa, à actualização matricial, de factos que sejam relevados ao seu conhecimento, não constando do probatório da douta sentença, nenhum facto ocorrido que permitisse ao Chefe do Serviço de Finanças proceder oficiosamente à inscrição deste prédio na matriz, logo não pode simplesmente o Mm.° Juiz concluir sem mais que "antes de completado o prazo de 24 meses sobre a data do início das obras, já o prédio em causa deveria estar inscrito na matriz por imposição legal";
g) A Administração Tributária não violou quaisquer preceitos legais, já que a regra do princípio da declaração enunciado no n°1 do Art°13° do CIMI, é complementada, subsidiariamente, pelo princípio da oficiosidade, previsto no n°3 do citado artigo, o qual apenas prevalece nas situações em que a prática oficiosa da actualização realizar a finalidade do imposto e a verdade material, não sendo ilegal essa actualização por antecipação à apresentação de declaração pelo sujeito passivo dentro do respectivo prazo legal, no entanto;
h) Não se pode exigir à Administração Tributária que proceda oficiosamente à actualização matricial predial, se os factos translativos não chegarem ao seu conhecimento, até porque a obrigação de cooperação prevista no n°4 do Art°49° do CIMT já existia na redacção anterior à Lei n°64-A/2008, de 31/12, mas nem sempre era efectivamente cumprida;
i) Daqui ser forçoso concluir, não existir nos autos nenhuma prova, de que tenha chegado ao conhecimento do Chefe do Serviço de Finanças, facto (s) que legitimassem que este procedesse oficiosamente à actualização do prédio na matriz, essa faculdade só pode ser exigida perante o conhecimento concreto e real das situações previstas no n°1 do Art°13° do CIMI;
j) Carecendo absolutamente de suporte legal, que por interpretação extensiva, possa caber na previsão do Art.° 10.° n.° 6 al. b) do CIRS a situação prevista no n.° 3 do Art.° 13.° do CIMI, pois não se vislumbra tal nem da letra da lei, muito menos, do pensamento do legislador (Cfr. n.° 2 do Art.° 9.° do CC);
k) Logo, não restam dúvidas que se verificou aqui o incumprimento dos requisitos legais que a lei impõe para que haja exclusão de tributação em sede de IRS;
l) A douta sentença enferma de erro de julgamento, por violação das normas legais do Art°10° n°6 al. c) do CIRS e Art° 13° n° 3 do CIMI.
Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA.”
Não foram apresentadas contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.

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2. -A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos com base no teor dos documentos juntos aos autos:

“A) -Em 23/09/2004, o ora impugnante, alienou um prédio urbano sito na freguesia de E.........., concelho de L......, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....., pelo montante de €145.000,00, cfr. fls. 125 do processo administrativo apenso.
B) -Em 23/05/2005, apresentou Mod. 3 de IRS relativa ao ano de 2004, com Anexo ..., onde declarou a referida alienação e inscreveu no campo 504 o montante que pretendia reinvestir, € 145.000,00, ou seja, a totalidade do valor de realização, cfr. fls. 125 do processo administrativo apenso.
C) -Essa declaração de rendimentos deu origem à liquidação n°...................., de 2005/08/26, de que resultou imposto a reembolsar no montante de € 224,49, cfr. fls. 125 do processo administrativo apenso.
D) -Em 04/06/2008, foi elaborada a liquidação n°.............., resultando imposto a pagar no montante de €16 341,81, ora impugnada, cfr. fls. 25.
E) -Com o acerto da liquidação, estorno e juros compensatórios, foi emitida a nota de cobrança n°.........., com o valor a pagar de €17 748,90, cfr. fls. 17 do processo administrativo apenso.
F) -Em 11 de Julho de 2008, o ora impugnante apresentou reclamação graciosa, cfr. fls. 16.
