Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1067/13.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IMI
PRÉDIO PARA CONSTRUÇÃO
FIM HABITACIONAL
Sumário:O conceito de prédio para construção não é equivalente ao de prédio com finalidade habitacional. O conceito do fim habitacional tem o significado corrente de fim apto à residência de pessoas com carácter de permanência. Distingue-se, por isso, do conceito de prédio apto para construção, que pela própria natureza das coisas não tem um fim habitacional directo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1. Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do TT de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por I….., S.A., em representação do V….., I….., E….., N….., I….., I….., e I….., contra as liquidações de imposto de selo relativas ao ano de 2012, veio interpor recurso jurisdicional.
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1.2. O objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, anulando a liquidações de Imposto de Selo em crise, com fundamento no vício de violação de lei, por considerar que os terrenos para construção não podem ser considerados para efeitos de incidência do Imposto do Selo, na Verba 28.1 (na redação da Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.
2.ª A questão decidenda centra-se em saber se os "terrenos para construção" são subsumíveis no conceito de "prédios com afetação habitacional" e, por conseguinte, se estão incluídos no âmbito da incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS e se o disposto no artigo 6°, n.° 1 alínea f) e i), da Lei n.° 55-N2012, 29 de Outubro lhes é aplicável.
3.ª Diz-nos a Verba n.° 28 da TGIS (na redação dada pela Lei n.° 55-A/2012 de 29 de Outubro de 2012) «28 ­Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de 'MI: 28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%; (...),» (vide fls. 26 e 27 dos autos)
4.ª A verba 28 da TGIS, funcionando como corpo do artigo, faz menção aos prédios urbanos com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, igual ou superior a € 1.000.000,00. E, prevendo a aplicação da taxa de 1%, concretiza o tipo de prédio urbano em causa como sendo um "prédio com afetação habitacional'.
5.ª Assim, da leitura do disposto na verba 28.1 da TGIS verificamos que o legislador não se refere a prédios urbanos habitacionais, nos termos previstos no art.° 6°, n° 1, a), do CIMI, mas a "prédios com afetação habitacional. Ou seja, inclui todos os prédios urbanos com afectação habitacional e não apenas as habitações já construídas.
6.ª Face ao exposto e contrariamente ao expendido na douta sentença, a expressão «afetação habitacional» que consta da verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada de forma ampla, ou seja, deve abranger não só os prédios habitacionais já edificados, como também os terrenos para construção com afetação habitacional.
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1.2.2. Contra-alegações
A recorrida apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.
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1.2. Parecer do Ministério Público
Neste TCA Sul o EMMP emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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1.3. – Questões a decidir
Apurar se a sentença padece de erro de julgamento por considerar que os terrenos para construção não se inserem no conceito de prédio com fins habitacionais, para efeitos da verba n.º 28 da TGIS.
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2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. A sentença considerou provados os seguintes factos:
A) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Mina, concelho de Amadora, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 17.917.160,00, determinado no ano de 2012, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 37 e 38 dos autos);
B) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Mina, concelho de Amadora, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 2.391.852,50, determinado no ano de 2011, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 39 e 40 dos autos);
C) Em 12.04.2013, o fundo V….. encontrava-se identificado na matriz predial urbana respectiva como titular do direito de propriedade plena dos prédios identificados nas alíneas A) e B) que antecedem (cfr. documentos de fls. 37 a 40 dos autos);
D) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, concelho de Lisboa, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 8.954.382,38, determinado no ano de 2011, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 41 e 42 dos autos);
E) Em 12.04.2013, o fundo I….. encontrava-se identificado na matriz predial urbana respectiva como titular do direito de propriedade plena do prédio identificado na alínea D) que antecede (cfr. documento de fls. 41 e 42 dos autos);
F) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Pombal, concelho de Pombal, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 2.259.043,04, determinado no ano de 2012, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 43 e 44 dos autos);
G) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Sé, concelho de Portalegre, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 3.053.800,00, determinado no ano de 2010, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 45 e 46 dos autos);
H) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Torres Novas, concelho de Torres Novas, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 1.025.330,13, determinado no ano de 2012, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 47 e 48 dos autos);
I) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Torres Novas, concelho de Torres Novas, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 2.019.981,38, determinado no ano de 2012, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 49 e 50 dos autos);
J) Em 12.04.2013, o fundo E….. encontrava-se identificado na matriz predial urbana respectiva como titular do direito de propriedade dos prédios identificados nas alíneas F) a I) que antecedem (cfr. documentos de fls. 43 a 50 dos autos);
K) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Damaia, concelho de Amadora, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 1.176.068,50, determinado no ano de 2012, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 51 e 52 dos autos);
L) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Damaia, concelho de Amadora, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 1.001.180,00, determinado no ano de 2010, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 53 e 54 dos autos);
M) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Damaia, concelho de Amadora, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 1.047.470,38, determinado no ano de 2012, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 55 e 56 dos autos);
N) Em 12.04.2013, o fundo N….. encontrava-se identificado na matriz predial urbana respectiva como titular do direito de propriedade plena dos prédios identificados nas alíneas K) a M) que antecedem (cfr. documentos de fls. 51 a 56 dos autos);
O) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Foz do Douro, concelho do Porto, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 2.093.239,25, determinado no ano de 2012, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 57 e 58 dos autos);
P) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nevogilde, concelho do Porto, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 1.990.260,00, determinado no ano de 2011, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 59 e 60 dos autos);
Q) Em 12.04.2013, o fundo I….. encontrava-se identificado na matriz predial urbana respectiva como titular do direito de propriedade plena dos prédios identificados nas alíneas O) e P) que antecedem (cfr. documentos de fls. 57 e 60 dos autos);
R) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, concelho de Lisboa, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 2.667.599,25, determinado no ano de 2011, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 61 e 62 dos autos);
S) Em 12.04.2013, o fundo I….. encontrava-se identificado na matriz predial urbana respectiva como titular do direito de propriedade plena do prédio identificado na alínea R) que antecede (cfr. documento de fls. 61 e 62 dos autos);
T) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Mamede, concelho de Lisboa, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 3.294.954,75, determinado no ano de 2011, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 64 e 65 dos autos);
U) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Mamede, concelho de Lisboa, sob o artigo ….., o prédio urbano descrito como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 4.452.535,00, determinado no ano de 2011, considerando o tipo de coeficiente de localização relativo a habitação (cfr. documento de fls. 66 e 67 dos autos);
V) Em 12.04.2013, o fundo I….. encontrava-se identificado na matriz predial urbana respectiva como titular do direito de propriedade plena dos prédios identificados nas alíneas T) e U) que antecedem (cfr. documentos de fls. 64 a 67, dos autos);
W) Foram emitidas pela Administração Tributária as seguintes liquidações de imposto de selo relativas aos prédios identificados nas alíneas A) a U) supra:
Doc. cobrança
Data de
liquidação
Colecta (€)
Sujeito passivo
Art. matricial/ Freguesia
…..
21.03.2013
179.171,60….. Fechado
…..
…..
21.03.2013
23.918,53…..
…..
…..
21.03.2013
89.543,82…..
…..
…..
22.03.2013
9.036,17…..
…..
…..
22.03.2013
12.215,20…..
…..
…..
22.03.2013
10.253,30…..
…..
…..
22.03.2013
20.199,81…..
…..
…..
21.03.2013
11.760,69…..
…..
…..
21.03.2013
10.011,80…..
…..
…..
21.03.2013
10.474,70…..
…..
…..
21.03.2013
20.932,39…..…..
…..
21.03.2013
19.902,60…..
…..
…..
21.03.2013
26.675,99…..
…..
…..
22.03.2013
32.949,55…..
…..
…..
22.03.2013
44.525,35…..
…..

(cfr. documentos de fls. 21 a 35 dos autos).
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2.2. De Direito
A recorrente insurge-se contra a sentença por esta ter julgado procedente a impugnação com fundamento na inaplicabilidade do artigo 6.°, n.° 1, alínea f) e i), da Lei n.° 55-A/2012, de 29 de Outubro, aos terrenos para construção em causa.
A fundamentação da sentença, na parte relevante, é a seguinte:
A Lei n.° 55-A/2012, de 29 de Outubro, procedeu à alteração do Código do Imposto de Selo (CIS), tendo, desde logo, através do seu artigo 4.°, aditado à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa àquele diploma legal, a verba n.° 28, com a seguinte redacção:
"28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional – 1% (...).
Por sua vez, o artigo 6.° daquele diploma estabeleceu disposições transitórias relativas à liquidação do imposto nos anos de 2012 e 2013, nos seguintes termos:
"1 — Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.° 28 da respectiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.° 4 do artigo 2.° do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 — Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.° 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.
3 — A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.
Saliente-se, ainda, ter sido aditado ao artigo 67.° do CIS, pela mesma Lei n.° 55­ A/2012, de 29 de Outubro, um n.° 2, no qual se determina que às matérias não reguladas naquele código relativas à supramencionada verba 28 se aplica subsidiariamente o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
No caso dos autos, as liquidações impugnadas fundaram-se no entendimento de que os terrenos para construção equivalem a prédio com afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28 da tabela anexa ao Código de Imposto de Selo, aditada pela Lei n.° 55-A/2012, de 29 de Outubro (e à data em vigor).
A solução a dar à questão em apreciação nos autos passa, assim, por saber se os prédios urbanos a que respeitam às liquidações impugnadas podem ser considerados prédios com afectação habitacional.
Certo é que este conceito de prédio com afectação habitacional não se encontra legalmente definido, nem pela Lei n° 55-A/2012, que o introduziu, nem pelo CIS ou pelo CIMI.
Estabelece, no entanto, o CIMI, no seu artigo 6.°, n.° 1, uma distinção entre prédios urbanos habitacionais e prédios urbanos que sejam terrenos para construção. Densificando nos n.°s 2 e 3 os respectivos conceitos, definindo como prédios habitacionais os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal tal fim, e terrenos para construção "(...) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
Partindo do quadro legal supra mencionado, a jurisprudência dos tribunais superiores já tem vindo a pronunciar-se sobre questões idênticas à dos presentes autos, entendendo que, considerando a disciplina legal então em vigor, terreno para construção e prédio com afectação habitacional são realidades distintas [cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 09.04.2014 (processos n.°s 01870/13 e 048/14), de 23.04.2014 (processos n.°s 0270/14 e 0272/14), de 02.07.2014 (processo n.° 0467/14), de 09.07.2014 (processo n.° 0676/14), de 10.09.2014 (processo n.° 0740/14); de 24.09.2014 (processos n.°s 01533/13 e 0739/14)].
Por não se vislumbrar qualquer razão para divergir da referida jurisprudência, e considerando a identidade da matéria de facto e da questão de direito em discussão, acolhe-se aqui tal jurisprudência, pelo que se passa a reproduzir a posição exarada no citado acórdão de:
A sentença refere não existir razão para divergir da jurisprudência, que acolhe, e nesse sentido reproduz parte do acórdão do STA de 09.04.2014, processo n.° 01870/13:
"O conceito de "prédio (urbano) com afectação habitacional não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n° 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n° 2 do artigo 67° do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n° 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n° 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6° do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas (...) não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu "espírito", apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n° 55-A/2012 (Proposta de Lei n° 96/XII – 2ª, Diário da Assembleia da República, série A, n° 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza "mais poupadas" no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de "prédios (urbanos) com afectação habitacional", porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n° 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n° 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros" (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, "os prédios (urbanos) habitacionais", em linguagem corrente "as casas", e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n°s. 1 e 2 do artigo 45° do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como "prédios com afectação habitacional", porquanto a afectação habitacional" surge sempre no Código do IMI referida a "edifícios" ou "construções", existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já "terrenos para construção" mas outra espécie de prédios urbanos – "habitacionais", "comerciais, industriais ou para serviços" ou "outros" – artigo 6° do CIMI).
(...)
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6° do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados como "prédios com afectação habitacional" para efeitos do disposto na verba n° 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro".
