Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12/24.9 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
REINCIDÊNCIA
(NÃO APLICAÇÃO DA) LEI DA AMNISTIA
Sumário:I– A Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. o respectivo artigo 1º), sendo que, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 2, alínea b) daquela Lei, consideram-se abrangidas pelo previsto neste diploma as “sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º”.
II– E, nos termos do artigo 6º deste diploma legal, “[s]ão amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.
III– Porém, nos termos do artigo 7º, nº 1, alínea l) da Lei da Amnistia, não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei os reincidentes.
IV– A sanção aplicada ao recorrente pela prática da infracção disciplinar prevista e punida no artigo 136º, nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), confirmada pelo TAD, considerou ainda inaplicável ao recorrente o disposto na Lei da Amnistia, por ter considerado verificada a previsão constante do artigo 54º do RDLPFP, que dispõe que “quando em norma especial do presente Regulamento se exija a verificação da reincidência para efeitos de qualificação de uma infracção disciplinar apenas se considera como reincidente o agente que, em qualquer uma das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificarem os factos, tiver sido condenado pela prática da mesma infracção disciplinar mediante decisão transitada em julgado (…)”.
V– A amnistia, bem como o perdão, devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliações nem restrições; e na determinação do sentido dos mesmos diplomas não é admitida a interpretação extensiva, restritiva ou analógica, mas sim e só a interpretação declarativa.
VI– Afigura-se não ser de amnistiar uma infracção aplicada a agente desportivo que, nos termos dos regulamentos aplicáveis, seja de qualificar como reincidente, sem que a aludida previsão se restrinja apenas aos ilícitos criminais, devendo antes tal figura ser integrada pelo conceito jurídico de “reincidência” constante dos regulamentos disciplinares aplicáveis.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO
1. L……….., com os sinais dos autos, impugnou junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) o acórdão proferido pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que lhe aplicou uma sanção de 50 (cinquenta) dias de suspensão e uma multa no valor de 80 UC no âmbito do Processo Disciplinar nº …..-22/23, pedindo que aquele tribunal reconhecesse que o mesmo não incorreu em responsabilidade disciplinar.

2. Por acórdão arbitral datado de 27-11-2023, o TAD decidiu por maioria julgar o recurso totalmente improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão disciplinar condenatória recorrida, proferida pelo CDFPFP, que condenou o demandante na sanção de suspensão de 50 (cinquenta) dias e, acessoriamente, uma sanção de multa no valor de 80 UC, correspondente ao valor de € 8.160,00 (oito mil cento e sessenta euros), atendendo ao factor de ponderação de 1 (um), aplicável nos termos do disposto no artigo 36º, nº 2 do RD, conjugado com a tabela elaborada pela LPFP.

3. Inconformado com tal decisão, o demandante interpôs recurso de apelação da mesma para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
A) No processo disciplinar aqui em apreço, foi aplicado ao recorrente a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 50 dias. e ainda sanção de multa no montante de € 8.160,00, pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 136º, nº 1 do RDFPF, cometida em 14.05.2023.
B) No dia 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, vulgarmente designada como Lei da Amnistia, na qual, no artigo 6º, se estabelece o seguinte: "São amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar".
C) Assim, a infracção disciplinar encontra-se amnistiada, na medida em que quer a pena principal, quer a pena acessória estão contidas na previsão do aludido artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8.
D) Compulsada a Lei nº 38-A/2023, nomeadamente o referido artigo 6º, verifica-se que se opera aqui uma abolição retroactiva da infracção disciplinar, operando "ex tunc", incidindo não apenas sobre a sanção aplicada, como também sobre o facto ilícito disciplinar passado, que é "apagado", como se não tivesse sido praticado, nada ficando a constar do registo disciplinar do visado.
E) Isto posto, com o "desaparecimento" do facto ilícito deverá igualmente cair o acto punitivo que sancionou o recorrente, tomando-se impossível o prosseguimento dos presentes autos, por inutilidade superveniente da lide.
F) Entendeu o acórdão recorrido, com voto de vencido quanto a esta matéria, que o perdão e amnistia previstos na aludida lei, não tem aplicação aos presentes autos, porquanto o recorrente tinha sido condenado por infracções disciplinares nos últimos três anos.
G) Sufragando uma interpretação do diploma que considera que o legislador quis excluir expressamente a reincidência do âmbito de aplicação da lei, independentemente de estarmos perante a amnistia de infracções penais, de infracções disciplinares ou de infracções disciplinares militares.
H) A intenção do legislador, quando faz referência à exclusão de aplicação do diploma legal aos reincidentes, é de excluir deste perdão os reincidentes relativamente à prática de ilícitos criminais, nomeadamente de determinados crimes que face aos bens jurídicos violados não são merecedores do “perdão”.
I) Fazendo depois referência à exclusão de reincidentes ainda relativamente à prática de ilícitos criminais, referindo-se assim, aos que foram condenados como tal em processo-crime.
J) E são vários os argumentos nesse sentido, designadamente a técnica e organização sistemática do diploma e ausência de qualquer limitação subjectiva relativamente a condutas não criminais e sobretudo a existência, dentro do próprio diploma, de um regime especial ou tratamento autónomo para as infracções disciplinares.
K) Com efeito, a Lei nº 38-A/2023, entrada em vigor no dia 01.09.2023, “estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude’' (artigo 1º).
L) Conforme resulta do teor do artigo 2º, nº 2, alínea a) da Lei nº 38-A/2023, o legislador aplica uma amnistia a todas as infracções disciplinares cuia sanção não seja superior a suspensão, não efectuando, quanto a este tipo de infracção, qualquer delimitação do âmbito subjectivo.
M) Veja-se nesse particular, que relativamente aos ilícitos penais, o legislador opta por elencar toda uma panóplia de crimes, fazendo delimitações objectivas (relativamente ao tipo-de-ilícito e à conduta) e delimitações subjectivas (relativamente ao agente) do âmbito de aplicação da lei, designadamente relativos à idade e à reincidência.
N) Pelo que se impõe que a delimitação da aplicação da lei a não reincidentes só releva, nos termos do diploma legal em análise, quanto a infracções de natureza penal e não às disciplinares e disciplinares militares, às quais o legislador manteve um carácter puramente objectivo.
O) A favor deste entendimento está a inserção sistemática da excepção em causa, que é inserida logo após o elenco dos crimes não amnistiáveis, fazendo-se aqui uma descrição de todos os tipos-de-ilícito não abrangidos nela amnistia, para seguidamente entrar na parte subjectiva, aqui se fazendo referência aos reincidentes, ainda na parte a que se refere a ilícitos de natureza penal.
P) Tanto mais que seguidamente, aborda o legislador infracções praticadas pelos membros das forças policiais que constituam violação de direitos, liberdades e garantias, e só seguidamente entra nas infracções de natureza contra-ordenacional, que, pasme-se ou não, não tem qualquer limitação na sua aplicação a reincidentes.
Q) Aqui optando pela única excepção à aplicação da lei nas contra-ordenações, relativamente a infracções praticadas sob a influência do álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
R) Mas mais, veja-se que a amnistia de infracções disciplinares e infracções disciplinares militares é objecto de tratamento autónomo o qual contêm já um regime de excepção à sua aplicação próprio, designadamente no artigo 6º da Lei nº 38-A/2023.
S) No qual o legislador não só estatui a amnistia das infracções disciplinares e infracções disciplinares militares como previu, logo ali, os casos em que a mesma não se aplicaria, ou seja, no caso de as mesmas constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados e nos casos em que a sanção aplicável fosse superior a suspensão ou prisão disciplinar.
T) Não fazendo ali, quando trata das infracções disciplinares e militares, e define o âmbito de aplicação da lei àquelas infracções, num artigo e regime especial autónomo, qualquer delimitação subjectiva ou qualquer referência à reincidência.
U) Não faria qualquer sentido que o legislador criasse um regime de aplicação da amnistia a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares com um regime específico (regime especial) de excepção da sua aplicação e ainda tivesse querido sujeitá-lo a uma cláusula adicional de exclusão inserta noutra norma, de caracter geral, onde essencialmente apenas trata de questões criminais e onde não faz qualquer referência às infracções disciplinares, o que seria ilógico.
V) Isto posto, parece-nos que a interpretação peregrina sufragada pelos árbitros no acórdão recorrido, é claramente desconforme à ratio legis, e à intenção e pensamento do legislador, quando pretendeu individualizar as infracções e os regimes aplicáveis a cada uma delas.
W) Aderimos aqui ao sufragado na declaração de voto de vencido que acompanha o acórdão recorrido:
“Nos termos do disposto no artigo 9º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas procurar o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada (a ratio legis), tendo, no entanto, esse pensamento legislativo que ter um mínimo de correspondência verbal na letra da lei”.
X) Mais referindo, aquele voto de vencido, cuja posição aqui sufragámos:
“(...) Restringir a excepção à aplicação da lei da amnistia pelo facto de o beneficiário ser reincidente aos casos criminais, se afigura a interpretação que melhor respeita os objectivos que a lei pretendeu alcançar, assegurando o carácter puramente objectivo da amnistia de infracções disciplinares, e encontra apoio no texto da lei, na medida em que se trata de uma interpretação meramente restritiva do campo de aplicação da alínea j) do artigo 7º da Lei nº 38-A/2023, de 23 de Agosto, de acordo com a sua inserção sistemática, e levando em contra que a norma que amnistia as infracções disciplinares (artigo 6º) estabelece já as situações em que a mesma não se aplica, definindo, portanto, as excepções à amnistia deste tipo de infracções, pelo que o seu regime não está abrangido pelo disposto no artigo 7º".
Y) Concluindo ali que: “todas as infracções disciplinares que não constituam crime não amnistiável e cuja pena não seja superior a suspensão estão amnistiadas, independentemente de o infractor ser reincidente ou não”.
Z) Perante o exposto, deverá ser considerado que a Lei da Amnistia deverá ser aplicada ao caso concreto, pugnando-se pelo arquivamento dos autos, considerando que:
1) A infracção é anterior ao dia 19.06.2023, é punível com sanções disciplinares cuja gravidade não excede a suspensão e não configura um ilícito penal ou, pelo menos, um ilícito penal excluído do âmbito de aplicação da Lei nº 38-A/2023 pelo seu artigo 7º.
AA) Deve por isso reconhecer-se que a infracção imputada ao demandante se encontra legalmente amnistiada, decretando-se o encerramento dos autos, por inutilidade superveniente da lide.
BB) O recorrente não recusou a amnistia”.

4. A Federação Portuguesa de Futebol não apresentou contra-alegação.

5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi cumprido o disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento.

6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

8. E, em face das conclusões apresentadas, a única questão a apreciar no presente recurso consiste em determinar se o recorrente deve beneficiar da amnistia decretada pela Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia) ou, ao invés, se é de excluir a respectiva aplicação, atento o facto do mesmo ter sido considerado reincidente.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. Por não ter sido objecto de impugnação, dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto dada como assente no acórdão arbitral recorrido (cfr. artigo 663º, nº 6 do CPCivil).

B – DE DIREITO
10. Como decorre dos autos, e contrariando o entendimento defendido pelo recorrente no presente recurso jurisdicional, o acórdão arbitral impugnado considerou inaplicável à situação dos autos o regime de clemência instituído pela Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), pelos seguintes fundamentos:
(…)
Cumpre, no entanto, e a título de questão prévia, aquilatar da possibilidade de aplicação aos presentes autos do regime instituído pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro, e que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Isto porque, consabidamente, prevê o artigo 2º, nº 2, alínea b), da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, que se consideram abrangidas pelo previsto no referido diploma as "sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º". Dispõe o artigo 6º que “são amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar".
O demandante foi condenado pelo Conselho de Disciplina da demandada pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo no artigo 136º, nº 1 e nº 3, com referência aos artigos 112º, nº 1, 54º, nº 1 e 4º, nº 1, alínea b), todos do RD, na sanção de 50 dias de suspensão e em multa no valor de 80 UC.
Tal infracção tem por base a factualidade constante do Relatório de Arbitragem referente ao jogo nº 1….., disputado entre a F……..– Futebol SAD e a C………., Ldª, no âmbito da 32ª jornada da Liga Portugal B……, ocorrido no dia 14.05.2023.
Constata-se assim, que se encontram verificados, em tese, os pressupostos para a aplicação aos autos do previsto nos artigos 2º, nº 2, alínea b), e 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Todavia, o demandante foi condenado como reincidente nos presentes autos, pois, confrontado o respectivo cadastro disciplinar, constata-se que, nas três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos, o demandante foi condenado três vezes pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo artigo 136º, nº 1 do RDLPFP, mediante decisões transitadas em julgado – registo disciplinar de fls. 31 do Processo Disciplinar nº ……….-22/23.
Ora, o artigo 7º, nº 1, alínea j) da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, prevê que os reincidentes "não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei”.
Parece-nos, salvo respeito por entendimento diverso, e no que ao caso sub judice releva, que o legislador quis excluir expressamente a reincidência do âmbito de aplicação da lei, independentemente de estarmos perante a amnistia de infracções penais, de infracções disciplinares ou de infracções disciplinares militares.
Por um lado, e de iure condito, verificamos que o nº1 do artigo 7º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, enuncia, taxativa e expressamente, os casos que não beneficiam do perdão e da amnistia, sem qualquer delimitação negativa no que às infracções disciplinares diz respeito.
Por outro lado, do ponto de vista sistemático, constata-se que nas várias alíneas previstas no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, sempre que o legislador pretendeu restringir o respectivo âmbito de aplicação às infracções penais, fê-lo igualmente de forma expressa. Ora, a alínea j) do nº 1 do artigo 7º refere-se, genericamente, aos “reincidentes", não havendo, na nossa perspectiva, nenhum fundamento para não incluir os reincidentes de infracções disciplinares nesta previsão normativa.
Aliás, ainda do ponto de vista sistemático, veja-se que, sempre que o legislador quis restringir o respectivo âmbito de aplicação às infracções penais (cfr, artigo 11º, nº 1, no que à recusa de amnistia diz respeito), fê-lo expressamente, o que manifestamente não sucede no caso do nº 1 do artigo 7º e, em concreto, da alínea j) reportada aos reincidentes.
Por último, do ponto de vista teleológico, sempre se dirá que a Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, consagrou, no que às infracções disciplinares diz respeito, uma amnistia extremamente ampla e praticamente incondicionada, abrangendo qualquer tipo de infracção disciplinar, desde que praticada até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023 e não constitua simultaneamente ilícito penal não amnistiado pela lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar. Face a tal abrangência, parece-nos perfeitamente admissível a consagração de excepções à aplicação da referida amnistia, nomeadamente em matéria de reincidência disciplinar. A ratio legis do artigo 7º, nº 1, alínea j) da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, vai no sentido de considerar que os reincidentes (quaisquer reincidentes, seja de infracções penais, infracções disciplinares ou de infracções disciplinares militares) não beneficiam do acto de graça, traduzido na possibilidade de beneficiarem da possibilidade de verem extinta a sua responsabilidade criminal ou disciplinar.
Termos em que, por força do disposto no artigo 7º, nº 1, alínea j) da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, é de recusar a aplicação da amnistia à infracção disciplinar pela qual o demandante foi condenado pelo Conselho de Disciplina da demandada, uma vez que estamos perante um caso de reincidência disciplinar (cfr. artigo 54º do RDLPFP e registo disciplinar de fls. 31 do Processo Disciplinar nº 95/-22/23J)”.
Entendemos que o assim decidido é para manter.