G) -A reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior foi indeferida por despacho de 28/08/2008, do seguinte teor (fls. 28 e 29):
«Pela petição a fls. dois dos autos, vem Vítor .................., NIF ............, residente em Quinta ....... sítio da ............... M............, nos termos do art. ° 68. ° do Código de Procedimento e de Processo tributário, reclamar contra a liquidação adicional de IRS, respeitante ao ano de 2004, com o n.°.............., efectuada pelos Serviços de Administração do IRS, em 04/06/08, na importância apagar de € 17.748,90, alegando para o efeito, que por lapso, não foi declarado no anexo " G " da declaração mod 3 de IRS daquele ano, o valor de € 214842,62 (conforme fotocópias de facturas, de fls. 22 a 76 dos autos), o valor reinvestido na construção de imóvel destinado a habitação própria e permanente do agregado familiar proveniente da alienação onerosa de imóvel que se destinou igualmente a habitação própria e permanente.
Quanto ao pedido é legal, legítimo, e interposto em tempo.
Analisados os documentos juntos ao processo, confirma-se o alegado pelo reclamante, quanto ao facto de não ter indicado o valor reinvestido na construção do imóvel destinado a habitação própria e permanente do agregado familiar, no entanto conforme o disposto no alínea c) do n.° 6 do art.° 10° do CIRS, o ora reclamante ultrapassou os 24 meses entre a data do início das obras (24/06/2005) e a data da inscrição do mesmo na matriz, vindo afazê-lo em 22/10/2007.
Face ao exposto, no uso da competência que me é conferida pelo n.°1 do art.°75° do C.P.P.T., Indefiro Liminarmente o pedido, dispensando a presente decisão de audição prévia a que se refere o art. ° 60.° da Lei Geral Tributária, de harmonia com o disposto na al. a) do n°3, da circular 13, de 08/07/1999, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária.
Notifique-se o reclamante nos termos do art°36° do C.P.P.T. através de carta registada com aviso de recepção, enviando-lhe cópia da decisão, comunicando-lhe que o presente acto é susceptível de impugnação Judicial, a interpor no prazo de 15 (quinze) dias (n° 2 do art.° 102.° do C.P.P.T.) ou de recurso hierárquico a interpor no prazo de 30 (trinta) dias (art. ° 76. ° do C. P. P. T.).
Cumpra-se.
Direcção de Finanças de F...., 2008/08/28»
H) — Em 23/09/2008, o ora Impugnante interpôs recurso hierárquico, cfr. fls. 105 do processo administrativo apenso.
I) — No processo a que se refere a alínea anterior foi prestada a seguinte informação (fls. 112 do processo administrativo apenso):
«A Direcção de Finanças de F.... remeteu a esta Direcção de Serviços um recurso hierárquico interposto pelo contribuinte VÍTOR .................., NIF ................, através do qual recorre do despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de F......, por delegação, datado de 2008A0028, pelo qual foi indeferido liminarmente o pedido efectuado na reclamação graciosa n.°................. referente ao IRS do ano fiscal de 2004.
DOS FACTOS
• Em 2004AGO23, alienou um prédio urbano (melhor identificado nos autos), pelo montante de 145000,00€;
• Em 2005MAI23, entregou a declaração mod.3 de IRS respeitante ao ano de 2004, acompanhada do anexo G, onde foi declarada a alienação mencionada no ponto anterior e inscrito no campo 504 o montante que pretendia reinvestir (equivalente ao valor de realização, ou seja, 145.000,006);
• Essa declaração deu origem à liquidação n.°................., de 2005AG026, e da qual resultou imposto a reembolsar no montante de 224,496;
• Porque não foi declarado o reinvestimento nessa declaração nem nas declarações referentes aos dois anos posteriores, em 2008JUN04 procederam os serviços à reliquidação da declaração, o que deu origem à liquidação n.°..............., com valor a pagar de 16.341,81€;
• Com os devidos acertos, estorno, e juros compensatórios, foi emitida a nota de cobrança n. °................, com o valor apagar de 17.748,906;
• Em 2008JUL11, veio o contribuinte apresentar reclamação graciosa, alegando que efectuou o reinvestimento do valor de realização na construção de outro imóvel destinado a habitação própria e permanente;
• A mencionada reclamação foi indeferida liminarmente por despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de F...., por delegação, datado de 2008AG028;
• Não se conformando com o indeferimento (notificado em 2008SET12), interpôs, em 2008SET23, o presente recurso hierárquico, alegando, em síntese, que cumpriu os prazos previstos na lei para que possa ser considerado o reinvestimento do valor de realização.
