Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10024/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/11/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:TOMADA DE POSSE EM CARGO ELEITO, ERRO NA FORMA DE PROCESSO, INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
Sumário:I. O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal a que só é legitimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, ínsito no artº 2º, nº 2 do CPC, e de acordo com os pressupostos materiais previstos no nº 1 do artº 109º do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja protecção se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, inclusive segundo o disposto no artº 131º do CPTA.
II. Estando em causa a tutela do direito à tomada de posse no cargo para que o requerente foi eleito, assim viabilizando o seu respectivo exercício de funções, a qual se encontra agendada para certa data próxima, mostra-se meio processual próprio e adequado, a presente intimação, prevista e regulada nos artºs 109º e seguintes do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 27/02/2013 que, no âmbito do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, instaurado contra a Universidade da Beira Interior, rejeitou liminarmente a intimação por erro na forma do processo e impossibilidade de convolação no meio processual urgente de contencioso eleitoral.

Formula o aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 97 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“I. A douta sentença proferida omitiu os fundamentos e pressupostos que, a levaram a considerar ser de aplicar ao caso dos autos a aplicação de outra forma de processo, designadamente, o previsto para o contencioso eleitoral, regulado nos artigos arts. 97.º e segs. do CPTA.

II. De facto, e da leitura da mesma, apenas se conclui que Meritíssima Juíza a quo, presumiu, sem mais, que o acto para o qual se requereu a intimação - dar posse ao Requerente no dia 01/03/2013 como membro do Conselho Geral da Requerida - se incluía no âmbito dos actos impugnáveis por tal meio processual.

III. Ao decidir como decidiu, presumiu-se, ab initio, que o acto em apreço, estaria incluído, no âmbito de aplicação do meio processual adequado à impugnação de actos eleitorais, não se tendo fundamentado quais as razões, de facto ou de direito, que levaram a considerar que tal acto se subsumia aos actos abrangidos pelo contencioso eleitoral, mesmo em face da evidência do referido processo eleitoral se encontrar concluído e findo.

IV. Não tendo havido nenhuma deliberação do órgão para o qual foram realizadas as eleições em causa, nem nenhuma deliberação da comissão eleitoral competente que alterasse os resultados homologados, não poderia o Recorrente utilizar qualquer outro dos meios preventivos e urgentes previstos na Lei Processual Administrativa.

V. Tal ausência de fundamentos, de facto e de direito, consubstancia a nulidade da mesma, nos termos do disposto no art.º 668.º, n.º 1, b) do CPA aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA.

VI. Nos recursos de contencioso eleitoral podem, efectivamente, ser apreciados todos os actos relativos à preparação, realizações ou consequentes do acto eleitoral, mas apenas aqueles que são praticados pela entidade organizadora da eleição.

VII. Não sendo, no entanto, aplicável tal meio processual, a quaisquer outros actos praticados por qualquer outro órgão ou, nomeadamente, como no caso dos autos, pelo dirigente cessante do órgão para o qual foi realizada a eleição.

VIII. Efectivamente, é manifesto que, ao proferir tal decisão, não se atentou ao facto de, no âmbito do respectivo processo eleitoral, já terem sido homologados e publicitados, os respectivos resultados e declarados os membros eleitos, quer pela entidade organizadora quer pelo dirigente competente e responsável para o efeito – a respectiva comissão eleitoral e o Magnifico Reitor da Universidade requerida.

IX. Em face da homologação e publicitação dos resultados da eleição, dos quais consta, expressamente, o nome do Recorrente, como membro eleito em representação dos estudantes, e tendo sido, inclusivamente, o Recorrente notificado para um primeiro acto de tomada de posse, agendada para o efeito, impunha-se que o Presidente cessante do referido Conselho Geral cumprisse o que, legítima e democraticamente, foi decidido em eleições, ou seja, que empossasse todos os membros eleitos, nos quais se inclui o ora Recorrente.

X. Sendo que, a recusa de tal dirigente em conferir, ao ora Recorrente, a posse do cargo para o qual foi eleito, é uma violação clara e evidente, quer resultados do sufrágio, democrática e regularmente, obtidos e definitivamente, homologados, quer dos direitos fundamentais do Recorrente, expressamente indicados, no requerimento inicial.

XI. A douta Sentença recorrida, ao não atentar a todos os factos alegados, designadamente, no que se refere à homologação e publicitação dos resultados, lavrou em erro, considerando que o processo eleitoral ainda não estaria concluído.

XII. O acto de tomada de posse, objecto da intimação requerida, é o mero acto formal de investir nos cargos e funções respectivas, os elementos que foram eleitos, e tem de obedecer ao estrito cumprimento dos resultados que foram homologados, sendo, dessa forma, um acto executório vinculado e constitutivo dos direitos invocados pelo Requerente, que não pode ser alterado base numa mera decisão discricionária de quem tem o poder/dever de o realizar.

XIII. Sendo que, em face da recusa do responsável em cumprir tal dever de empossar os membros livre, legal e democraticamente, eleitos, para além de se prestar aos mais diversos abusos de poder, viola os direitos fundamentais de quem foi eleito, que, apenas se poderá evitar através do único meio admissível e adequado a garantir o cumprimento da referida obrigação e assegurar os direitos constitucionais, inerentes à eleição do membro afectado, ou seja, a INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, previsto nos art.ºs 109º e 111º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

XIV. Devendo assim, ser a douta sentença recorrida revogada e, em conformidade, reconhecendo-se que o meio processual utilizado é o único admissível e adequado à sua pretensão, ou seja, à protecção dos direitos fundamentais do Recorrente enquanto membro legal, legitima e democraticamente, eleito para um órgão da sua universidade, e ao estrito cumprimento do Principio Democrático inerente à própria Constituição da República Portuguesa.”.


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A ora recorrida, notificada, apresentou as seguintes contra-alegações (cfr. fls. 123 e segs.):

“A. A douta sentença objecto do presente recurso é correcta tanto na forma como no conteúdo, fazendo uma adequada aplicação do direito à factualidade oferecida.

B. Versando o recurso interposto matéria de direito, o Recorrente devia ter indicado nas conclusões apresentadas qual ou quais as concretas normas jurídicas violadas pelo Tribunal a quo; ao não o ter feito incumpriu o prescrito no artigo 690.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil.

C. O recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é, in casu, o meio processual idóneo.

D. Aliás, o objecto da acção já é, na presente data, materialmente impossível, pois presentemente já decorreu a data em que o ora Recorrente alegou pretender tomar posse: 01.03.2013.

E. A tutela jurisdicional podia ter sido efectivada em tempo útil, designadamente, com recurso à acção administrativa, em conjugação com a acção cautelar, através do pedido de decretamento provisório previsto no artigo 131.º do CPTA.

F. Pré-existe, in casu, para o ora Recorrente uma incompatibilidade subjectiva, na medida em que aquele como Presidente da Associação Académica da Universidade da Beira Interior e, por inerência, membro do Senado da Universidade, não pode, estatutariamente, ser também, em simultâneo, membro do Conselho Geral, o que pretende – cfr. n.º 5 do artigo 12.º dos Estatutos da Universidade da Beira Interior.

G. O vício da incompatibilidade, a manter-se, invalidaria os actos a praticar pelo Conselho Geral, senão pela declaração de nulidade, pela respectiva anulabilidade, pois qualquer deliberação, designadamente a relativa à eleição do Reitor, tomada por aquele órgão colegial, ilegalmente constituído – pelo vício da incompatibilidade de um dos seus membros – poderia ser impugnável.”.

Pede a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 160).

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Nulidade, por ausência de fundamentos de facto e de direito, nos termos da alínea b), do nº 1 do artº 668º do CPC;
2. Erro de julgamento de direito quanto à decisão de procedência da excepção de erro na forma de processo, por ser meio adequado à pretensão, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

Não foram dados como provados quaisquer factos pelo Tribunal a quo.

