Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:744/08.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS
NÃO RESIDENTE EM TERRITÓRIO NACIONAL
PROVA
TAXA LIBERATÓRIA
Sumário:I- Resultando provado que, durante o ano em causa, o Impugnante permaneceu 180 dias em território nacional, está demonstrado que tal permanência não excedeu 183 dias.
II- Atento o referido em I. e o disposto no art.º 16.º do CIRS, o Impugnante, no mencionado período, era, face à lei interna, não residente em território português, devendo ser tributado como tal.
III- Para o efeito do disposto no art.º 16.º, n.º 1, al. a), do CIRS, releva apenas a prova da (não) permanência em território nacional por mais de 183 dias, sendo irrelevante se, noutro país, o Impugnante foi ou não considerado aí residente fiscal, porquanto não foi acionado qualquer instrumento de direito convencional que exija tal pressuposto.
Votação: UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 27.07.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por P……….. (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as retenções da fonte efetuadas em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), no ano de 2003.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso consiste em analisar se, in casu, o ora impugnante logrou provar de forma inequívoca e com elevado grau de certeza que, no ano de 2003, não residia em Portugal (não preenchendo o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16º do CIRS).

II. Estando em causa o estabelecimento da (não) residência de uma pessoa singular, esta deve ser, prima facie, aferida à luz do disposto no artigo 16.º (sob a epígrafe “Residência”) do Código do IRS.

III. Dispõe a alínea c) do n.º 1 do art.º 16.º do CIRS as pessoas singulares se consideram residente em território português quando no ano a que os rendimentos respeitem, aí hajam permanecido durante mais de 183 dias, seguidos ou interpolados.

IV. Nos termos do n.º 1 do art.º 74 da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

V. Assim nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, é sobre o impugnante que recai o ónus de provar a sua condição de não residente em Portugal / residente no Reino Unido, no ano de 2003, para efeitos do art.º 71.º e da alínea a) do n.º 1 do art.º 16.º do CIRS.

VI. Vejamos, desde já, o que resulta, a este respeito, da matéria considerada assente (factos provados) nos autos.

VII. O impugnante desde novembro de 1999 até 29-06-2003 trabalhou em Portugal (cfr. al. A) do probatório) e em 30-06-2003 iniciou contrato de trabalho em Londres como Diretor Geral do L…………. (cfr. alínea E) do probatório) tendo apresentado, junto das entidades competentes do Reino Unido, declaração de rendimentos (“In Land Revenue Tax Return”) reportada ao ano fiscal de 06.04.2003 a 05.04.2004, na qual declarou morada e residência no Reino Unido (cfr. alíena L) do probatório).

VIII. O Tribunal a quo considerou que “a residência fiscal (ou a não residência) pode ser provada por quaisquer meios de prova, o que significa, desde logo, que o certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes do país da residência não é o único meio de prova apto ou admissível para o efeito. É certo que o aludido documento é, incontestavelmente, idóneo e suficiente para comprovar a residência fiscal de um contribuinte, mas não é a única via ou a via exclusiva para esse fim (até porque poderão enumerar diversas justificações para a não emissão do certificado, ou não emissão atempada, sobretudo se considerarmos que está em causa o ano de 2003)”.

IX. A Mma. Juiz na douta sentença recorrida sustentou o entendimento de que “resulta, de forma evidente, que o Impugnante permaneceu em Portugal até ao final de Junho de 2003 – mais propriamente, até 29.06.2003 –, data em que cessou o seu trabalho no M……….., em Lisboa (em que a entidade empregadora era a Sucursal em Portugal do M…………), tendo partido para o Reino Unido, onde passou a residir e a trabalhar como Director Geral num hotel do mesmo Grupo M………., em Londres” e “que o Impugnante entrou no Reino Unido em 30.06.2003, conforme asseverou na declaração fiscal de rendimentos entregue junto da autoridade tributária do Reino Unido, onde declarou igualmente ser residente fiscal” pelo que considerou a Mma. Juiz que “não estando preenchido o requisito da permanência de 183 dias em território português, conforme alínea a) do nº 1 do artigo 16º do CIRS, forçoso é concluir que o Impugnante deve ser considerado, em 2003, não residente em Portugal (já que também não preenche nenhum dos demais critérios previstos no artigo 16º do CIRS).