DO RECURSO (...)
2 Analisado o recurso hierárquico, verifica-se está aqui em causa apenas o preenchimento (ou não) dos requisitos exigidos na alínea c) do n.° 6 do artigo 100 do Código do IRS para que se possa considerar que o reinvestimento se efectuou.
3 E, face ao que vem exposto pelo recorrente e aos documentos juntos aos autos, terá de concluir-se que tais requisitos não se encontram todos preenchidos.
4A alínea o) do n.° 6 do artigo 100 do Código do IRS estabelece o seguinte: 6 Não haverá lugar ao beneficio referido no número anterior quando: (...)
b) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
5 Assim, no caso aqui em análise, não se encontra preenchido o requisito relativo à inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras.
6 Isto porque, tendo as obras sido iniciadas em 2005JUN24 (segundo alega o sujeito passivo), deveria a inscrição na matriz ter ocorrido até 2007JUN23.
7 Ora, a inscrição na matriz ocorreu apenas em 20070UT22. E não pode o recorrente alegar que os efeitos da entrega do modelo I do IMI retroagiram ao período mencionado no ponto supra (como pretende fazer, ao alegar que efectuou o pagamento de uma coima pelo atraso na apresentação do referido modelo l do IMI).
8 Para que os ganhos com a alienação de imóveis sejam excluídos de tributação é necessário que a inscrição na matriz ocorra no prazo de 24 meses após o início das obras. E esse prazo não foi cumprido como o próprio recorrente reconhece no seu requerimento.
9 Não tendo cumprido esse prazo não pode vir posteriormente tentar retroagir os efeitos para que seja considerado o reinvestimento do produto da alienação.
10 Assinale-se que o pagamento da coima (e consequente tentativa de retroagir os efeitos da entrega do modelo l do IMI) só se verificou em 2008SET22, ou seja, após a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (que ocorreu em 2008SET12).
11 Nestes termos, deverá ser negado provimento ao presente recurso hierárquico e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida, pois a mesma baseou-se na aplicação correcta das disposições legais em vigor.
12 Será de proceder à notificação do sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 60° da LGT.
À consideração Superior
DSJRS, aos 11 de Novembro de 2008.»
J) — Em apreciação das questões suscitadas no exercício do direito de audiência prévia foi prestada a informação complementar de fls. 133 do apenso, donde resulta com interesse para a decisão:
2 O recurso hierárquico foi analisado na informação n. ° 1934/08, desta Direcção de Serviços, para a qual se remete para todos os devidos e legais efeitos, tendo sido proferido projecto de despacho de indeferimento do mesmo.
3 Através do ofício n.° 22625, de 2008NOV21, desta Direcção de Serviços, foi o mencionado projecto de indeferimento notificado ao recorrente, para os termos do disposto na alínea b) do n.° l do artigo 60" da Lei Geral Tributária.
4 O contribuinte, no exercício do direito de audição prévia, através de carta expedida por correio em 2008DEZ10, veio alegar (nos termos e com os fundamentos constantes da mencionada carta, para os quais se remete para os devidos e legais efeitos) que cumpriu os prazos previstos na alínea c) do n°6 do artigo 10°do Código do IRS.
5 Analisados os argumentos trazidos pelo recorrente em direito de audição deve referir-se, antes de mais, que o recorrente parte dum pressuposto errado (conforme se retira do 2° parágrafo do exercício do direito de audição): que os requisitos dos n° 5 e 6 do artigo 10º são alternativos quando não estão preenchidos os do n." 5 o contribuinte pode beneficiar da exclusão se estiverem preenchidos os do n.°6.
