Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1019/13.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CIRCULAR Nº 7/2004
IRC
Sumário:I - Padece de ilegalidade o apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, a menos que se demonstre a inviabilidade da determinação direta dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, recaindo o ónus de tal demonstração sobre a AT, nos termos previstos no artigo 74º nº 3 da LGT.

II - No caso, a base fundamentadora do ato contestado não explica, de forma firme e evidente, a razão pela qual não pôde a AT efetuar a afetação dos encargos financeiros por um método direto.

III – A vaga invocação de que a fungibilidade da moeda leva a que seja extremamente difícil determinar a aplicação específica dos capitais, tal como refere a AT, é parca e pouco consistente, tanto mais se tivermos presente que, no caso, não foi posta em causa a presunção de veracidade da contabilidade da impugnante, pelo que não se evidencia que as correções em causa não pudessem ter sido efetuadas com base em métodos diretos.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A M ………….., SGPS, SA, com os demais sinais nos autos, veio deduzir impugnação judicial, tendo por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2007 e ao grupo do qual é sociedade dominante e a que foi aplicado o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

Por sentença de 25/08/16, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação procedente e, em consequência, anulou a liquidação sindicada. Foi ainda condenada a Fazenda Pública ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

Inconformada com o assim decidido, a Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente o acto tributário de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2007, no valor de €186.635,76, o qual já inclui juros compensatórios no valor de €21.274,91.

II. Alega a impugnante que a liquidação adicional de IRC, é ilegal porque foi efectuada com base na Circular 7/2004 de 30 de Março que veio estabelecer uma metodologia que deveria ser seguida quando exista dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou especifica e o método de afectação directa ou especifica pudesse dar origem a manipulações. No caso sub judice, a impugnante não adquiriu quaisquer participações sociais em 2007 e os encargos financeiros suportados neste exercício dissessem respeito a financiamentos que tiveram como finalidade outras realidades que não a aquisição de partes de capital. Mais alega que, o método de apuramento dos encargos financeiros previstos na circular não tem qualquer aderência ao nº 2 do art.º 32º do EBF.

III. O nº 2 do art.º 32 do EBF (anterior art.º 31º antes da republicação do EBF pelo DL 108/2008 de 26/06), dispõe: “As mais-valias e as menos valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante transmissão onerosa (…) de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por um período não inferior a um ano, e bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

IV. Com a finalidade de esclarecer algumas questões sobre o regime aplicável às SGPS e às SCR, previsto no art.º 31º do EBF, na redacção que lhe foi dada pela Lei 32-B/2002 de 30/12, a AT emanou a Circular 7/2004, de 30 de Março da DSIRC, com o intuito de clarificar a situação.

V. Da análise ao balancete analítico de 2007 constatou-se que a subconta 6811 – Juros Suportados empréstimos bancários, apresentava um saldo devedor no montante de €4.046.781,78; do Quadro 07 da Modelo 22, verificou-se que o sujeito passivo não acresceu os encargos financeiros elegíveis para efeitos do art.º 32º do EBF, evidenciados na conta “6811 – juros suportados de empréstimos bancários”.

VI. Neste enquadramento veio a impugnante informar que não acresceu no Quadro 07 da Modelo 22 referente ao exercício de 2007 quaisquer encargos financeiros imputáveis a partes de capital, uma vez que (i) não foram adquiridas quaisquer partes de capital e (ii) os financiamentos contraídos pela M.................... tem vindo a ser utilizados no âmbito do exercício da sua actividade enquanto gestora de participações socias, e em particular, na gestão das necessidades de fundos no seio do grupo.

VII. Da análise inspectiva realizada aos períodos anteriores, foi demonstrado o investimento do sujeito passivo em participações sociais nos períodos de 2003 a 2006. Pelo que, é vedado às SGPS o direito à dedução fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais, desde que detidas por um período não inferior a um ano, independentemente de nos períodos em que os encargos foram imputados tiver ocorrido ou não a aquisição de qualquer participação financeira.

VIII. Nestes termos, a afectação dos encargos financeiros suportados com o investimento em participações sociais nos períodos de 2003 a 2006, impõe a aplicação do art.º 32º do EBF.

IX. Quanto à aplicação da Circular ao caso em análise, a IT evidenciou que não era possível aplicar o método directo de imputação dos encargos financeiros suportados com os financiamentos bancários, pois a própria impugnante “agiu de forma indirecta”, ou seja, aptou por aplicar os recursos próprios da M…………….. para os aumentos de capital em participadas e, perante a escassez de tesouraria que aquelas operações originaram, recorreu ao financiamento bancário, que é gerador de encargos financeiros.

X. Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o nº 2 do art.º 32º do EBF.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça!


*


A sociedade Recorrida apresentou contra-alegações com o seguinte quadro conclusivo:

I. Vem o presente Recurso interposto pela M.I.RFP com o pedido de anulação da sentença do Tribunal a quo com fundamento em "erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos”, (...) violando o nº12 do artº 32º do EBF" e em erro de julgamento.

