Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09025/15
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL; ISENÇÃO DE IRC
Sumário:1) Através da efectivação do registo da impugnante como Instituição Particular de Solidariedade Social garante-se aos interessados informação sobre a utilidade pública da instituição em causa certificada pela autoridade administrativa competente.
2) O registo referido e o regime legal de reporte dos efeitos à data da entrada do requerimento, correctamente instruído, são oponíveis aos demais sujeitos jurídicos que encabecem relações jurídicas com a instituição objecto de registo, incluindo a Autoridade Tributária e Aduaneira.
3) Uma vez que o registo da impugnante, como Instituição de Solidariedade Social, desde finais de 2004, é oponível à Autoridade Tributária e Aduaneira,
4) a isenção de IRC é, em princípio, oponível, nos mesmos termos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 221/229, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “I...” contra as liquidações adicionais de IRC e juros, relativas aos anos de 2010 e 2011.
Nas alegações de recurso, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) A presente Impugnação refere-se às liquidações de IRC, relativas aos anos de 2010 e 2011, decorrentes de acção inspectiva.
2) Por douta sentença de 29/05/2015, foi a mesma julgada procedente por ter sido entendido que a aqui Recorrida se encontrava isenta de IRC ao abrigo do art. 10º n.º l, b) do CIRC, decisão com a qual a FP não pode concordar pelas seguintes razões:
3) Conforme descrito no RIT, a actividade da Recorrida "consiste em receber adolescentes oriundos da Alemanha com problemas graves a nível de integração social e na sua colocação em famílias de acolhimento alemãs a residirem em território nacional. O I... acompanha e monitoriza os adolescentes, reportando a informação para as Instituições Alemãs. Recebe verbas destas Instituições e paga às famílias de acolhimento honorários pelo serviço que prestam, e ainda outras despesas que tenham com os adolescentes, tais como alimentação, vestuário, educação, saúde, etc."
4) A isenção prevista no art. 10º n.º l b) do CIRC exige o reconhecimento das entidades nele referidas, pelas autoridades competentes.
5) Face aos factos apurados, foi entendido pelos Serviços de Inspecção Tributária, entendimento esse mantido pela FP na presente Impugnação Judicial, que a Recorrida, em 2010, não preenchia os pressupostos da referida isenção.
6) No que se refere ao exercício de 2011 apenas foram efectuadas correcções decorrentes da contabilização de despesas sujeitas a tributação autónoma, como sejam despesas de representação e despesas relacionadas com viaturas ligeiras de passageiros, conforme o disposto no art. 88º n.º 7 do CIRC.
7) Estas correcções não foram colocadas em causa pela Impugnante na sua Petição Inicial, pelo que devem as mesmas ser mantidas, bem como a respectiva liquidação.
8) A douta sentença manda anular a liquidação de IRC do ano de 2011 sem se debruçar sobre a matéria em causa - tributações autónomas - pelo que, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento por ter considerado que as correcções foram baseadas na falta de preenchimento dos requisitos da isenção prevista no art. 10º n.º l b) do CIRC.
9) Foi solicitada ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de ... informação sobre a entidade inspeccionada.
10) A certidão de 15/06/2011, nos autos, atesta isso mesmo: a I... apenas foi registada provisoriamente, na Direcção-Geral da Segurança Social, em 18/05/2011. Antes dessa data, a mesma não se encontrava registada.
11) Desde que foi pedido o registo como IPSS, em 2004, logo se suscitaram dúvidas quanto aos fins definidos nos seus estatutos, tendo esta sido notificada para os alterar. Ou seja, as dúvidas foram, desde o início do procedimento, colocadas ao nível da incompatibilidade, diga-se não preenchimento dos requisitos (objectivos da Associação) previstos nos Estatutos das IPSS, aprovado pelo DL n.º 119/83 de 25 de Fevereiro.
12) Não se compreende que face à existência de notificação para apresentar a alteração estatutária, como consta do ponto 3) do probatório da douta sentença recorrida, seja de aplicar a norma contida no art. 15º n.º 3 do Regulamento de Registo das IPSS, aprovado pela Portaria n.º 778/83 de 23 de Julho, uma vez que a disposição legal em causa diz considerar-se o registo provisório efectuado se não for feita qualquer notificação à instituição requerente até 90 dias após a recepção do requerimento ao centro regional.
13) Dos pontos 2) e 3) do probatório torna-se claro que o prazo de 90 dias não foi ultrapassado, pelo que não se pode considerar efectuado o registo provisório da I....
14) Discordamos, por isso, da parte final da douta sentença que considera ter existido "deferimento tácito do requerimento de registo, como registo provisório".
15) Por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que, no entender da FP, o reconhecimento não pode consistir num mero acto tácito, já que este se trata apenas de uma ficção formal que não substancial. A utilidade social da entidade continua a não ser atestada na sua substância, não existindo um acto voluntário da "autoridade competente" a reconhecer essa utilidade.
16) Mais, o registo de 2011 foi efectuado provisoriamente por existirem dúvidas sobre a viabilidade e interesse social dos fins estatutários, nos termos do art. 11º n.º l do Regulamento do Registo, aprovado pela Portaria n.º 139/2007 de 29 de Janeiro.
17) Face à informação prestada pela autoridade competente, bem como a todas as informações documentadas nos autos, entretanto carreadas, oriundas da Segurança Social, não cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira reconhecer a Recorrida como tendo utilidade social passível de beneficiar da isenção prevista no art. 10º n.º l do CIRC.
18) Quando o processo foi remetido pelo Centro Distrital de Segurança Social para a respectiva Direcção Geral, para melhor esclarecimento das condições de funcionamento da Recorrida, foi solicitada a intervenção da Inspecção Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, colocando-se a hipótese da própria extinção da associação.
19) Ainda em 2011, a Segurança Social admite que se deverá proceder a uma reavaliação da situação da instituição e da verificação das condições que dão lugar ao registo, tendo em consideração a legislação em vigor no âmbito da promoção dos direitos e da protecção das crianças em perigo, designadamente no que respeita às condições exigíveis para se constituir como instituição de enquadramento de famílias de acolhimento de crianças e jovens em perigo.
20) Ora, a isenção prevista no art. 10º n.º l b) do CIRC não se compadece com estas dúvidas, nem com a suposta existência de qualquer registo tácito, como já referido.
21) Mais, a fundamentação da sentença enquanto alicerçada na existência de um registo definitivo da Recorrida como IPSS vai para além de todos os factos e fundamentos discutidos no decurso do presente processo de Impugnação e, portanto, para além do pedido e causa de pedir fixados nos articulados.
22) Na PI apresentada, a Recorrida apenas diz beneficiar do registo provisório, mostrando-se, por isso também, a fundamentação da douta decisão recorrida completamente imprevisível, já que as partes sabem que o processo de reconhecimento ainda não se encontra concluído pelo que não pode produzir efeitos e muito menos à data do pedido.
23) Conforme informação prestada, em 23/10/2013, pela Direcção Geral da Segurança Social, ao TAF de Loulé, junta pela Fazenda Pública com o requerimento de 27/03/2014: "Ao decorrer do procedimento de conversão do registo provisório em definitivo, foi detectado por estes Serviços, a existência de uma publicação no Portal da Justiça, respeitante a uma alteração estatutária, efectuada em 3 de Julho de 2009, não tendo esta alteração acompanhado o pedido de registo, pelo que a efectivação do registo provisório não considerou a análise desta mesma alteração. Assim sendo, e não obstante ter-se efectuado o averbamento da conversão do registo provisório em definitivo, atento o Regulamento de Registo, aprovado pela Portaria n.º 139/2007, de 29 de Janeiro, o facto da alteração estatutária supra, não ter sido considerada, obstou à publicitação do registo da instituição como Instituição Particular de Solidariedade Social, não tendo sido feita, por isso, qualquer notificação à Instituição do acto de registo, não produzindo assim efeitos jurídicos, nos termos legalmente estabelecidos."
24) Acrescenta: "No sentido de regularizar a situação, foi contactado o representante legal da Associação, Dr. M..., para proceder à entrega da documentação em falta, junto do Centro Distrital de ..., tendo este Centro Distrital, remetido essa mesma documentação, a esta Direcção-Geral. Após a recepção, verificou-se que não foram remetidos todos os documentos necessários nos termos do Regulamento de Registo, pelo que, na presente data, reiteramos a informação de que continuamos a aguardar a remessa da documentação em falta, por forma a poder regularizar o procedimento administrativo."
25) As informações prestadas pela "autoridade competente" vão no sentido exactamente oposto ao decidido em 1a instância, uma vez que atestam que o processo de reconhecimento como IPSS ainda não chegou ao seu termo, pelo que as liquidações impugnadas estão em consonância com essa factualidade.
26) A douta sentença recorrida não valorou devidamente os factos anteriormente descritos, nem indagou sobre outros necessários à boa decisão da causa, pelo que, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento de facto de direito.
27) A decisão recorrida violou as normas supra indicadas.

Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do MP junto deste TCAS emitiu parecer no sentido da incompetência em razão da hierarquia deste TCAS para conhecer do objecto do recurso, dado o mesmo se circunscrever a questão de direito (fls. 264/266).
Observado o contraditório prévio, cumpre decidir.
Como se consigna no Acórdão do TCAS, de 22.09.2009, P. 3314/09, “[o] critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma de facto, emergente de diversas disposições legais, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação ou se também à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. // Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao tribunal de revista (artº 12º nº 4 do ETAF), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº 38º, nº 1, al. a) do ETAF».
Compulsado o teor das presentes alegações, verifica-se que as mesmas não se centram apenas sobre o alegado erro de julgamento quanto ao direito aplicável, dado que é invocado alegado erro quanto ao julgamento da matéria de facto.
Em face do circunstancialismo relatado, não é possível concluir que «para solucionar a matéria alegada e controvertida pelas partes não se torna necessário fazer juízos sobre questões probatórias ou averiguar da materialidade alegada como eventualmente interessando a outras plausíveis soluções de direito» (1).
Donde resulta que o objecto do recurso jurisdicional em exame não versa exclusivamente sobre questões de direito, pelo que assiste competência, em razão da hierarquia, a este tribunal para dele conhecer.
Termos em que se julga improcedente a presente excepção dilatória da incompetência absoluta do TCAS para conhecer do objecto do recurso.

Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1) Em 20 de Novembro de 2003, foi constituída a associação I... com os objectivos de “desenvolver e promover a solidariedade social, a harmonia do ambiente familiar e [desenvolver] acções dirigidas ao apoio de crianças, jovens e respectivo núcleo familiar” cfr. fls. 125 e seguintes dos autos.
2) Por requerimento datado de 2 de Fevereiro de 2004 entregue no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de ..., foi solicitado ao Director-Geral da Segurança Social o registo da associação I... na Direcção-Geral de Solidariedade Social, ao abrigo do Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social no Âmbito da Segurança Social – cfr. fls. 144 e seguintes dos autos.
3) No dia 27 de Fevereiro de 2004, a Coordenadora do Núcleo Jurídico do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de ... notificou a associação I... para alterar alguns artigos dos seus estatutos, de modo a que ficassem “de acordo com o preceituado no Estatuto das IPSS– cfr. fls. 147 e seguintes dos autos.
4) Em 9 de Março de 2004, a associação I... requereu aos Serviços do Ministério Público da Comarca de ... a aceitação da alteração efectuada aos estatutos – cfr. fls. 162 dos autos.
5) No dia 20 de Abril de 2004, a associação I..., “no decurso do processo de registo”, apresentou ao Núcleo Jurídico do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de ... os estatutos alterados e a respectiva acta – cfr. fls. 163 dos autos.
6) Em 6 de Maio de 2004, o Núcleo Jurídico do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de ... solicitou à associação I... elementos adicionais – cfr. fls. 164 dos autos.
7) No dia 11 de Maio de 2004, a associação I... aprovou a nova redacção dos seus estatutos – cfr. fls. 165 e seguintes dos autos.
8) Em 26 de Maio de 2004, o Núcleo Jurídico do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de ... solicitou ao Núcleo de Cooperação e Respostas Sociais, “com a brevidade possível”, “para efeitos de registo como IPSS, a emissão de Relatório Social – cfr. fls. 180 dos autos.
9) O parecer elaborado pelo Núcleo de Cooperação e Respostas Sociais, datado de 16 de Junho de 2004, propôs “que este assunto seja submetido à apreciação da DGSSS, enquanto organismo competente em matéria de registos” – cfr. fls. 182 e seguintes dos autos.
10) No dia 30 de Julho de 2004, a associação I... apresentou ao Núcleo Jurídico do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de ... “o requerimento de registo alterado” – cfr. fls. 185 dos autos.
11) Em 10 de Agosto de 2004, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de ... remeteu à Direcção Geral de Solidariedade e Segurança Social o processo relativo “ao acto de registo co mo Instituição Particular de Segurança Social” da associação I... – cfr. fls. 192 dos autos.
12) No dia 13 de Maio de 2011, a Subdirectora-Geral da Segurança Social proferiu despacho no sentido de ser efectuado o registo provisório da associação I... como IPSScfr. fls. 201 dos autos.
13) Em 18 de Maio de 2011, foi efectuado o registo provisório da associação I... como IPSS, no livro n.º 13 das Associações de Solidariedade Social, sob o n.º 30/11- cfr. fls. 207-208 dos autos.
14) No dia 13 de Abril de 2012, aquele registo provisório foi convertido em definitivo ao abrigo de despacho da Subdirectora Geral da Segurança Social de 11 de Abril de 2012 – cfr. fls. 208 dos autos.
15) Em 17 de Outubro de 2012, foram emitidas – actos impugnados:
A liquidação n.º …, relativa ao IR C do exercício de 2010, no valor de € 3.980,15 – cfr. fls. 26 dos autos;
A liquidação n.º …, relativa a juros compensatórios do IRC de 2010, no valor de € 189,04 – cfr. fls. 41 do apenso; e
A liquidação n.º …, relativa ao IRC do exercício de 2011, no valor de € 194,97 – cfr. fls. 30 dos autos.
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Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se:
«Os documentos referidos não foram impugnados p elas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade».
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
16) Do Relatório de inspecção relativo à impugnante, exercícios de 2010 e 2011, foi apurado imposto em falta, seja através de correcções técnicas, seja através de tributação autónoma – fls. 27/39, do p.a.
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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem interposto recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 221/229, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “I...” contra as liquidações adicionais de IRC e juros, relativas aos anos de 2010 e 2011.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«No caso dos autos, a Impugnante requereu em 2 de Fevereiro de 2004 o seu registo como IPSS - cfr. ponto 2 do probatório. // No dia 13 de Maio de 2011, a Subdirectora-Geral da Segurança Social proferiu despacho no sentido de ser efectuado o registo provisório - cfr. ponto 12 -, o qual foi convertido em definitivo em 13 de Abril de 2012 ao abrigo de despacho proferido em 11 de Abril de 2012 - ponto 14. Deste modo, o registo definitivo efectuado pela Direcção Geral considera-se efectuado em 2 de Fevereiro de 2004, por força do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Portaria n.º 778/83, de 23 de Julho. Pelo que devendo a Impugnante ser considerada IPSS desde 2004, impõe- -se concluir que nos exercícios de 2010 e 2011 estava isenta de IRC, nos preditos termos do artigo 10.º, n.º l, alínea b), do respectivo Código. // Aliás, à mesma conclusão se chegaria por outro caminho: o do deferimento tácito do requerimento de registo, como registo provisório, por não te sido "feita qualquer notificação à instituição requerente até 90 dias após a recepção do requerimento do centro regional" - cfr. o artigo 15.º, n.º 3, da Portaria n.º 778/83, de 23 de Julho -, recepção que, no caso dos autos, ocorreu em 10 de Agosto de 2004 tendo a Impugnante apenas sido contactada novamente pela Segurança Social em 2011 - cfr. pontos 11 e 12 do probatório».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca a ocorrência de erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento sobre o regime jurídico aplicável.
No que se reporta ao primeiro, invoca que o registo definitivo da impugnante não se consumou (i). No que se refere a segundo, considera que, à luz do regime jurídico aplicável, não resulta a efectivação, seja do registo provisório, seja do registo definitivo da impugnante (ii); quanto aos efeitos do registo, os mesmos não implicam o reconhecimento da instituição, desde a data da entrada do requerimento, muito menos o reconhecimento em favor da impugnante, desde essa data, da isenção de IRC (iii); mais refere que não foram objecto de contestação na petição inicial as correcções relativas a tributação autónoma do exercício de 2011, pelo que as mesmas deviam ter sido mantidas por parte da sentença recorrida (iv).
Vejamos.
2.2.4.Estatui o artigo 10.º do CIRC (“Pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social”) que estão isentas de IRC, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, as instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas e as pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
Nos termos do Artigo 7.º, do Estatuto das Instituições particulares de solidariedade social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, «1 - Poderão os ministérios da tutela organizar um registo das instituições particulares de solidariedade social do respectivo âmbito. // 2 - O registo será criado e regulamentado por portaria do respectivo ministro».
O regulamento em causa corresponde à Portaria n.º 778/83, de 23 de Julho, entretanto revogada e substituída pela Portaria n.º 139/2007, de 29 de Janeiro (artigo 2.º).
Do probatório resulta o seguinte:
i) Em 18 de Maio de 2011, foi efectuado o registo provisório da associação I... como IPSS, no livro n.º 13 das Associações de Solidariedade Social, sob o n.º 30/11- cfr. fls. 207-208 dos autos.
ii) No dia 13 de Abril de 2012, aquele registo provisório foi convertido em definitivo ao abrigo de despacho da Subdirectora Geral da Segurança Social de 11 de Abril de 2012.
Donde resulta que a efectivação, seja do registo provisório, seja do registo definitivo da entidade em causa, I..., como Instituição Particular de Solidariedade Social, não é passível de dúvida.
A recorrente invoca dúvidas sobre a documentação que instrui o pedido de efectivação do registo.
Havendo dúvidas não esclarecidas pelo interessado sobre a documentação de suporte do registo, pode a Direcção-Geral da Segurança Social ordenar, oficiosamente, o seu cancelamento (artigo 13.º da Portaria n.º 139/2007, de 29 de Janeiro). O que não sucedeu no caso.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente linha de argumentação.
2.2.5. No que respeita aos efeitos do registo, a questão que se suscita consiste em aferir da eficácia dos actos de registo, em referência, tendo em conta o disposto no artigo 10.º/1/b), do CIRC.
Estatui o artigo 13.º (“Efectivação do registo”) da Portaria n.º 778/83, de 23 de Julho, que o registo «será efectuado mediante despacho do director-geral da Segurança Social que defira o requerimento de registo» (n.º 1); e que o mesmo se considera «efectuado na data da apresentação do requerimento que seja deferido». No mesmo sentido depõe o disposto no artigo 9.º da Portaria n.º 139/2007, de 29 de Janeiro.
Do probatório resulta que a instrução do procedimento foi completada em 2004, não tendo havido qualquer acto de recusa do registo [V. artigo 14.º (“Recusa do registo”) da Portaria n.º 778/83, de 23 de Julho].
Mesmo que não se aceite o argumento de que o registo provisório se deu na data indicada na sentença, o certo é que o registo definitivo da entidade em causa como IPSS ocorreu em 2012, com efeitos reportados a finais de 2004 (data em que a entidade competente, Direcção-Geral da Segurança Social, deixou de solicitar à entidade interessada, informações complementares).
Outra questão prende-se com os efeitos do registo como IPSS, no quadro do preceito do artigo 10.º/1/b), do CIRC.
A este propósito, dir-se-á que o pressuposto de que a norma legal de tributação faz depender o reconhecimento e a oponibilidade da isenção de IRC reside no registo da entidade em causa como IPSS. O registo em apreço tem uma função de publicidade dos actos a ele sujeitos (artigo 4.º da Portaria n.º 778/83, de 23 de Julho e artigo 2.º da Portaria n.º 139/2007, de 29 de Janeiro). Através da sua efectivação garante-se aos interessados informação sobre a utilidade pública da instituição em causa certificada pela autoridade administrativa competente. Donde resulta que o registo referido e o regime legal de reporte dos efeitos à data da entrada do requerimento, correctamente instruído, são oponíveis aos demais sujeitos jurídicos que encabecem relações jurídicas com a instituição objecto de registo. Como sucede com a Autoridade Tributária e Aduaneira. Em síntese, o registo da impugnante, como Instituição de Solidariedade Social, desde finais de 2004, é oponível à Autoridade Tributária e Aduaneira. Pelo que a isenção de IRC é, em princípio, oponível, nos mesmos termos. Ou seja, as liquidações adicionais de IRC impugnadas nos autos, relativas aos exercícios de 2010 e de 2011, na medida em que incidem sobre rendimento percebido por entidade isenta, colidem com a norma de isenção, pelo que são ilegais, devendo se anuladas, com este fundamento.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida deve ser confirmada, ainda que com a presente fundamentação.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.6. A recorrente invoca a falta de impugnação da tributação autónoma relativa ao exercício de 2011.
A tributação autónoma de certa categoria de despesas está prevista no artigo 88.º/7, do CIRC (2). A este propósito, afirma-se que «[a] tributação autónoma de certas despesas ocorre quando simultaneamente a totalidade ou parte dessas despesas – de representação e com viaturas, por exemplo – são fiscalmente aceites como custos fiscais da empresa. // Na determinação do lucro tributável, tais despesas são tidas como custo fiscal, mas o valor da tributação autónoma que sobre essas mesmas despesas é determinado por lei não é, em si mesmo, tido como custo fiscal para efeitos de determinação de lucro tributável, não sendo tidas, para efeitos fiscais, como gastos suportados pela empresa, indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção da sua fonte produtora» (3).
No caso, foi apurada tributação autónoma no valor de €268,78, a qual se reflectiu na liquidação adicional de IRC de 2011, do n.º 15 do probatório.
Do teor da petição inicial de impugnação resulta que a impugnante contesta as liquidações de IRC de 2010 e 2011, pelo que o objecto da impugnação incide sobre as liquidações adicionais de imposto (IRC), determinadas pelos actos tributários em liça, incluindo os actos preparatórios e antecedentes dos mesmos, como o que estabelece a tributação autónoma. Pelo que, ao determinar a anulação dos mesmos, a sentença não incorreu em erro de julgamento sobre o objecto da acção.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente linha de argumentação.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)



(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)

(1) Acórdão do TCAS, de 22.09.2009, P. 3314/09.

(2) «São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando -se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades. (Este número tem redacção dada pelo artº 99º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2011- v. o seu artº 187º)».

(3) Acórdão do STA, de 06.04.2016, P. 01613/15.