6Ora, isso não e assim, como se pode retirar do corpo do n ° 6 "Não haverá lugar ao beneficio referido no número anterior quando...". Como tal, todos os requisitos previstos na alínea a) do n.° 5 (aplicável neste caso) e na alínea c) do n° 6 (aplicável neste caso) têm de estar preenchidos.
7 Aliás, o n.° 5 diz respeito ao reinvestimento propriamente dito e a alínea c) do n.° 6 é relativa aos prazos de inicio das obras, inscrição do imóvel na matriz e afectação do imóvel a habitação.
8 Deve também salientar-se que os prazos referidos no n.° 6 são os prazos limite. Ou seja, as obras devem impreterivelmente começar até decorridos seis meses após o prazo de 24 meses para o reinvestimento.
9 Contudo, se as obras se iniciarem antes desse prazo limite (como no caso aqui em análise), a inscrição na matriz tem de ocorrer até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras.
10E, neste caso concreto, esse prazo não foi cumprido porque, tendo as obras sido iniciadas em 2005JUN24 a inscrição na matriz só ocorreu em 20070UT22.
11 Não está aqui em causa saber se houve ou não prejuízo para a Fazenda Pública em sede de IMI, o que é relevante é que não foram cumpridos os requisitos para que possa ocorrer a exclusão de tributação em sede de IRS.
12 Relativamente ao alegado pelo recorrente nos dois últimos parágrafos do direito de audição, não se pode dizer que há tributação exagerada ou desproporcionada quando a matéria tributável resulte directamente da lei, como no caso presente: tributam-se os ganhos porque não estão preenchidos os requisitos de exclusão da tributação.
13 Assim, mantendo-se válidos os fundamentos em que se baseava o projecto de indeferimento, propomos que seja a decisão tornada definitiva e, em consequência, seja negado provimento ao recurso hierárquico.
À consideração Superior
DSIRS, aos 6 de Janeiro de 2009.»
K) — Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaiu o seguinte despacho (fls. 132):
«Concordo, pelo que com base nos fundamentos expostos nego provimento ao recurso. 2009-01-26».
L) — O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado ao Impugnante em 20/02/2009, cfr. fls. 137 do processo administrativo apenso.
M) — A petição inicial foi apresentada em 11/03/2009, conforme carimbo aposto a fls. 3.
N) — Em 24/06/2005, foi emitido o alvará de licenciamento/autorização de obras de construção n.° 413/05, cfr. fls. 123 do apenso.
O) — Em 29/01/2007, foi emitida a licença de utilização, cfr. fls. 30 do processo administrativo apenso.
P) — Em 22/10/2007, o Impugnante apresentou a declaração para inscrição do prédio na matriz — artigo ......, da freguesia de ..........., C.............., P.........., cfr. fls. 28 do processo administrativo apenso.
Q) — Em 15/12/2007, o Impugnante apresentou o pedido de isenção de IMI, cfr. fls. 33 do apenso.”

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Fundamentação do julgamento
Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto.
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Factos não provados:
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.

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3. -A questão a decidir, como bem a identificou a sentença, consiste em saber se estão ou não preenchidos os requisitos legais previstos na al. c) do n°6 do Art°10° do CIRS para que se possa considerar que o reinvestimento se efectuou.
Consoante o disposto nos artigos 10°, n°s 5, alínea a) e 6, alíneas b) e c), do CIRS:
«5 -São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português;
(...)
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
(...)
b) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, excepto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;
c) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
Resulta do artigo 13°, n°s 1 e 3, alínea a), do CIMI:
1- A inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer dos seguintes factos:
a) Uma dada realidade física passar a ser considerada como prédio;
b)Verificar-se um evento susceptível de determinar uma alteração da classificação de um prédio;
c) Modificarem-se os limites de um prédio;
d) Concluírem-se obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio;
e) Verificarem-se alterações nas culturas praticadas num prédio rústico;
f) Ter-se conhecimento da não inscrição de um prédio na matriz;
g) Verificarem-se eventos determinantes da cessação de uma isenção; h) Ser ordenada uma actualização geral das matrizes;
i) Ter-se verificado uma mudança de proprietário, por ter ocorrido uma transmissão onerosa ou gratuita de um prédio ou parte de prédio;
j) Verificar-se a ocorrência prevista no n.° 2 do artigo 9. °;
l) Iniciar-se a construção ou concluir-se a plantação, no caso de direito de superfície. (...)
