Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:435/11.3BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:01/25/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:ANULAÇÃO DE CONCURSO
INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
ATO INIMPUGNÁVEL.
Sumário:I – Tendo consensualmente sido o trabalhador mantido a exercer funções informais de chefia de uma equipa de 13 trabalhadores, sendo que é o próprio artigo 16.°/1, alínea b) do Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 12 de dezembro, que define que só poderá ser criado um lugar de encarregado quando se verifique a necessidade de dirigir e controlar pelo menos 20 profissionais das carreiras de operário qualificado e semiqualificado, estando o número de trabalhadores que passaram a ser “chefiados” pelo Recorrente aquém daquele número (13), sempre inexistiria a necessidade de uma chefia institucional e formal.
II – Tendo o aqui Recorrente vindo a intentar Ação Administrativa Comum, quando a impugnação do ato lesivo que reclama se mostrava já ininpugnável, por intempestividade, é incontornável que é o próprio Artº 38.º do CPTA na versão então aplicável que refere expressamente no seu nº 2 que “(…) a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I Relatório

A......., intentou Ação Administrativa Comum contra o MUNICÍPIO DE CORUCHE, tendente à atribuição de indemnização por danos não patrimoniais não inferior a €3.000, e por danos patrimoniais de €5.250,61, em resultado de ter sido judicialmente anulado o concurso interno geral de acesso para provimento de um lugar de "encarregado de pessoal operário qualificado", no âmbito do qual havia sido provido no lugar concursado, tendo em resultado da referida anulação sido recolocado na sua categoria de origem, “com a consequência da diminuição da respetiva remuneração”.
Tendo o TAF de Leiria proferida Sentença em 5 de setembro de 2018, julgando improcedente a Ação, veio o Autor apresentar Recurso para esta instância em 12 de outubro de 2018, concluindo:
“1 - Nos autos supra referenciados foi proferida Sentença que julgou improcedente a ação intentada pelo A., ora Recorrente, por entender que se verifica uma causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente o consentimento do lesado;
2 - O Recorrente não pode conformar-se com esta decisão, que padece de vícios de violação de lei e de erro de julgamento;
3 - A Sentença ora em crise considerou provados todos os factos alegados pelo Recorrente na petição inicial;
4 - Foi considerado provado que o Município Recorrido praticou um ato ilícito que levou à anulação do procedimento concursal para provimento de um lugar de Encarregado de Pessoal Operário Qualificado da Câmara Municipal de Coruche, no qual o Recorrente havia sido nomeado Encarregado de Operário Qualificado, nomeação que aceitou em 04.09.97;
5 - Ficou provado que, como consequência da determinada anulação do concurso, a partir de Maio de 2008, inclusive, foi retirada ao Recorrente a categoria de Encarregado, tendo sido recolocado na anterior categoria, e sofrido a consequente diminuição da remuneração;
6 - Não obstante o Recorrente, em 2008, ter sido recolocado na categoria de operário principal, carreira de pedreiro, a verdade é que o Recorrente se manteve a desempenhar funções de encarregado para o Município Recorrido;
7 - Foi reconhecido pela Sentença ora em crise que “(...) a manutenção do autor a exercer funções de chefia, como encarregado, portanto, melhor remuneradas, quando apenas era operário qualificado, e que, por isso, não deveria ter funções de chefia, correspondeu a uma decisão do réu ilegal e que lhe trouxe um enriquecimento ilícito e um prejuízo para o autor.”
8 - Dúvidas não restam de que o Recorrente se manteve, sempre e ininterruptamente, até à presente data, a exercer funções de Encarregado desde 13 de Janeiro de 1997, nos termos da Ordem de Serviço n.° 3/97 do Sr. Presidente da Câmara, não sendo, no entanto, remunerado de acordo com essas funções;
9 - O Recorrente também provou que sempre foi visto como encarregado pelo Município Recorrido;
10 - Ficou também provado que a anulação do concurso e o regresso do Recorrente à categoria que tinha antes foi de conhecimento generalizado dos demais funcionários e colaboradores do Município Recorrido;
11 - Não ficou provado em parte alguma que o Recorrente tenha dado qualquer consentimento aos atos ilícitos do Recorrido;
12 - Entendeu a Senhora Juiz a quo que as entidades patronais podem enriquecer ilicitamente à custa do empobrecimento dos trabalhadores desde que estes, os trabalhadores, assim consintam;
13 - Não constitui consentimento o cumprimento de ordens de serviço;
14 - Não constitui consentimento o desempenho das funções que o Município Recorrido ordenou fossem desempenhadas;
15 - E se dúvidas existissem de que não se trata de uma qualquer situação de consentimento por parte do Recorrente, o simples facto de ter intentado a presente ação reclamando os direitos que lhe assistem faz cair por terra tal tese;
16 - Se se pudesse considerar um consentimento do Recorrente (e não houve qualquer vontade do Recorrente de dar consentimento, como se viu), é entendimento unânime da jurisprudência que as declarações feitas pelo trabalhador que contenham remissões abdicativas emitidas em plena vigência do vínculo laboral são nulas e de nenhum valor por abrangerem direitos irrenunciáveis;
17 - O suposto consentimento do Recorrente não poderia estender-se ao direito à remuneração, visto que este é inalienável durante a vigência do vínculo;
18 - A remuneração do Recorrente era, e é, inferior à remuneração que lhe caberia atendendo às funções que efetivamente o Município Recorrido ordenou que realizasse, pelo que o consentimento a que alude a Sentença, a existir (e não existe) é nulo e de nenhum efeito;
19 - Encontra-se constitucionalmente consagrado o direito do trabalhador à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
20 - É dever do empregador público pagar pontualmente a remuneração, que deve ser justa e adequada ao trabalho;
21 - Mesmo que o Recorrente pudesse consentir (e não podia), nunca o Município Recorrido o poderia permitir, sob pena de violar o disposto no artigo 71.° do RCTFP e, consequentemente, o princípio da legalidade e os princípios da justiça e da razoabilidade;
22 - Não é verdade que o Recorrente tenha contribuído para o dano, na medida em que a organização do trabalho e as orientações sobre o mesmo cabem, sempre, ao Município Recorrido;
23 - Estava na disponibilidade do empregador público corrigir a situação ilícita a que deu azo, podendo fazê-lo a qualquer altura e a todo o tempo, e não fez;
24 - O suposto consentimento não excluiria a ilicitude da conduta do Município Recorrido, visto que esta conduta viola, como se viu, proibição legal, traduzida na inalienabilidade do direito à remuneração durante a duração do vínculo e no dever do empregador público de pagar a remuneração justa e adequada às funções realizadas, conforme dispõe o artigo 340.°, n.° 2, do Código Civil;
25 - Ao decidir de forma diversa a Sentença em crise errou e violou o disposto no artigo 59.° da CRP, nos artigos 71.°, n.° 1, alínea b), e 144.°, n.° 2, do RCTFP, e no artigo 340.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, julgando a ação procedente e provada, condene o Município Recorrido no pagamento dos valores peticionados pelo Recorrente, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude da conduta do Recorrido. Somente assim se fará JUSTIÇA.”

