Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1411/10.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO;
INQUÉRITO CRIMINAL.
Sumário:I.O prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (artigo 45.º, n.º 1 da LGT).

II. Por força do nº 2 do artigo 57.º da Lei n.º60-A/2005, de 30 de Dezembro, o n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor daquela lei, isto é, em 01.01.2006.

III.Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º da LGT é alargado até ao arquivamento ou, caso tenha havido acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
C............., CRL, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu na sequência do indeferimento do recurso hierárquico, apresentado contra as liquidações de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos Juros Compensatórios (JC), dos meses de janeiro a dezembro de 2002, no montante de 48.872,78€.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A - Entendeu a Douta Sentença recorrida que no momento de liquidação do imposto em causa nos autos – IVA – não se encontrava caducado tal direito, contrariando a tese da Impugnante;
B - Tendo por base os factos dados como provados na Sentença agora em crise, não podemos concordar com a decisão sobre este ponto – (não) caducidade do direito à liquidação – nem com a respetiva fundamentação
C - O processo de inquérito ao qual a Douta Sentença atribui efeito suspensivo ou interruptivo do direito à liquidação, foi instaurado em data que não consta dos factos dados como provados – o que só por si acarreta insuficiência da matéria dada como provada para a decisão – mas certamente situada no início do ano de 2005, como facilmente se infere pela numeração que identifica o processo “11/05.01TELS”.
D - O nº 5 do art.º 45º da Lei Geral Tributária (LGT), foi aditado pela Lei do Orçamento nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, vigorando no nosso ordenamento jurídico a partir de 01/01/2006, inexistindo norma anterior com semelhante regulação.
E - À data dos factos tributários – 01.01.2003 – inexistia norma que atribuísse efeito suspensivo ao prazo de caducidade da liquidação ou prazo do direito á liquidação pela AT, como, de igual forma, tal previsão inexistia à data da instauração do inquérito.
F - Estabelece o nº 2 do art.º 12º do Código Civil que “Quando a lei dispõe sobre condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”.
G - Pelo que, não pode relevar para a suspensão ou interrupção do prazo de caducidade referente ao IVA do ano de 2002, o inquérito antes instaurado, já que, tal interpretação violaria o art.º 12° n° 2 do Código Civil.
H - Na medida em que, considerar que a instauração de inquérito criminal anterior à previsão dos efeitos de tal facto sobre o prazo de caducidade, seria ficarmos perante uma situação de validação de aplicação retroativa da lei, em violação das regras sobre tal efeito.
I - O novo número 5 do art.º 45.º da LGT, em vigor a partir de 01.01.2006, vem atribuir relevância, efeito ou consequência a um facto - a instauração de inquérito criminal sobre os factos tributários - determinando uma suspensão de tal prazo desde tal instauração, até um ano após o arquivamento ou trânsito em julgado da sentença.
J - Mesmo não pondo em causa a aplicação desta nova norma aos prazos de caducidade em curso, nunca se pode, porém, atribuir efeitos a um facto que ocorreu antes da entrada em vigor de tal norma – a instauração do inquérito – pois na data em que ocorreu tal facto, não existia a previsão.
K - Sendo que tal norma apenas poderá ser aplicada a inquéritos instaurados depois da sua entrada em vigor, ainda que respeitantes a prazos de caducidade já em curso à data da sua entrada em vigor.
L - A norma do n.º 5 do art.º 45.º da LGT encerra um período de suspensão do prazo de caducidade, que tem de ter um início – a instauração do inquérito - e um fim – um ano após o arquivamento ou sentença.