X. Salvo o devido respeito, analisando a prova carreada aos presentes autos, não é possível concluir no sentido de que o Impugnante logrou demonstrar de forma inequívoca e com um elevado grau de certeza que não se encontrava preenchida a condição estabelecida na al. a) do n.º 1 do art.º 16.º do CIRS para que, deste modo, fosse considerado como não residente fiscal em Portugal.

XI. A verdade é que o ora impugnante se limitou a fazer prova de alguns indícios para atestar a sua residência no Reino Unido, no ano de 2003, a saber: o seu contrato de trabalho em Londres e a declaração de rendimentos (“In Land Revenue Tax Return”) submetida às autoridades competentes no Reino Unido, reportada ao ano fiscal de 06.04.2003 a 05.04.2004, na qual declarou morada e residência no Reino Unido (cfr. alínea L) do probatório).

XII. Contudo, com a devida vénia, tal prova não chega para demonstrar a sua condição de não residente em Portugal / residente no Reino Unido, no ano de 2003, para efeitos do art.º 71.º e da alínea a) do n.º 1 do art.º 16.º do CIRS.

XIII. Falta, desde logo, a prova de que as autoridades britânicas consideraram e trataram o ora impugnante como residente fiscal no Reino Unido pois da análise da prova junta aos autos não é possível concluir que o impugnante esteve sujeito a imposto no Reino Unido, no ano de 2003, imposto esse calculado e devido pelo impugnante na qualidade de residente nesse Estado.

XIV. Motivo pelo qual a AT alegou no articulado 23.º da sua contestação que “cabia, com efeito, ao impugnante juntar aos autos como meio de prova, um certificado de residência fiscal emitido pelas entidades fiscais de onde afirma ser residente”.

XV. A Mma. Juiz na douta sentença sustenta que “demonstra-se, desde logo, errónea e ilegal a tese da AT, de apenas admitir, única e exclusivamente, o certificado de residência fiscal para efeitos de comprovação da residência do Impugnante no Reino Unido (e a não residência em Portugal). Nenhuma norma dispõe em tal sentido e é, além do mais, violadora do artigo 50º do CPPT que, como já adiantado, refere que no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos.”

XVI. Com efeito o artigo 16.º do CIRS não faz referência aos elementos probatórios necessários para efeitos de comprovação da residência do sujeito passivo.

XVII. O foco da questão sub judice deve colocado na situação concreta do sujeito passivo – ou seja, do ora impugnante – a qual pode (e deve) ser demonstrada pelos meios de prova disponíveis que permitam suportar, com um elevado grau de certeza, a convicção de que não se encontra preenchido o critério de residência legalmente previsto na alínea a) do art.º 16 do CIRS.

XVIII. E conforme se referiu anteriormente o ora impugnante não logrou demonstrar de forma inequívoca e com um elevado grau de certeza a sua condição de não residente em Portugal / residente no Reino Unido, no ano de 2003, para efeitos do art.º 71.º e da alínea a) do n.º 1 do art.º 16.º do CIRS.

XIX. Conforme se referiu anteriormente o ora impugnante limitou-se a fazer prova de alguns indícios da sua residência fiscal no Reino Unido, no ano de 2003, a saber: o seu contrato de trabalho em Londres e a declaração de rendimentos (“In Land Revenue Tax Return”) submetida às autoridades competentes no Reino Unido, reportada ao ano fiscal de 06.04.2003 a 05.04.2004, na qual declarou morada e residência no Reino Unido (cfr. alínea L) do probatório).

XX. Refira-se, contudo, a este respeito, que da declaração de rendimentos (“In Land Revenue Tax Return”), reportada ao ano fiscal de 06.04.2003 a 05.04.2004, não resulta que o impugnante tenha sido tributado na qualidade de Residente fiscal no Reino Unido e que aí tenha pago os seus impostos.