O aqui Recorrido/Município veio a apresentar contra-alegações de Recurso em 12 de outubro de 2018, aí tendo concluído:
“1ª - Nos autos supra referenciados foi efetivamente proferida Sentença que julgou improcedente a ação intentada pelo A., ora Recorrente, (e bem) porque à luz do princípio da livre apreciação da prova, verifica-se de facto uma causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente o consentimento do lesado.
2ª - A douta decisão não padece de qualquer vício de violação de lei ou erro de julgamento;
3ª - A Sentença considerou provada a matéria de facto que consta no ponto 2.1. composta por factos alegados quer pelo Recorrente quer pelo Recorrido;
4ª - Foi considerado provado que o Município Recorrido em 2 de Maio de 2008. (na sequência do Acórdão TCA SUL Processo n°4509/00 de 27/3/2008 que anulou o procedimento concursal de encarregado) notificou o A. para “regressar de imediato às funções de Operário Principal da carreira de Pedreiro e correspondentes funções...”
(ponto 7 da matéria de facto provada)
5ª - Na sequência desse ato, a partir de maio de 2008, inclusive, o Recorrente foi (formalmente) recolocado na categoria de Operário Principal-Pedreiro (sua anterior categoria) tendo passado a auferir pela remuneração dessa categoria (inferior à de Encarregado).
6ª - Embora o Recorrente, em 2008, tenha sido recolocado na categoria de Operário Principal carreira de Pedreiro, o Recorrente manteve-se a desempenhar funções de “responsável” (encarregado) para o Município recorrido, mas com menor amplitude de chefia pois a sua equipa foi reduzida de cerca de 30 operários para 13 operários.
7ª - A sentença em crise, alegando o “princípio de trabalho igual salário igual corolário do “princípio da igualdade” chega a reconhecer que “...a manutenção do autor a exercer funções de chefia, como encarregado, portanto melhor remuneradas, quando apenas era operário qualificado, e que, por isso não deveria ter funções de chefia, correspondeu a uma decisão do réu ilegal e que lhe trouxe um enriquecimento ilícito e um prejuízo para o autor” - Não se concorda com este raciocínio pois, resultava de uma práxis administrativa, que o conteúdo funcional de Operário Principal não era impeditivo de lhe ser atribuída a coordenação de uma pequena equipa de operários com menor amplitude de chefia que a um encarregado, o que em muitos municípios vinha acontecendo, e acontece com a figura do “Responsável”. O próprio legislador recentemente veio clarificar que “a descrição do conteúdo funcional não prejudica a atribuição ao trabalhador de funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.” (vide n° 1 e 2 art° 81° LTFP anexa à Lei 35/2014 de 20/06)
8ª - O Recorrente exerceu funções de Encarregado desde 13/1/1997, nos termos da Ordem de Serviço n° 3/97 do Sr. Presidente da Câmara até Maio de 2008, data em que, na sequência de anulação do concurso de Encarregado em que fora provido, o Recorrente foi recolocado na carreira que anteriormente detinha - Operário Principal - Pedreiro, embora por acordo informal com o Município continuasse a exercer funções de “Responsável” (Encarregado) de uma equipa de 13 trabalhadores, com permissão para fazer trabalho extraordinário a fim de equilibrar a sua remuneração.
9ª - É certo que o Município Recorrido sempre tratou o Recorrente com respeito e consideração, integrando-o nas reuniões de encarregados, de forma que os trabalhadores que passou a chefiar assim também o considerassem.
10ª - Reconhece-se que a anulação do concurso e o regresso à categoria que tinha antes foi do conhecimento generalizado dos demais trabalhadores do Município.
11ª - Foi demonstrado que o Recorrente aceitou tacitamente as funções que lhe foram propostas em Maio de 2008, pois além de anuir informalmente ao que lhe foi proposto pelos seus superiores hierárquicos - Responsabilizar-se por uma equipa de 13 pessoas e fazer algum trabalho extraordinário que lhe permitisse compensar a sua remuneração - continuou a comportar-se nos mesmos termos que antes da anulação do concurso que lhe permitiu ser nomeado encarregado, contribuindo para avaliar operários, continuando a fazer as “comunicações de encarregado”, o que permite concluir que este CONSENTIU em exercer essas funções, sem receber como tal.
12ª - Não se verificou qualquer “enriquecimento ilícito” do Recorrido à custa do Recorrente pois este, detendo a categoria de Operário Principal/Pedreiro aceitou exercer funções “mais leves” de Responsável por uma equipa com cerca de metade dos trabalhadores que um encarregado normalmente chefia, e aceitou também fazer trabalho extraordinário que minimizasse a diferença remuneratória, pelo que à luz do princípio “trabalho igual salário igual” não poderia ser pago ao Recorrido a remuneração de Encarregado (nem a Lei o permitia) porque as funções que passou a exercer não eram iguais (por terem menor amplitude de chefia) que as funções de outros Encarregados.
13ª - Não existiu nenhuma Ordem de Serviço a determinar ao Recorrente que exercesse funções de Encarregado a partir de Maio de 2008; Existiu sim uma Nota Interna (N° 644/2008) notificada ao trabalhador em 7/5/2008, que determinou ao Recorrente que, na sequência da anulação do concurso de Encarregado, deveria regressar de imediato às funções de Operário Principal, da carreira de Pedreiro... (vide fls 10 da sentença).
14ª - O Município não ordenou ao Recorrente que a partir de Maio de 2008 passasse a desempenhar funções de Encarregado; Pelo contrário, propôs-lhe informalmente que passasse a ser Responsável por uma pequena equipa de trabalhadores e pudesse efetuar trabalho extraordinário que compensasse a remuneração que entretanto vira reduzida o que este aceitou;