3 - O chefe de finanças competente procede, oficiosamente:
a) A inscrição de um prédio na matriz, bem como às necessárias actualizações, quando não se mostre cumprido o disposto no n. ° 1;
O impugnante alegou inicialmente que procedeu, no prazo de trinta e sete meses, ao reinvestimento do montante resultante da alienação do imóvel anterior e que do facto deu conhecimento à Administração Fiscal, ainda que com violação do art.°13° do CIMI, devendo, assim, ser considerados os custos suportados com a construção da sua nova habitação própria e permanente, alterando-se a decisão impugnada com fundamento em violação de lei.
E, na verdade, volveu provado que em 24/06/2005, foi emitido o alvará de licenciamento/autorização de obras de construção n°..../05, havendo a licença de utilização sido emitida em 29/01/2007 e vindo o impugnante a apresentar em 22/10/2007 a declaração para inscrição do prédio na matriz, e, em 15/12/2007, a apresentar o pedido de isenção de IMI.
Como referem o Mº Juiz «a quo» e o MP que, ao que ao caso releva, constitui pressuposto da não tributação das mais-valias que o adquirente requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras.
E a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do Impugnante ou do seu agregado familiar implica a verificação do pressuposto, que consiste em requerer a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras.
Donde que a pedra de toque daquela exclusão tributária é a efectiva apresentação do requerimento para a inscrição do imóvel na matriz.
Acresce que, como também salienta a sentença recorrida, a sobredita exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente constitui medida de carácter excepcional instituída para a tutela de interesses públicos fiscais relevantes, estando a hermenêutica das normas que conferem essa exclusão da tributação rodeada de especiais cautelas, visto não serem susceptíveis de integração analógica e apenas admitirem interpretação extensiva, nos termos do artigo 9° do Estatuto dos Benefícios Fiscais e artigo 11° do Código Civil.
Ora, concorda-se com o MP quando sustenta que a interpretação da norma do artigo 10°, n°6, do C.I.R.S., tem de ser conjugada com o disposto no artigo 13°, n°s 1 e 3 alínea a), do CIMI, onde se estabelece o dever de requerer inscrição dos prédios na matriz no prazo de 60 dias após a conclusão das obras, mas igualmente se impõe, no n°3 al. a), que o chefe de finanças deve proceder oficiosamente a essa inscrição quando não se mostre cumprido o disposto no n°1.
Sucede que o n°1 do artigo 13° prevê situações em que a inscrição dos prédios nas matrizes e a alteração dos elementos referentes aos prédios já inscritos deve ser desencadeada pelos sujeitos passivos.
E, na situação dos autos impendia sobre o impugnante a obrigação legal de apresentar a declaração modelo n°1 para a inscrição de prédios urbanos na matriz (aprovada pela Portaria n°1282/2003, de 13 de Novembro, da Ministra de Estado e das Finanças) no prazo de 60 dias a contar da verificação da data em que ocorreu a conclusão das obras.
Todavia, a nosso ver e em concordância com o Mº Juiz «a quo», a falta de cumprimento do determinado no artigo 13°, n°1, do CIMI, por um lado, constitui contra-ordenação punível com coima nos termos do artigo 117°, n°2, do R.G.I.T. e, por outro, atribui ao chefe de finanças competente os poderes conferidos no n°3 do citado artigo 13° do CIMI, de entre os quais se destaca o poder de, oficiosamente, proceder à inscrição de um prédio na matriz, bem como às necessárias actualizações, quando não se mostre cumprido o disposto no n°1.