E nesta linha de raciocínio, a sentença considerou que “o âmbito de incidência objectiva da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redacção aplicável ao caso dos autos, não abrange os terrenos para construção, por não poderem estes ser considerados "prédios com afectação habitacional".
Daí ter concedido provimento ao recurso.
A recorrente discorda por entender que os terrenos para construção se incluem no conceito de prédios com afectação habitacional.
É sabido que em Direito Fiscal valem os princípios e regras gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), sendo que termos próprios de outros ramos de direito devem ser interpretados no mesmo sentido que lhes é dado nesse ramo, salvo se outro sentido decorrer directamente da lei (artigo 11.º, n.º 2, da LGT).
Ora, se em Direito Fiscal não se verifica a densificação do conceito de prédio com afectação habitacional, o mesmo não se passa no domínio do direito do urbanismo, onde é pacificamente considerado que o conceito abrange apenas os edifícios destinados à habitação.
Mas não só em direito do urbanismo. Também em direito civil é acolhida essa visão conceitual, em relação, por exemplo, à distinção entre a finalidade habitacional e outras finalidades, como sucede no acórdão da RL de 20-10-2016 (proc. 12579-16.0T8LSB.L1-8), que vai mesmo mais longe, estabelecendo uma separação entre finalidades habitacionais e finalidades de alojamento, porque embora visando ambas acomodar pessoas, a segunda distingue-se da primeira pela sua natureza comercial.
Ao nível regulamentar o artigo 7.º do Regulamento do Plano Director Municipal de Lisboa de 2004 define o uso habitacional como aquele que “Engloba a habitação unifamiliar e plurifamiliar, as instalações residenciais especiais (albergues, residências de estudantes, religiosas e militares) e as instalações hoteleiras”.
Por outro lado, olhando para o conceito do fim habitacional, desligado da sua âncora normativa fiscal, concluiu-se que tem o significado corrente de fim apto à residência de pessoas com carácter de permanência. Distingue-se, por isso, do conceito de prédio apto para construção, que pela própria natureza das coisas não tem um fim habitacional directo.
Só indirectamente o poderá ter, sendo certo que no conceito de prédio para construção cabem outros fins indirectos, como seja a actividade comercial ou industrial.
Concluiu-se, portanto, que o conceito de prédio com afectação habitacional tem, extramuros do direito fiscal, um significado preciso que o distingue do conceito de prédio para construção e com o qual não se confunde.
Donde ser de acolher esse conceito em direito fiscal com a densificação que lhe é dada pelos outros ramos de direito e que, ao fim e ao cabo, está em linha com o significado etimológico do vocábulo habitacional, que se refere à habitação, sendo que construção tem um significado distinto, que na parte que nos importa, é o de acto de construir.
Ora, como é imposto pela canône interpretativo do artigo 9.º do CC, como o intérprete deve presumir que o legislador se soube exprimir em termos adequados, não pode efectuar uma interpretação da lei que não tenha com esta um mínimo de correspondência verbal.
E é essa falta de correspondência que se antolha na interpretação forçada do conceito de prédio para construção com o fito de nele incluir o fim habitacional, operada pela recorrente. Donde tal interpretação não poder ser acolhida por manifestamente ilegal.
Em suma, não tem cabimento defender-se que para efeitos de aplicação do artigo 6.°, n.° 1, alínea f) e i), da Lei n.° 55-A/2012, de 29 de Outubro, são equivalentes os conceitos de prédio para construção e fim habitacional.
Donde, ser de reconhecer que a sentença decidiu com acerto esta questão, em linha não só com a jurisprudência mas também com a melhor interpretação do texto da norma de incidência.
Reconhecimento esse que equivale a negar provimento ao recurso.
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Considerando que não se alteraram os pressupostos que levaram à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, remetendo para a fundamentação exarada na sentença recorrida a esse respeito, mantêm-se tal dispensa.
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3. Dispositivo

Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pela Fazenda Pública, com dispensa de pagamento do remanescente.
D.n.
Lisboa, 2020-06-25
Benjamim Barbosa
Ana Pinhol
Isabel Fernandes