15ª - O facto de o Recorrente ter intentado a presente ação em 1/4/2011 revela efetivamente um consentimento do lesado na situação que MANTEVE DESDE MAIO DE 2008. pois nada o impedia (caso não pretendesse aceitar as funções que lhe foram propostas) de ter, logo em Maio 2008 RECLAMADO ou IMPUGNADO essa situação.
16ª - Não foi exigido ao trabalhador qualquer “declaração abdicativa” dos seus direitos, nem foi violado qualquer direito laborai pois ao Recorrente sempre foi PROPOSTO com respeito e consideração que a situação exigia, funções mais leves e adequadas que seguramente o beneficiaram, sendo-lhe pago o trabalho extraordinário devido e colmatando com a posterior abertura de concurso pelo Recorrido, e provimento definitivo em Encarregado, que ocorreu em 1/8/2010.
17ª - A remuneração que foi paga ao Recorrente (entre maio de 2008 e julho 2010) foi a que lhe era devida legalmente, correspondendo à sua categoria de Operário Principal-Pedreiro.
18ª - O Município não ordenou ao Recorrente que realizasse funções, contra a sua vontade, superiores à sua categoria profissional; O Município propôs sim a realização de funções mais leves e dignificantes ao Recorrente e ainda a realização de algum trabalho extraordinário que lhe permitisse compensar a remuneração. Não existe nulidade dos atos praticados pois foram-no por acordo e cumpriram a lei vigente.
19ª - O princípio constitucional que consagra o direito do trabalhador à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade...de forma a garantir uma existência condigna, FOI ACAUTELADO pois o trabalhador a quem foi reconhecida a qualidade de “Responsável” passou a ter uma equipa mais pequena (metade dos operários que anteriormente chefiava) sendo-lhe garantida a remuneração a que tinha direito e permitido ainda a realização de algum trabalho extraordinário que equilibrou a sua remuneração.
20ª - O empregador público sempre pagou pontualmente a remuneração ao trabalhador em cumprimento da lei e em correspondência com as funções desempenhadas.
21ª - O Município não violou O art° 71° do RCTFP (Lei 59/2008 de 11/09 em vigor à data dos factos) pois informou de imediato o trabalhador sobre a sua nova situação após a anulação do concurso inicial de encarregado através de Nota Interna; Se por mera hipótese o Recorrente pretende referir-se ao art° 71° da LTFP anexa à Lei 35/2014 de 20/06 (que não vigorava à data dos factos) refira-se que esse princípio “pagar pontualmente a remuneração que deve ser justa e adequada ao trabalho” foi igualmente cumprido pelo Município conforme já foi supra demonstrado.
22ª - Ainda que as orientações do trabalho caibam à entidade empregadora, é óbvio que o Recorrente se não concordava com o exercício das funções de “Responsável de Equipa” que lhe foram propostas informalmente, poderia de imediato recusá-las ou, se lhe fossem impostas impugná-las, o que não fez contribuindo assim para o arrastar do alegado “dano” enquanto lhe foi conveniente, (entre Maio/2008 e Abril 2011 nada disse!)
23ª - O empregador público não podia pagar ao Recorrente a remuneração de Encarregado quando na verdade este detinha a categoria de Operário Principal- Pedreiro, pois não havia base legal para esse pagamento.
24ª - A conduta do Município foi lícita, cumprindo a Lei, e pagando ao Recorrido a remuneração que era justa e adequada às tarefas e funções que exercia, funções essas que foram mesmo exercidas no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.
As orientações do Município não contrariaram nenhuma disposição legal nem os bons costumes (praxis existente em que determinados trabalhadores em funções públicas com mais capacidade e antiguidade assumem tantas vezes a função de “Responsável” por equipa da sua área profissional) (art° 340° Código Civil).
25ª - A douta Sentença recorrida só podia decidir como decidiu, após ponderação da prova produzida e face à Lei vigente; Não houve qualquer erro ou violação do art° 59° da CRP pois constatou-se que o trabalho do Recorrido “foi devidamente retribuído, segundo a quantidade, natureza e qualidade...” sendo as funções desempenhadas cumpridas mediante a vontade consentida do Trabalhador;
26ª - O art° 71° n° 1 b) e 144° n° 2 do RCTFP (Lei 59/2008 de 11/09 em vigor à data dos factos) cujo incumprimento é alegado pelo Recorrente, não tem aplicação ao caso concreto;
Se, por mera hipótese o Recorrente pretende referir-se ao art° 71° n° 1 b) e 144° n° 2 da LTFP anexa à Lei 35/2014 de 20/06 (que não vigorava à data dos factos) refira-se que esses princípios foram ainda assim cumpridos pois o princípio “salário igual para trabalho igual” foi acautelado; Aliás se já vigorasse à data dos factos esta LTFP então o próprio art° 81° (exercício de funções afins) permite “...a atribuição ao trabalhador de funções afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional
27ª - Também o art° 340° n°s 1 e 2 do Código Civil foi devidamente aplicado na sentença recorrida pois “o ato lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão”’, E, não há dúvidas nem as houve para o Tribunal que o Recorrido tudo fez para garantir o respeito e dignidade do Recorrente, que sempre aceitou as soluções que lhe foram propostas por serem efetivamente as legalmente possíveis e em nada prejudicarem o Recorrente.
Pelo exposto conclui-se que deve ser julgado improcedente este recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 23 de outubro de 2018.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 27 de novembro de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas no Recurso, sendo que o seu objeto se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, de modo a verificar se, como invocado, a Sentença Recorrida padece de vícios de violação de lei e de erro de julgamento.