M - Até porque, se assim não se entendesse, estaria, por um lado, a ser desperdiçado o prazo inicial eventualmente já decorrido entre o facto tributário – ou inicio legal da contagem do direito à liquidação – e a instauração do inquérito (o que não é possível por ser atentatório dos direitos do contribuinte e das regras sobre caducidade) e, por outro lado, estaríamos a admitir, em tese, a possibilidade de um encurtamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando o inquérito fosse arquivado ou decorresse um ano após a sentença, antes de decorrer o prazo geral e regra de 4 anos.
N - As consequências que o n.º 5 do art.º 45.º da LGT atribui à instauração de inquérito, só podem ser tidas como uma causa de suspensão do prazo de caducidade, que ocorre entre a instauração do inquérito e a decisão final em tal processo (acrescido de ano no caso de sentença).
O - Desta forma o prazo de caducidade da liquidação do IVA do ano de 2002, e como refere a douta sentença, inicia-se a 01/01/2003, terminando a 01/01/2007, sem que tenha ocorrido qualquer facto com efeito interruptivo.
P - Esta interpretação é sufragada pela nossa jurisprudência, como é exemplo o Acórdão do STA, no Processo n.º 0240/09, de 13.05.2009 (disponível em www.dgsi.pt), em que se conclui que: “I - Os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem (art. 12.º, n.º 2, do Código Civil). II - Assim, os únicos factos que interrompem a prescrição da obrigação tributária são aqueles a que é reconhecido efeito interruptivo pela lei vigente nos momentos em que eles ocorrerem.”.
Q - O que, aplicando-se ao caso em apreço, será dizer que o efeito jurídico da instauração de inquérito sobre o prazo de caducidade do direito de liquidação em curso é determinado pela lei vigente no momento em que a instauração ocorre, sendo que, quando tal aconteceu – início do ano de 2005 – a lei não lhe atribuía qualquer efeito sobre o prazo de caducidade em curso.
R - Não podendo esse efeito, trazido ao nosso ordenamento pela Lei do Orçamento de Estado para 2006, ter aplicação retroativa, aplicando-se a casos, como o presente, em que o inquérito já havia sido instaurado antes da vigência da lei.
S - Termos em que, tendo ocorrido a liquidação apenas em maio de 2008, notificada já em junho de 2008 (notificação datada de 11.06.2008 e efetuada a 16.06.2008), já há muito estava caducado o respetivo direito.
T - Acrescendo que as ações inspetivas referentes à Ordem de Serviço OI 200702032, tiveram o seu inicio em 11/01/2008, momento em que já havia caducado o direito à liquidação, não se podendo aplicar a suspensão prevista no n.1 do art.º 46.º da LGT.
U - Pelo que, deverá a Sentença recorrida ser anulada, substituindo-se por outra que julgue a impugnação da liquidação como procedente por provada, anulando a liquidação e obrigando a AT a restituir todas as quantias já pagas pela impugnante e libertação de todas as garantias prestadas para suspender a execução fiscal em curso.
V - Sem conceder no supra exposto, e caso assim não se venha a decidir, sempre deverá este Venerando Tribunal ter em conta que a Sentença ora recorrida não determina, com clareza e dando-os como provados, os factos apreciados no inquérito judicial, ao qual atribui efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação.
X - Com efeito, se o Tribunal vier a validar a tese da Sentença da primeira instância, de acordo com a qual o inquérito instaurado anteriormente à data de entrada em vigor do n.º 5 do art.º 45.º da LGT, produz efeito suspensivo da caducidade do direito à liquidação, sempre, para aplicar tal norma, deve atender à sua previsão.
Z - E, como é sobejamente e reiteradamente entendido pelos nossos tribunais superiores, importa que a Sentença elenque os factos objeto do inquérito criminal, para que seja clara e possa ser verificada a sua correspondência com os factos em causa na liquidação.
AA - Veja-se, como exemplo, o Acórdão do STA, proferido no Processo: 0190/14, de 11/11/2015: “I - A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos. II - Não se encontrando fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, detecta-se na sentença um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o art. 45.º, n.º 5, da LGT.”
BB - Pelo que, subsidiariamente ao já supra alegado, deve a Sentença ser anulada, com eventual determinação para que baixem os autos à primeira instância para que tais factos possam ser fixados, o que, também subsidiariamente, se requer.