Assim, quer nas situações em que a inscrição ou a actualização dos prédios na matriz é efectuada a requerimento do sujeito passivo, quer naquelas situações em que a lei confere ao chefe de finanças competente o poder de oficiosamente proceder às referidas inscrição e actualização, o resultado final é o mesmo: a inscrição ou a actualização dos prédios na matriz.
Ora, no caso dos autos, o Impugnante iniciou as obras com a emissão do alvará de licenciamento/autorização de obras de construção n°..../05, em 24/06/2005.
Sobre esta data, tinha o prazo de 24 meses para requerer a inscrição do imóvel na matriz.
Sucede que, com a emissão de licença de utilização, em 29/01/2007, as obras de edificação consideram-se concluídas, devendo o Impugnante, nos termos do n°1 do artigo 13° do CIMI, proceder, no prazo de 60 dias, à inscrição do prédio na matriz.
Não o tendo feito, competia ao chefe de finanças proceder oficiosamente à referida inscrição.
Deste modo, antes de completado o prazo de 24 meses sobre a data do início das obras, já o prédio em causa nos autos deveria estar inscrito na matriz por imposição legal.
Assim, por interpretação extensiva, entende-se que cabem na previsão do artigo 10°, n°6, alínea b) as situações em que compete ao adquirente requerer a inscrição do prédio na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, bem como, as situações em que o chefe de finanças tem o poder de oficiosamente inscrever o prédio na matriz, desde que observado o prazo de 24 meses conferidos para conclusão das obras.
A recorrente FªPª dissente desta solução em termos que merecem a nossa concordância.
Na verdade, em acolhimento das razões aduzidas no recurso, também perfilhamos o entendimento de que ambas as previsões legais deviam ter sido cumpridas pelo ora recorrido até 23 de Junho de 2007 e 30 de Março de 2007 respectivamente.
Como isso não aconteceu, a consequência não pode ser a extraída na sentença pois o n°3 do Art°13° do CIMI não serve para que o contribuinte se exima das suas obrigações declarativas, pois a ratio desta norma, como bem refere a recorrente FP, é a de acautelar situações em que a inscrição dum prédio na matriz ou as alterações a que haja lugar, podem ser efectuadas oficiosamente pelo Chefe do Serviço de Finanças competente, o que vele por dizer que estamos perante uma mera faculdade que está sujeita ao conhecimento concreto e real das situações previstas no n°1 da citada norma e não pode funcionar como sancionamento dos interesses públicos, fraudando a norma para beneficiar o contribuinte que não cumpriu atempadamente as suas obrigações declarativas.
Na verdade, apenas se pode exigir à DGCI que proceda, por sua iniciativa, à actualização matricial, de factos que sejam levados ao seu conhecimento, e, como é por demais manifesto e é enfatizado pela recorrente, não constando do probatório da douta sentença, nenhum facto ocorrido que permitisse ao Chefe do Serviço de Finanças proceder oficiosamente à inscrição deste prédio na matriz, podia simplesmente o Mm.° Juiz concluir, sem mais, que "antes de completado o prazo de 24 meses sobre a data do início das obras, já o prédio em causa deveria estar inscrito na matriz por imposição legal".
É que, na esteira do doutamente afirmado pela recorrente, a Administração Tributária não violou quaisquer preceitos legais, já que a regra do princípio da declaração enunciado no n°1 do Art°13° do CIMI, é complementada, subsidiariamente, pelo princípio da oficiosidade, previsto no n°3 do citado artigo, o qual apenas prevalece nas situações em que a prática oficiosa da actualização realizar a finalidade do imposto e a verdade material, não sendo ilegal essa actualização por antecipação à apresentação de declaração pelo sujeito passivo dentro do respectivo prazo legal, no entanto.
Donde que não se pode exigir à Administração Tributária que proceda oficiosamente à actualização matricial predial, se os factos translativos não chegarem ao seu conhecimento, até porque a obrigação de cooperação prevista no n°4 do Art°49° do CIMT já existia na redacção anterior à Lei n°64-A/2008, de 31/12, mas nem sempre era efectivamente cumprida.