III – Fundamentação de Facto
Foi fixada a seguinte matéria de facto dada como provada:
1. Em 13 de fevereiro de 2007, e subscrito documento timbrado da "Câmara Municipal de Coruche", denominada de "Ordem de Serviço n.° 12/2007", onde consta:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos - paginação eletrónica)
2. Em de 2, 7, 13, 14, 16, 21, 28, 29 de janeiro de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
3. A 11 de janeiro de 2008 é subscrito documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche. Documento Interno. Divisão de Obras e Equipamentos", com assunto "classificação de funcionários, Ano de 2008 - Notadores", onde consta:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 214 e segs dos autos - paginação eletrónica)
4. Em 4, 6, 11, 18, 20, 21, 25 e 26 de fevereiro de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
5. Em de 6, 10, 11, 13, 27 de março de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
6. Em 1, 11, 14, 21, 28, 29, de abril de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
7. Em 2 de maio de 2008 é subscrito documento timbrado de "Município de Coruche- secção de gestão de processos", onde consta, em especial:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos - paginação eletrónica)
8. Em 2, 5, 6, 14, 19 de maio de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
9. Em maio de 2008 é emitida "ordem de serviço n.° 22/2008", onde consta em especial:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 214,217 e 466 e segs dos autos - paginação eletrónica)
10. Entre maio de 2008 e julho de 2010, A…. continuou a ser visto pela entidade empregadora e pela generalidade dos trabalhadores do Município de Coruche como "encarregado", tratamento que aceitou, continuando a comportar-se, igualmente como "encarregado";
(Facto Provado por prova testemunhal e por confissão)
11. Em 2, 3, 16, 23 de junho de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
12. Consta de documento timbrado de "Município de Coruche – Câmara Municipal. Lista de avaliados. Ano: 2008", onde consta:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 214,217 e 466 e segs dos autos - paginação eletrónica)
13. Consta de documento subscrito pela Chefe de Divisão Administrativa e de Desenvolvimento Social do Município de Coruche, denominado de "Relação de Trabalho Extraordinário entre maio de 2008 e julho de 2010, referente a A......., designadamente:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 62 e segs dos autos - paginação eletrónica)
14. Em 3, 21, 23 de julho de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
15. Em 6 e 18 de agosto de 2008 é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
16. Em 1, 23, 24,26, de setembro, em 1, 6, 13, 20, 22, 23 de outubro, em 3, 7, 10, 17, 24, 26, 27, 28, de novembro e em 29, 31 de dezembro de 2008, é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica)
17. Consta de documento timbrado de "Município de Coruche - Câmara Municipal. Lista de avaliados. Ano: 2009", onde consta:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 214,217 e 466 e segs dos autos - paginação eletrónica)
18. Em janeiro, março, abril, maio, junho, julho, setembro e outubro 2009, é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica e fls 477 a 494 do suporte físico do processo)
19. A 30 de abril de 2009 é subscrito documento timbrado de "Município de Coruche. Câmara Municipal", denominado de "Ordem de Serviço n.° 16/2009", onde consta em particular:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 214,217 e 466 e segs dos autos - paginação eletrónica)
20. Em janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e dezembro de 2009, é subscrito pelo autor documento timbrado de "Câmara Municipal de Coruche", denominado de "Comunicação do Encarregado";
(Facto Provado por documento, a fls 658 e segs dos autos - paginação eletrónica e fls 495 a 524 do suporte físico do processo)
21. Um janeiro de 2010 é subscrito documento timbrado de "Município de Coruche. Câmara Municipal", denominado de "Ordem de Serviço n.° 05/2010", onde consta em particular:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 214,217 e 466 e segs dos autos - paginação eletrónica)
22. Consta de documento timbrado de "Município de Coruche - Câmara Municipal. Lista de avaliados. Ano: 2010", onde consta:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 214,217 e 466 e segs dos autos - paginação eletrónica)
23. A 9 de julho de 2010 é subscrito documento denominado de "Ata de Negociação de Posição Remuneratória 1 Posto de Trabalho na Carreira de Assistente Operacional, Categoria de Encarregado Operacional", onde consta em particular:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos - paginação eletrónica)
24. Consta de documento subscrito pela Chefe de Divisão Administrativa e de Desenvolvimento Social do Município de Coruche, denominado de "Relação de Trabalho Extraordinário entre agosto de 2010 e ano de 2013, referente a A......., designadamente:
(Dá-se por reproduzida a formula fac-similada constante da decisão de 1ª Instância)
(Facto Provado por documento, a fls 134 e segs dos autos - paginação eletrónica)
25. A 15 de abril de 2011 no registo biográfico de A....... no Município de Coruche, onde consta, em particular "... Em 13/01/1997, por despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal (ordem de serviço n.0 3/97) passa a exercer as funções de encarregado [...] Em 4/09/1997 aceita a nomeação na categoria de encarregado de operário qualificado, escalão 1, na sequência de concurso interno geral de acesso [...] Em 1/01/2001 progride para o escalão 2 da mesma categoria de encarregado. Em 07/10/2003, por despacho do vereador com competência delegada (ordem de serviço n.0 82/03) é considerado encarregado responsável pelo serviço de obras e serviço de viação, sendo aí referidos todos os trabalhadores que ficaram a seu cargo num total de 31. Em 01/02/2004 progride para o escalão 3 da mesma categoria de encarregado. Em 12/02/2007, por despacho do vereador com competência delegada (ordem de serviço n.0 12/2007) é considerado encarregado responsável pelo serviço de obras, serviço de oficinas (carpintaria) e serviço de viação, sendo aí referidos todos os trabalhadores que ficam a seu cargo num total de 28. Em 30/04/2008 estava posicionado na categoria de encarregado, escalão 3, índice 295, a que correspondia a remuneração base de € 984,15. Em 2/05/008, na sequência do processo n.0 04509/00 - Acórdão de 27/03/2008 do Tribunal Central Administrativo do Sul foi posicionado na categoria de operário qualificado (pedreiro), considerando-se no escalão 4, índice 238. [...] Em 2/05/2008, por despacho do vereador com competência delegada (nota interna n.0 644/2008) regressa às funções de operário principal da carreira de pedreiro, na sequência do processo supra referido [...] Em 02/05/2008 é posicionado na categoria de operário principal, carreira de pedreiro, escalão 4, índice 238 a que correspondia a remuneração base de € 793, 99. Em 01/01/2009 transita para a categoria de assistente operacional (pedreiro), posição remuneratória intermédia 7/8, nível 7, a que correspondia a remuneração base de € 817,01. Em 01(08/2010 passa à categoria de encarregado operacional com contrato em funções públicas por tempo indeterminado na sequência de procedimento Concursal, sendo posicionado na 4.a posição remuneratória, nível 11, correspondente à remuneração base de € 995, 51. [...]".
(Facto Provado por documento, doc 2 junto à PI)”

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) Facto Voluntário, Ilicitude e Culpa
A ilicitude é definida no artigo 9.° no Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado (adiante designado abreviadamente RREE), aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro. O n.° 1 do preceito assimila a ilicitude à ilegalidade ("consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinja regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos").
O primeiro aspeto a salientar é que o legislador não distingue entre ilegalidade internas ou materiais e ilegalidades externas, procedimentais formais ou orgânicas. As primeiras afetam o conteúdo do ato jurídico, enquanto as segundas apenas inquinam aspetos externos do mesmo, relativos à competência do respetivo autor, às formalidades procedimentais e à própria forma.
Bom, em todo o caso, alguma doutrina tem entendido que as ilegalidades meramente formais não preencheriam, por isso, o conceito de ilicitude, mas apenas as ilegalidades das quais resultassem violação de direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros. Neste sentido, estaria em causa um problema de causalidade adequada: se a Administração pode substituir o ato ilegal por um ato de conteúdo idêntico, isso consubstancia uma situação de relevância negativa da causa virtual, afastando o dever de indemnizar.
Aparentemente, o legislador foi, pelo menos em parte, sensível a estes argumentos, uma vez que, apesar de equiparar ilegalidade e ilicitude, fez depender a verificação desta última da violação de disposições normativas e de regras técnicas ou deveres de cuidado, desde que resulte ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Não parece, no entanto, ser esta a melhor solução. Em primeiro lugar, devido a um argumento estritamente literal, decorrente do disposto no artigo 128.°, n.° 1, alínea b), in fine do CPA em vigor à época. Este preceito, apesar de atribuir eficácia retroativa aos atos administrativos que dão execução a decisões judiciais, exclui essa retroatividade se os atos forem "renováveis", ou seja, se o seu conteúdo for repetível, o que acontece exatamente quando o ato padece apenas de vícios externos. Isto retira relevância à causa virtual, pelo menos relativamente aos danos produzidos no período que decorre entre a prática do primeiro e do segundo ato. Em segundo lugar, no plano axiológico, o princípio da legalidade impõe que todas as ilegalidades se traduzam numa atuação ilícita, enquanto conduta antijurídica e contrária ao Direito, não havendo nenhum valor ou princípio geral do direito administrativo que justifique afastar a ilicitude nesses casos.
Isso mesmo entendeu o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.° 154/2007, proferido no Processo n.° 65/02, de 2 de Março de 2007, no qual decidiu "...julgar inconstitucional, por violação do princípio da responsabilidade extracontratual do Estado, consagrado no artigo 22º da Constituição, a norma constante do artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967, interpretada no sentido de que um ato administrativo anulado por falta de fundamentação é insuscetível, absolutamente e em qualquer caso, de ser considerado um ato ilícito, para o efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito...".
A argumentação do Tribunal Constitucional passa pela afirmação de que não é compatível com o artigo 22.° da CRP afastar-se a responsabilidade extracontratual do Estado com o fundamento de que não se verifica o pressuposto da ilicitude do ato quando está em causa um vício de falta de fundamentação (ou seja, um vício de natureza formal). Efetivamente, se o objetivo do preceito constitucional é garantir que os particulares são ressarcidos pelos danos causados por atos ilegais praticados pelos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, essa função reparadora é posta em causa se se excluir a responsabilidade nestes casos.
Na verdade, a relevância do comportamento alternativo lícito - no caso, a renovação do ato com igual conteúdo - implicaria a demonstração cabal de que a Administração Pública atuaria da mesma forma sem aquele ilícito. Por isso, a atuação administrativa posterior à anulação ou declaração de nulidade do ato não pode ser um fator determinante para indagar qual teria sido conteúdo do ato se a ilegalidade (externa) não tivesse ocorrido.
Finalmente, a exigência de que a ilegalidade ofenda direitos ou interesses legalmente protegidos para ser equiparada à ilicitude pode traduzir-se, na prática, na confusão entre ilicitude e dano.
Como refere VIEIRA DE ANDRADE, a violação de normas, jurídicas ou técnicas, corresponde a uma "ilicitude de conduta" e a violação de direitos e interesses a uma "ilicitude de resultado", sendo que esta última acaba, por sua vez, por se confundir com a própria ideia de dano.
A demonstração de que a atuação administrativa implicou a ofensa de posições jurídicas subjetivas de terceiros equivale, na prática, à verificação da existência de um dano na respetiva esfera jurídica4. Ora, uma ilegalidade que não provoque danos não deixa de ser ilícita, falta é esse outro pressuposto da responsabilidade extracontratual.
Ainda a propósito da definição de ilicitude estabelecida no n.° 1 do artigo 9.° do RREE, não pode deixar de se ter em conta o Direito da União Europeia5, enquanto parâmetro de atuação administrativa. Estranha-se a referência expressa nesta lei ao Direito da União Europeia, na redação do n.° 2 do artigo 7.° introduzida pela Lei n.° 31/2008, de 17 de julho. A remissão para os requisitos da responsabilidade civil extracontratual definidos pelo direito comunitário resulta da necessidade de dar execução a uma sentença do TJUE através do qual este Tribunal condenou o Estado português por violação da Diretiva "Recursos" - Diretiva n.° 89/665, do Conselho, de 21 de dezembro de 1989 - (Acórdão de 14 de outubro de 2004, proferido no Processo n.° C- 275/0314). Mas, na verdade, a referência expressa ao Direito da União Europeia é, todavia, dispensável se tivermos em atenção que essas normas fazem parte integrante da ordem jurídica nacional e, portanto, do bloco de legalidade que serve de parâmetro à atuação administrativa para efeito de verificação de uma ilegalidade e consequente ilicitude.
