Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06045/10
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/15/2010
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MILITAR A PAÍS ESTRANGEIRO.
CASAMENTO COM PORTUGUESA.
ART.S 58º E 59º DA DEC.LEI N.º 237-A/2006
Sumário:I-O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar a Estado estrangeiro constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade (artigo 9º, n.º3 da Lei da Nacionalidade)

II- O casamento não é mais do que um pressuposto necessário para a aquisição da Nacionalidade, mas não é ele o elemento determinante da aquisição.

III- Os artigos 58º e 59º da Dec.Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro (que regulamentam a Lei da Nacionalidade) não são inconstitucionais, por possuírem natureza processual, derivando da competência do Governo (artigo 198º n.º1, al. a) da C.R.P.).
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul

1- Relatório
O Ministério Público, ao abrigo dos artigos 9º e 10º da Lei 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade) intentou no TAC de Lisboa a presente acção, com processo especial, de oposição à nacionalidade contra Armindo ……………………, de nacionalidade cabo-verdiana, peticionando que se ordene o arquivamento do processo conducente ao registo de aquisição de nacionalidade pelo R. pendente na Conservatória dos Registos Centrais, por estar demonstrada a existência do fundamento previsto no artigo 9º, al.c) da Lei da Nacionalidade.
Por decisão de 15.10.2009, o Mmº Juiz “ a quo” julgou a acção procedente.
Inconformado, o recorrente interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
A - matéria de facto: por o Demandado e ora Recorrente não ter tido acesso ao processo, não pode o seu Mandatário impugnar a "matéria de facto" constante, como "assente"da douta sentença sob recurso.

QUANTO Á MATÉRIA DE DIREITO

B - O ora Recorrente foi citado editalmente, por ter resultado infrutífera a sua citação normal, não tendo vindo de qualquer modo aos autos, e sendo-lhe sequentemente nomeado pelo Tribunal um Defensor

C - A sua situação perante estes é de revelia absoluta, conforme disposto no art. 483°. do CPC., aplicável por força do art. 1°. do CPTA. E art. 484°. n°. 1 do CPC.

D - a alínea b) do art. 485°, Do CPC. estabelece que "Quando o réu ou algum dos réus for incapaz (...) ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta" não se aplica o disposto no artigo anterior (tidos os factos como confessados).

E - Daqui parece inferir-se que devia ter prosseguido o processo nos termos dos arts. 84°. e sgs. do CPTA, conforme estatui o art. 26°. da citada Lei n°.2/2006, já que não fora citado na sua própria pessoa nem juntado procuração a mandatário judicial - o que comprova o seu desconhecimento efectivo dos termos da p.i. –

F - Sofre, assim, a douta sentença sob recurso de nulidade por o processo ter omitido formalidades essenciais, nomeadamente não assegurando ao demandado todos os seus direitos de contestação, já que a feita pelo Defensor se limitou à dos elementos escritos, constantes dos autos, influindo assim na boa decisão da causa -art. 201°. N°. 1 e alínea d) do n°. do art. 668°. do CPC.

G - Sem qualquer especificidade, o art. 26° Da Lei 2/2006 - que alteou substancialmente a, até então vigente, "Lei da Nacionalidade" - dispõe nesse normativo "Ao contencioso da nacionalidade são aplicáveis, nos termos gereis, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e demais legislação complementar"

H - Porém, designadamente os arts. 58° e 59°. do Dec.-Lei n°. 237-A/06 - cue expressamente diz regulamentar a mencionada lei n°. 2/2006 - dispõem diferentemente do transcrito art. 26° desta. Ora, o art. 164°., alínea f) da Constituição da República Portuguesa deixa na reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República a matéria de aquisição, perda e reaquisição ia cidadania portuguesa,

H - pelo que o Governo, ao regulamentá-la, não podia ter feito, como o fez, ao abrigo da alínea a) do n °. 1 do art. 198°. da CRP, mas antes, para o efeito, devia ter-se apoiado na alínea c) do mesmo número.

J - E, menos ainda, inovado em relação ao regime fixado em Lei da A.R.: pelo que tais normativos "regulamentares", por irem além das "baias" da lei habilitante, são inconstitucionais, nos termos do art. 277°. da CRP e cujo vício «de inconstitucionalidade orgânica desde já se invoca para efeito nomeadamente da alínea b) do n°. 1 do art. 280°. a mesma CRP.

L - Ao privilegiar a celeridade neste tipo de processo "sub júdice", com claro prejuízo do princípio do contraditório, e seguindo literalmente (e acertando) os referidos arfe. 58°. e 59°, do DL, N°. 237-A/2006, para além da nulidade supra expressa, está com tal douto entendimento que deles faz a violar os arts. 20°., 164°. alínea f) e 277°. da CRP.,ferindo assim tal sentença do vicio de inconstitucionalidade:

M - Já que na opinião do ora Recorrente, a Mma. Juiz devia ter dado cumprimento à tramitação definida, para a acção administrativa especial, nos arts, 84°, E seg. do CPTA.