E não é lícito que o intérprete faça a “interpretação extensiva” conducente à desculpabilização do contribuinte por não ter cumprido as suas obrigações tanto mais que, quer aquele, quer a AT só podiam e deviam promover a inscrição matricial na mesma temporalidade, não sendo necessário preencher nenhuma lacuna que justifique a interpretação extensiva operada na sentença, apresentando-se semelhante entendimento como «fraude à lei».
Com efeito e no ensinamento de Francesco Ferrara in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª ed., pág. 130, traduzido pelo Prof. Manuel de Andrade, «O jurista há-de Ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela».
Isso pressupõe que o intérprete não se cinja a meras operações lógicas, antes devendo realizar complexas apreciações de interesses, obviamente dentro do âmbito legal, pois toda a norma tem um escopo a alcançar, uma função e uma finalidade a cumprir, pelo que ela tem de ser entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter.
E para se determinar a finalidade prática da disposição de direito, haverá que atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada e partir do princípio de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas e sociais que derivam das relações, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa.
Através dessa apreciação, poderá o intérprete concluir que o legislador pecou por excesso ou por defeito devendo aquele, para fazer corresponder o que está dito ao que foi querido, proceder de forma a além restringir (interpretação restritiva) e aqui alargar a letra da lei (interpretação extensiva).
«In casu», deve entender-se que não ocorre uma formulação estreita de mais, que se entende que foi deliberada, não havendo que reintegrar o pensamento legislativo tanto mais que é sobre a interpretação extensiva que se baseia a já referida proibição dos actos in fraudem legis , pois, como se refere na obra citada de Francesco Ferrara, pág. 151, «...o mecanismo da fraude consiste na observação formal do ditame da lei, e na violação substancial do seu espírito: -tantum sententiam offendit et verba reservat.O fraudante, pela combinação de meios indirectos, procura atingir o mesmo resultado ou pelo menos um resultado equivalente ao proibido; todavia, como a lei deve entender-se não segundo o seu teor literal, mas no seu conteúdo espiritual, porque a disposição quer realizar um fim e não a forma em que ele pode manifestar-se, já se vê que, racionalmente interpretada, a proibição deve negar eficácia também àqueles outros meios que em outra forma tendem a conseguir aquele efeito».
Donde que seja forçoso concluir, como bem denota a recorrente FªPª, que, não existindo nos autos nenhuma prova, de que tenha chegado ao conhecimento do Chefe do Serviço de Finanças, factos que legitimassem que este procedesse oficiosamente à actualização do prédio na matriz, essa faculdade só pode ser exigida perante o conhecimento concreto e real das situações previstas no n°1 do Art°13° do CIMI.
Procede, pois, o recurso, devendo revogar-se a sentença e, em substituição, conhecer das demais questões suscitadas na p.i. pois a tanto nada obsta, pois o processo reúne todos os elementos para decidir (cfr. artigo 715º n.º 1 do CPC).
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Há, na verdade, que conhecer da sobrante questão da legalidade do acto recorrido pois, em face da procedência do recurso haverá que apreciar, em substituição, o mérito das questões que o tribunal recorrido deixou de conhecer pois nada obsta à sua apreciação e o processo reúne todos os elementos para decidir, havendo as partes tomado posição sobre as mesmas (cfr. art.715º, n.°s 2 e 3 do CPC).
Na verdade, só quando as partes não hajam tomado posição é que se justifica que sejam ouvidas sobre as questões de que não se conheceu por se julgar prejudicado esse conhecimento em virtude da procedência por outro fundamento.
É que, tendo-se já pronunciado sobre os fundamentos porque consideram ilegal/legal o acto que agora, em face da procedência, tem de ser solucionada, a decisão que for proferida com preterição da audição da recorrente e da recorrida, não atenta contra o princípio do contraditório e do fair trial, inexistindo “decisão surpresa”.
