Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:714/16.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO;
OBJECTO;
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.
Sumário:1. Os embargos de terceiro são o meio processual adequado para fazer a defesa dos direitos de quem for ofendido - na sua posse ou em qualquer direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial - por um acto de aresto, penhora ou outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens (art.º237/1, do CPPT).
2. Efectuado o levantamento da penhora na pendência dos embargos, ocorre motivo de inutilidade superveniente da lide (art.º277/1, do CPC).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

P……, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que nos embargos de terceiro deduzidos na execução fiscal n.º….-2015/…, instaurada contra a sociedade “P...... – Actividades Hoteleiras, Lda.” e, por reversão, contra M….., declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.86).

O Recorrente conclui as alegações assim:

CONCLUSÕES:

A. Vem o presente Recurso interposto da Sentença que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos e para os efeitos dos art.º 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º al. e) do CPPT.

B. De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, encontra-se ancorada na circunstância de: No caso, vinha pedido o levantamento da penhora. Considerando que a atuação do Órgão de Execução, substanciada no despacho de levantamento da penhora a que se referem os “Outros valores e rendimentos – conta bancária”, dá satisfação da pretensão do Embargante, o efeito que esta pretendia obter com o uso do presente meio processual foi obtido através de ato próprio da exequente, na sequência do pagamento voluntário da dívida em cobrança coerciva.”.

C. Concluiu o Tribunal a quo que: “E é assim não obstante o resultado da pesquisa efetuada pelo Embargante no site da instituição bancária na qual se encontra a conta objeto da penhora de “Outros valores e rendimentos – conta bancária”, uma vez que o facto de 25.11.2016 resultar da “Consulta de Carteira” a informação “Nenhum resultado encontrado”, não significa que a penhora não tenha sido levantada, conforme confirmado pela própria instituição bancária, podendo tratar- se, entre outras situações plausíveis, de mero atraso na atualização dos registos. (…)” (negrito nosso)

D. O Recorrente não se conforma com o decidido, porquanto o Tribunal a quo não indagou quem o foi o autor do pagamento voluntário, ou se o mesmo não foi feito à custa da venda das ações do Recorrente.

E. Ora, atente-se ao teor do documento três junto com a Petição Inicial, e que não foi impugnado pela Fazenda Pública, no dia 07/04/2016, pelas 00:43, o Recorrente enviou um e-mail para o endereço eletrónico do Serviço de Finanças de Lisboa-10, requerendo o favor do levantamento imediato da penhora feita na minha conta do Banco B……. efectuada no dia 29 do passado mês com o número 11…../16 proveniente do processo acima citado, conforme informação que me foi dada pela mesma entidade.”

F. Posteriormente, em 05/05/2016, pelo facto de a penhora sobre as 3... ações em causa não ter sido levantada, conforme havia solicitado no e-mail supra identificado, o Recorrente apresentou os Embargos de Terceiro que originaram os presentes autos, peticionando “Nestes termos e nos melhores de direito, em que devem os presentes embargos ser recebidos, julgados procedentes e, em consequência, ser levantada a penhora incidente sobre as ações penhoradas.”.

G. Por sua vez, na Contestação, a Fazenda Pública alega que “Da consulta dos autos de execução fiscal, detetamos que foi extinta a reversão por pagamento na data de 18/07/2016.”

H. Aditou que “Por Despacho de 19/07/2016, da Exma. Sra. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10, foi levantada a penhora, tendo o B…… Banco sido notificado do mesmo.”

I. Concluindo que, “Em face do exposto, é entendimento da Representação da Fazenda Pública, que estão reunidas as causas de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos da aliena e), do artigo 277.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi al.e) do artigo 2.º do CPPT.”

J. Perante o teor da Contestação apresentada pela Fazenda Pública, o Recorrente veio aos autos dizer que, conforme requerimento com referência 0056….., datado de 05/12/2016: “(…) apesar da questão suscitada pela AT, o processo tem de correr os seus termos até que a AT, por sua iniciativa, ou por decisão judicial, promova à devolução das 3... ações cuja propriedade é do embargante.”