II. Não invoca a Recorrente um único fundamento válido que permita sustentar o presente recurso.

III. Afigura-se que a motivação do presente Recurso coincide exclusivamente com a determinação, na sentença recorrida, da inaplicabilidade, in casu, do método indirecto de determinação do rendimento tributável constante da Circular 7/2/2004 de 30 de março.

IV. O Recurso veio interposto para o Tribunal Central Administrativo do Sul, afigurando-se que o mesmo é incompetente nos termos do artº280º, nº1 do CPPT: a fundamentação do Recurso vem ancorada em questões exclusivamente de direito, sendo que a Recorrente não contesta nenhum dos factos provados na sentença recorrida e, no invés, assume todos os factos provados e constantes da base instrutória da sentença e, ademais, não coloca em crise o julgamento que dos mesmos faz o Tribunal a quo, não obstante invocar formalmente o erro de julgamento. Erro que nunca chega a explicar, fundamentar ou revelar.

V. No presente Recurso, a Recorrente, AT, assume como regra e no âmbito de aplicação da norma constante no artº32º, nº2 do EBF, que é ao sujeito passivo que incumbe afastar a aplicação dos métodos indiretos de determinação do rendimento coletável nos termos em que se encontram na Circular 7/2004 e não à AT fundamentar a impossibilidade de determinação direta dos rendimentos para justificar o recurso àqueles métodos.

VI. Tal facto consubstancia uma inversão do ónus da prova em matéria de determinação do rendimento coletável para efeitos de IRC, ilegal por violação direta dos princípios constitucionais consignados nos arts. 103º, nº2 e 104º, nº 2 da CRP, mas também do art. 32º do EBF e dos arts. 23°, nºl, al. c) e 59º do Código do IRC e 90º da LGT.

VII. Os princípios da tributação do rendimento real (artº104°, nº2 da CRP) e da legalidade tributária (artº103º, nº2 da CRP) impedem toda e qualquer determinação indireta do rendimento tributável que não esteja previsto na lei e o artº32º, nº2 do EBF; não estabelece nenhum método indireto de determinação do rendimento tributável, o que resulta não só da sua letra como também do seu sentido.

VIII. Quer no presente Recurso, quer nas decisões prévias à Impugnação do ato liquidatário relativas ao procedimento inspectivo e à reclamação graciosa, a Recorrente desconsidera absolutamente o facto - que consta do próprio relatório de inspecção e que a sentença recorrida deu como provado - de que a ora Recorrida não adquiriu nenhuma participação de capital, estando os seus custos financeiros e os seus investimentos financeiros devidamente identificados e não relacionados com aquisição de participações sociais.

IX. Embora a Recorrente alegue que a " IT evidenciou" a impossibilidade de aplicação do método direto, nunca demonstra porquê (nem poderia demonstrar porque não tem aderência à realidade): não demonstra a impossibilidade in casu do recurso a métodos diretos de fixação da matéria coletável que legitime, ou de alguma forma justifique, a sua determinação indireta o que, só por si, consubstancia uma inversão ilegal do ónus da prova e uma ilegalidade por violação cio referido princípio da tributação do rendimento real, de acolhimento constitucional (artº104º, nº2 da CRP) e uma violação já referida dos arts. 59º do Código do IRC e 90º da LGT. Esta circunstância seria suficiente para o decaimento da pretensão da AT neste Recurso.

X. Acresce que a ora Recorrida sempre fez prova de que os encargos financeiros corrigidos não estavam relacionados - nem direta nem indiretamente - com a aquisição de participações sociais.

XI. Nesta sede, a sentença recorrida tem a virtualidade de colocar o ónus da prova no lugar que lhe compete, por imposição da lei, em matéria de determinação do rendimento coletável para efeitos de IRC, na medida em que conclui que "caberia à AT por um lado afastar a presunção de veracidade da declaração de IRC apresentada pela impugnante e por outro tratar aferir da possibilidade de efetuar correções com base em métodos diretos. Veja-se que nunca é posta em causa a presunção de veracidade da contabilidade da impugnante e, como tal não resulta evidenciado que não fosse possível que quaisquer correções a efetuar não o pudessem ser com base em métodos diretos. É apenas referido de forma abstrata que a fungibilidade da moeda leva a que seja extremamente difícil determinar a aplicação específica dos capitais, considerando que deverá "ser sempre utilizado o método indireto" previsto na instrução administrativa referida, o que, como já se referiu, não resulta da lei, resultando precisamente o inverso. Assim, no caso concreto, a AT limitou-se a aplicar uma metodologia prevista em circular administrativa metodologia essa que se consubstancia num método indireto de determinação da matéria coletável, método esse que, como já referido e é alegado pela impugnante, não decorre da letra da lei." (sublinhado nosso)

XII. É actualmente pacífico que a aplicação da Circular 7/2004, sempre que represente a indedutibilidade de encargos financeiros não relacionados directamente com a aquisição de participações sociais, é ilegal. Nesse sentido, e para além dos arestos citados pelo Tribunal Recorrido: o acórdão arbitral no processo 39/2016-T do Relator Cons. Jorge Lopes de Sousa e, entre outras, as decisões arbitrais 12/2013-T, 9/2012-T e 69/2012-F.