Ora, se decidir sobre a legalidade/ilegalidade do acto impugnado fundado nos elementos que se encontram nos autos, o presente acórdão não o fará, sem que às partes não fosse dada oportunidade de sobre ela se pronunciar.
O artigo 3°, n°3, do Código de Processo Civil é plenamente aplicável no recurso contencioso e tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as, as denominadas decisões - surpresa, sendo que a decisão no acórdão recorrido da questão da legalidade do acto impugnado não constitui, propriamente, uma decisão - surpresa.
O artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões -surpresas.
Mas, pergunta-se, onde está a decisão - surpresa?
É que:
1º. - A recorrente, assacou ao acto impugnado, entre outros, os vícios de forma por preterição de formalidades legais quanto à perfeição da notificação da liquidação (artºs 12º a 19ª) e de violação de lei decorrentes de que houve ou não prejuízo para a Fazenda Pública em sede de IMI (artº 36º da p.i.) e que a tributação foi exagerada ou desproporcionada e que é grave, objectiva, ostensiva e notória a injustiça real que resulta da exigência do tributo em causa (artºs. 38 a 44 da p.i.);
2º - A Fazenda Pública, respondeu a esses fundamentos nas decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, reafirmando a legalidade do acto impugnado na resposta (contestação) apresentada a fls. 51 e ss;
3º. - Ora não há nenhuma argumentação nova que possa surgir na 2ª instância.
A decisão que vier a ser tomada no acórdão sobre tais questões, em nada afecta quer a pretensão deduzida, quer a defesa.
Diga-se, como nota final, que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências - "Temas da Reforma do Processo Civil" - Almedina, 1997, Desembargador Abrantes Geraldes, pág. 70.
Donde que se passa a conhecer de imediato e sem mais formalidades, dos assinalados vícios.
Assim:
No que tange à alegada preterição de formalidades legais por vício de forma, devido à liquidação adicional ora impugnada ter sido notificada ao impugnante através de carta registada em vez de carta registada com aviso de recepção (Art.° 38.° do CPPT), não se verificou porque a lei contempla a situação de ser utilizada a simples carta registada quando a liquidação do imposto resulte de declarações dos contribuintes como decorre do n.°3 do Art.° 38.° do CPPT, e neste caso a Administração Tributária procedeu à reliquidação da declaração apresentada pelo impugnante, em 23 de Maio de 2005, já que este não declarou aí o reinvestimento nem nas declarações dos dois anos posteriores, pelo que cessou a suspensão da tributação com o termo do período dentro do qual esse reinvestimento era admissível, nos termos do n.° 5 e 6 do Art.° 10.° do CIRS.
Acresce que a não observância da forma de notificação exigida apenas constitui mera irregularidade, que não afecta a validade da notificação, sempre que a mesma tenha sido efectivamente efectuada, como se comprova que foi no art.°13° do articulado. Sempre que se atinja o objectivo da notificação são irrelevantes as irregularidades (Vide comentário ao Art.° 38° do CPPT anotado, Jorge Lopes de Sousa).
Improcede, assim, este fundamento da impugnação.
O mesmo se diga quanto à questão de não ter resultado qualquer prejuízo para a Fazenda Pública, temos de reconhecer que isso é completamente irrelevante para a decisão de mérito pois o que se controverte nos autos é, apenas, o não cumprimento dos requisitos legais que a lei impunha para que haja exclusão de tributação em sede de IRS.
Por fim, é igualmente improcedente a questão da tributação ser exagerada ou desproporcionada porque a matéria tributável apurada resulta directamente da lei, ou seja, in casu tributam-se os ganhos porque não estão preenchidos os requisitos de exclusão da tributação.
Termos em que a presente impugnação tem que improceder.

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4. Nesta conformidade, acordam os juízes deste TCA Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar totalmente improcedente a impugnação.
Custas pelo recorrido apenas em 1ª instância.

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Lisboa, 15 de Dezembro de 2010

(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)