K. Posteriormente, em 08/03/2017, o B...., informou o Tribunal a quo, conforme ofício 22…/12 de 02/03/2017, junto aos autos a fls…, de que: “(…) o Banco procedeu ao levantamento da penhora, com o processo de execução fiscal 32…….. e APS do Serviço de Finanças de Lisboa 10 no dia 26.07.2016, em consequência do ofício datado de 22.07.2016 e recebido no Banco em 26.07.2016, e que determinava o levantamento da mesma.”

L. Motivo pelo qual, em 30/03/2017, com vista a escrutinar qual o destino dado às suas ações, uma vez que em virtude do levantamento da penhora, as mesmas dever-lhe-iam ter sido devolvidas, coloca as seguintes questões:“04- Se ainda mantém em depósito as 3… ações de que o embargante é titular referentes à “CTT – Correios de Portugal, S.A.”.05-Na negativa, se foram vendidas. 06- Na negativa, se tais ações passaram para a titularidade de que entidade. 07-Se tais ações foram vendidas, por ordem de quem e em que local se encontra depositado o respetivo valor resultante da venda.”

M. Sucede que, ignorando o requerido, o Tribunal a quo, em 15/05/2017, profere sentença, declarando a inutilidade superveniente da lide, em virtude do pagamento voluntário.

ORA,

N. apesar da execução se encontrar extinta em virtude do pagamento da quantia exequenda, importa aferir quem procedeu ao seu pagamento, uma vez que o Recorrente deduziu “EMBARGOS DE TERCEIRO”, peticionando o levantamento da penhora.

O. Assim, era expetável que após o levantamento da penhora, a Autoridade Tributária procedesse à sua devolução, entregando-as ao Recorrente.

P. No entanto, até à presente data, o Recorrente ainda não reaveu as suas ações.

Q. Pelo que importava aferir, qual o destino que lhes foi dado, porque está em causa o direito de propriedade do Recorrente sobre as 3… ações dos “CTT”.

R. Não se pode aceitar a presunção vertida na sentença sob recurso, segundo a qual E é assim não obstante o resultado da pesquisa efetuada pelo Embargante no site da instituição bancária na qual se encontra a conta objeto da penhora de “Outros valores e rendimentos – conta bancária”, uma vez que o facto de 25.11.2016 resultar da “Consulta de Carteira” a informação “Nenhum resultado encontrado”, não significa que a penhora não tenha sido levantada, conforme confirmado pela própria instituição bancária, podendo tratar-se, entre outras situações plausíveis, de mero atraso na atualização dos registos. (…)” (negrito nosso)

S. O Tribunal a quo, não podia decidir, sem apurar o efetivo destino das ações, como também não podia ter partido de uma presunção, para decidir como decidiu, entendendo que a mensagem que surge com a “Consulta da carteira” de que Nenhum resultado encontrado”, (…) podendo tratar-se, entre outras situações plausíveis, de mero atraso na atualização dos registos. (…)”.

T. Importava assim, que o Tribunal a quo obtive-se resposta à seguinte questão: A Autoridade Tributária ordenou o levantamento da penhora que incidia sobre as 3… ações detidas pelo Recorrente nos “Ctt”, por ter procedido à sua venda e com o seu proveito extinguiu a execução por pagamento, ou em decorrência do pagamento voluntário do Recorrente, da revertida ou da devedora originária?”.

U. O Tribunal a quo, deveria ter apurado quem foi o autor do pagamento da quantia exequenda, se decorreu do pagamento pelo Recorrente, pela revertida, ou pela devedora originária.

V. Ou seja, não pode a Autoridade Tributária, à custa do património do Recorrente, que é ex-cônjuge da revertida e único e legitimo proprietário das ações em causa, ser ressarcida da quantia exequenda.

W. Portanto, o Tribunal a quo, em nome do princípio da tutela jurisdicional efetiva, estava obrigado apurar quem foi o verdadeiro autor do alegado pagamento voluntário.

X. Assim sendo, deveria ter oficiado a notificação do B….., com vista a obter resposta às questões colocadas pelo Recorrente mo requerimento de 30/03/2017, junto a fls…, que visava precisamente indagar qual o destino dado às suas ações.

Y. A sentença a quo efetuou uma errada apreciação da prova junta aos autos, designadamente dos documentos 1 a 4.

Z. Simultaneamente, ignorou o teor do requerimento do Recorrente, datado de 30/03/2017, cujo deferimento era imprescindível para a descoberta da verdade material.

AA. -Assim, deveria ser dado como facto provado, que as 3… ações dos “Ctt”, propriedade do Recorrente não lhe foram devolvidas, e deveria apurar-se a justificação para tal falta da Autoridade Tributária e Aduaneira.

BB. - Face ao exposto, verifica-se a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n° s 4 e 5, 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e 8.º, n.º 2, alínea a), e 9.º da LGT.


Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual

JUSTIÇA!».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legai e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para deliberação.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro ao julgar extinta a instância de embargos por inutilidade superveniente da lide

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«Com vista à apreciação da requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide cumpre atender à seguinte factualidade:

1. O Serviço de Finanças de Lisboa 10 instaurou contra a sociedade “P…….. – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA.” e M…….., esta por reversão, o processo de execução fiscal (PEF) n.º ……-2015/…… para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 2011 – cfr. o PEF apenso.

2. Em 23.03.2016, no âmbito do PEF identificado em A) foi efetuada a penhora n.º …...2016……, de “Outros valores e rendimentos – conta bancária” detidos por M…….. junto do “B…… S.A.”, para o valor de € 7.530,06 – cfr. fls. 43 dos autos.

3. Por despacho de 19.07.2016 foi ordenado o levantamento da penhora identificada na alínea que antecede, com fundamento em pagamento em reversão, tendo a instituição financeira sido notificada por ofício de 20.07.2016 – cfr. fls. 44, 45 e 62 dos autos.

4. Em 22.07.2016 o Banco procedeu ao levantamento da penhora – cfr. fls. 62.

5. Conforme print do site do B……, datado de 25.11.2016, em “Consulta de Carteira”, surge a informação “Nenhum resultado encontrado” – cfr. fls. 57 dos autos.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Não se conforma o Recorrente com a declaração de extinção da instância de embargos por inutilidade superveniente da lide.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, está prevista no artigo 277º, alínea e) do Código Processo Civil, e ocorre, como esclarecem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, p.512, quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida.
A sentença, com base em informação sobre o despacho executivo a ordenar o levantamento da penhora da conta bancária co-titulada pelo embargante e executada e em que se encontravam depositados os activos financeiros, nomeadamente e a saber, as 3… acções dos “CTT – Correios de Portugal, S.A.” a que eram dirigidos os embargos, entendeu que a pretensão do embargante encontrara satisfação fora do esquema da providência pretendida e esse foi o motivo declarado de inutilidade superveniente da lide.
Na sentença, a Mma. juiz recorrida seguiu a seguinte linha decisória:
«No caso, vinha pedido o levantamento da penhora.

Considerando que a atuação do Órgão de Execução, substanciada no despacho de levantamento da penhora a que se referem os “Outros valores e rendimentos – conta bancária”, dá satisfação da pretensão do Embargante, o efeito que esta pretendia obter com o uso do presente meio processual foi obtido através de ato próprio da exequente, na sequência do pagamento voluntário da dívida em cobrança coerciva.
E é assim não obstante o resultado da pesquisa efetuada pelo Embargante no site da instituição bancária na qual se encontra a conta objeto da penhora de “Outros valores e rendimentos – conta bancária”, uma vez que o facto de 25.11.2016 resultar da “Consulta de Carteira” a informação “Nenhum resultado encontrado”, não significa que a penhora não tenha sido levantada, conforme confirmado pela própria instituição bancária, podendo tratar-se, entre outras situações plausíveis, de mero atraso na atualização dos registos.
Conclui-se, do exposto, que se tornou inútil a continuidade da presente lide».