Termos em que:
a) deve a douta sentença sob recurso ser julgada nula por Acórdão desse venerando Tribunal e sequentemente ser atribuída, desde já, a nacionalidade portuguesa ao ora Recorrente, como se pede na sua "contestação"; ou,
b) assim se não entendendo, deve, em consequência do decretamento ora requerido da invocada nulidade da douta decisão sindicada, ser ordenado por esse venerando Tribunal o prosseguimento do processo nos termos dos arts. 84º e sgs do CPTA, de harmonia, aliás, com o teor do artº 26º da Lei n.º 2/2006, de 17.4., de modo a serem facultados ao Recorrente todos os meios processuais de defesa.
O Ministério Público contra-alegou, concluindo como segue:
1. Do disposto nos artigos 58.° e 59.° do Decreto-Lei n.° 237-A/2006, de 14 de Dezembro, resulta claro que no processo de oposição à aquisição da nacionalidade há lugar apenas a dois articulados (petição e contestação).

2.O recurso aos termos da acção administrativa especial prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem lugar apenas nas situações não previstas no Regulamento da Nacionalidade (artigo 60.° do citado diploma legal).

3. Não ocorre, pois, a nulidade da sentença, pelo facto de o processo não ter prosseguido, após a contestação, nos termos dos artigos 84.° e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

4. Os artigos 58.° e 59.° do Decreto-Lei n.° 237-A/2006 revestem irrecusavelmente natureza processual, pois limitam-se a disciplinar a tramitação da acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

5. Assim, a competência para editar aquelas normas não pertence à Assembleia da República, mas sim ao Governo [artigo 198.°, n.°1, alínea c) da Constituição].