DE DIREITO

1. Nulidade, por ausência de fundamentos de facto e de direito, nos termos da alínea b), do nº 1 do artº 668º do CPC

Nos termos suscitados pelo recorrente, a decisão recorrida enferma de nulidade, por ausência de fundamentos de facto e de direito.

Sustenta que a decisão omitiu os fundamentos e pressupostos que a levaram a considerar ser de aplicar ao caso outra forma de processo, designadamente, o contencioso eleitoral, regulado nos artºs 97º e segs. do CPTA.

Mais alega que aa leitura da decisão presume-se que o acto para o qual se requereu a intimação – dar posse ao requerente no dia 01/03/2013 como membro do Conselho Geral da requerida – se incluía no âmbito dos actos impugnáveis, através de tal meio processual, não se tendo fundamentado quais as razões, de facto e de direito, que levaram a considerar que tal acto se subsumia aos actos abrangidos pelo contencioso eleitoral, mesmo em face da evidência de o processo eleitoral se encontrar concluído e findo.

Vejamos.

Compulsada a decisão impugnada no presente recurso, denota-se que na mesma não foram dados como provados quaisquer factos, estando, por isso, omissa a respectiva fundamentação de facto.

Porém, visto a decisão recorrida consistir numa decisão de rejeição liminar, tal formalismo de fundamentação da sentença, não será de adoptar, conquanto se consiga extrair da decisão proferida a sua respectiva fundamentação, seja quanto aos pressupostos de facto, seja quanto aos fundamentos de direito.

No caso da decisão sob recurso, a mesma depois de enunciar os fundamentos do pedido, tal como enunciados pelo autor na petição inicial, procedeu à caracterização do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos artºs 109º a 111º do CPTA e ainda à caracterização da excepção de erro na forma de processo.

Após, procedeu à análise da excepção de erro na forma de processo, nos seguintes termos da sua fundamentação, para que se remete:

Na situação dos autos está em causa a intimação da Administração à adopção de uma conduta: dar posse ao Requerente no dia 01/03/2013 como membro do Conselho Geral da Requerida.

Ora, são da competência dos tribunais administrativos seguindo o regime processual previsto nos arts. 97.º e segs. do CPTA a impugnação dos actos administrativos em matéria eleitoral, integrando o contencioso eleitoral as eleições para órgãos de universidades.

No caso em apreço, a lei prevê um meio processual principal urgente - o contencioso eleitoral previsto nos arts. 97.º e ss do CPTA - para o Requerente reagir contra os actos que foram praticados no âmbito do processo eleitoral para membros do Conselho Geral da UBI e que sustentam a tomada de posse que irá ter lugar no dia 01/03/2012. Aliás, o legislador ao prever este meio processual entendeu que os direitos de participação política estão cabalmente assegurados, atribuindo, assim, carácter urgente àquele meio.

Assim, o Requerente ao socorrer-se do presente pedido de intimação incorreu na utilização de forma processual inadequada, já que a urgência que reclama está assegurada através do contencioso eleitoral.”.

Em face do exposto, é pois possível ficar a saber com base em que factos e em que razões de direito se alicerçou a decisão recorrida para decidir como decidiu.

Nos termos do nº 1 do artº 205º da CRP e do nº 1 do artº 158º do CPC, a decisão judicial deve ser motivada, através da exposição dos fundamentos de facto e de direito, pelo que a fundamentação das decisões judiciais é um dever constitucionalmente consagrado.

Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b), do nº 1, do artº 668º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Por outras palavras, uma decisão judicial apenas é nula quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação, pois a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade – art.ºs 666º nº 3 e 668º nº 1 al. b), do CPC; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, Coimbra, 1984 (reimpressão), pág. 140 e acórdão do STA, de 11/09/2007, recurso 059/07.

Assim, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito, pois que a simples insuficiência ou incompletude da motivação ou o erro de fundamentação é espécie diferente e podendo afectar o valor da sentença, mediante a sua revogação em recurso jurisdicional, não produz a sua nulidade.