Sendo assim, a alteração introduzida no n.° 2 do artigo 7.° pode afigurar-se até contraproducente, por permitir uma interpretação a contrario sensu, segundo a qual nos restantes casos as regras de Direito da União Europeia não são aplicáveis.
Vamos aos autos.
Tendo em atenção os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual do Estado, temos desde já de apurar, em primeiro lugar, se o facto voluntário (que pode corresponder de ações ou omissões, ou seja, a um dever de agir, ocorrendo uma ação omitida) invocado é ilícito, ou seja, saber se existe um desvalor formulado pela ordem jurídica, se houve violação do bloco de juridicidade e legalidade, designadamente se houve violação de algum dever jurídico, conforme estabelece o n.° 1 do artigo 9.° do RRCEE.
Está provado que por força da anulação do concurso que permitiu a nomeação do autor na categoria de encarregado, em 4 de setembro de 1997, pelo Acórdão do TCA Sul, de 27 de março de 2008 - processo n.° 04509/00 - o réu foi obrigado a recolocar o autor na carreira de pedreiro, categoria de operário qualificado, escalão 4, índice 238, deixando de ser encarregado (Facto Provado 25.).
Está provado que essa recolocação na sua anterior categoria de operário qualificado ocorreu em maio de 2008 (Facto Provado 25.), bem como consta do probatório que desde essa data e apesar de tal recolocação formal, o réu o manteve a desempenhar de facto as funções de encarregado (Factos Provados 7., 9., 10., 12., 19., 21., 22.).
Ora, com a entrada em vigor da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, o regime da nomeação deixou de ser a única forma de constituição da relação jurídica de emprego público, passando a poder constituir-se também quer por contrato em funções públicas quer por comissão de serviço.
O contrato administrativo de provimento é abandonado, sendo o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado o modo primordial de constituição da relação jurídica de emprego público e de acesso às carreiras de pessoal. Segundo o artigo 39.° da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, o regime de carreiras está reservado a trabalhadores de relações de emprego público constituídas por tempo indeterminado. Já o artigo 40.° refere quais os trabalhadores que integram nas carreiras: trabalhadores nomeados definitivamente e os contratados por tempo indeterminado.
Apesar da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, não referir a noção de carreira, a sua noção segue a já defendida no regime anterior, consistindo num conjunto hierarquizado de categorias às quais correspondiam funções da mesma natureza a que os funcionários tinham acesso de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional (Decreto-Lei n.° 248/85, de 15 de julho, artigo 4.°/1). Embora o regime de carreira se mantivesse, a Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, doravante LVCR, estabeleceu, em particular, uma aproximação ao modelo de emprego através de elementos característicos tais como: a introdução do conceito de posto de trabalho e o ingresso sem qualquer relação jurídica antecedente, bem como a possibilidade de negociação da remuneração.
Mas quando entrou em vigor a denominada LVCR?
A maioria das disposições da lei que aprova os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas - Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (LVCR) - produz efeitos na data de entrada em vigor do RCTFP - 1 de Janeiro de 2009 (cfr. n.° 7 do artigo 118.° da LVCR), em particular o regime de carreiras (artigos 39.° a 45.° e 49.°).
Assim, ainda é aplicável à data do ato lesivo (maio de 2008) o Decreto-Lei n.° 248/85, de 15 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.° s 353-A/89, de 16 de outubro, 404-A/98, de 12 de dezembro, e 412/98, de 30 de dezembro.
Ora, consta do Anexo ao Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 12 de dezembro que as funções destinadas a um operário qualificado não são iguais às atribuídas a um encarregado, bastando ler a epígrafe do artigo 16.° deste diploma legal que classifica a categoria de encarregado como sendo de chefia do pessoal operário.
Aliás, resulta do disposto no artigo 16.°/1, alínea b) do Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 12 de dezembro, que só poderá ser criado um lugar de encarregado quando se verifique a necessidade de dirigir e controlar pelo menos 20 profissionais das carreiras de operário qualificado e semiqualificado. Ainda dispõe o n.° 2 deste mesmo normativo que quando nas carreiras de operário qualificado e semiqualificado se verificar a impossibilidade de criar os lugares de encarregado por não estarem preenchidos os requisitos da alínea b) do número anterior, e for necessário assegurar o exercício de funções de chefia, ao operário principal ou operário, consoante se trate da carreira de operário qualificado ou semiqualificado, designado para o exercício das mesmas é atribuída a remuneração correspondente aos índices 255 e 240, respetivamente.
Na verdade, determina o artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 248/85, de 15 de julho, em vigor, que são de natureza executiva manual ou mecânica, enquadrados em diretivas bem definidas funções de execução.
Em resultado da diferença de funções, a remuneração não poderia ser, naturalmente, igual, já que o princípio a trabalho igual salário igual impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes.
São pressupostos do princípio "a trabalho igual, salário igual", a identidade de natureza da atividade e a igualdade do tempo de trabalho. A Constituição não fica por aqui. Na alínea a) do artigo 59.° é proclamado o princípio da igualdade do tratamento retributivo, ou o comummente conhecido "trabalho igual, salário igual".
Este princípio diz que devem ser retribuídos da mesma forma os casos que têm a mesma quantidade e qualidade de trabalho, da mesma natureza, sem existir qualquer discriminação entre os trabalhadores que não resulte da sua categoria profissional, tarefas executadas, rendimento e qualidade de execução, e outros aspetos atendíveis e justificáveis.
O princípio da igualdade (cfr. artigo 13.° da C.R.P.), desenvolvido no artigo 59.°/1 da mesma C.R.P., reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