FAZENDO-SE ASSIM A COSTUMADA JUSTIÇA!»

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.


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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Das conclusões decorre que a questão a decidir é a de saber se a sentença errou ao julgar não caducado o prazo do direito à liquidação adicional de IVA referente ao exercício de 2002, atenta a instauração do Processo de Inquérito Criminal n.º 11/05.1TELS.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. A C............., CRL dedica-se à produção de cereais, produtos hortícolas e vinhos, comercialização a granel e vinhos engarrafados. - cfr. docs. do RIT do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Contra a Impugnante, pelo Ministério Público de Almeirim, foi aberto o inquérito com o n.º 11/05.0TELSB - cfr. docs. de fls.188 e ss do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 07/04/2008, foi subscrita pelo Diretor de Finanças de Santarém, M............., Despacho de Delegação e subdelegação de competências, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 80, de 23 de Abril do mesmo ano, no qual consta, entre o mais:

I – Competências próprias:

Delego:

6 – Nos Chefes de Divisão da Inspeção Tributária I e II, respetivamente, J............ e Lic. A............, relativamente a cada uma das suas áreas funcionais:

IV – Produção de efeitos

As delegações e as subdelegações aqui efetuadas produzem efeitos a partir de 27 de setembro de 2007, ficando ratificados todos os atos entretanto praticados no âmbito do presente despacho.

Ficam revogados os nossos anteriores despachos de delegação e subdelegação de competências ainda em vigor.

- cfr. docs. de fls. do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. Pelo ofício n.º 245-GAB de 16/10/2007, foi requerida informação ao Ministério Público de Almeirim relativamente ao processo 11/05.01TELS, aberto em 2005, que se encontrava em fase de inquérito em 04/10/2007, tendo sido deduzida acusação em 16/02/2009 e declarado extinto o procedimento em 16/04/2010 - cfr. docs. de fls. 143 a 206, 219 a 251 dos autos, do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI200701716, OI200701717, OI200702032, foi a Impugnante sujeita a inspeção tributária, que incidiu sobre as bebidas alcoólicas por si produzidas.

6. As ações inspetivas ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI200701716, e OI200701717, tiveram início e, 2007/11/12 e a ação inspetiva com o n.º OI200702032, teve início em 11/01/2008.

7. Em 11/01/2008 foi entregue na sede da reclamante carta aviso sobre o início da inspeção ao ano de 2003, determinada pela ordem de serviço OI20702032 de Novembro de 2007.

8. As notas de Diligência referentes às Ordens de Serviço fora, assinadas em 14/04/2008.

9. Foi elaborado Projeto de relatório de inspeção tributária, sobre o qual recaiu despacho de 16/04/2008 - cfr. docs. de fls. 274 e ss dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Em 16/04/2008, foi subscrito por V............, presidente da Direção da Impugnante, documento apresentado pela inspeção Tributária, intitulado “Notificação do projeto de relatório de inspeção tributária”, no qual se diz, nomeadamente:

(…) Nos termos dos artigos 38.º n.º 5 do… (CPPT)… e artigo 38.º do …(RCPIT), notifica-se a sociedade “C............, CRL…, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária… e artigo 60.º do RCPIT, de que no prazo de 10 dias poderá, querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, do Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção, dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 e do teor do despacho que sobre ele recaiu, que se anexa como parte integrante da presente notificação. (…).- cfr. docs. de fls. 274 a 276 aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. No mesmo dia, em sequência, foi elaborada certidão da notificação pessoal, a qual atesta que a notificação ocorreu pelas 17:30h e compreendeu o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2002, 2003 e 2004 e respetivos anexos, num total de 185 folhas (projeto de relatório composto por 32 folhas e anexos com 153 folhas. - cfr. docs. de fls. 275 a 385 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. Em 05/05/2008, foi concluído o Relatório Final de Inspeção Tributária - cfr. docs. de fls. do p.a. de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. Sobre o referido relatório recaiu parecer no sentido de serem efetuadas correções técnicas aos exercícios de 2002, 2003 e 2004 em sede de IVA e IRC.

14. Tal parecer mereceu despacho de concordância, subscrito por Inspetor Tributário Assessor Principal A............, por delegação do Diretor de Finanças - cfr. docs. de fls. do p.a. de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Em 06/05/2008, foi o sujeito passivo notificado do Relatório Final de Inspeção Tributária - cfr. docs. de fls. do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. No relatório final de inspeção concluiu-se que os movimentos a crédito da Cooperativa constituíam o recebimento de vendas, para as quais não tinha sido emitida fatura ou venda a dinheiro.

17. Consta do referido relatório, entre o mais, o seguinte:

“II – 2. Motivo, âmbito e incidência temporal

A ação inspetiva foi desencadeada pelo Ofício n.º 245-GAB remetido pela Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, datado de 16/10/07, no qual se remetia a esta Direção de Finanças o pedido de informação relativo ao Processo 11/05.0TELSB Referência 504079 de 04-10-2007, enviado pelos Serviços do Ministério Público de Almeirim – Unidade de Apoio.

(…)

II – 3.4 – Resumo dos Procedimentos de Inspeção II – 3.3.1 – Preparação Prévia da Ação

Procedeu-se à recolha dos dados constantes nas bases de dados da Administração Fiscal, constatando-se que as Declarações de Rendimentos Modelo 22 e Anual de Informação Contabilística e Fiscal, para os exercícios em causa, tinham sido entregues…

Procedeu-se, ainda à recolha e breve análise dos dados constantes nas declarações periódicas de IVA dos exercícios em causa, enviados pelo sujeito passivo, conforme disposto nos artigos 26.º, 28.º e 40.º do CIVA e constantes no sistema IVAG, tendo-se constatado que o sujeito passivo é, normalmente, credor de IVA, tendo solicitado pedido de reembolso nos períodos 02/12 e 05/11.

II – 3.3.2 – Trabalho de campo

Atendendo a que a contabilidade e outros elementos fiscalmente relevantes da C............ se encontravam nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Almeirim, na sequência apreensão efetuada pela Brigada Fiscal… solicitou- se através do nosso Ofício 294, de 11-11-2008, autorização para a requisição dos elementos da Contabilidade para a Direção de Finanças, onde se procedeu à análise dos mesmos.

Procedemos à verificação da contabilidade…fazendo incidir a nossa análise, de uma forma mais acentuada, nas áreas que consideramos de maior risco ou de maior relevância fiscal, nomeadamente as seguintes: Venda de Produtos acabados, compras, custos das existências vendidas e matérias consumidas, fornecimentos e serviços externos, custos e perdas financeiros, imobilizado e Estado.

(…)

Para além das pastas da contabilidade procedemos à recolha para suporte informático das pastas numeradas de sete (7) a doze (12) …

(…)

Da análise dos elementos da contabilidade detetou-se a existência de uma conta bancária … titulada em nome da C............… No sentido de esclarecer os movimentos efetuados na referida conta bancária, notificou-se a direção para nos apresentar os extratos bancários da mesma. Da análise dos referidos extratos detetámos movimentos a crédito, resultantes de depósitos e numerários e ou valores (cheques) e a débito através da emissão de cheques por parte da C.............

(…)

Com vista ao esclarecimento de tais movimentos, estes Serviços de Inspeção Tributária notificaram o Sr. A............, na qualidade de tesoureiro da sociedade…

(…)

Uma vez que nos elementos apresentados pela Direção da C............, para justificar os movimentos a débito da referida conta surgem bastantes cheques emitidos ao Sr. R............, notificou-se este sujeito passivo … para que comparecesse neste serviço a fim de prestar declarações…

- cfr. docs. de fls. do RIT do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18. Em 31/05/2008 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA.

19. Em 11/11/2008, deu entrada, no Serviço de Finanças de Santarém, reclamação graciosa apresentada pela ora, Impugnante, onde formulou o seguinte pedido:

“(…) deve a presente reclamação ser recebida porque em tempo e deferida por provada, procedendo a Administração Tributária à anulação das presentes liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios do exercício de 2002.

A) Por não ter sido indicado no Diário da República onde foi publicada a delegação de competências para a prática do ato de 16 de abril de 2008 e 6 de maio de 2008, tendo-se o mesmo como praticado por órgão incompetente.

B) Por utilização indevida do dispositivo legal vertido no n.º 3 do artigo 239, face à supremacia do RCPIT, em matéria de notificações.

C) Por ausência ou vício de fundamentação do ato de correção da matéria coletável em sede de IRC, com as inerentes consequências em sede de IVA.

D) Por, decorrente da ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida, terem sido sonegados elementos que serviram à correção da matéria coletável levada a efeito pela inspeção tributária no decurso do procedimento inspetivo, sobre os quais não teve a reclamante oportunidade de se pronunciar em sede de exercício do contraditório.

E) Ainda, por ausência de notificação para audição prévia sobre o ato de liquidação.

- cfr. docs. de fls. do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

20. Em 22/09/2009, foi elaborado projeto de despacho, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa e para audição prévia, tendo a Cooperativa sido notificada para esse efeito por ofício 224 de 29/09/2009 - cfr. docs. de fls. do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

21. A Cooperativa apresentou pronúncia em sede de direito de audição em 12/10/2009 - cfr. docs. de fls. 95 e ss do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

22. Sobre a pronúncia em sede de audição recaiu informação e despacho do chefe de divisão, por delegação de poderes, de indeferimento datado de 19/10/2009.

23. O ato de delegação de competências foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 80, de 23 de abril, com efeitos retroativos desde 27 de setembro de 2007.

24. Em 09/12/2009, como reação ao indeferimento da reclamação graciosa, a Cooperativa apresentou recurso hierárquico - cfr. docs. de fls. do p.a. de recurso hierárquico apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

25. Com parecer de indeferimento, foi o recurso hierárquico remetido à Direção de Serviços do IVA para apreciação.

26. Em 15/06/2010, foi concluída a Informação n.º 2215/2010 de 3 de maio, em que se concluiu pelo indeferimento do recurso hierárquico. - cfr. docs. de fls. 37 autos

27. Sobre a informação a que se refere o n.º anterior recaiu despacho de concordância e indeferimento, subscrito pelo Subdiretor geral, por subdelegação, M............. - cfr. docs. de fls. 37 autos, 24 do p.a. de recurso hierárquico apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

28. A subdelegação a que se refere o n.º anterior foi publicada no Diário da República, 2ª série, n.º 115 de 16 de junho, com efeitos retroativos desde 31/10/2009.

29. A decisão a que se refere o n.º anterior, de indeferimento do recurso hierárquico, foi notificada à ora Impugnante por ofício n.º 1275 de 23/06/2010 - cfr. docs. de fls. 34 e ss autos, fls. 46, 48 do p.a. de recurso hierárquico apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

30. Em 23/10/2010, a Impugnante requereu certidão nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do CPPT. - cfr. docs. de fls. do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

31. Em sequência, em 28/07/2010, foi elaborada informação, da qual consta, entre o mais:

Em 2008-05-06, o S. Passivo foi notificado pessoalmente do relatório de inspeção

tributária…

A notificação foi assinada…

A notificação foi acompanhada pelo relatório composto por 33 folhas e anexos com 153 folhas

O procedimento inspetivo deu origem às seguintes liquidações:

«imagem no original»

(…)

Face ao exposto verifica-se que não se encontram reunidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, pelo que somos de parecer que o pedido deve ser indeferido.

- cfr. docs. de fls. do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

32. Por ofício n.º 5715 de 28/07/2010, foi a Impugnante notificada do despacho como seguinte teor:

“Face ao solicitado na petição rececionada nestes Serviços em 2010.07.23, indefiro o pedido de passagem de certidão efetuado ao abrigo e para os efeitos no disposto no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, com base nas razões expostas na informação anexa e que se junta para fazer parte integrante do presente despacho.”

