Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1771/15.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
ARTIGO 114.º DO RGIT
CONHECIMENTO OFICIOSO
PAGAMENTO POR CONTA - IRC
INTERRUPÇÃO E PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A falta de entrega da prestação tributária (IRC-Pagamento por conta) dentro do prazo constitui uma infração punida pelo artigo 114.º n.º 2 do RGIT trata-se de uma situação dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, para a qual o artigo 45.º, nº 1, da LGT, prevê um prazo de caducidade do direito à liquidação de quatro anos, esclarecendo no n.º 4 da mesma norma legal que o prazo de caducidade se conta, excecionalmente a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
II - A interrupção do prazo de prescrição, determina o reinício da contagem do prazo, porém na situação em análise, o decurso do novo prazo encontra-se limitado pela regra imposta pelo n.º 3 do artigo 28° do RGCO, supratranscrita, que determina que a prescrição tem sempre lugar “quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
III - Para efeitos de contagem de prazo de suspensão ressalta das alíneas b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 27.ºA do RGCO que, nestes casos a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

C...... - C......, SA, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Seixal - 2, no processo de contraordenação nº ............44, no montante de € 3.340,77, pela prática de contraordenação, referente à falta de entrega do pagamento por conta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no valor de € 10.811,59, respeitante ao mês de Dezembro de 2012.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, por sentença de 02 de fevereiro de 2017, julgou o recurso parcialmente procedente e, em consequentemente, anulou a decisão de aplicação de coima e, em sua substituição, aplicou à arguida, como sanção pela contraordenação que lhe vem imputada, uma coima no montante de € 1.621,73.

Inconformada, a Arguida, C...... - C......, SA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«29- À Recorrente foi aplicada uma coima no montante de € 3.340,77, por falta de entrega do pagamento por conta no valor de €10.811,59, de Dezembro de 2012, imposto que foi integralmente entregue ao Estado, que o recebeu na totalidade e dentro do prazo legal.

30- A decisão que aplicou a coima deveria conter os requisitos elencados no artigo 79.°, n.° 1 do RGIT, sob pena de nulidade (cf. artigo 63.°, n.° 1, alínea d) do RGIT), sendo um desses requisitos “a descrição sumária dos factos e indicação das normas punitivas” (cf. artigo 79.°, n.° 1, alínea b) do RGIT), o que na presente situação não ocorreu.

31- Nem a Recorrente tinha como se aperceber que a Autoridade Tributária não tinha considerado como dedutíveis as dívidas dos pais/ encarregados de educação.

32- Nestas condições deveria a douta sentença ter considerado excluída a ilicitude quanto ao pagamento especial por conta do contribuinte C........... SA, conduzindo, por manifesto lapso na aplicação da lei, a absolvição da recorrente quanto ao pagamento parcial da coima no valor de €1621, 73.

33- Se assim não fosse haveria uma desproporção abissal entre o elevado pagamento por conta devido em função do exercício anterior - €10.811,59 (dez mil oitocentos e onze euros e cinquenta e nove cêntimos) em comparação com a matéria colectável do exercício seguinte- €11,462,92 (onze mil quatrocentos e sessenta e dois euros e noventa e dois cêntimos).

34- Desproporção abissal que a douta sentença recorrida mantém ao confirmar o montante do imposto em falta - €10.811,59, pagamento por conta excessivo, e em violação do princípio da tributação do lucro real e do princípio da proporcionalidade.

35- No presente caso não se verificam quaisquer exigências de prevenção geral ou especial que justifiquem a aplicação de uma pena dissuasora de comportamentos, como a coima, uma vez que a Recorrente pautou a sua atuação por um princípio de lealdade e colaboração, pagando (dentro do prazo de pagamento voluntário) todas as guantias de imposto relativas a 2012.

36- Punir a Recorrente com uma coima como a que lhe foi aplicada é manifestamente inadequado, injusto e desproporcional face à constatação de que pagou pontualmente o IRC do ano de 2012 que era devido e que o eventual prejuízo do Estado com a não antecipação desse pagamento através da entrega do pagamento por conta nunca atingiria esse montante.

37- A decisão de aplicação da coima em causa viola o disposto no art.° 27° RGIT pois excede claramente a gravidade do facto, a culpa do agente e o beneficio económico que o agente retirou da prática da contraordenação.

38- A admoestação é uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo.

39- Que só não foi aqui aplicada por erro de contagem.

40- A alegada falta cometida em 15/12/2012, foi regularizada/paga a 31/5/2013. (pág.22), dentro do prazo de pagamento voluntário.

41- E, contrariamente ao alegado na Decisão, num período de tempo inferior a seis meses, a contar do momento da suposta infração e respetiva sanação.

42- Incorrendo assim a presente sentença numa contradição insanável entre a fundamentação e a decisão- erro notório na apreciação na prova, em que se fundamenta o presente recurso, nos termos do art0 410, n°2, al. c) do CPP.

43- Deve o Recorrente ser sujeito a mera admoestação por estarem verificados todos os requisitos do art.0 51° do RGCO (aplicável ex vi art. 3o b) RGIT) sob pena de violação pela Administração Tributária do princípio da boa-fé, da legalidade e da proporcionalidade na sua atuação.

Termos em que se requer seja revogada a anterior decisão que condena a Recorrente ao pagamento de uma coima e a sua substituição por sentença de Admoestação por não existir qualquer razão material para a sua não aplicação (só não anteriormente aplicada por erro do julgador na contagem do tempo entre a data da infração e o pagamento da coima) e ser esta a medida correta no caso concreto.”


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Devidamente notificados da admissão, a Fazenda Publica e o Ministério Publico nada disseram.

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Neste TCA Sul, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada integralmente a sentença recorrida.

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Em 25 de maio último, a Arguida, C...... - C......, SA, veio aos autos invocar a prescrição da dívida, nos seguintes termos:

“1. A alegada infracção que fundamentou uma coima à sociedade Recorrente é punida pelo art. 114°, n°s 1 e 2, do RGIT, estando dependente do imposto em falta, já liquidado.

2. Com estes pressupostos, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional não pode deixar de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o art.45°, n°4, da LGT, é de quatro anos, contados a partir do termo do ano em que se verificaram os factos tributários (art. 33°, n°2 do RGIT).

3. Igualmente é aplicável, subsidiariamente ao prazo previsto no art. 33, n°2, do RGIT, a regra consagrada no art. 28°, n°3, do RGCO ("ex vi" do art.3°, al.b), do RGIT), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade, (no caso concreto seis anos- 4+2).

4. De acordo com a matéria de facto provada no processo, apenas se vislumbra a existência de um tempo suspensivo do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional de seis meses, previsto nos termos do art. 270-A, n°s 1, al.c) e 2 do RGCO, assim sendo o prazo total de prescrição de seis anos e seis meses.

5. A alegada infracção em causa ocorreu em Dezembro de 2012, tendo-se iniciado a 1/1/2013 a contagem do prazo de prescrição, que ocorreu a 1/7/2019.

6. Prescrição de que a Recorrente se pretende prevalecer como efectivamente se prevalece para os devidos efeitos de lei.

7. A prescrição do procedimento contra-ordenacional consubstancia exceção peremptória, de conhecimento oficioso, invocável em qualquer altura do processo, até à decisão final, (arts.35° e 193°, al. b) do CPT, e 27° do RGCO, aprovado pelo Dec- Lei, n°433/82, de 27/10, e art. 33° do RGIT), obstando à apreciação da matéria de fundo e gerando o arquivamento dos autos.

8. Donde após aquela data de 1/7/2019, em que se completou o prazo prescricional de 6,5 anos, deverá ser reconhecida a prescrição do procedimento contra-ordenacional, o que se impõe fazer agora.

" A questão da prescrição é de conhecimento oficioso, mesmo em sede de impugnação judicial tendo em vista a eventual inutilidade superveniente da lide"

Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 0902-2011. Proc.0857/10.

Termos em que, encontrando-se prescrito o presente processo contra-ordenacional, requer-se a V. Exa, se digne julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, tudo com as legais consequências.”


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Notificada a Fazenda Publica, nada disse.

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Pronunciando-se, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, quanto à questão ora suscitada, vem dizer que não se verificam os respetivos pressupostos, atendendo às suspensões e interrupções ocorridas.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem” (artigo 411.º do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, por remissão da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1 do CPP, artigo 3.º al. b), do RGIT e artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, cumpre a título de questão previa aferir se se encontra prescrito o procedimento contraordenacional, caso assim não se entenda, passando ao conhecimento de mérito, cumpre avaliar se, in casu, se verificam os pressupostos de aplicação do artigo 51.º do RGCO, aqui aplicável ex vi do artigo 3.º alínea b) do RGIT e, se assim for, substituir a coima aplicada por simples admoestação.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

«A) Em 30.03.2012, “C...... - C......, SA”, em sede de Imposto sobre o Rendi mento das Pessoas Colectivas, liquidou o montante de € 500,00 (quinhentos euros), a título de pagamento especial por conta referente ao exercício fiscal de 2012 _ cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial, que ora se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, constante a fls. 37 e 38;

B) Em 31.07.2012, “C...... - C......, SA”, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, liquidou o montante de € 500,00 (quinhentos euros), a tí tulo de pagamento por conta referente ao exercício fiscal de 2012 _ cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial, que ora se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, constante a fls. 39 e 40;

C) Em 28.09.2012, “C...... - C......, SA”, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, liquidou o montante de € 500,00 (quinhentos euros), a título de pagamento especial por conta referente ao exercício fiscal de 2012 _ cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial, que ora se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, constante a fls. 41 e 42;

D) Em 14.12.2012, “C...... - C......, SA”, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, liquidou o montante de € 500,00 (quinhentos euros), a título de pagamento por conta referente ao exercício fiscal de 2012 _ cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial, que ora se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, constante a fls. 43 e 44;

E) Em 31.05.2013, “C...... - C......, SA”, a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, liquidou o montante de € 11.462,92 (onze mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e noventa e dois cêntimos), respeitantes ao exercício fiscal de 2012 _ cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial, que ora se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, constante a fls. 45 e 46;

F) Em 28.02.2015, foi levantado auto de notícia a “C...... - C......, SA” por falta de entrega de pagamento por conta referente a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no montante de € 10.811,59, respeitante ao mês de Dezembro de 2012 _ cfr. auto de notícia de fls. 52 dos autos;

G) Em 01.03.2015, com base no auto de notícia referido em F), foi autuado no Serviço de Finanças do Seixal - 2 o processo de contra-ordenação n.° ………..44, no qual figura como arguida “C...... - C......, SA” _ cfr. fls. 51 dos autos;

H) Em 03.04.2015, no âmbito do processo contra-ordenacional identificado em B), a Chefe do Serviço de Finanças do Seixal - 2 proferiu o seguinte despacho:

cfr. fls. 54 e 55 dos autos;

I) Na decisão de fixação de coima mencionada em H), consta a seguinte “descrição sumária dos factos”:


J) Na decisão mencionada em H), consta a seguinte referência respeitante às “normas infringidas e punitivas”:


K) Na decisão mencionada em H), consta a seguinte referência respeitante à “responsabilidade contra-ordenacional”:

L) Na decisão mencionada em H), consta a seguinte referência respeitante à “medida da coima”:




M) Em 20.04.2015, o Serviço de Finanças do Seixal – 2 remeteu à recorrente ofício com o seguinte


“(texto integral no original; imagem)”

cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido, constante a fls. 24 dos autos;

N) Em 19.05.2015, deu entrada no Serviço de Finanças do Seixal - 2 a petição de recurso de fls. 3 e seguintes dos presentes autos.


*

FACTOS NÃO PROVADOS


Não se considera provada a seguinte factualidade:

A) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 4.077,25 (quatro mil, setenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos) sobre L..........., portador do Bilhete de Identidade n.° …….6, respeitante à prestação de serviços de ensino e “outros a ele ligados” aos menores H.......... e T..........;

B) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 2.445,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros) sobre S.........., contribuinte n.° ……38, respeitante à prestação de serviços de ensino e “outros a ele ligados” à menor C..........;

C) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 1.347,32 (mil, trezentos e quarenta e sete euros e trinta e dois cêntimos) sobre R.........., contribuinte n.° ……..45, respeitante à prestação de serviços de ensino e “outros a ele ligados” ao menor R……;

D) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 1.749,34 (mil, setecentos e quarenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos) sobre W.........., contribuinte n.° …….45, respeitante à prestação de serviços de ensino e “ outros a ele ligados” ao menor A..........;

E) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 2.020,00 (dois mil e vinte euros) sobre P.........., contribuinte n.° ……31, respeitante à prestação de serviços de ensino e “ outros a ele ligados” ao menor F..........;

F) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 5.925,80 (cinco mil, novecentos e vinte cinco euros e oitenta cêntimos) sobre M.........., contribuinte n.° …….24, respeitante à prestação de serviços de ensino e “outros a ele ligados” à menor V..........;

G) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 10.923,40 (dez mil, novecentos e vinte e três euros e quarenta cêntimos) sobre J.........., contribuinte n.° ……..63, respeitante à prestação de serviços de ensino e “ outros a ele ligados” às menores B..........e S.C..........;

H) Que , em 05.06.2012, a recorrente detivesse um crédito no montante de € 7.791,50 (sete mil, setecentos e noventa e um euros e cinquenta cêntimos) sobre D.........., contribuinte n.°………60, respeitante à prestação de serviços de ensino e “outros a ele ligados” aos menores A.M.......... e F. M…..;


*

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO


A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Os factos dados como não provados nas alíneas decorrem de não ter sido oferecida prova documental que sustentasse a respectiva titularidade dos direitos de créditos invocados, conforme decorre do artigo 574.°, n.° 2 do Código de Processo Civil.»


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Do direito

Questão Prévia

Conforme deixamos autonomizado na delimitação do objeto do recurso, antes de mais, cumpre apreciar os pressupostos da prescrição do procedimento contraordenacional, porque foi suscitada pela Arguida e porque jurídico-conceptualmente, esta questão, constitui uma exceção perentória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final como se disse no acórdão do STA, proferido em 20/05/2020 no processo n.º 01901/15.7BELRA.

Porque assim é, precede o conhecimento do mérito da causa, e a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão, uma vez que esta constitui uma causa extintiva do procedimento conforme prevê a alínea b) do artigo 61.º do RGIT.

Vejamos então, encetando por convocar o respetivo regime legal.

Decorre do probatório que a decisão da Autoridade Administrativa se alicerça na infração ao artigo 104.º, nº1, alínea a), do CIRC e punida pelo disposto nos artigos 114.º, n.º 2, 5, alínea f), e 26º, nº4, ambos do RGIT, consubstanciando-se a infração na falta de entrega do pagamento por conta do IRC devido a final, do ano de 2012.

Relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional dispõe o artigo 33.º, n.º 1, do RGIT que:

1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.

2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no nº 2 do artigo 42º, no artigo 47º e no artigo 74º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.”

A norma citada estabelece como regra geral de prescrição do procedimento contraordenacional um prazo de cinco anos (n.º 1) e um prazo especial, mais curto, para os casos em que a infração depende da liquidação da prestação tributária, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação (n.º 2).


Sendo que, nos termos do disposto no artigo 119.º do Código Penal (CP), aplicável por força do artigo 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.


Significa, então, conforme também se diz no acórdão, que vimos seguindo, que regra geral o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, a “… infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor.
Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s 108.º, n.º 1, 109.º, n.º- 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.11, ("') do RGIT. ("')”(1). – o destacado é nosso.

Nesta matéria, tem entendido a Jurisprudência, na esteira dos ensinamentos dos autores citados (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos)(2), que para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que “… a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.(3) e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, “… o prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al. b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).”(4). – o destacado é nosso


Na situação em análise a infração que subjaz à aplicação de coima vem punida pelo artigo 114.º, nº 2, do RGIT, consubstanciada na falta de entrega do pagamento por conta dentro do prazo.


Estabelece o artigo 104.º do CIRC, para os sujeitos passivos que exerçam a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e bem assim as não residentes com estabelecimento estável em território português, a obrigatoriedade de efetuar três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respetivo período de tributação.


Esses pagamentos, de acordo com o artigo 105.º do CIRC, deveriam, à data, ser calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar, líquido da dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo, o que representa uma forma de antecipação de pagamento do imposto (IRC) que venha a ser devido a final, cujo montante concreto é determinado pelo próprio sujeito passivo para efeitos da sua entrega ao Estado, com observância dos critérios e regras estabelecidos no referido artigo 105.º do CIRC.


Em suma, é ao sujeito passivo que incumbe a responsabilidade de determinar o montante das entregas pecuniárias que, por lei, se encontra obrigado a efetuar, por conta do imposto que vier a ser devido a final, o que se consubstancia numa situação de autoliquidação, tendo em conta a noção ampla de liquidação que compreende todas as declarações através das quais os contribuintes, além de comunicarem à Administração os dados necessários para a liquidação do tributo e outros de conteúdo informativo, fazem por si mesmos as operações de qualificação e quantificação necessárias para determinar e pagar a importância de uma prestação tributária devida, situação que catapulta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional para um período igual ao estipulado para a caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 1, da LGT, é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário aludindo.


Dito isto volvemos ao caso dos autos.

Tendo presente que, in casu, a infração respeita ao período 2012, e a exigibilidade do imposto ocorreu a 15/12/2012, temos que o dies a quo, é o dia 01 de janeiro de 2013, em conformidade com o consignado no artigo 45.º, nº4 da LGT.

Quer isto dizer que, aplicando o referido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 01 de janeiro de 2017.

Ressalvando, na contagem do referido prazo de prescrição o tempo de interrupção e suspensão, já que, como sabemos, existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT). Sendo que, por seu lado, a suspensão do prazo impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Quanto às causas interruptivas da prescrição do procedimento contraordenacional diz-nos o artigo 28.º n.º 3 do RGCO, que a prescrição deste (procedimento) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

As causas de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, contidas no artigo 27º-A do RGCO, são aqui aplicáveis ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT.

A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão, porém, enuncia no artigo 27.º-A n.º 2 do RGCO, que:” [N)nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses”.

Concretizando, então, por reporte ao acervo fático dos autos.

Aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se a 1 de julho de 2019.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito, verificando-se assim a exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente aresto.

III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da Subsecção da execução fiscal e de recursos de contraordenação do Contencioso Tributário deste TCA Sul em declarar extinto o procedimento contraordenacional por prescrição com o consequente arquivamento dos autos, deixando prejudicado o conhecimento de mérito do objeto do recurso.

Sem custas (artigo 94.º n.º 4 do RGCO).

Registe e notifique.

Lisboa, 19 de dezembro de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Catarina Almeida e Sousa – 2.ª Adjunta
(assinado digitalmente)


(1) In “Regime Geral das Infrações Tributárias - Anotado”, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 323
(2)Vide obra citada pág. 323 a 325
(3) Vide, por todos o Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT
(4)Vide ainda o acórdão citado