O princípio do trabalho igual, salário igual, corolário daquele, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, só existindo violação do princípio quando a diferenciação salarial assente em critérios apenas subjetivos.
Tal significa que a manutenção do autor a exercer funções de encarregado, remuneradas no Anexo ao Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 12 de dezembro, logo no escalão 1 pelo índice 260, em vez de ser remunerado como operário qualificado que, no escalão 1, era remunerado pelo índice 195 e, no escalão em que o autor já se encontrava, era remunerado pelo índice 230.
Pois bem, a manutenção do autor a exercer funções de chefia, como encarregado, portanto, melhor remuneradas, quando apenas era operário qualificado, e que, por isso, não deveria ter funções de chefia, correspondeu a uma decisão do réu ilegal e que lhe trouxe um enriquecimento ilícito e um prejuízo para o autor.
Mas pergunta-se: existirão causas de exclusão da ilicitude ou causas concorrentes para a produção do dano?
Pois bem, ao consentir na lesão danosa é o próprio lesado que valora juridicamente a sua vontade dispositiva, dotando-a de um sentido legitimador da lesão efetiva de interesses seus, o que resta, em razão disso, por excluir a ilicitude do facto causador do dano.
O consentimento do lesado como causa de exclusão da ilicitude, em Portugal, encontrou tratamento no Código Civil de 1966, em seu artigo 340.°, o qual estatui que "...o ato lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão...".
Esta disposição legal absorve a assunção de risco pelo lesado, tratando-se de uma clara possibilidade de limitação voluntária de um direito de personalidade, nos termos do artigo 81.° do CC, desde não contrária à ordem pública, os bons costumes e as imposições legais que sejam aplicáveis. Atento a isso, o artigo 340.°/2 do CC, dispõe que "...o consentimento não exclui, porém, a ilicitude do ato, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes.".
Por outro lado, tal consentimento pode ser expresso ou tácito, conforme permitem as disposições dos artigos 217.° e 219.° do CC. Na verdade, a validade desse consentimento não depende da observância de qualquer forma especial, a menos que a lei a exija.
A exteriorização de tal consentimento é tácito quando, através de comportamentos concretos, se permite retirar uma vontade manifestada indiretamente, segundo as regras da experiência. No fundo, releva que os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, dar tal consentimento. Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles.
Portanto, esta presunção, na declaração tácita propriamente dita, é judicial, sendo-lhe aplicável todo o respetivo regime legal: cabe-nos apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indireto, mas com toda a probabilidade, certa vontade. Efetivamente, as presunções judiciais não são propriamente meios de prova, mas ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (vide artigo 349,° do CC).
Ora, estando provado que desde 2 de maio de 2008 o autor foi recolocado na sua categoria profissional anterior à nomeação como encarregado, entretanto anulada judicialmente, e estando provado que, apesar disso, se manteve a chefiar outros operários e a avalia-los, tal significa que se manteve a exercer funções de encarregado, nos termos previstos no artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 12 de dezembro, nesta precisa data aplicável aos autos (Factos Provados 25., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22.), sendo irrelevante se os "chefiados" deixaram de ser 30 e passaram para 15, porquanto sobressaem as funções e não o número de operários sob as suas ordens.
Por outro lado, esse exercício de funções que foi mantido verificou-se por atos concretos do réu, mantendo a indicação do autor como avaliador e tendo isso sido reconhecido pelo próprio chefe direito de A....... que admitiu que o réu o manteve a exercer funções de encarregado (Facto Provado 10.), mas também se confirmou que o autor o aceitou tacitamente, continuando a comportar-se nos mesmos termos que antes da anulação do concurso que lhe permitiu ser nomeado encarregado, sobretudo contribuindo para avaliar operários (Factos Provados 1., 3., 7., 9., 12., 17., 19., 21., 22), bem como continuando a fazer as denominadas "comunicações de encarregado" nos mesmíssimos termos que fazia antes da anulação do concurso que lhe permitiu ser nomeado encarregado (Factos Provados 2., 4., 5., 6., 8., 10., 11., 14., 15., 16., 18.).
Tais comportamentos do lesado permitem ao Tribunal concluir que este consentiu na lesão, aceitando tacitamente tal indicação ilegal como encarregado e continuando a exercer tais funções, sem receber como tal.
Recordamos que a manutenção do exercício dessas funções de encarregado ocorreu desde maio de 2008 e a presente ação apenas entrou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria já no ano de 2011, ou seja, depois de todo o período em que ocorreu a lesão aqui alegada, mantendo o autor durante a lesão comportamentos que indiciam o seu consentimento e acordo.
Tal significa que se verifica uma das causas de exclusão da ilicitude, como acima melhor explicitamos: o consentimento do lesado.
De resto, e distinguindo o consentimento do lesado com a culpa do lesado, ainda podemos acrescentar que sempre se verificaria esta concorrência de culpas prevista no artigo 570.° a 572.° do CC, pois que o lesado, aqui autor, por omissão, contribuiu para o agravamento da lesão, pois que poderia ter impugnado a decisão do réu de lhe manter as mesmas funções de encarregado, sem receber a retribuição devida por tal desempenho de funções.
Ora, mas verificando-se o referido consentimento do lesado, não há ilicitude e sem ele não se verificam os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Poderes Públicos que lhe imporia o dever de indemnizar.
Em síntese, a figura do consentimento do lesado vem associada ao brocado latino in volenti non fit iniuria. Segundo este, a invasão da esfera jurídica alheia pelo autor da ação supostamente danosa, desde que por ele consentida, seria lícita, afastando pressuposto indispensável do dever de indemnizar, qual seja, a ilicitude.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância, julgar improcedente a presente ação.