XIII. A aplicação da circular 7/2004 na situação concreta e na medida em que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros que consta da norma do art. 23º, n° l, al. c) do Código do IRC e que não é impedida pelo art. 32º, nº2 do EBF, traduz-se na prática de um ato ilegal, por violação directa dos normativos referidos e dos constante dos arts. 103º, n.º 2 e 104º, nº 2 da CRP e ainda num ato praticado com erro de facto e de direito. Ou seja, um ato com vícios de ilegalidade e fundamento em erro fáctico e jurídico e, portanto, um ato anulável nos termos do art. 135º CPA, em vigor ao tempo, e de acordo com a regra igualmente acolhida no art. 163º do atual CPA. Neste sentido, a sentença recorrida só poderia ter determinado a sua anulação, como efetivamente determinou.

XIV. Nas alegações do presente Recurso confunde-se "aumentos de capital em participadas" com "aquisições de partes de capital " o que, aplicando-se à indedutibilidade dos encargos financeiros relacionados com "aquisições de partes de capital" constante do art. 32º, nº2 do EBF:, se traduz numa ilegalidade por violação direta do mesmo normativo e do constante do art. 23º, nº 2, al. c) do Código do IRC e do princípio da legalidade tributária consignado no art. 103º, nº 2 da CRP. Neste sentido, acolhe-se a doutrina emanada na decisão arbitral 12/2013-T, citada nestas alegações.

XV. Os encargos financeiros corrigidos pelo ato tributário anulado pelo Tribunal Recorrido estão devidamente identificados no nº9) do Ponto 111. Fundamentação da sentença, sendo que a ora Recorrida não adquiriu partes de capital e, como tal, o Tribunal a quo decidiu em conformidade ao considerar ilegal o ato liquidatário que resulta da desconsideração dos encargos financeiros incorridos, em violação do art.23°, nº.1, al. c) do Código do IRC c do art. 32º do EBF.

XVI. No atinente à invocada aplicabilidade da Circular 7/2004 como tendo a finalidade de "esclarecer algumas questões" e com o "intuito de clarificar a situação"', não pode deixar de se referir que a mesma (aplicação da circular) consubstancia - como vem referido na sentença ora em crise - uma forma indireta de determinação do rendimento tributável e, por isso, mesmo, a sua aplicabilidade - a ser admitida - depende de que a matéria coletável não seja quantificável por métodos diretos. Demostração que a Recorrente não faz nas suas alegações, nem nunca fez, nem poderia fazer por não ter aderência à realidade.

XVII. Em resultado do que se considera ser de indeferir totalmente o recurso e ordenar a manutenção da sentença recorrida.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, NÃO DEVE O PRESENTE RECURSO SER TOTALMENTE INDEFERIDO, MANTENDO-SE TOTALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO A ESPERADA JUSTIÇA.


*


Recebidos os autos neste TCA-Sul, os mesmos foram com vista à EMMP. Na linha daquilo que já havia sido suscitado pela Recorrida, foi considerado ser este TCA hierarquicamente incompetente por apenas estarem em causa questões de direito.

*


Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.



*




II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“1) No exercício de 2007, a impugnante era a sociedade dominante do grupo de sociedades, que integrava, para além da impugnante, as seguintes sociedades:

a) L…………. - Centros ……………, S.A.;

b) M……………….. II - Gestão ………….., S.A.;

c) S………………. - Serviços ………………………., Lda.;

d) V………………… - Sociedade …………….., S.A.;

e) A…………………- Sociedade …………., S.A.;

f) M.................... - Consultoria …………….., S.A.;

g) M.................... Espaços …………………, S.A.;

h) O…………………. – SGPS, Lda (cfr. fls. 257, dos autos, e fls. 86o, do processo administrativo).

2) No exercício de 2007 o grupo mencionado em 1) estava sujeito ao RETGS (cfr. fls. 256 e 257, dos autos, e fls. 86o, do processo administrativo).

3) Por referência ao final do exercício de 2007, a impugnante tinha registados na sua contabilidade os seguintes saldos:

«Imagem no original»

(cfr. fls. 792 a 821, do processo administrativo).

4) A impugnante apresentou declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2007, em cujo quadro 07 não constava qualquer valor relativo a encargos financeiros a acrescer imputáveis a partes de capital (facto não controvertido – cfr. fls. 185 a 189, dos autos, e fls. 778 e 781, do processo administrativo).

5) A impugnante foi objeto de ação inspetiva interna, em cumprimento da Ordem de Serviço (OS) n.º OI201100456, pela Direção de Finanças (DF) de Lisboa (cfr. fls. 775 e 778, do processo administrativo).

6) No âmbito da ação inspetiva mencionada em 5), foi elaborado projeto de correções, datado de 11.05.2011 (cfr. fls. 139 a 190).

7) O projeto mencionado em 6) foi comunicado à impugnante (facto que se extrai do documento constante de fls. 193 a 204).

8) Na sequência do referido em 7), deu entrada nos serviços da AT documento, apresentado pela impugnante, para efeitos de exercício do direito de audição (cfr. fls. 193 a 204).