XXI. Pelo que não tendo logrado o impugnante provar de forma inequívoca e com um elevado grau de certeza a sua condição de não residente em Portugal / residente no Reino Unido, no ano de 2003, conclui a Fazenda Pública que“a qualificação dos rendimentos efetuada pela A.F: está correta, sem qualquer erro imputável aos Serviços e resulta da estrita aplicação da lei” (cfr. articulado 23.º da contestação).

XXII. Pelo exposto, com a ressalva do sempre devido respeito, considera a Fazenda Pública existir erro de julgamento, dado que da prova produzida e levada aos autos não se pode extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

XXIII. Afigura-se que que a Administração Tributária fez uma correta interpretação das normas legais aplicáveis ao caso concreto pelo que o ato tributário ora impugnado não viola qualquer disposição legal e deve ser mantido na esfera jurídica da recorrida.

XXIV. A atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, justificando-se a manutenção da liquidação efetuada, por se encontrar demonstrada a sua validade e justeza.

XXV. Face ao supra exposto entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço,

XXVI. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença de que se recorre, julgando totalmente improcedente a presente Impugnação judicial.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada. Tudo com as devidas consequências legais”

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto não ficou provado que o Recorrido não fosse residente fiscal em Portugal?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) O Impugnante trabalhou desde Novembro de 1999 até 29.06.2003 em Lisboa, Portugal, no M……….., sendo a entidade empregadora M……….. Sucursal em Portugal (cfr. Docs. 2 e 3 juntos com a p.i.);

B) De Janeiro a Junho de 2003, o Impugnante auferiu como rendimentos do trabalho dependente, pagos pela entidade empregadora indicada na alínea antecedente, o montante de € 80.739,26 (que inclui um montante pago em Novembro, a título de despesas) (cfr. Docs. 1 e 3 juntos com a p.i.);

C) Sobre o referido valor foram efectuadas retenções na fonte em sede de IRS, no montante de € 32.294,78 (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

D) Em 30.06.2003, o Impugnante deu entrada no Reino Unido (cfr. declaração de rendimentos do Impugnante entregue no Reino Unido, junta a fls. 65 a 68 dos autos – ponto 9.25);

E) Em 30.06.2003, o Impugnante iniciou contrato de trabalho em Londres, como Director Geral (“General Manager”) no L……………, passando a ser a entidade empregadora W………….Ltd. (cfr. Doc. 2 junto com a p.i. e Doc. de fls. 65 a 68 dos autos – pontos 1.2 e 1.3);

F) Em 29.11.2004, o Impugnante apesentou reclamação graciosa nos termos dos artigos 140º do CIRS e 132º do CPPT, contra as retenções na fonte efectuadas em IRS, em 2003, a que se refere a alínea C) supra, alegando que deve ser considerado não residente em Portugal em 2003 e tributado como tal, peticionando o reembolso do montante retido em excesso, no valor de € 12.109,97 (cfr. fls. 3 a 6 do procedimento de RG apenso, que se dá aqui por integralmente reproduzido);

G) Foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, propondo o indeferimento do pedido, sobre a qual o Impugnante exerceu o direito de audição prévia (cfr. fls. 19 a 34 do procedimento de RG apenso);

H) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, de 29.02.2008, com base na informação seguinte (que parcialmente se transcreve):

“(…) II-DESCRIÇÃO DOS FACTOS

O reclamante alega ter permanecido em território português durante alguns anos, em virtude de aqui ter estado a desempenhar actividade como trabalhador dependente, sendo residente fiscal português.

No entanto aquela actividade terminou em Junho de 2003, pelo que deixou o território nacional no dia 29 de Junho de 2003, tendo nesse ano permanecido em território português por um período inferior a 183 dias, transferindo-se para o Reino Unido, passando a ser essa a sua residência fiscal.

(…)

III – ANÁLISE DO PEDIDO

(…) O Reclamante permaneceu em território nacional por um período inferior a 183 dias no ano de 2003, não foram verificadas mais nenhuma das regras de residência fiscal portuguesas, pelo que deverá ser qualificado nos temos da alínea a) do n.° 1 do artigo 16° do Código do IRS.

O reclamante é não residente, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, nos termos do n. ° 2 do artigo 15° do código do IRS.

Os rendimentos auferidos pelo reclamante em 2003 pagos pela M……….. Sucursal em Portugal foram de € 80 739,26 e tributados à taxa de 40%, ascendendo o imposto retido e entregue na quantia de €32 294, 78. Os rendimentos deveriam ser tributados a titulo definitivo à taxa de 25%, sendo a quantia a entregar de € 20 184,82, por se tratar de rendimentos do trabalho dependente auferidos em território nacional, por não residente, nos termos do artigo 71° do código do IRS.

IV - CONCLUSÃO

O nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária refere que: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Assim, conclui-se que o reclamante deve fazer prova de que permaneceu em território português por um período inferior a 183 dias, para efeitos da já referida norma e da alínea a) do nº 1 do artigo 16° do CIRS.

Em face do exposto nos pontos que antecedem, propõe-se o indeferimento do pedido.

V - INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR

Realizada a instrução do processo, foi elaborada o projecto de decisão a fls. 19 a 21, dos presentes autos, o qual foi notificado o reclamante, por carta registada, através do ofício nº ……….de 24/10/2007, a fim de exercer o direito de audição previsto no artigo 60° da Lei Geral Tributária, (…).

Decorrido o respectivo prazo, o reclamante exerceu o direito em 12/11/2007.

Através da análise da petição verificamos que o sujeito passivo invoca os mesmos argumentos já anteriormente apresentados na petição inicial, alegando ter permanecido em território português durante o ano de 2003, por um período inferior a 183 dias, juntando ao articulado para efeito, os documentos a fls. 33 a 34.

No entanto, o reclamante devia juntar aos autos como meio de prova, um certificado residência fiscal emitido pelas entidades fiscais de onde afirma ser residente.

Em face do exposto, proponho que se mantenha o indeferimento do pedido. (…)” (cfr. fls. 43 a 46 do procedimento de RG apenso e Doc. 1 junto com a p.i.);

I) A decisão antecedente foi remetida ao representante fiscal do Impugnante através do ofício nº ......., de 31.03.2008, por correio registado com A/R (cfr. fls. 49 e 50 do procedimento de RG apenso);

J) O A/R foi assinado em 10.04.2008 (cfr. fls. 50 do procedimento de RG apenso);

K) A presente acção foi remetida a este Tribunal, por meio de correio registado, expedido em 28.04.2008 (cfr. fls. 1 a 18 dos autos).

Mais se provou que:

L) O Impugnante apresentou, junto das entidades competentes do Reino Unido, declaração de rendimentos (“In Land Revenue Tax Return”) reportada ao ano fiscal de 06.04.2003 a 05.04.2004, na qual declara morada em Londres (............Avenue) e residência no Reino Unido (cfr. documento de fls. 65 a 68 dos autos)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise da prova documental constante dos autos e PA apenso, contendo o procedimento de reclamação graciosa, conforme especificado em cada uma das alíneas supra”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, por falta de demonstração dos pressupostos

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, dado que o Recorrido não provou inequivocamente não ser residente em território nacional.

Vejamos, então.

O nosso ordenamento, designadamente ao nível do IRS, consagra o princípio da tributação pelo rendimento mundial.

Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 13.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“A tributação pessoal abrange ainda todos os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo com domicílio, sede ou direção efetiva em território português, independentemente do local onde sejam obtidos”.

Tal decorre, igualmente, do disposto no art.º 1.º do Código do IRS (CIRS – redação em vigor à data, a que correspondem futuras menções), em cujo n.º 2 se prevê que “[o]s rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos”.

Da mesma forma o então n.º 1 do art.º 15.º do mesmo código previa que, “[s]endo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.