Vejamos:
Vem o Autor Recorrer da decisão de 1ª Instância que julgou improcedente a Ação que interpusera tendente a ser indemnizado, por danos patrimoniais e não patrimoniais em resultado da anulação jurisdicional do Concurso por via do qual o havia provido como Encarregado, tendo o tribunal a quo entendido que existiu consentimento do lesado, enquanto exclusão da ilicitude, na continuidade do exercício de funções de chefia após maio de 2008, sem a correspondente remuneração.

Refere-se na Sentença Recorrida que “verificando-se o consentimento do lesado, não há ilicitude e sem ele não se verificam os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil do Estado e demais Poderes Públicos que lhe imporia o dever de indemnizar. ”

O que está aqui em causa singelamente na presente Ação Administrativa Comum é o período que medeia entre maio de 2008, momento em que o tribunal anulou o controvertido concurso, e 1 de agosto de 2010, data em que o trabalhador voltou a ser provido como Encarregado, pois que, perante a anulação daquele, o Autor, aqui Recorrente foi recolocado na categoria operária que anteriormente detinha (Operário Principal - Pedreiro).

Efetivamente, o aqui Recorrente em decorrência de ulterior procedimento concursal veio a ser novamente provido como Encarregado em 1/8/2010 na 4ª posição remuneratória.

No referido período intermédio, foi consensualmente o trabalhador mantido a exercer funções informais de chefia, mas já de uma equipa de 13 trabalhadores, sendo que é o próprio artigo 16.°/1, alínea b) do Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 12 de dezembro, que define que só poderá ser criado um lugar de encarregado quando se verifique a necessidade de dirigir e controlar pelo menos 20 profissionais das carreiras de operário qualificado e semiqualificado, estando o número de trabalhadores que passaram a ser “chefiados” pelo Recorrente aquém daquele número (13), em face do que sempre inexistiria a necessidade de uma chefia institucional e formal.

O exercício consensual das referidas funções de chefia tinham como contrapartida o facto do Recorrente não estar a desempenhar as suas funções de pedreiro, certamente fisicamente mais exigentes, e de manter um posicionamento funcional para com os demais colegas, como chefia, mitigando a situação reclamada de "vexame" de uma despromoção”,

Acresce que o aqui Recorrente nunca em tempo impugnou a situação de chefia de facto que lhe foi atribuída, antes a tendo aceitado, até pelas razões já aduzidas, só tendo intentado a presente Ação quando já retornara de facto e de direito às funções de Encarregado.

Em bom rigor veio o aqui Recorrente intentar a presente Ação Administrativa Comum, quando a impugnação do ato lesivo que reclama se mostrava já ininpugnável, por intempestividade, sendo que é o próprio Artº 38.º do CPTA na versão então aplicável que refere expressamente no seu nº 2 que “(…) a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.

Aqui chegados, os danos peticionados pelo Autor, aqui Recorrente. no período de Maio 2008 a julho 2010 não podem ser acolhidos, nomeadamente, por este, nesse período, não ter exercido funções como Encarregado, mas meramente funções de chefia de facto, com um universo de trabalhadores sob a sua supervisão inferior àquele que justificaria a criação de um lugar de Encarregado, ao que acresce que as funções desempenhadas o foram em decorrência do consensualizado pelas partes, não tendo a situação sido objeto de impugnação, em tempo,

Assim, ainda que com argumentação nem sempre coincidente, entende-se não merecer censura o sentido da decisão proferida em 1ª Instância, por se não mostrarem integralmente preenchidos os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual, como se concluiu na sentença Recorrida, não se verificando os imputados vícios de violação de lei e de erro de julgamento.
* * *

Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, Subsecção Social, do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional interposto, mantendo-se o sentido da Sentença Recorrida, julgando-se improcedente a Ação.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 25 de janeiro de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco

Carlos Araújo

Pedro Figueiredo