No caso, dado estar em causa uma decisão liminar, que julga procedente a excepção de erro na forma de processo, não conhecendo do mérito da causa, mostra-se suficiente a fundamentação de facto e de direito, que foi adoptada, não se mostrando violados os preceitos legais que exigem o dever de fundamentação do julgado.

Porém, assim sendo, não enfermando a decisão recorrida da nulidade invocada, não significa que não possa enfermar do erro de julgamento que se lhe mostra assacado, mas tal traduzir-se-á em vício diferente do ora analisado.

Em consequência, é de denegar procedência à invocada nulidade da decisão sob recurso.


2. Erro de julgamento de direito quanto à decisão de procedência da excepção de erro na forma de processo, por ser meio adequado à pretensão, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

O julgamento constante da decisão sob recurso, supra expendido, relativo à procedência da excepção de erro na forma do processo, não se pode manter, por se mostrar incorrecto.

O autor vem a juízo instaurar a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, pedindo a intimação da requerida, Universidade da Beira Interior, a empossar o autor no cargo de membro do Conselho Geral da Universidade, para o qual foi eleito.

Alega que é aluno da requerida e que exerce as funções de Presidente da Associação Académica da Universidade da Beira Interior, para as quais foi eleito.

No âmbito da actividade normal da requerida foi desencadeado o processo eleitoral e convocadas eleições para o seu Conselho Geral, tendo o autor apresentado a sua candidatura à referida eleição e sido eleito, como representante dos estudantes.

Para efeitos de tomada de posse, veio o autor a receber comunicação do Presidente do Conselho Geral da requerida que invocou a incompatibilidade para o exercício do cargo para que foi eleito, pois sendo o autor Presidente da Associação Académica da Universidade é, por inerência, membro do Senado, sendo as funções de membro do Conselho Geral incompatíveis com as de membro do Senado, pelo que, para poder tomar posse como membro do Conselho Geral, o autor teria de deixar a presidência da Associação Académica da Universidade.

É contra este entendimento que se insurge o autor, pretendendo a intimação da requerida à sua tomada de posse no cargo para que foi eleito, ao abrigo do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos artºs 109º e segs..

Com base no exposto, é patente, por um lado, que o processo eleitoral para o cargo de membro do Conselho Geral, que ocorreu na Universidade da Beira Interior, está findo e, por outro, que não foi praticado qualquer acto administrativo que possa ser impugnado pelo autor, no âmbito desse processo eleitoral ou em matéria eleitoral.

O contencioso eleitoral que o Tribunal a quo considera ser o meio processual próprio e adequado a tutelar a pretensão jurídica do autor, circunscreve-se aos actos administrativos em matéria eleitoral, que pertençam à jurisdição administrativa.

Tal meio processual mostra-se, pois, adequado à impugnação de actos administrativos que não caibam nas demais disposições legais sobre impugnação de actos administrativos, nele cabendo a impugnação do acto eleitoral, traduzido no procedimento de votação e de apuramento dos resultados, assim como dos actos relativos à inclusão, exclusão ou omissão da inscrição de eleitores ou elegíveis nos cadernos ou nas listas eleitorais.

O acto eleitoral segue um determinado procedimento, enquanto sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à prática do acto final, traduzido no acto eleitoral, aquele que põe termo ao procedimento eleitoral.

No caso configurado em juízo o procedimento eleitoral já se encontra findo, mediante a prática do acto eleitoral, pelo qual o autor foi eleito para o cargo de membro do Conselho Geral.

Além disso, não só esse procedimento se encontra findo, como não foi impugnado, quer administrativa, quer judicialmente.

Assim, não só não está em causa a impugnação de um acto administrativo, como não está em causa a impugnação de um acto administrativo em matéria eleitoral.

A pretensão do autor não se dirige a atacar os pressupostos de validade de qualquer acto praticado no âmbito do procedimento eleitoral, antes aceitando esse procedimento e os actos que nele foram praticados, estando esse procedimento findo, antes pretendendo que a requerida seja intimada a promover e a realizar a sua tomada de posse no cargo de membro do Conselho Geral, para o qual foi eleito.

Tais diligências não se traduzem na imposição à requerida da prática de qualquer acto administrativo, pelo que, a pretensão requerida não se insere no âmbito das pretensões relativas ou conexas com a prática de qualquer acto administrativo.

Está em causa a tutela dos direitos que o autor se arroga, quanto a tomar posse no cargo para o qual foi eleito, pretensão esta que, atenta a sua natureza, se apresenta relativa a direitos, liberdades e garantias ou emergente de direito fundamental análogo, que se encontra ameaçado, e que não se compadece com a tutela provisória ou com o recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, por exigir uma decisão de mérito.

A pretensão que se mostra deduzida em juízo cai, por isso, no âmbito do meio processual usado pelo autor, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, prevista e regulada nos artºs 109º e segs. do CPTA.

Segundo o disposto no nº 1 do artº 109º do CPTA, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias apenas pode ser utilizada quando se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, para assegurar, em tempo útil, um direito, liberdade e garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artº 131º do CPTA.

No caso, é invocado o direito fundamental material análogo aos direitos, liberdades e garantias à tomada de posse no cargo para que foi eleito, direito este de conteúdo normativo determinado e cuja protecção exigirá uma solução definitiva imediata, através de uma sentença, em regra, de condenação.

O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e não um processo cautelar, a que só é legitimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, previsto no artº 2, nº 2 do CPC, e de acordo com os pressupostos materiais previstos no artº 109º, nº 1 do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja protecção seja urgente e que não é possível obter através da instauração de outro meio processual.

Se no caso concreto a tutela da situação jurídica ficar suficientemente assegurada pela propositura de uma acção principal normal e de um processo cautelar, a acção subsidiária urgente, prevista no artº 109º CPTA, será inadequada.

No caso dos autos está em causa a intimação da Universidade da Beira Interior a adoptar as condutas necessárias para que se concretize a tomada de posse do autor, a qual, pela sua própria natureza, não pode ser provisória, isto é, concedida “a prazo”, até que o processo principal que decida o mérito da causa se encontre decidido.

Atento o carácter instrumental e provisório das providências cautelares e decorrente do facto de a tomada de posse no cargo determinar a respectiva investidura e ainda o respectivo exercício de funções, verifica-se que não é possível o decretamento de uma providência cautelar.

Por outro lado, face à invocação de um direito, liberdade e garantia, merecedor de tutela urgente, visto que a tomada de posse dos restantes membros do Conselho Geral eleitos estava agendada para o dia 01 de Março de 2013, conclui-se, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 109º do CPTA, que a forma de processo correcta para a tramitação do presente processo é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Não só está em causa a tutela do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia ou de um direito fundamental análogo, como é caracterizada a urgência nessa tutela definitiva e ainda, que existe a indispensabilidade do meio, na óptica de subsidiariedade da presente intimação judicial, isto é, por serem insuficientes os restantes meios processuais.

Considerando que pretende o requerente a tomada de posse, para permitir o exercício das funções inerentes ao cargo para que foi eleito, não é a tutela cautelar, adequada e idónea e, por maioria de razão, o decretamento provisório de uma providência cautelar apto, a assegurar a plenitude do exercício desse direito.

Termos em que, perante o exposto, procedem as conclusões do recurso em análise, por provadas, enfermando a decisão recorrida de erro de julgamento de direito.


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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal a que só é legitimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, ínsito no artº 2º, nº 2 do CPC, e de acordo com os pressupostos materiais previstos no nº 1 do artº 109º do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja protecção se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, inclusive segundo o disposto no artº 131º do CPTA.

II. Estando em causa a tutela do direito à tomada de posse no cargo para que o requerente foi eleito, assim viabilizando o seu respectivo exercício de funções, a qual se encontra agendada para certa data próxima, mostra-se meio processual próprio e adequado, a presente intimação, prevista e regulada nos artºs 109º e seguintes do CPTA.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida e em julgar meio próprio a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, prevista e regulada nos artºs 109º e seguintes do CPTA.

Custas pela recorrida.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)



(Maria Cristina Gallego Santos)


(António Paulo Vasconcelos)