9) Da ação inspetiva referida em 5) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 22.06.2011, no qual foram propostas correcções à matéria tributável de IRC no valor de 645.443,99 Eur., constando do mesmo designadamente o seguinte:

“…

«Imagem no original»

(…)

«Imagem no original»


…” (cfr. documento junto de fls. 206 a fls. 221, dos autos, e de fls. 775 a fls. 855, do processo administrativo).

10) A sequência da ação inspetiva mencionada em 5) bem como de acção inspetiva à sociedade referida em 1.e), a impugnante, na qualidade de sociedade dominante do grupo de sociedades identificado em 1), foi objecto de ação inspetiva interna, em cumprimento da OS n.º OI201103275 (cfr. fls. 253 e 256).

11) Da ação inspetiva mencionada em 10), e após exercício do direito de audição por parte da impugnante, resultou um RIT datado de 18.08.2011, no qual foram propostas correções à matéria tributável de IRC, no valor de 661.443,43 Eur., atentas as correções propostas nos RIT anteriores mencionados em 10) (cfr. fls. 253 a 266).

12) Na sequência do RIT mencionado em 11) foi emitida, a 29.08.2011, pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º …………………..881 e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2007, no valor total de 186.635,76 Eur. (cfr. documentos juntos de fls. 136 a 138).

13) A impugnante procedeu ao pagamento do valor de 4.514,47 Eur., relativos à liquidação mencionada em 12) (cfr. fls. 237, dos autos, e fls. 857, do processo administrativo).

14) Foi instaurado, contra a impugnante, o processo de execução fiscal (PEF), respeitando a quantia exequenda à liquidação mencionada em 12) na parte controvertida e não paga (cfr. fls. 768, 857 e 861, do processo administrativo).

15) Foi prestada, pela impugnante, no Banco …………………, garantia bancária, para garantia da dívida exequenda a que respeita o PEF mencionado em 14), que implicou um custo total de valor não concretamente apurado (cfr. fls. 861, dos autos, e fls. 768, do processo administrativo).

16) A impugnante apresentou, a 02.02.2012, reclamação graciosa da liquidação referida em 12), junto do Serviço de Finanças de Lisboa 2 (cfr. documentos juntos de fls. 267 a 291, dos autos, e fls. 3 a 403, do processo administrativo – reclamação graciosa).

17) Na sequência do referido em 16), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º …………………773 (cfr. fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa).

18) No âmbito do procedimento mencionado em 17), foi elaborada informação, pela divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, no sentido de indeferimento da pretensão constante do documento referido em 16) (cfr. fls. 292 a 301, dos autos, e fls. 420 a 423 verso, do processo administrativo – reclamação graciosa).

19) A informação mencionada em 18) foi comunicada à impugnante para efeitos de exercício do direito de audição (cfr. fls. 420 a 425, do processo administrativo – reclamação graciosa).

20) No âmbito do procedimento mencionado em 17), e na sequência do referido em 18) e 19), foi elaborada informação, pela divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, datada de 07.05.2013, no sentido de indeferimento da pretensão formulada no documento referido em 16), constando da mesma designadamente o seguinte:

“…

« Imagem no original»

…” (cfr. fls. 304 a 312, dos autos, e fls. 426 e 430, do processo administrativo – reclamação graciosa).

21) Sobre a informação mencionada em 20) e após pareceres de concordância, foi proferido despacho, pelo Diretor de Finanças Adjunto da DF de Lisboa, a 15.05.2013, de indeferimento da reclamação graciosa referida em 16) (cfr. fls. 304 a 312, dos autos, e fls. 426 e 430, do processo administrativo – reclamação graciosa).

22) Foi emitida, pela direção de serviços de IRC da então direção geral dos impostos, circular, à qual foi atribuído o n.º 7/2004, de 30.03.2004, com o seguinte teor:

“ Razão das Instruções

1 - Tendo-se levantado dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), previsto no art. 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003), sanciona-se o seguinte entendimento:

Regime previsto no nº 2 do art. 31º do EBF

2. A Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, veio alterar o regime fiscal aplicável às mais-valias e às menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR consagrado no art. 31º do EBF, dispondo o nº 2 deste preceito que "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

Regime previsto no nº 3 do art. 31º do EBF

3. O nº 3 do mesmo artigo, tendo a natureza de uma norma antiabuso, afasta a aplicação do regime previsto no nº 2 relativamente "às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existem relações especiais, nos termos do nº 4 do art. 58º do Código do IRC, ou entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão".

Aplicação temporal do novo regime

4. O nº 5 do art. 38º da Lei 32-B/2002, por sua vez, prescreve que "a alteração introduzida no art. 31º do EBF aplica-se às mais-valias e às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003, sem prejuízo de se continuar a aplicar, relativamente à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, o disposto nas alíneas a) e b) do nº 7 do artigo 7º da Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, ou, em alternativa, no nº 8 do artigo 32º da Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro".

5. Assim, no que concerne ao âmbito de aplicação temporal do novo regime e no que respeita, concretamente, aos encargos financeiros, o mesmo é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data.

Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros

6. Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no nº2 do art. 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Exemplo

8. Consideremos os seguintes valores activos e passivos (em euros) que constituem o balanço de uma SGPS:

Valores activos

Empréstimos concedidos remunerados - 50 000

Partes de capital (custo de aquisição) - 20 000

Outros activos - 10 000

Valores passivos

Empréstimos obtidos remunerados - 90 000

De acordo com o ponto 7, temos:

Passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados: 50

000

Passivos remunerados imputáveis aos restantes activos: 90 000 - 50 000 = 40 000

Passivos remunerados imputáveis às partes de capital:

« Imagem no original»


Supondo que os encargos financeiros suportados no exercício ascenderam a Euros 1 800, a parcela dos encargos imputável às partes de capital será:

« Imagem no original»

Determinação do regime fiscal aplicável às mais-valias e menos-valias)

9. Para efeitos da determinação do regime fiscal concretamente aplicável às mais-valias e às menos-valias realizadas com a alienação de participações sociais (art. 31º do EBF ou arts. 23º, 42º e 43º a 45º todos do Código do IRC), deverá efectuar-se uma análise casuística de cada operação e subsequente agrupamento das mais-valias e menos-valias de acordo com o respectivo enquadramento legal.

Aquisição das partes de capital a uma entidade sujeita a um regime especial de tributação

10. Face ao disposto no nº 3 do art. 31º do EBF, é afastada a aplicação do regime especial relativo às mais-valias e aos encargos financeiros sempre que as partes de capital alienadas tenham sido adquiridas, entre outras situações, a uma entidade sujeita a um regime especial de tributação e tenham sido detidas por um período inferior a três anos, o que se deverá considerar verificado, nomeadamente, sempre que a aquisição das partes de capital tenha sido efectuada a outra SGPS ou SCR” (cfr. fls. 418 e 419, do processo administrativo – reclamação graciosa).


*


DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.


*


MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, bem como na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada um desses factos.

Quanto ao facto 15), resulta das regras da experiência que a prestação das referidas garantias tem associados custos, como, aliás, decorre dos elementos documentais juntos, não tendo sido, no entanto, a totalidade dos mesmos concretamente apurada.


*

- De Direito

Como bem se retira do relatório inicial, a impugnação judicial foi julgada procedente, tendo sido anulada a liquidação adicional de IRC contestada, respeitante ao exercício de 2007. A Fazenda Pública foi ainda condenada ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, em termos a liquidar em execução de sentença.

O assim decidido enfrenta a total discordância por parte da Fazenda Pública, nos termos que decorrem do teor das conclusões da alegação de recurso.

Antes de iniciarmos a análise do recurso jurisdicional propriamente dito, importa que apreciemos a questão prévia suscitada pela Recorrida, e acompanhada pela EMMP, ou seja, a questão da incompetência deste TCA em razão da hierarquia.

Com efeito, para a M.................... “a fundamentação do recurso vem ancorada em questões exclusivamente de direito”; no mesmo sentido, a EMMP defende que a matéria vertida nas conclusões “é essencialmente de direito, já que não é posta em caus a matéria de facto assente no probatório e, tão pouco se diz expressamente que factos é que devem ser aditados e que estejam em falta para decidir….”.

Desde já se adianta que, salvo o devido respeito, não acompanhamos tal posição.

Vejamos.

Nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT, “Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, nos termos do artigo16º, nº1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é indevidamente dirigido o recurso.

Nos termos do artigo 26º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer dos recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito;

Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma.

Quer isto dizer que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e se a decisão se tiver pronunciado sobre o mérito e, pelo contrário, é competente a Secção de Contencioso Tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito ou, sendo-o, se a sentença não tiver apreciado o mérito da causa.

“Na delimitação da competência do STA em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684º, nº3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” – cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 2006, I, Áreas Editora, pag. 213.

Por seu turno, as conclusões das alegações de recurso integram matéria de direito se discutirem apenas a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica.

Ora, em nossa opinião, a leitura das conclusões VII e VIII, conjugadas com as alegações correspondentes, é suficiente para concluir que a Recorrente invoca factualidade que não foi tida em consideração pela sentença sindicada e que, segundo a Recorrente, é determinante da aplicação ao caso do disposto no artigo 32º do EBF, nos termos em que a ATA o propôs inicialmente.

Tanto basta para, não acompanhando o entendimento expresso pela Recorrida e pela EMMP, considerarmos competente este TCA para o conhecimento do presente recurso jurisdicional.

Apreciada, assim, esta primeira questão, passemos à análise das questões que nos vêm colocadas pela Recorrente.

Avancemos, então.


*

A Impugnante, ora Recorrida, sustentava que o ato impugnado era ilegal por se basear em instrução administrativa que fixa um método indireto não previsto na letra da lei, sem que a AT tenha demonstrado a impossibilidade de determinação direta da matéria coletável e, ainda, por erro nos pressupostos de facto.