Salienta-se que antes de decidir pela inutilidade da lide, o tribunal recorrido oficiou a entidade bancária depositária dos títulos solicitando informação sobre o cumprimento do despacho executivo de levantamento da penhora, tendo a entidade destinatária confirmado que procedera ao levantamento da penhora referenciada ao processo executivo em causa (cf. fls.62).
E ouviu as partes, nomeadamente o embargante e ora Recorrente. Este pronunciou-se acerca do entendimento do Tribunal a quo de que se verificava uma situação de inutilidade superveniente da lide, em termos discordantes porquanto e, a seu ver, sempre teria o Tribunal a quo que solicitar informação concreta sobre o destino das 3… acções depositadas na conta bancária penhorada, se foram vendidas e, em caso afirmativo, a quem e por ordem de quem (cf. fls.68).

Não obstante, a sentença decidiu pela inutilidade superveniente da lide e em termos que não merecem censura, adiantamos já.
A nosso ver e com o devido respeito, não é de acolher o entendimento do Recorrente quando sustenta que o tribunal recorrido estava obrigado a indagar quem procedeu ao pagamento da dívida e que era expectável que no seguimento do ordenado levantamento da penhora das acções, a AT procedesse à sua devolução, entregando-as ao embargante, aqui Recorrente.
Sobre o primeiro segmento do recurso, não alcançamos que interesse possa resultar para os autos a autoria de quem efectuou o pagamento voluntário da dívida, se a revertida ou se a sociedade devedora originária. Tudo o que desse facto releva para os autos é unicamente o cancelamento da penhora por virtude do pagamento da dívida. Note-se que tendo sido ordenado, na execução, o levantamento da penhora incidente sobre a conta bancária co-titulada (pelo embargante e executada) onde estavam depositados os títulos, não se alcança como o pagamento da dívida da executada poderia ter sido feito com o produto da sua venda.
Já quanto ao segundo segmento do recurso, quando os valores mobiliários escriturais ou titulados, se encontram depositados em intermediário financeiro, caso dos autos, aplicam-se as disposições relativas à penhora decorrentes do n.º14 do art.º780.º do CPC por remissão do n.º3 do art.º223.º do CPPT. Ou seja, não há lugar à apreensão material dos títulos, situação que apenas ocorre, nos termos do art.º774.º do CPC, quando os valores mobiliários titulados, não se encontrem depositados em intermediário financeiro.
Assim, as acções dos CTT depositadas na conta bancária penhorada e objecto dos embargos não podiam ser entregues ao Recorrente, como ele diz ser expectável suceder no seguimento do levantamento da penhora, por não haver apreensão material dos títulos pelo exequente estando os mesmos depositados em instituição de crédito.
Tudo visto, na improcedência dos argumentos apesentados pelo Recorrente, entendemos na linha da sentença, que ordenado na execução o levantamento da penhora da conta bancária onde estavam depositados os títulos e a que são dirigidos os embargos, a pretensão do embargante encontrou satisfação fora do esquema da providência pretendida o que constitui motivo de inutilidade superveniente da lide.
E, note-se por fim, como a sentença não deixa aliás de salientar, da circunstância de o Recorrente em “Consulta de Carteira” no sítio da entidade bancária ter obtido informação online de “Nenhum resultado encontrado”, outra coisa não pode concluir-se que a possibilidade de a instituição de crédito depositária manter bloqueada a conta de títulos não obstante o levantamento da penhora comunicada pela entidade exequente, situação de conhecimento comum ser recorrente mas que escapa ao objecto da providência de embargos.

O recuso não merece provimento.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019


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Vital Lopes




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Jorge Cortês





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Mário Rebelo