- cfr. docs. de fls. do p.a. apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

33. Em 24/09/2010 a petição da presente impugnação foi remetida a este Tribunal.


*

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos e do processo administrativo apenso constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.»


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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

34. Em 11.02.2005, foi instaurado processo de inquérito crime n.º 11/05.01TELS, por existirem fundadas suspeitas de transações comerciais de bebidas alcoólicas efectuadas entre a Impugnante e diversos clientes entre 2000 e 02.04.2004 - vendas não contabilizadas de vinho abafado e aguardente, sem emissão das respectivas facturas ou vendas a dinheiro e sem que o valor das vendas esteja inscrito na contabilidade -. (fls. 48, 143 a160 dos autos).

35. Em 25.06.2008 e 26.06.2008, a Impugnante foi notificada das liquidações a que alude o ponto 18. do probatório (cfr. artigo 13. da petição inicial).


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B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como resulta dos autos e já deixamos dito, a C............., CRL (doravante impugnante/recorrente) apresentou impugnação judicial na sequência do indeferimento expresso do recurso hierárquico que deduziu contra as liquidações de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos Juros Compensatórios (JC), dos meses de Janeiro a Dezembro de 2002, no montante de 48.872,78€.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, exarada a fls. 387 a 398, a impugnação judicial foi julgada improcedente.

Inconformada, a impugnante recorreu para este Tribunal Central Administrativo, cingindo o recurso ao segmento da sentença que julgou verificado o vício de caducidade do direito à liquidação.

Na parte que releva para a apreciação do presente recurso, entendeu a Meritíssima Juiz «a quo» em síntese, que estando em causa a tributação em IVA do ano de 2002, apenas em 01.01.2003, começaria a contar o prazo de caducidade de quatro anos, previsto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT).

E, trazendo à colação o n.º 5, do mesmo dispositivo legal, expendeu a seguinte fundamentação: «Resulta da matéria de facto assente que pelo ofício n.º 245-GAB de 16/10/2007, foi requerida informação ao Ministério Público de Almeirim relativamente ao processo 11/05.01TELS, que se encontrava em fase de inquérito em 04/10/2007. Para que ocorra a extensão do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, basta a mera instauração de inquérito criminal em relação a factos com relevância tributária.» concluindo que «À data da emissão das liquidações adicionais de IVA aqui impugnadas, em 2008-05-31, não tinham ainda ocorrido os termos iniciais (arquivamento do inquérito ou o trânsito em julgado da sentença) para contar o acréscimo de um ano, nos termos do artigo 45.º da LGT.».

A recorrente insurge-se contra a sentença porque entende que o n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), não logra aplicabilidade ao caso dos autos na mediada em que o Processo de Inquérito n.º 11/05.01TELS, reportado nos pontos 2, 4 e 34 do probatório, foi instaurado antes da vigência daquela lei.

E, caso assim não se entenda, diz a recorrente, importava «[q]ue a Sentença elenque os factos objecto o inquérito criminal, para que seja clara e possa ser verificada a sua correspondência com os factos em causa na liquidação.».

Assim, a única questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença errou ao julgar que não verificada a caducidade do direito à liquidação adicional de IVA referente ao exercício de 2002, atenta a instauração do processo de inquérito n.º 11/05.1TELS.

Vejamos, então.

De acordo com o n.º1 do artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, salvo se a lei fixar outro prazo.

O prazo de caducidade conta-se, segundo o n.º 4 do mesmo dispositivo legal, «[a]partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário».

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 46.º da LGT, relativamente à suspensão do prazo de caducidade, dispõe que «O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.».

Regressando, agora, à situação dos autos, diremos que estando em causa o IVA (exercício de 2002), embora estejamos perante um imposto de obrigação única o prazo de caducidade conta-se, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto a caducidade do direito à liquidação verificar-se-ia apenas em 31 de Dezembro de 2006, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de caducidade, enunciadas no artigo 46.º da LGT.

Sucede que, pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2006), que entrou em vigor no dia 01.01.2006, foi aditado ao artigo 45.º da LGT, o seguinte dispositivo:

«5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.».

O normativo transcrito consagra um vector de alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando ele derivar de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, alargamento este que tem como termo final o arquivamento ou trânsito em julgado da sentença exarada em processo criminal, acrescido de um ano (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, p.366).

Por força do nº 2 do artigo 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, o n.º 5 do artigo 45.º da LGT, é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor daquela lei, isto é, em 01.01.2006.

Como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.10.2015, proferido no processo n.º 01477/13, a aplicação imediata do n.º 5 do artigo 45.º do LGT, determinada pelo n.º 2 do artigo 57.º da Lei, que nos vimos referindo, « [n]ão consubstancia uma aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova; só assim não seria caso determinasse a aplicação da nova regra os prazos já findos.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Por conseguinte, entendemos, que não tem razão a recorrente quando defende a inaplicabilidade do normativo condito no n.º5 do artigo 45.ºda LGT, com fundamento de que à data da entrada em vigor da norma (1.01.2006) já havia sido instaurado o Processo de Inquérito criminal, o que ocorreu em 11.02.2005.

Diz ainda a recorrente que «[s]e o Tribunal vier a validar a tese da Sentença da primeira instância, de acordo com o qual o inquérito instaurado anteriormente à data de entrada em vigor do n.º5 do art.º 45 da LGT, produz efeito da caducidade do direito à liquidação, sempre, para aplicar tal norma, deve atender à sua previsão.» [Conclusão X]. No seguimento desta posição, sustenta que não constando na sentença os factos objectos do Processo de Inquérito riminal, de molde a aferir a sua correspondência com os factos em causa na liquidação, devem os autos baixar ao Tribunal recorrido, para a fixação de tais factos.

Efectivamente, a aplicação do artigo 45º, n.º 5 da LGT, basta-se com a instauração de inquérito criminal, ou seja, para que se verifique o alargamento do prazo de caducidade ditado pelo preceito é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal.

Como se lê, a este respeito, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1407/15, «(…) a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos (…) identidade objectiva” entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal( disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

No caso concreto, decorre da matéria de facto assente que as correcções que estão na base da liquidação sindicada reportam-se à falta de entrega nos cofres do Estado derivada da contabilização de vendas de vinhos sem a emissão de factura, e cujos montantes não coincidem com os apurados na contabilidade da recorrente. Ora, do confronto do que vem dito, com a matéria assente no ponto 34. do probatório, não existe, dúvida, que os factos que deram origem ao Processo de Inquérito Criminal n.º 11/05.1TELS e ao procedimento que culminou na liquidação sindicada cuja decisão foi impugnada são os mesmos (cfr. pontos 17 e 35 do probatório).

Sendo assim, mostra-se estabelecida a identidade entre os factos investigados no inquérito criminal, e os factos que, na sequência do procedimento de inspecção, deram origem às liquidações impugnadas.

Neste contexto, tem que se concluir que à data em que a recorrente foi notificada das liquidações, como ela própria assume, em 25.06.2008 e 26.06.2008 [cfr. Ponto 35 do probatório] não decorrera ainda o prazo de caducidade do direito à liquidação atendendo ao alargamento do prazo em virtude da instauração do processo crime que ainda se encontrava pendente [cfr. Ponto 4].

Consequentemente, forçoso se impõe concluir que, a sentença recorrida, que decidiu neste sentido, não merece censura.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.

IV.CONCLUSÕES

I.O prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (artigo 45.º, n.º 1 da LGT).

II. Por força do nº 2 do artigo 57.º da Lei n.º60-A/2005, de 30 de Dezembro, o n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor daquela lei, isto é, em 01.01.2006.

III.Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º da LGT é alargado até ao arquivamento ou, caso tenha havido acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

Ana Pinhol