Ou seja, para efeitos de IRS, no caso de sujeitos passivos residentes, é irrelevante o estado fonte do rendimento (isto sem prejuízo, quando for caso disso, da aplicação de regras de eliminação ou atenuação da dupla tributação, designadamente as de origem convencional).

No caso de estarmos perante sujeitos passivos não residentes, a nossa lei interna dava respostas que cumpre aqui chamar à colação.

Assim, nos termos do art.º 16.º do CIRS, na redação então em vigor:

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direção do mesmo.

3 - São ainda havidas como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português”.

Por seu turno, o então art.º 71.º do CIRS dispunha que:

“2 - São tributados à taxa de 25% (…):

(…)

c) Os rendimentos do trabalho dependente e os rendimentos de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º, ainda que decorrentes de atos isolados, e nas alíneas d), e) e g) do n.º 2 do artigo 3.º, auferidos por não residentes em território português, com exceção dos rendimentos provenientes de intermediação na celebração de quaisquer contratos”.

O conceito de residência fiscal tem subjacente, pois, designadamente os seguintes pressupostos, como decorre do já citado art.º 16.º do CIRS:

a) Permanência em território português mais de 183 dias seguidos ou interpolados [nas palavras de Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 281, p. 283), o corpus]; ou

b) Permanência por menos tempo, se aí se dispuser, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual [nas palavras de Alberto Xavier (ob. cit., p. 283), o animus].

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, não é controvertido que o Impugnante auferiu de rendimentos da categoria A obtidos em território português, até 29.06.2003 [cfr. facto A)].

Atendendo à decisão proferida sobre a matéria de facto, não impugnada, temos o seguinte contexto:

a) Até 29.06.2003, o Impugnante trabalhou em Lisboa, no M………., tendo, pelo desempenho das suas funções, auferido de rendimentos de trabalho dependente [cfr. factos A) e B)];

b) A 30.06.2003, foi para o Reino Unido, tendo, nessa data, iniciado contrato de trabalho em Londres, como Diretor Geral de um hotel ali situado [cfr. factos D) e E)];

c) O Recorrido apresentou declaração de rendimentos junto dos serviços da administração tributária do Reino Unido, na qual declarou como data de início de funções e de chegada àquele país 30.06.2003 e ser aí residente habitual.

Desde já se adiante que não se acolhe o entendimento da Recorrente.

Com efeito, da prova produzida, globalmente considerada e não controvertida, decorre que, no ano em análise, o Impugnante permaneceu 180 dias em Portugal.

Veja-se que nada mais foi considerado ou chamado à colação pela administração tributária a este respeito, designadamente as demais alíneas do art.º 16.º do CIRS.

Aliás, a posição da Recorrente é no sentido de não estar provada a condição estabelecida na al. a) do n.º 1 do art.º 16.º do CIRS, a contrario (ou seja, provada a não permanência por período superior a 183 dias), o que se nos afigura como claramente provado e não meramente indiciado.

Assim, face ao direito interno, o Recorrente não era residente em território português.

A FP coloca um acento tónico no sentido de que a declaração de rendimentos referida em L) do probatório não demonstra que as autoridades do Reino Unido trataram o Impugnante como sendo ali residente.

Ora, tal argumento não é de chamar aqui à colação, porquanto não foi acionado qualquer instrumento de direito convencional que exija tal pressuposto. Até poderíamos, em abstrato, estar perante uma situação de dupla não residência (que não de dupla não tributação), que não cumpre aqui aferir.

O que é certa é a prova de não permanência em território nacional por mais de 183 dias e essa foi, de forma que consideramos inequívoca, feita.

Ou seja, o que nesta sede cumpre apreciar é se, face à lei interna, o Impugnante era ou não residente fiscal em território português.

E, face ao exposto, conclui-se que não era residente fiscal em Portugal.

Assim, bem andou o Tribunal a quo ao considerar ser de aplicar a taxa liberatória de 25%, o que não ocorreu.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 11 de janeiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)