6. Sendo da competência do Governo, não enfermam as normas em causa de inconstitucionalidade orgânica.

7. Improcedem, pois, todas as conclusões das alegações do Recorrente.

8. Devendo negar-se provimento ao recurso interposto por A………………………….
Nestes termos, deve a sentença recorrida, que julgou procedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Réu, ser mantida na íntegra.
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2- MATÉRIA DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão:
1) O réu é natural da freguesia de Nossa Senhora da Graça, Praia, Cabo Verde, onde nasceu em 17 de Abril de 1964, e é filho de A………………..e E………….. (cfr. fls. 16, dos autos em suporte de papel, a que pertencem as demais folhas a citar, sem menção de origem).
2) O réu é de nacionalidade cabo-verdiana (cfr. fls. 28-29).
3) Em 27 de Julho de 1996, na Igreja da Academia Militar, freguesia da Pena, concelho de Lisboa, casou catolicamente com a cidadã portuguesa Maria …………, nascida a 25 de Fevereiro de 1966, natural da freguesia de Santo Antão, concelho de Évora, tendo adoptado o apelido "Miranda" (cfr. fls. 16, 18, 20, 45, 54, 58 e 68).
4) Em 21 de Fevereiro de 2007, na 2a Conservatória do Registo Civil de Lisboa, o réu declarou, através de procurador, que pretendia adquirir a nacionalidade portuguesa, com base no casamento referido em 3) (cfr. fls. 11-12).
5) Com base nessa declaração foi organizado na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa o processo n.°………./07, onde se questionou a existência de facto impeditivo -prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro - da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa, razão pela qual foi remetida ao MP certidão para efeitos de instauração do presente processo (cfr. fls. 9 e 87 a 89).
6) O réu foi um dos beneficiários das várias bolsas de estudo concedidas por Portugal a Cabo Verde - ao abrigo dos acordos de cooperação técnico-militar -, na área da formação de quadros militares, tendo nessa qualidade frequentado a Academia Militar (cfr. fls.27, 80 a 82, 115 e 118).
7) O réu é capitão das Forças Armadas da República de Cabo Verde, contando, em 28.8.2006 e de acordo com uma contagem efectuada pelo Estado Maior das Forças Amadas da República de Cabo Verde para efeitos de obtenção da nacionalidade portuguesa, 23 anos, 2 meses e 1 dia de antiguidade (cfr. fls. 22 e 85).
8) Em 11 de Junho de 1997, na freguesia de Benavente, concelho de Benavente, nasceu E……………., filho do réu e de M……………. (cfr. fls. 14).
9) Em 12 de Julho de 1998 nasceu B……………, filho do réu e de M………… fls. 14).
10) O réu foi citado editalmente por se desconhecer a sua residência em Portugal (cfr. fls. 93, 94, 102,108,109, 113,115, 118, 122, 123, 141, 145, 146 e 149).
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3- DIREITO APLICÁVEL
Como decorre das conclusões das suas alegações, o ora recorrente invoca a nulidade da sentença, por o processo ter omitido formalidades essenciais, nomeadamente não assegurando ao demandado todos os seus direitos de contestação, uma vez que, tendo sido citado editalmente, a sua situação é de revelia absoluta, conforme disposto no artigo 483º do C.P. Civil, aplicável por força do artigo 1º do CPTA. Diz o recorrente que, tendo sido citado editalmente, não se aplica o disposto no artigo anterior (tidos os factos como confessados). Conclui assim o recorrente que deveria ter seguido o processo, nos termos dos artigos 84º e seguintes do CPTA, conforme estatui o artigo 26º da Lei n.º2/2006, de 17 de Abril. Assim, a defesa efectuada limitou-se aos elementos escritos constantes dos autos, influindo na boa decisão da causa (artigos 201º n.º1 e alínea d) do n.º1 do artigo 668º do C.P. Civil).
Alega ainda o recorrente que os artigos 58º e 59º do Dec.Lei n.º237-A/06, que regulamentam a citada Lei n.º2/2006, dispõem diferentemente do transcrito no aludido artigo 26º, em matéria de reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República ( cfr. artigo 164º, al. f) da C.R.P.), ou seja, matéria da aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade portuguesa.
Conclui, assim, o recorrente que os normativos regulamentares excedem os limites da lei habilitante, padecendo de inconstitucionalidade orgânica (cfr. artigo 280º,n.º1 alínea b) da CRP, razão pela qual a sentença recorrida está ferida do vício de inconstitucionalidade.
Salvo o devido respeito, o recorrente não tem razão.
O processo em questão rege-se pelo Dec.Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, cujo artigo 58º prescreve o seguinte:
“Apresentada a petição pelo Ministério Público, o réu é citado para contestar, não havendo lugar a mais articulados ou obrigações escritas”.
O n.º1 do normativo seguintes determina que, findos os articulados, o processo é submetido a julgamento, excepto se o juiz ou relator determinar a realização de quaisquer diligências.
Acresce que o artigo 60º dispõe que.” Em tudo o que se achar regulado nos artigos anteriores, a oposição segue os termos da acção administrativa especial prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Assim sendo, e como observa o recorrido Ministério Público, no processo de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa há lugar apenas a dois articulados (petição e contestação), justificando-se o recurso aos termos da acção administrativa especial somente nas situações não previstas no Regulamento da Nacionalidade.
Quer dizer: estando a tramitação da acção de oposição à aquisição da nacionalidade prevista naquele Regulamento, não se justifica o recurso aos termos da acção administrativa especial, regulados no CPTA, como pretende o recorrente.
Não há pois, qualquer nulidade da sentença tendo sido observadas as formalidades prescritas na lei para assegurar os direitos de defesa do Réu.
Quanto à pretensa inconstitucionalidade dos artigos 58º e 59º do Dec.Lei n.º 237-A/2006, também não é aceitável o entendimento do recorrente.
E isto porque os preceitos em causa revestem natureza processual, na medida em que se limitam a disciplinar a tramitação da acção da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, desde a apresentação da petição pelo Ministério Público até ao julgamento.
Estando em causa normas de natureza processual, a competência para as editas, no âmbito da matéria de aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa pertence ao Governo (artigo 198 n.º1, alínea a) da CRP), e não à Assembleia da República como pretende o recorrente.
Logo, não existe a alegada inconstitucionalidade orgânica dos artigos 58º e 59º da Lei n.º 2/2006, de 17 de Abril.
Passemos ao mérito da acção.
De acordo com o disposto no artigo 9º nº3 da Lei da Nacionalidade constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros, “ O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro
Ora, no caso concreto, ficou assente que o R. é capitai das Forças Armadas da República de Cabo Verde, contando, em 28.08.2006, 23 anos, 2 meses e 1 dias de antiguidade (cfr. o ponto 7 da matéria de facto).
Verifica-se, portanto, uma condição negativa, expressamente prevista na lei que é impeditiva da aquisição da nacionalidade, presumindo-se a existência de fortes laços para com o Estado –neste caso Cabo Verde - , a quem o serviço militar é prestado, em termos de se admitir, como diz a sentença recorrida, que o indivíduo em causa faça prevalecer os interesses do Estado a que voluntariamente se vinculou, pelo que em princípio não é conveniente a sua integração na comunidade nacional. E. quanto à alegada intenção de o R. estabilizar a sua vida profissional e familiar em Portugal, a única prova produzida foi a de estar casado com uma cidadã portuguesa há mais de três anos, da qual tem dois filhos, desconhecendo-se até se tem residência em Portugal.
Na verdade, e como se escreveu no Ac. do TCAS de 19.11.2009, P. 05367/09, “ a ligação efectiva à comunidade portuguesa, demonstrativa de um sentimento de unidade e pertença, não pode derivar apenas do casamento”, sobretudo quando, como no caso concreto, para além de se verificar uma condição negativa nem sequer se sabe qual a residência dos cônjuges (cfr. na doutrina , sobre esta situação, Rui Moura Ramos, “ Do Direito Português da Nacionalidade”, 1992, p.151).
Improcedem, assim, na íntegra, as conclusões das alegações do recorrente.
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4- Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo R, em ambas as instâncias, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s, já reduzida a metade (artigos 73-D nº 3 e 73º-E, n.º1 al. b) do C.C. J).
Lisboa, 15.04.2010
António A.C. Coelho da Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira