Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:80/16.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPERAÇÕES SIMULADAS
FALTA OU INSUFICIENTE PRODUÇÃO DE PROVA
NULIDADE PROCESSUAL
DEFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:I - A falta de produção de prova não consubstancia a preterição de uma formalidade legal, geradora de nulidade processual mesmo quando possa influir no exame ou na decisão da causa.
II - Porém, tendo o Mmo juiz a quo concluído que os indícios recolhidos pela AF são insuficientes para suportar, a conclusão a que esta chegou ao corrigir a matéria tributável e ao proceder às liquidações adicionais e tendo, aquele, manifestado em todo o texto essa insuficiência, não se justifica a ausência de pronuncia sobre a prova que a ora recorrente, solicitou que fosse junta aos autos.
III - Consideramos que a omissão da produção da referida prova é, ou pode ser, suscetível de afetar o julgamento da matéria de facto e, nessa medida, acarreta a anulação da sentença por défice instrutório.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

S....., LDA., melhor identificada nos autos, deduziu ação de impugnação judicial, contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitantes aos períodos de 2011/11 a 2012/03, no montante total de €67.538,00, peticionado a anulação das referidas liquidações.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença de 14 de junho de 2018, julgou procedente a impugnação, e em consequência condenou a Fazenda Pública no pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas, na parte que não considerou as faturas emitidas por “D.....”.

Inconformada, a recorrente, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações de recurso e formula as seguintes conclusões:

«A) A sociedade “S....., Lda”, inscrita para o exercício da actividade de “comércio por grosso de madeira”, veio impugnar as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios, dos períodos de 2011-11 a 2012-03, peticionando a sua anulação por violação de lei e falta de fundamentação.

B) Tais liquidações resultaram da correcção meramente aritmética efectuada em sede acção inspectiva realizada, no âmbito da qual se detectou a contabilização de facturas indiciadas como simuladas, quanto aos seus intervenientes, com o inerente afastamento do direito à dedução do IVA nos períodos de imposto envolvidos.

C) A douta sentença sob recurso entendeu enfim pela insuficiência dos indícios constantes do relatório inspectivo, defendendo que a AT “não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de cumprir o programa de fundamentação substancial do acto que a lei exige”.

D) O presente recurso firma-se na respeitosa discordância com tal segmento da decisão recorrida.

E) A par da acção inspectiva realizada junto da sociedade “S....., Lda”, foram desenvolvidas várias outras acções inspectivas junto das sociedades e empresários que integravam o circuito económico, comercial e de transporte da compra e venda de madeiras.

F) O relatório inspectivo final sumariou, em relação a cada um destes casos, a factualidade apurada e tida por mais relevante, com vista à caracterização das relações comerciais envolvendo o sector da compra e venda da madeira, em geral, e a sociedade impugnante, em particular.

G) Por acatamento da limitação legal imposta pelo instituto do sigilo fiscal (art. 64º da LGT), não foram juntos os correspondentes relatórios inspectivos, mas apenas transcritos extractos, atendendo a que aqueles versavam sobre a situação tributária de terceiros (empresas e empresários do sector da madeira) relacionados com a sociedade impugnante – Acórdão STA de 16/11/2011, processo 0838/11.

H) O Mmo Juiz a quo poderia, e deveria, em nome do princípio da descoberta da verdade material tributária, e no exercício dos seus poderes do inquisitório – artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, ter promovido tal junção, conforme sugerido na contestação oferecida nos Autos.

I) Não podendo valorizar a falta dos elementos ali contidos, no sentido da afirmação da falta de produção da prova imposta à AT, segundo as regras do ónus probatório que sobre si impende.

J) Tal inércia ou omissão consubstancia a violação dos já aludidos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, além do artigo 410º do CPC, aplicável ex vi o art. 2º da LGT e o art. 2º do CPPT, uma vez que influencia o bom exame e a melhor decisão da causa controvertida, configurando mesma a nulidade prevista no artigo 125º, nº 1 do CPPT e do artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, ex vi o art. 2º do CPPT.

K) Além de que o apelo à informação recolhida nas diversas acções inspectivas realizadas junto dos empresários e empresas do sector, e relacionados com a sociedade impugnante, tem perfeito respaldo no exercício dos poderes do inquisitório da AT, de molde a obter os indícios de falsidade ou simulação da facturação posta em causa, cumprindo o ónus probatório que sobre si impende – Acórdão TCAN de 28/2/2013, processo nº 00383/08BEBRG.

L) De salientar que em sede inspectiva não foi enfim questionada a existência de outras verdadeiras compras e vendas de madeira por parte da sociedade impugnante (daí não terem sido promovidas quaisquer correcções em sede de IRC, quanto aos inerentes gastos), mas antes o facto de que tenha sido realmente a Srª D..... a fornecedora das madeiras por si facturadas.

M) Ora, ficou demonstrado pela AT que esta contribuinte, não declarante, não detinha, afinal, qualquer estrutura para exercer, à data dos factos, a actividade de exploração florestal.

N) E quanto aos meios de pagamento envolvidos, o modus operandi da dupla D..... e F..... passava pela emissão de cheques à ordem de D..... que os endossava depois, a fim de estes serem levantados ao balcão das instituições bancárias envolvidas, sem possibilidade de obter qualquer controlo quanto ao destinatário final dos montantes envolvidos.

O) A AT reuniu indícios sérios de que as operações em causa eram operações simuladas, quanto aos seus intervenientes, recaindo sobre a sociedade impugnante o ónus da prova de que as operações em causa foram efectivas, na pessoa da sua fornecedora – com a devida vénia, neste sentido, o Acórdão do TCAS de 14/5/2002, Processo 5650/01.

P) A prova testemunhal produzida pela impugnante não conseguiu abalar as conclusões inspectivas, não logrando demonstrar os efectivos fornecimentos à sociedade Impugnante e pela Srª D......

Q) Verifica-se erro de julgamento, consubstanciado na deficiente apreciação da prova produzida, maxime pela AT.

R) E uma imperfeita e desacertada interpretação dos normativos aplicáveis, designadamente, do artigo 19º, nº 3 do CIVA, dos artigos 74º, nº 1 e 75º, nº 2 da LGT, do artigo 77º da LGT, do artigo 13º do CPPT e do artigo 99º, nº 1 da LGT e do artigo 410º do CPC (aplicável ex vi o art. 2º do CPPT), pelo que a sentença recorrida não deve manter-se nos seus termos anulatórios, em relação às liquidações de IVA e JC dos períodos postos em causa, na parte referente às facturas emitidas por “D.....”.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, julgando a impugnação improcedente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA»


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Notificada do recurso interposto, a Recorrida S....., LDA, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1 - As operações subjacentes ás facturas emitidas pela Sra. D..... não são simuladas.

2 - A própria AT reconhece que tais vendas de madeira ocorreram.

3 - Quando a AT considera ou reputa determinadas facturas como falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo-lhe a ela fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante das facturas não correspondem à realidade.

4 - Para o efeito deve invocar e demonstrar factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

5 - Analisada a argumentação vertida no Relatório de Inspeção verifica-se que a AT não invocou factos demonstrativos ou sequer indícios que as facturas em causa diziam respeito a operações simuladas pelo que ocorreu o vício de violação de lei.

6 – Antes pelo contrário ficou provado que a Sra. D..... possuía uma estrutura que lhe permitia exercer a actividade subjacente aos negócios de madeiras levadas a cabo com a Impugnante e que a madeira foi efetivamente transacionada, considerando a prova testemunhal produzida, designadamente a apresentada pela AT.

7 - Os argumentos utilizados pela AT nos pontos VI, VII, VIII, XIX e X, do relatório, não provam, nem sequer indiciam, que as operações subjacentes ás facturas emitidas pelo contribuinte D..... à Recorrida, são simuladas.

8 - Todos esses elementos carreados para o relatório, alguns com recurso a métodos de obtenção de provas proibidas, não passam de meras conclusões ocas e desprovidas de qualquer prova ou fundamento.

9 – Logo, o relatório da AT, enquanto base fundamentadora das correções aritméticas não se mostra minimamente fundamentado, circunstância que foi reconhecida e bem na douta sentença de 1ª Instância.

10 - Os argumentos e as razões aduzidos pela AT não são claros, coerentes ou sequer lógicas tornando mesmo impossível conhecer o percurso cognoscitivo empreendido pelo sr. Inspector Tributário para chegar às conclusões a que chegou.

11- Não se mostrando o acto tributário minimamente fundamentado ocorreu o vício de falta de fundamentação que invalida a decisão tomada pela AT em virtude de preterição de formalidade essencial.

12 - Contrastando com a posição assumida pela AT a Recorrida deduziu factos e indicou provas objectivas e irrefutáveis que demonstram claramente que as operações subjacentes ás aludidas facturas ocorreram, são reais e não simuladas, circunstância reconhecida na sentença.

13- A douta sentença não é nula na medida em que o Mmo. Juiz a quo pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram colocadas não tendo obrigação legal de se pronunciar sobre questões que lhe são sugeridas, como foi o caso, e as quais não podia responder por se tratar de uma fundamentação à posteriori do acto de liquidação, circunstância que a lei não permite.

14- Em todo o caso a FP, em flagrante violação da lei, acabou por juntar todos os elementos pretendidos e que dizia estar impedida de juntar pelo que não se percebe a posição da FP.

15- Certo é que, com a junção de tais elementos, a FP pretende fundamentar à posterior o acto de liquidação o que se encontra vedado por lei.

16- Atenta toda a factualidade dada como provada é forçoso concluir que bem decidiu o douto tribunal de 1ª Instância ao considerar, totalmente procedente, por provada, a impugnação judicial que a Recorrida deduziu contra os actos tributários de liquidação respeitantes a IVA e Juros Compensatórios de IVA, dos períodos de 2011-11 a 2012-03, no valor total de €67.538,00.

17-Atento o que se vem de expor devem julgar-se improcedentes as questões suscitadas pela FP e, consequentemente, negar-se provimento ao recurso interposto.

COMO É DE DIREITO E INTEIRA JUSTIÇA


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Por despacho de 15 de novembro de 2018, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença, por omissão de pronuncia, suscitada pela ora recorrente nas alegações recursivas, nos termos que a seguir se transcrevem:

«Alegações de recurso da Fazenda Pública, de fls. 416 a 422 dos autos:

Vem a Fazenda Pública, em sede de recurso, invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no art. 125.º, n.º 1, do CPPT e do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT, na medida em que não foi promovida a junção dos relatórios da inspecção tributária relativos aos elementos contabilísticos de terceiros, conforme foi sugerido na contestação, em violação do art. 13.º do CPPT, do art. 99.º, n.º 1, da LGT, e do art. 410.º do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.

Antes de mais, cumpre referir, desde já, que a nulidade por omissão de diligências probatórias não constitui uma causa de nulidade de sentença, mas outrossim uma causa de nulidade do processo, a qual deve ser invocada no prazo de dez dias, a contar do seu conhecimento, nos termos dos arts. 149.º, n.º 1, e 195.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.

Neste contexto, competia à Fazenda Pública juntar à contestação todos os documentos que estivessem na sua disponibilidade e que reputasse por convenientes para a boa decisão da causa, de harmonia com estatuído no art. 111.º, n.º 2, al. c), do CPPT, podendo ainda requerer a realização de outras diligências probatórias, nos termos do art. 572.º, al. d), do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.

Ora, da leitura da contestação resulta que não só não foram juntos os referidos documentos, os quais claramente estavam na disponibilidade da administração tributária, como não foi requerida a citada diligência probatória, deixando-se à consideração do Tribunal o seu oferecimento, tal como decorre da leitura atenta do artigo 17.º do referido articulado, pelo que o Tribunal não tinha o dever de se pronunciar sobre a sua eventual junção aos presentes autos.

Refere a Fazenda Pública que tais documentos estão protegidos pelo sigilo fiscal e que, por isso, incumbia ao Tribunal solicitar os mesmos, no exercício dos seus poderes inquisitórios, em cumprimento do disposto no do art. 13.º do CPPT, do art. 99.º, n.º 1, da LGT, e do art. 410.º do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.

Sucede, porém, que nada obstava a que tais documentos fossem oportunamente remetidos ao Tribunal, nos termos do art. 64.º, n.º 2, al. d), da LGT, desde que acompanhados da comunicação do dever de confidencialidade, prevista no n.º 3 da mesma disposição legal.

Aliás, a própria Impugnante tem o direito de aceder a esses documentos, conquanto os mesmos se mostrem expurgados de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito, nos termos do art. 64.º, n.º 4, da LGT

Termos em que não assiste razão à Fazenda Pública quanto à suscitada nulidade.

Notifique.»


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da procedência do presente recurso, devendo, em seu entender, anular-se a sentença recorrida e os autos baixar à 1ª Instância para eventual ampliação da matéria de facto, após junção aos autos dos elementos de prova indicados pela AT e, prolação de nova sentença que os tenha em conta.

Para assim o entender refere, a douta Magistrada, para o que aqui releva o seguinte:

“(…)
Quanto à invocada omissão de pronúncia:
Verifica-se que a Recorrente, na contestação que apresentou, sugere ao Tribunal em nome do principio da descoberta material, a junção as autos dos procedimentos inspectivos e seus anexos, referentes a F..... e às empresas “ V.....” e “ M.....” por tais matérias se encontrarem protegidas pelo sigilo fiscal e se relacionarem com a sociedade Impugnante, integrando o circuito económico, comercial e transporte da compra e venda de madeiras.
Dos autos resulta também que a Recorrente FP, no requerimento de fls. 269 a 270 do processo físico, apresentado posteriormente à Contestação, requer que seja deferida a junção dos Relatórios aludidos nos artigos 17° e 18° da Contestação.
Todavia, não houve qualquer pronúncia do Tribunal sobre a pretensão requerida pela FP, nem deferindo nem dispensando a junção da prova documental requerida.
Como se escreve no douto Acórdão do TCA Sul de 19-022015, 07894/14:
“ 1 - A omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença com previsão no n° 1 do art. 125 do CPPT e al. d) do n° 1 do art. 615 do CPC, só ocorrerá nos casos em que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, sendo que o conceito de “questões” abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.
2 - A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença e a falta de avaliação de provas produzidas, como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto...”.
Não resulta assim, o sancionamento com o desvalor invalidante da nulidade, no caso de omissão de pronúncia acerca de produção da prova pelo que a nulidade invocada não poderá proceder.
No entanto, há que averiguar do preenchimento de nulidade processual, na medida em que tal omissão “possa influir no exame ou decisão da causa”, nos termos do artigo 195°, n°1 do CPC.
Para o efeito, antes de mais, quanto ao que se deve entender por aquele concito, convocamos o que se referiu a tal propósito, no douto Acórdão do TCA Norte de 28-062012:
“ ... No regime referenciado de nulidades processuais consagra-se uma preocupação de restringir os efeitos do vício que inquina o acto de modo que, só nos casos em que há prejuízo para a relação jurídica litigiosa, resultam ou advêm efeitos invalidantes.
Assim, «O que há característico e frisante no artigo 201.° é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) Quando a lei expressamente a decreta;
b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (...) É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.
(...) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.
É neste sentido que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa.» (Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487.)..”
Ora, como já atrás se referiu, está em causa, nos presentes autos, conforme resulta do RIT, a não consideração do IVA deduzido pela Impugnante relativamente às facturas emitidas pela fornecedora D..... por a AT entender verificada a simulação em relação aos seus intervenientes, alicerçada na inexistência de qualquer estrutura para o exercício da actividade no sector da exploração florestal e comercialização de madeiras bem como no facto de ser não declarante.
No caso em apreço, os documentos que a AT entende que deviam ser juntos aos autos por serem importantes para a descoberta material, são Relatórios de acções inspectivas levadas a cabo pela AT, cujas conclusões/extratos estão vertidas no RIT em causa nos autos.
Essas acções dizem respeito a F..... e às empresas “ M.....” e “V.....”, cujos nomes se encontram referidos no RIT respeitante à Impugnante, assim como as suas relações com a Impugnante e com emitente das facturas D......
Por outro lado, desde logo se verifica que F....... é indicado como interveniente nas transacções em causa nos autos e que as empresas em causa estabeleceram relações no âmbito do sector da madeira com a Impugnante, com o F..... e com a D......
Assim, os elementos probatórios referentes àqueles procedimentos inspectivos, poderão ajudar a esclarecer a verdade material dos factos que determinaram a AT a desconsiderar o IVA deduzido pela Impugnante no que respeita á facturas emitidas pela fornecedora D......., bem como poderão esclarecer a conclusão da AT de que aquela fornecedora e o F..... ( indicado como sendo interveniente em tais transacções) não detinham qualquer estrutura para desenvolver a actividade que está subjacente às facturas consideradas simuladas.
(…)
Assim, afigura-se-nos que sem a produção daqueles elementos probatórios não se poderá à partida, afirmar-se o não cumprimento pela AT do ónus da prova que sobre si impendia de recolha de indícios passiveis de suportar a conclusão a que chegou, como entendeu a douta sentença recorrida.
Em consequência, salvo melhor entendimento, tal irregularidade é relevante para a decisão da causa, constituindo matéria controvertida relevante, como decorre dos articulados das partes de defesa e da própria Alegação de Recurso da entidade recorrida.
A omissão da produção daquela prova é susceptível de afectar o julgamento da matéria de facto e acarreta, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório. (Cfr. doutos Ac.s do STA de 27/11/2013,01159/09 e de 17-022016, 081/16).
Por outro lado, não houve dispensa daquela prova cuja junção foi requerida pela AT pelo que o Juiz não ajuizou da necessidade da sua produção em obediência ao disposto no artigo art° 113° n° 1 do CPPT e artigo 6°, n°1 do CPC pelo que foi preterida formalidade que a lei prescreve."
“(…) – fim de citação - O destacado é nosso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – OBJECTO DO RECURSO

Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Cumpre assim apreciar e decidir, as questões elencadas pela recorrente nas conclusões recursivas, nomeadamente, se a sentença padece de:

a) Nulidade por omissão de pronuncia ao não ter não promovido a junção aos autos dos relatórios da inspeção tributária relativos aos elementos contabilísticos de terceiros, sugerido na contestação pela AT em sede de contestação;
b) Erro de julgamento por deficiente apreciação da prova produzida e desacertada interpretação dos normativos aplicáveis.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou como provados e não provados os seguintes factos:

“A) A Impugnante é uma pessoa colectiva que exerce como actividade principal o “comércio por grosso de madeira”, inscrita com o CAE 46731 e estando enquadrada em sede de IVA no regime normal com periocidade mensal desde 1/04/1987 – cfr. fls. 134 do Processo Administrativo apenso aos Autos;

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º …..94, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria desencadearam à Impugnante a acção de inspecção relativa aos exercícios de 2011 e 2012, no âmbito da qual apuraram IVA em falta no valor de 52.169,40€ e 39.450,85€, respectivamente - cfr. fls. 132 do PA apenso aos Autos;

C) Em 13/04/2015, foi elaborado o relatório de fiscalização junto a fls. 131 a 147 do PA apenso aos Autos apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções ao ano de 2011 e 2012, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: « (…)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Imposto em Falta 2011 e 2012 - IVA indevidamente deduzido
(…)
d) Imposto indevidamente deduzido resultante de operações simuladas - n.° 3 do art° 19ºdo Código do IVA
I) - A sociedade evidenciou na sua contabilidade e deduziu o IVA constante das facturas resultantes de, alegadas, aquisições efectuadas à Sr.a D....., NIF 22….., com domicilio na Rua Z....... Setúbal, descritas nos quadros seguintes:

Ano de 2011 (Anexo 3 do Projecto de Relatório, enviado ao Sujeito passivo)
(…)
Ano de 2012 (Anexo 4 do Projecto de Relatório, enviado ao Sujeito passivo
(…)

ii) Conforme apurado na 01201301742 - já referida no ponto II.2 - a Sr.a D....... foi utilizada como "fachada” pelo Sr. F......., NIF 16….., com domicílio na Rua C....... Caídas da Rainha. Este contribuinte, com histórico de actividade no sector da madeira, tem dívidas fiscais de avultado montante.
III) Sabendo que:
- Não se detectaram indícios que a Sr.a D....... e/ou Sr. F......., possuíssem estrutura operacional e/ou financeira para efectuar estas transmissões de madeira, que implicam a compra da madeira em pé, corte, rechega e transporte da mesma: A venda das quantidades em apreço, exigiria estrutura (maquinaria e pessoal) de dimensão considerável;
- Os montantes recebidos eram depositados e, de seguida, levantados, o que poderia indicar que seriam entregues a terceiros.
iv) - Importava esclarecer a natureza e a profundidade das relações comerciais entre o Sujeito Passivo, "S......., Lda." e o Sr. F......., agindo em nome da Sr.ª D........ Para o efeito, foi solicitado, por escrito (Anexo 1 do Projecto de Relatório, enviado ao Sujeito passivo), que descrevesse as circunstâncias em que conheceu o Sr. F....... e a sobre a metodologia e objectivos das relações comerciais entre ambos.
v) O sujeito passivo contestou (Anexo 2 do Projecto de Relatório, enviado ao Sujeito passivo) que conheceu o Sr. F....... à entrada da fábrica da P....... de Setúbal, tendo este informado ser pai/gestor de negócios da Sr.ª D....... e proposto fornecer madeira de eucalipto naquela empresa no contrato de “S......., Lda.” (a P....... somente recebe madeira em nome de um limitado numero de empresas com contrato de fornecimento).

A partir desse momento, o Sr. F....... descarregou madeira de eucalipto na P......., indicando o contrato de “S......., Lda.”. De seguida, munido do comprovativo da entrega da madeira, chegava junto do Sujeito Passivo com a respectiva factura (emitida em nome da Sr.a D.......), recebendo o valor correspondente. A sociedade, “S......., Lda.”, afirma desconhecer a proveniência da madeira e os meios utilizados para a colocar na fábrica, limitando-se a utilizar um modelo de negócio i decorrente da limitação de contratação imposta pelas celuloses - únicos agentes económicas, adquirir madeira de eucalipto.
Em resumo, negava qualquer proximidade com o Sr. F......., limitando-se a efectuar comerciais, de natureza semelhante a muitas outras ocorridas no sector.
vi) - Com esta resposta permanecia a incógnita sobre a origem da madeira entregue na nome da Sr.ª D........
Para aprofundar esta questão, recorremos à identificação das viaturas que descarregara constante das guias de recepção da P....... - para a partir daí - solicitar factura do serviço ou da transmissão da madeira. Verificámos que as viaturas pertenciam, entre outras, a sector, como “M......., Unipessoal, Lda.”, NIF 50……, “C....... Unipessoal; Lda.”, NIF 50…., J......., NIF 19……, - C......., Lda., NIF 50…., etc, conforme quadro seguinte:
(…)
vii) Entretanto, no decurso de acção similar no procedimento instaurado para apreciar as, alegadas, transacções de madeira de pinho em nome de D....., NIF 22…. * para “M....., Lda.”, NIF 50…., deparamo-nos com descargas efectuadas pelas viaturas 13….e 26….., propriedade de “S......., Lda.”, nas instalações da empresa, “V......., S.A.”, NIF 50….., sitas em Famalicão da Nazaré, conforme guias de entrada e talões de pesagem (Anexo 5 do Projecto de Relatório, enviado ao Sujeito passivo) - facturadas a “M....., Lda” NIF 50….., em nome de D....., NIF 22……, - conforme quadro seguinte:
(…)
VIII) - Saliente-se para dissipar qualquer dúvida: Ano de 2011 - não consta da contabilidade de "S......., Lda.” qualquer registo de transmissões de bens e/ou serviços a D....., NIF 22….., a “M....., Lda.” NIF 50…… e a “V......., SA”, NIF 50…… (em 2012, somente consta uma factura a “M....., Lda”, datada de Novembro, portanto sem relação com o presente procedimento).
IX) Ainda mais revelador, foi a descoberta na contabilidade do Sujeito Passivo, de facturas emitidas por “M......., Lda, NIF 50…., a “S......., Lda , (com guia de remessa anexa) respeitantes a madeira de pinho descarregada nas instalações da empresa, “V......., S.A.”, NIF 50……, sitas em Famalicão da Nazaré pela viatura, 87……, propriedade de “M......., Lda, NIF 50…., e que paralelamente foram facturadas a “M....., Lda” NIF 50…… em nome de D....., NIF 22……, conforme se comprova pelas respectivas guias de entrada e/ou talões de pesagem (Anexos 6 a 11 do Projecto de Relatório, enviado ao Sujeito passivo) e quadro seguinte
(…)
X) - Acrescem, ainda, as descargas de madeira de pinho efectuadas por viaturas propriedade da empresa.
“V..... - Unipessoal, Lda.”, NIF 50….., que segundo o apurado na acção inspectiva 01….., procedimento da responsabilidade da Direcção de Finanças de Lisboa, somente prestou serviços de transporte a “S......., Lda.”, conforme declarações da gerência da empresa. Tal facto ê. aliás, corroborado pelo proximidade temporal das descargas efectuadas pelas viaturas de “V.......„ - Unipessoal, Lda.”, NIF 50….., sede em Póvoa - Cadaval, e as realizadas pelas viaturas de*S......., Lda.”, o que faz transparecer a conexão entre os mesmos. As descargas em causa constam do quadro seguinte:
(…)
xi) Pelo exposto nos pontos anteriores, facilmente se conclui que a versão transmitida pela gerência do sujeito passivo, "S......., Lda”, sobre a natureza e a profundidade das relações com a Sr* D...... .e/ou o Sr. F..... não tem qualquer ponto de tangência com a informação recolhida no presente procedimento.
XII) - A sociedade “S......., Lda” reconheceu facturas emitidas em nome da Sr.a D....... feto acordo com o Sr. F.....) sabendo que padeciam de simulação quanto aos sujeitos - transacções de madeira de eucalipto de outros sujeitos passivos, a maior parte dos quais, identificados no mapa constante das páginas 13 a 15.
XIII) -A prova cabal desta afirmação, consiste na utilização, por parte de “S......., Lda”, de facturas emitidas em nome da Sr.a D....., pontos VII a XII, para ocultar a sua participação em negócios de venda de madeira de pinho, em que aparecia a Sr:a D....... como vendedora a “M....., Lda”
XIV) - Estas transacções, supra demonstradas, ocorreram em data anterior (desde Março de 2011) ao início de emissão de facturas a “S.......; Lda”, em nome da Sr:ª D..... (Setembro de 2011).
XV) - Logo, “S.......; Lda” tinha, perfeita e completa, noção que as facturas emitidas em nome da Sr:ª D..... representavam operações simuladas, dado que, também, era utilizador daquelas facturas para ocultar as suas vendas de madeira de pinho a “M.....; Lda” (descarregado na “V.......” nas instalações de Famalicão.
XVI) - Tal facto, é prova inequívoca de cumplicidade que se propagava ás aquisições de madeira de eucalipto entregue na “P.......” para esconder os verdadeiros intervenientes e usufruir da vantagem económica da dedução de IVA que sabia que não seria entregue a montante.
XVII) - Assim, sendo resultante de simulação quanto aos intervenientes pelo que o Sujeito passivo, “S......., Lda”, não tem a faculdade de deduzir o IVA resultante de operações simuladas, ou seja do Imposto referente ás aquisições suportadas por documentos emitidos em nome da Sr.ª D..... (apresentados nos anexos 3 e 4), de acordo com o n.° 3 do art.° 19° do Código do IVA.
Em resumo, por período de tributação:
(…)
Imposto em Falta 2011 e 2012 - IVA não liquidado
Resulta da conclusão anterior a omissão de rendimentos, resultante da omissão de rendimentos provenientes da venda de madeira, descarregada na empresa “V.......” e a consequente omissão de liquidação de IVA pelo sujeito passivo “S.......”, Lda nas transmissões em que tentou ocultar a sua participação.
Também, foi dado como adquirido e a documentação interna de “V......., S.A” que as transacções ocorreram, efectivamente, nas suas quantidades e valores, pelo que apurar a base tributável e o inerente IVA em falta, basta operar com as quantidades e os preços constantes das facturas emitidas em nome da Sr.ª D....., na parte que, comprovadamente, respeitam a vendas feitas por “S......., Lda. Nomeadamente, as descargas efectuadas pelas viaturas do próprio Sujeito Passivo, de “M......., Lda” e de “V....., Unipessoal, Lda”, conforme quadro seguinte: (…)»;

C) Em 21/04/2015, foi emitida pela AF a liquidação adicional de IVA n.º 15003930 em nome do Impugnante, referente ao período de 1109, no valor de 3.626,89€ - cfr. fls. 63 dos Autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

D) Em 21/04/2015, foi emitida pela AF a liquidação adicional de IVA n.º 15…… em nome do Impugnante, referente ao período de 1110, no valor de 5.638,83€ - cfr. fls. 64 dos Autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

E) Em 20/07/2015, a Impugnante apresentou junto do SF do Bombarral a Reclamação Graciosa relativa às liquidações de IVA de 2011 e 2012, que correu termos sob o n.º 13……, e a qual foi indeferida por despacho de 20/09/2015 do Director de Finanças de Leiria – cfr. fls. 187 a 203 e 213 dos Autos;

F) Entre 21/09/2011 a 16/03/2012, D..... emitiu as facturas constantes a fls. 105 a 132 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, em nome da Impugnante, referente à venda de eucalipto;

G) A Sra. D..... e o Sr. F....... trabalhavam juntos no negócio da venda de madeiras - cfr. depoimentos das testemunhas M......., A.......e F.......;

H) A PI deu entrada no TAF de Leiria em 20/01/2016 - cfr. fls. 1 dos Autos.


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Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Para além disso, o Tribunal valorou, ainda os seguintes depoimentos:

- A.R......., TOC, tendo acompanhado a inspecção, cujo depoimento foi claro e congruente.

Em audiência referiu que a Impugnante nunca teve quaisquer problemas com o Fisco; Disse que a Inspecção Tributária confrontou a Impugnante com venda de madeira não facturada no valor de 40.000,00€, tendo esta aceite inicialmente as correcções.

- M......., antigo negociante de madeiras entre 1998 a 2013, tendo inclusivamente celebrado negócios com a Impugnante, cujo depoimento foi realizado de forma franca e escorreita.

Explicou com algum detalhe as viagens que fazia para a Sra. D..... e Sr. F.......; Disse que os conheceu em meados de 2010 junto da P.......; Explicou que efectuou vários transportes de madeiras para a Sra. D.......; Explicou como procedia, nomeadamente, dirigia-se às matas de Coruche, Rio Maior ou Caldas da Rainha, onde estavam cerca de 5 funcionários do Sr. F....... e da Sra. D.......; Levava as guias de transporte de D..... para a Impugnante; Referiu que o escritório da Sra. D....... era na sua própria viatura; Explicou que acompanhou a evolução do Sr. F......., tendo o mesmo começado o seu negócio num “carro velho”, tendo acabado num grande mercedes topo de gama; Disse que era o Sr. F....... quem mandava no seu negócio.

- A......., industrial na área da madeira há 20 anos, e apesar de ser arguido em processos-crime relacionados com facturação falsa, o depoimento mostrou-se espontâneo e credível.

Disse que conheceu a Sra. D....., a qual se apresentou como sendo uma empresária da área da floresta e disse que era uma pessoa com bastantes contactos; Disse que conheceu também o Sr. F......., o qual andava mais no terreno.

- A convicção do Tribunal assentou também no depoimento de F......., Empresário do sector das Madeiras.

Referiu que conheceu o Sr. F....... em 2011 junto da P.......; explicou que fez cerca de 32 fretes de madeiras para o Sr. F........

Quanto aos depoimentos de L....... e A.C......., inspectores tributários, vieram confirmar os factos relatados no Relatório da Inspecção. Porém, de relevo, o Tribunal destaca que a testemunha L....... disse em Audiência que partiu do princípio que a informação oriunda da DF de Setúbal relativa à Sra. D..... era fidedigna; e que a testemunha A.F....... reconheceu que o Sr. F....... era realmente um empresário do negócio das madeiras.

Posto isto, e neste percurso de fundamentação, chegou a altura de dar o passo seguinte, e chegamos a mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do julgador.