Com efeito, no seu articulado inicial a M.................... defendia, em resumo útil, que:

- A administração tributária (AT) emitiu instrução administrativa (Circular n.º 7/2004, de 30 de março), que veio estabelecer uma metodologia que deverá ser seguida quando (i) exista dificuldade de utilização de um método de afetação direta ou específica e (ii) o método de afetação direta ou específica possa dar origem a manipulações;

- No caso em concreto, não tendo sido adquiridas quaisquer participações sociais em 2007 e sendo possível demonstrar que os encargos financeiros suportados neste exercício dizem respeito a financiamentos que tiveram como finalidade outras realidades que não a aquisição de partes de capital não existe fundamento para a aplicação da referida circular;

- O método de apuramento dos encargos financeiros previsto na circular não tem qualquer aderência ao nº 2 do art.º 32.º, do EBF, e pode, caso seja aplicado cegamente, conduzir a distorções na real alocação dos encargos financeiros suportados;

- Cabe à AT demonstrar a impossibilidade de se aplicar um método direto de afetação dos encargos financeiros suportados no exercício de 2007 às aquisições de partes de capital, o que não sucedeu in casu;

- Do art.º 32.º, do EBF, não decorre qualquer método de determinação dos encargos financeiros suportados com a obtenção de financiamento para a aquisição de partes de capital, quando estejam em causa encargos financeiros suportados com vários financiamentos, pelo que as correções apenas decorreram da aplicação da circular em causa;

- Tal circunstância fere de vício as liquidações, atentando contra o art.º 103.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), em virtude de o conteúdo da circular não ter qualquer suporte na lei em vigor em 2007, atentando de igual forma contra o art.º 112.º, da lei fundamental;

- Não é possível através de um ato interno de interpretação criar um método que determine quais os encargos financeiros não dedutíveis ao abrigo do art.º 32.º, do EBF;

- As orientações genéricas da AT não vinculam o sujeito passivo, pelo que a impugnante não estava obrigada a seguir a metodologia nela preconizada;

- Sem prescindir, é de atentar no facto de a impugnante não ter contraído qualquer financiamento com vista à aquisição de partes de capital, tendo os financiamentos obtidos sido utilizados no âmbito do exercício da sua atividade enquanto gestora de participações sociais e, em particular, na gestão das necessidades de fundos no seio do grupo;

- Os investimentos efetuados pela impugnante em participações sociais, no período compreendido entre 2003 e 2006, corresponderam apenas a aumentos ou realização de capital social, nunca tenho havido efetiva aquisição de partes de capital;

- As dificuldades em encontrar um método não significa que o método definido AT seja o único que deva ser considerado como válido e que o mesmo seja de aplicação vinculativa para os sujeitos passivos, pelo que deve ser feita uma avaliação de tal dificuldade num momento prévio, para aferir da razoabilidade da aplicação de um método indireto;

- Se a AT pretendesse identificar a origem dos fundos que estiveram na base daqueles investimentos, tal seria possível atendendo, por exemplo, ao princípio do equilíbrio financeiro conjugado com o facto de a impugnante gerar fundos próprios em montante superior aos investimentos já referidos, como resulta, desde logo, da análise dos seus capitais próprios no exercício de 2007;

- No que respeita à eventual manipulação na utilização de um método direto, a impugnante considera que esta hipótese está totalmente afastada no seu caso;

- Aliás, a política de investimentos da impugnante não contempla aquisições e vendas sucessivas de partes de capital, mas a sua constituição e detenção com carácter de permanência, pelo que qualquer manipulação seria facilmente detetável quer pelos acionistas quer pela AT.

O Tribunal Tributário de Lisboa, após expor o enquadramento legal aplicável ao caso, atento o momento temporalmente relevante, em concreto o disposto no artigo 32º do EBF e no artigo 55º do CPPT, e convocar jurisprudência respeitante à questão em apreciação, veio a considerar, em resumo útil, que:

“O que resulta da letra do art.º 32.º, n.º 2, do EBF, é que quer as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS mediante a transmissão onerosa de partes de capital de que sejam titulares (desde que detidas por período não inferior a um ano), quer os encargos financeiros suportados com a aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades, não constando do mesmo qualquer presunção de que os encargos financeiros suportados respeitam a tal facto, total ou parcialmente, ou qualquer metodologia para cálculo dos mesmos.

Como tal, não resulta do texto da lei que haja qualquer desvio à norma contida no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, nem à contida no n.º 3 do mesmo art.º 74.º, nos termos do qual a AT tem de demonstrar os pressupostos de aplicação de métodos indiretos (cfr. ainda os art.ºs 85.º e 87.º e ss., da LGT).

Assim, caberia à AT por um lado afastar a presunção de veracidade da declaração de IRC apresentada pela impugnante e por outro tratar aferir da possibilidade de efetuar correções com base em métodos diretos. Veja-se que nunca é posta em causa a presunção de veracidade da contabilidade da impugnante e, como tal, não resulta evidenciado que não fosse possível que quaisquer correções a efetuar não o pudessem ser com base em métodos diretos. É apenas referido de forma abstrata que a fungibilidade da moeda leva a que seja extremamente difícil determinar a aplicação específica dos capitais, considerando que deverá “ser sempre utilizado o método indireto” previsto na instrução administrativa referida, o que, como já se referiu, não resulta da lei, resultando precisamente o inverso.

Assim, no caso concreto, a AT limitou-se a aplicar uma metodologia prevista em circular administrativa, metodologia essa que se consubstancia num método indireto de determinação da matéria coletável, método esse que, como já referido e é alegado pela impugnante, não decorre da letra da lei.