11. Com efeito, a Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. o respectivo artigo 1º). De acordo com o disposto no artigo 2º, nº 2, alínea b) da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, consideram-se abrangidas pelo previsto neste diploma as “sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º”. E, nos termos do artigo 6º deste diploma legal, “[s]ão amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.

12. Porém, nos termos do artigo 7º, nº 1, alínea l) da Lei da Amnistia, não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei os reincidentes. Ora, como decorre dos autos, a sanção aplicada ao recorrente pela prática da infracção disciplinar prevista e punida no artigo 136º, nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), foi confirmada pelo TAD, que considerou ainda inaplicável ao recorrente o disposto na Lei da Amnistia, por ter considerado verificada a previsão constante do artigo 54º do RDLPFP, que dispõe o seguinte:
"Reincidência como elemento de qualificação do tipo
1. Quando em norma especial do presente Regulamento se exija a verificação da reincidência para efeitos de qualificação de uma infracção disciplinar apenas se considera como reincidente o agente que, em qualquer uma das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificarem os factos, tiver sido condenado pela prática da mesma infracção disciplinar mediante decisão transitada em julgado.
(…)”.

13. Conforme constitui jurisprudência constante do STJ e deste TCA Sul, a amnistia, bem como o perdão, devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliações nem restrições; e na determinação do sentido dos mesmos diplomas não é admitida a interpretação extensiva, restritiva ou analógica, mas sim e só a interpretação declarativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ, de 25-10-2001, proferido no âmbito do processo nº 00P3209, e deste TCA Sul, de 25-1-2024, proferido no âmbito do processo nº 169/23.6BCLSB, que tivemos a oportunidade de subscrever).

14. Seguindo tal entendimento, e aplicando a amnistia nos precisos limites do diploma que a concede, sem ampliações nem restrições, não se vê como não aplicar a figura da reincidência aos ilícitos disciplinares, a par da sua aplicação aos ilícitos criminais. É que, como nos diz o princípio de hermenêutica jurídica “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”, isto é, quando a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir, inexistindo razões para crer ser distinto o objectivo visado pelo legislador (vd., neste sentido, quanto à aplicação da anterior Lei da Amnistia, o acórdão do STA, de 11-9-2008, proferido no âmbito do processo nº 0423/07).

15. Assim, afigura-se não ser de amnistiar uma infracção aplicada a agente que, nos termos dos regulamentos aplicáveis, seja de qualificar como reincidente, uma vez que nos termos do artigo 7º, nº 1, alínea l) da Lei da Amnistia, não beneficiam do perdão e da amnistia previstos naquela lei os agentes que sejam qualificados como reincidentes, sem que a aludida previsão se restrinja apenas aos ilícitos criminais, devendo antes tal figura ser integrada pelo conceito jurídico de “reincidência” constante dos regulamentos disciplinares aplicáveis.

16. Deste modo, e ante o exposto, afigura-se não ter aplicação ao caso dos autos a amnistia prevista na Lei nº 38-A/2023, de 2/8, “ex vi” do disposto no artigo 7º, nº 1, alínea l) da Lei da Amnistia, tal como decidiu o acórdão arbitral recorrido, improcedendo em consequência o presente recurso jurisdicional.

IV. DECISÃO
17. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar o acórdão arbitral recorrido.

18. Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Maria Helena Filipe – 1ª adjunta)
(Frederico Macedo Branco – 2º adjunto)