A conclusão a que este Tribunal chegou, e que vamos procurar demonstrar de seguida, permitiu-nos tirar uma conclusão definitiva sobre a improcedência da acção.

Com efeito, o Tribunal concluiu que o Sr. F..... - um empresário do sector da madeira – trabalhava conjuntamente com a Sra. D....., a qual vendia madeiras a várias empresas portuguesas.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»


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De direito

Conforme resulta dos autos, a impugnante, aqui recorrente, foi objeto de uma ação inspetiva, movida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, aos exercícios de 2011 e 2012, no âmbito da qual foi considerado que as faturas emitidas por D..... à Impugnante representavam operações simuladas e por conseguinte não tinha o sujeito passivo a faculdade de deduzir o IVA delas resultante.


Em sede de aplicação de direito a sentença recorrida, considerou, em suma, que «…os indícios recolhidos pela AF não permitem suportar, objectivamente, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante».


Face ao que, concluiu pela procedência da impugnação asseverando que que, «… ao ter corrigido ilegalmente a matéria tributável, com base nessa correcção, a AF incorreu em ilegalidade implicante da invalidade de tais liquidações».


Inconformada a AT, apresentou o presente recurso jurisdicional, arguindo ao texto decisório os vícios que deixamos autonomizados na delimitação do objeto do recurso e que aqui passamos a dissecar.
Vejamos então:

a. Nulidade por omissão de pronuncia

O presente recurso vem firmado na discordância que a recorrente manifesta com o segmento decisório na parte em no mesmo se referiu «… que se revelam insuficientes os indícios constantes do relatório inspetivo, afirmando-se ali que a AT “não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de cumprir o programa de fundamentação substancial do acto que a lei exige”».

Salienta que «[A]a par da acção inspectiva realizada junto da sociedade “S....., Lda”, foram desenvolvidas várias outras acções inspectivas junto das sociedades e empresários que integravam o circuito económico, comercial e de transporte da compra e venda de madeiras.»

E que o respetivo relatório final sumariou, em relação a cada um destes casos, a factualidade apurada e tida por mais relevante, com vista à caracterização das relações comerciais envolvendo o sector da compra e venda da madeira, em geral, e a sociedade impugnante, em particular.

Acrescenta que não foram juntos os correspondentes relatórios inspetivos, tendo-se limitado à transcrição de extratos, atendendo a que aqueles versavam sobre a situação tributária de terceiros (empresas e empresários do sector da madeira) relacionados com a sociedade impugnante, por acatamento da limitação legal imposta pelo instituto do sigilo fiscal (artigo 64º da LGT).

Considera que o Tribunal «poderia, e deveria, em nome do princípio da descoberta da verdade material tributária, e no exercício dos seus poderes do inquisitório – artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, ter promovido tal junção, conforme sugerido na contestação oferecida nos Autos.»

O que, em seu entender, não pode é valorizar a falta dos elementos ali contidos, com a falta de produção da prova imposta à AT.

E é, face a esta “inércia ou omissão” da produção de prova, que consubstancia como sendo violadora dos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT; 410º do CPC, aplicável ex vi o artigo 2º da LGT e o artigo 2º do CPPT, que configura «a nulidade prevista no artigo 125º, nº 1 do CPPT e do artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, ex vi o artigo 2º do CPPT.» – concl. C) a J)

Porém, diga-se desde já, que sem razão.

Na verdade, como temos vindo a assumir, aliás, no seguimento do que tem sido reiteradamente afirmado pelos tribunais superiores, nos termos estatuídos nos artigos 615.º n.º 1 alínea d) do CPC e 125.º do CPPT a sentença é nula «… quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade” – cfr. acórdão deste TCA, de 28/09/17, no processo nº 105/17.9BCLSB.

Dito isto e volvendo ao caso em análise e, bem assim, às alegações recursivas, é obvio que desta não se retira qualquer vicio capaz de ferir de nulidade a sentença recorrida, desde logo porque, como ressalta das razões apontadas no parecer da digna Magistrada do Ministério Publico que supra deixamos transcrito e, por concordância aqui acolhemos, a sentença recorrida não poderá ser vituperada com o desvalor invalidante da nulidade por omissão de pronuncia, quando o que está em causa é, outrossim, uma omissão processual que opera no âmbito da restrição dos meios de prova capaz de impregnar de erro a decisão da causa.

Assim e porque, a falta de produção de prova não constitui nulidade da sentença, por omissão de pronuncia, impõe-se concluir pela improcedência das conclusões de recurso que vimos de analisar.

Prosseguindo

b. Erro de julgamento

Consubstancia, nesta sede, a recorrente, erro de julgamento na deficiente apreciação da prova produzida e na imperfeita e desacertada interpretação dos normativos aplicáveis, designadamente, do artigo do artigo 19º, nº 3 do CIVA; 74º, nº 1, 75º, nº 2 e 77º da LGT; 13º do CPPT e bem assim do artigo 99º, nº 1 da LGT e 410º do CPC, este aplicável ex vi do artigo 2º do CPPT – Concl. Q) e R)

Contudo, e antes de qualquer pronuncia sobre o invocado erro de julgamento, importa aferir se estamos perante qualquer nulidade processual capaz de influenciar perentoriamente a decisão da causa, já que, como decorre dos n.º 2 e 3 do artigo 98.º do CPPT, as nulidade insanáveis enunciadas no seu n.º 1(1), podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final e têm como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente.

Damos, porém, conta que a falta ou a insuficiência de produção de prova não se mostra elencado na lista de nulidades insanáveis ínsita do artigo 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do artigo 195.º e seguintes do CPC, ou seja, não é, ali, tida como nulidade capaz de influir decisivamente no exame e, posteriormente, na decisão da causa, já que, como vimos, a lei não a prescreve como tal, mas também não podemos olvidar o poder que, em matéria tributária, é conferido ao juiz, na parte final do n.º 1 do artigo 113.º no CPPT para avaliar da necessidade de produção de prova.

Na situação que aqui nos ocupa o Mmo. juiz a quo nada diz ou refere quanto à sugestão da recorrente em sede de contestação quanto à promoção da junção dos relatórios referentes às ações inspetivas realizadas a par da ação inspetiva realizada junto da sociedade “S....., Lda.” que foram desenvolvidas junto das sociedades e empresários que integravam o circuito económico, comercial e de transporte da compra e venda de madeiras, donde se depreende que a dispensou e, assim sendo, não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal.

O que não obsta a que a omissão de diligências de prova possa afetar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório(2).

Assim e face ao que se deixa dito torna-se forçoso concluir no sentido de que a falta de produção de prova não consubstancia a preterição de uma formalidade legal, geradora de nulidade processual mesmo quando possa influir no exame ou na decisão da causa, por conseguinte, a sentença não padece do vicio que lhe vem exprobrado.

Contudo, importa dizê-lo, não é para nós claro que a solução a que se chegou no texto recorrido seria a mesma caso tivessem sido percorrido o percurso factual sugerido pela AT, quer em sede de contestação, quer no requerimento que juntou aos autos a fls. 269 a 270(3), situação que catapulta , a questão que nos vem colocada para a de saber se a omissão de tais diligências de prova, se mostra suscetível de afetar, ou não, o julgamento da matéria de facto.

Para tanto atentemos à apreciação realizado no texto decisório quanto à matéria de facto ao concluir como o faz, ou seja, que os indícios recolhidos pela AF são insuficientes para suportar, a conclusão a que chegou ao corrigir a matéria tributável e de proceder às liquidações adicionais de IVA.

Sustentando o assim decidido alude o juiz do processo que “o Tribunal exige mais do que consta no Relatório para concluir que existem indícios sérios e fortes em que a Sra. D..... não tivesse comercializado aquelas quantidades de madeira”

E manifesta em todo o texto essa insuficiência de “indícios sérios que demonstrem a inexistência de operações tituladas pelas facturas, principalmente” o que não apresenta qualquer compatibilidade com a ausência de pronuncia sobre a prova que a ora recorrente, solicitou juntar aos autos, em sede de produção de prova na impugnação, limitando-se, outrossim a questionar a ausência de factos que “permitiram à DF de Leiria formular” a conclusão que retira do RIT de que «[N]ão se detectaram indícios que a Sr.a D....... e/ou Sr. F......., possuíssem estrutura operacional e/ou financeira para efectuar estas transmissões de madeira, que implicam a compra da madeira em pé, corte, rechega e transporte da mesma: A venda das quantidades em apreço, exigiria estrutura (maquinaria e pessoal) de dimensão considerável;»

Epilogamos, em suma, que o Mmo. Juiz a quo, sem determinar a junção aos autos dos elementos documentais em poder da Administração tributária, que lhe foram indicados com elementos de prova, coadjuvantes dos apresentados decidiu pela procedência da impugnação por considerar que existe por parte da AT “défice de investigação” e que “os indícios recolhidos pela AF não permitem suportar, objectivamente, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante”.

Ora, concordamos com a Sra. Procuradora Geral Adjunta, junto deste TCA Sul, quando diz que a factualidade solicitada pode vir a mostrar-se relevante para a decisão da causa e constitui matéria controvertida, como claramente decorre do articulado de defesa e da própria alegação de Recurso da entidade recorrente.

A este propósito importa ter presente que que a matéria de facto a fixar deverá ter em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito e, como bem se refere naquele douto parecer que “… os elementos probatórios referentes àqueles procedimentos inspectivos, poderão ajudar a esclarecer a verdade material dos factos que determinaram a AT a desconsiderar o IVA deduzido pela Impugnante no que respeita á facturas emitidas pela fornecedora D......., bem como poderão esclarecer a conclusão da AT de que aquela fornecedora e o F..... (indicado como sendo interveniente em tais transacções) não detinham qualquer estrutura para desenvolver a actividade que está subjacente às facturas consideradas simuladas.

Consideramos ainda, como ali também se diz que a “… omissão da produção daquela prova é susceptível de afectar o julgamento da matéria de facto e acarreta, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório

Assim sendo, é de conceder provimento ao recurso para eventual ampliação da matéria de facto após realização das diligências de prova referidas.

IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e, em determinar a baixa dos autos à 1ª instância para eventual ampliação da matéria de facto, após realização das pertinentes diligências de prova, a ter em conta na prolação de nova sentença, nomeadamente, a junção aos autos dos relatórios inspetivos referidos pela AT nos pontos 17 e 18 da contestação.

Sem custas

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Lisboa, 01 de junho de 2023

Hélia Gameiro Silva - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta
(Com assinatura digital)









(1)São elas: (a) A ineptidão da petição inicial; (b) A falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo; (c) A falta de notificação do despacho que admitir o recurso aos interessados, se estes não alegarem.
(2)Conforme se disse no acórdão do STA proferido em 17/02/216, no processo 081/16, citando o decidido no Ac. do STA proferido em 27/11/2013 no Recurso n.º 01159/09).
(3)Vide parecer da digna Magistrada do MP supratranscrito.