Como tal, não tendo a AT demonstrado, tal como era seu ónus, a impossibilidade de determinação por métodos diretos da matéria coletável, concretamente do quantum dos encargos financeiros a acrescer, tal atuação fere de ilegalidade o ato impugnado (cfr. a decisão arbitral proferida no processo n.º 292/2015-T, já mencionado: “ao determinar a não dedutibilidade dos encargos financeiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira está levar a cabo uma actividade de natureza desfavorável para o contribuinte, pelo que lhe cabe o ónus da prova dos factos que invocar para fundamentar a sua actuação, designadamente, ao optar pela utilização de método indirecto de determinação da matéria tributável, de provar que se verificava algum ou alguns dos pressupostos legais da sua aplicação, indicados no artigo 87.º da LGT, como decorre do n.º 3 do artigo 74.º da LGT”).

Como tal, assiste razão à impugnante”.

A Fazenda Pública discorda do assim decidido, argumentando que “Da análise inspectiva realizada aos períodos anteriores, foi demonstrado o investimento do sujeito passivo em participações sociais nos períodos de 2003 a 2006. Pelo que, é vedado às SGPS o direito à dedução fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais, desde que detidas por um período não inferior a um ano, independentemente de nos períodos em que os encargos foram imputados tiver ocorrido ou não a aquisição de qualquer participação financeira”. Assim, “a afectação dos encargos financeiros suportados com o investimento em participações sociais nos períodos de 2003 a 2006, impõe a aplicação do art.º 32º do EBF”. E, quanto à aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, a “IT evidenciou que não era possível aplicar o método directo de imputação dos encargos financeiros suportados com os financiamentos bancários, pois a própria impugnante “agiu de forma indirecta”, ou seja, aptou por aplicar os recursos próprios da M.................... para os aumentos de capital em participadas e, perante a escassez de tesouraria que aquelas operações originaram, recorreu ao financiamento bancário, que é gerador de encargos financeiros”.

Vejamos, então, o que dizer a este propósito, tendo presente o quadro legal aplicável. Assim, consideremos o disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (correspondente ao art.º 31.º, do EBF, à data da emissão da instrução administrativa referida em 22 do probatório):

“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”

Com vista à interpretação desta disposição legal, a AT emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de março (cfr. ponto 22 do probatório), da qual consta, no seu ponto 7, a explicitação de um método indireto de cálculo de afetação dos encargos financeiros às participações sociais, nos termos seguintes:

“(…) Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”.

Importa, ainda, ter presente, quanto à possibilidade de emissão de orientações genéricas por parte da AT, o disposto no artigo 55º, do CPPT (vide, atualmente o artigo 68.º-A da LGT), nos termos do qual:

“2 - Somente as orientações genéricas emitidas pelas entidades referidas no número anterior vinculam a administração tributária.

3 - As orientações genéricas referidas no n.º 1 devem constar obrigatoriamente de circulares administrativas e aplicam-se exclusivamente à administração tributária que procedeu à sua emissão”. A propósito da doutrina administrativa veiculada através da dita circular, afirma claramente o STA que a mesma “…sendo obrigatória para os serviços da AT, não é vinculativa para os tribunais nem para os sujeitos passivos. Na verdade, as ordens internas da AT, seja qual for a forma que revistam – “despachos genéricos”, instruções, circulares ou outra – não são fontes de Direito Fiscal «porquanto a força vinculativa de tais diplomas se acha circunscrita a um sector da ordem administrativa. E essa mesma força vinculativa resulta tão-somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm, e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem» (SOARES MARTÍNEZ, Direito Fiscal, Almedina, 7.ª edição, pág. 111.). A doutrina nelas veiculada apenas poderá convencer de que fazem a melhor interpretação da lei em razão da sua fundamentação” - cfr. acórdão do STA, de 16/09/20, no processo nº 462/13.6 BEAVR.

Com este quadro esclarecido, a questão que se colocava era, tal como o Tribunal apontou, a de aferir “se, no caso da circular em apreço, a AT fez mais do que interpretar a norma em causa e se, ao aplicar a instrução administrativa em causa, atuou ou não ao arrepio dos princípios que devem enformar essa mesma atuação”.

Tenhamos presente, atento o circunstancialismo que resulta do RIT, que a AT, como bem se resume na sentença, “num primeiro momento atentou no saldo devedor da conta 6811 – Juros suportados empréstimos bancários e no facto de não constar, no quadro 07 da declaração modelo 22, qualquer valor acrescido a título de encargos financeiros elegíveis, para efeitos do disposto no art.º 32.º, do EBF. Na sequência dos esclarecimentos prestados pela impugnante, a AT considerou que foram realizadas aquisições de capital nos exercícios compreendidos entre 2003 e 2006, concluindo, nessa sequência, ser vedado a SGPS a dedução dos mencionados encargos financeiros. Para efeitos de quantificação dos encargos em causa, a AT partiu do disposto na circular 7/2004 mencionada em 22) do probatório e calculou os encargos imputáveis às partes de capital, pela aplicação do método indireto previsto no ponto 7 da mencionada instrução administrativa. Na sequência de tal aplicação, foi calculado o montante de 645.443,99 Eur., que foi acrescido ao resultado fiscal do exercício”.

Adiante-se, desde já, que sobre a circular em questão já se pronunciaram - reiterada e uniformemente - os tribunais superiores e, bem assim, os tribunais arbitrais, em moldes que podemos resumir no seguinte: padece de ilegalidade o apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, a menos que se demonstre a inviabilidade da determinação direta dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, recaindo o ónus de tal demonstração sobre a AT, nos termos previstos no artigo 74º nº 3 da LGT.

Como se escreveu no acórdão do STA já citado, de 16/09/20 (entre diversos outros proferidos no mesmo sentido), “Desde logo, importa notar que, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 31-01-2018, Proc. nº 01157/17, www.dgsi.pt, (apud Ac. de 08-03-2017, Proc. nº 0227/16) “… Da leitura atenta que se faz daquele ponto 7, cuja legalidade vem questionada nos presentes autos, pode-se surpreender com facilidade que o método escolhido pela AT se assume como um método indirecto de afectação dos encargos, em contraposição a um método directo, motivado pela dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e pela possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria.

Ou seja, a AT, face às dificuldades sentidas de integração do disposto naquele artigo 32º do EBF, desinteressou-se pela obtenção da verdade dos factos, pilar da tributação sobre o rendimento real, cfr. artigo 104º, n,º 2 da CRP, e assumiu como único método aceitável o que parte de uma presunção de que os passivos remunerados das SGPS e SCR devem ser afectos liminarmente e de forma prioritária a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente, aos demais activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

É de evidenciar que, no caso, a base fundamentadora do ato contestado não explica, de forma firme e evidente, a razão pela qual não pôde a AT efetuar a afetação dos encargos financeiros por um método direto. Na verdade, a vaga invocação de que a fungibilidade da moeda leva a que seja extremamente difícil determinar a aplicação específica dos capitais, tal como refere a AT, é parca e pouco consistente, tanto mais se tivermos presente que, no caso, não foi posta em causa a presunção de veracidade da contabilidade da impugnante, pelo que não se evidencia que as correções em causa não pudessem ter sido efetuadas com base em métodos diretos. Com efeito, o que resulta da leitura do RIT é que o método indireto seguido o foi por ser o método determinado pela Circular em questão, ou seja, a sua adoção surge como uma opção acrítica, sem qualquer concretização face à situação específica do sujeito passivo.

Ora, “Tratando-se a avaliação indirecta de uma operação sem correspondência com a verdade dos factos, precisamente porque estes não são possíveis de determinar com segurança e certeza, ou porque há indícios muito fortes (a quase certeza) de que os factos evidenciados pelo contribuinte, e que devem servir de fundamento à determinação da matéria tributável, não são verdadeiros, previu o legislador, de forma taxativa, as concretas situações em que é possível o recurso a tais métodos indirectos nos artigos 87º a 90º da LGT.

Portanto, a “norma” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com uma concreta situação de determinado contribuinte, como se tratando de método de afectação ilegal e proibido; se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a respectiva afectação, mas se não se verificarem tais razões, trata-se de método inadequado de proceder a essa mesma afectação”. – cfr. acórdão citado de 16/06/20.

E prossegue o mesmo aresto, com inteira aplicação aos presentes autos:

“Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.

É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.

(…) a questão suscitada pela Recorrente já foi amplamente debatida no Supremo Tribunal Administrativo, tendo sido uniformizado entendimento no sentido de que é sobre a administração tributária que recai o ónus de prova da impossibilidade de determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais e que, consequentemente, padece de ilegalidade o apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30-03, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, que não seja precedido daquela demonstração - ver os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal de 2018/09/26 e de 11-12-2019 (Processos n.ºs 0406/18.9BALSB e 0333/18.0BALSB), www.dgsi.pt. – fim de citação do acórdão do STA que estamos a seguir.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto no aresto transcrito (e nos demais que ali vêm citados) e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respetivos fundamentos, tendo presente, ainda, o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, resta-nos reiterar a jurisprudência ali consignada, a qual foi – e bem – seguida pela sentença recorrida. De resto, no caso, não vemos que as alegações da Recorrente tenham a virtualidade de colocar em causa o que vem sendo uniformemente defendido pela jurisprudência dos tribunais superiores e arbitrais, o que significa que a decisão recorrida não merece qualquer censura.

No mesmo sentido e entre diversos outros acórdãos que sobre esta matéria se pronunciaram, vejam-se os seguintes: nº 0958/12.7BEAVR, de 22/01/20; nº 01229/15, de 31/05/17 e nº 0364/14, de 21/06/17.

Concluímos, assim, que a Recorrente carece em absoluto de razão no ataque que faz à sentença, ao pretender, também nesta sede recursiva, que se aplique à situação concreta da M.................... o disposto no n.º 7 da Circular 7/2004.

A sentença, nos termos em que decidiu, e que se mostram transcritos, decidiu com acerto, em obediência à lei e na linha da jurisprudência uniforme dos nossos tribunais. A sentença é, pois de manter, o que importa o não provimento do recurso interposto.

Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (artigo 527º do CPC).


*




III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.


Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.


Lisboa, 13/07/23


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano