Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 05376/12 |
Secção: | CAT - 2.º JUIZO |
Data do Acordão: | 04/30/2014 |
Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
Descritores: | IRC - RETGS – GASTOS – COMPROVAÇÃO – RECLAMAÇÃO GRACIOSA – OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO |
Sumário: | i. O Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) é dominado por uma lógica de tributação conjunta, sendo a tributação em sede de IRC feita tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, correspondendo à unidade económica do conjunto que se comporta no mercado como se efectivamente fosse uma única empresa. ii. Contudo, cada sociedade do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico-organizativa e patrimonial nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar o grupo de sociedades iii. A tributação em sede de RETGS baseia-se na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro do grupo de sociedades, permitindo que os prejuízos fiscalmente reconhecidos sejam relevantes para os lucros fiscais das demais sociedades deste, traduzindo-se, efectivamente, numa redução dos impostos pagos por estas. iv. A soma é efectuada a final do exercício, sendo feito com base na declaração periódica apresentada pela sociedade dominante. No entanto, cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que todavia não é objecto de liquidação. v. No que concerne aos prejuízos verificados durante a aplicação do RETGS estes só podem ser deduzidos em cada exercício, sem prejuízo da aplicação do regime geral no que respeita à dedução em exercícios posteriores. vi. De harmonia com o disposto no artigo 65.°, n.° 2, do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.° 221/2001, de 7 de Agosto, o regime específico de dedução de prejuízos fiscais dos grupos de sociedades implicava que fosse obtida a autorização prevista no artigo 69.° do CIRC para os prejuízos fiscais verificados em exercícios anteriores ao da constituição do grupo. vii. Essa autorização apenas não era obrigatória para os casos de cisão/fusão intra-grupo, quando os prejuízos tivessem origem após a constituição do grupo e na vigência deste. viii. A impugnação judicial subsequente a uma reclamação graciosa tem por objecto não só os vícios próprios da decisão administrativa (objecto imediato) que recaiu sobre a reclamação mas também os vícios próprios da liquidação (objecto mediato), em relação aos quais não existe qualquer efeito preclusivo associado à falta de arguição na reclamação graciosa. ix. Contudo, como o acto tributário de liquidação é divisível, a falta da sua total e oportuna impugnação (por via administrativa e ou contenciosa) impede que os segmentos do acto que não foram objecto da reclamação graciosa possam ser atacados na impugnação judicial que lhe seja subsequente, porque neste caso se verifica uma situação de caso resolvido ou decidido em relação a tais segmentos. x. A preclusão do direito à impugnação de segmentos da liquidação na sequência de reclamação graciosa, na qual os mesmos não foram atacados, não viola os direitos constitucionais de acesso à justiça e de impugnação contenciosa dos actos lesivos. xi. Uma nova liquidação, que se limita a revogar parte de anterior liquidação, não tem natureza de acto substitutivo porque não cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta, tratando-se antes de um acto que se limita a expurgar uma parte do acto primitivo e que, por isso, não inovando na ordem jurídica na parte não revogada, tem natureza meramente confirmativa que não admite impugnação autónoma. xii. A comprovação a que se refere o art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, na sua redacção anterior, deve ser interpretada no sentido de que todas as despesas têm de estar devida e documentalmente suportadas. A redacção actual do art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, na medida em que acolhe esse sentido interpretativo, que maioritariamente correspondia a um dos que a doutrina e a jurisprudência extraíam da redacção anterior, tem natureza de verdadeira interpretação autêntica. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório a) - As partes e o objecto do recurso ... SGPS, Lda, não se conformando com a sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente a Impugnação Judicial que deduziu contra a Fazenda Pública, relativas aos actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do exercício de 2003, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue: A Fazenda Pública não contra-alegou. A Exm.ª Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer, de fls. 609 a 618: “ ... PORTUGAL, SGPS Lda, interpôs o presente recurso jurisdicional pretendendo ver reapreciada a Decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (fls 483 e 533.) nos termos da qual foi JULGADA IMPROCEDENTE a Impugnação Judicial e manteve os actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios por si impugnados. Nos termos da Decisão em reapreciação, em síntese, julgou-se Inconformada, interpôs, a impugnante ... PORTUGAL, SGPS Lda, o presente recurso jurisdicional, pedindo a revogação da Decisão e que seja julgada procedente a impugnação judicial nos termos inicialmente peticionados, com as legais consequências, designadamente, o pagamento, à recorrente, de indemnização pelo prejuízo resultante da prestação indevida de garantia para suspensão do processo de execução fiscal n° 3654200801011413 na parte em que não reconheceu o direito aos juros indemnizatórios peticionados. Em suma, o que estava em causa nos autos era o seguinte: ... PORTUGAL, SGPS Lda , na sequência de indeferimento tácito de Reclamação Graciosa, impugnou judicialmente o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n° 2007 8310016633 e respectivas demonstração de acerto de contas n° 2007 00001363235 e demonstração de liquidação de juros compensatórios 2007 00002940709 e n" 2007 00002040710, relativos ao exercício de 2003 e bem assim o acto de liquidação de IRC n° 2007 8310016654 e respectiva demonstração de acerto de contas n° 2007 0000136399 e demonstração de liquidação de juros compensatórios com o n° 2007 00002041815, relativas ao exercício de 2004. Os actos impugnados foram praticados na sequência de Inspecção externa, de âmbito parcial, relativamente a IRC respeitante aos exercícios de 2003 e 2004. Já na pendência deste processo, a Administração Fiscal - despacho de 2009/08/28 decidiu expressamente a Reclamação Graciosa e revogou parcialmente o acto impugnado. Em execução desta decisão administrativa, a Administração Fiscal emitiu novas liquidações respeitantes ao exercício de 2003: IRC - Liquidação n° 2009 8310016768; Demonstração de acerto de contas n°2009 00002220062; Liquidação de juros n° 2009 00001549711 e n° 2009 00001549712; Na sequência, veio a Impugnante requerer a substituição do objecto da impugnação, o que foi deferido por despacho exarado a fis 340. * Vejamos, então, a alegação que apresenta a aqui recorrente, designadamente, as respectivas CONCLUSÕES (a fls 583 a 600), sendo certo que são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (art° 680° n° 3 do CPC, ex vi art° 2° c do CPPT). A - Defende a recorrente, no que respeita à parte da Sentença que "julgou totalmente improcedentes os pedidos oportunamente formulados" que: B - Quanto à declarada caducidade do direito de acção pretende a recorrente que C - Defende também que: D - No que toca às liquidações de Juros Compensatórios defende que: E - Quanto aos encargos não aceites fiscalmente e à anulação de accrual s, defende que: * A matéria tida como assente é a que consta elencada a fls. 490 a 499. * Salvo melhor opinião não nos parece que à recorrente assista razão; na verdade, Quanto à matéria supra referida em A diremos: A considerar aqui, a fusão, em 2003/12/04, por incorporação das sociedades " ... ... Lda" e “ ... ... SA", levada a cabo pela " ... ... ", o que foi feito mediante a transferência global do património daquelas para a sociedade beneficiária da fusão, retroagindo os efeitos contabilísticos a 2003/01/01. Assente é também que as sociedades incorporadas tinham prejuízos fiscais do exercício de 2002, a primeira de € 5 351 609,46 e a segunda de €418937,26. De acordo com o art° 69° n° 1 do CIRC (versão de 2001, vigente à data), os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos nos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante ... desde que seja concedida autorização do Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados. Por seu turno, de acordo com o n° 6 do mesmo preceito, permite-se que durante a aplicação de RETGS ou imediatamente após o seu termo, em resultado de uma operação de fusão, o Ministro das Finanças autorize que os prejuízos fiscais do Grupo ainda por deduzir possam ser deduzidos do lucro tributável da sociedade incorporante ou da nova sociedade resultante da fusão). Dos autos não resulta que a autorização do Ministro das Finanças tenha sido concedida ou sequer, requerida e, sendo certo que a mesma é exigível, basta esta circunstância para que a pretensão da recorrente não possa ser aceite. Quanto à questão supra referida em B: Trata-se da questão de saber se o procedimento de impugnação judicial pode abranger segmentos da decisão administrativa que não tenha sido objecto de Reclamação Graciosa. Consideramos que esta é questão diversa de, na impugnação, serem invocados vícios não alegados na Reclamação Graciosa, certo que existiu reclamação de determinado acto tributário e que o mesmo se não tornou caso decidido ou resolvido. Sendo a Reclamação Graciosa um procedimento facultativo, não pode, o recorrente, ser penalizado se não incluir em Reclamação Graciosa o pedido de apreciação de determinado acto tributário, nem tal pode significar a sua aceitação, posto que não satisfaça a obrigação que lhe é imposta, ao menos sem protesto. Questão diversa é a do respeito pelo prazo da impugnação dos actos tributários, sendo que no caso concreto, o prazo para a recorrente impugnar os actos tributários não abrangidos na Reclamação Graciosa é de 90 dias a contar da data da respectiva notificação ou seja, no caso, a partir de 2008/01/26. Uma vez que a impugnação foi intentada em 2009/02/25 quando estava há muito esgotado o prazo facultado para tal - cf. art° 102° n° 1 a) do CPPT - , decidiu bem o Tribunal a quo quando declarou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e absolveu, nesta parte, a entidade demandada, dos pedidos respectivos. No que concerne ao alegado em C, supra: De acordo com o disposto no art° 45° da LGT o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro - cf. n° 1; esse prazo conta-se, nos impostos periódicos que é o caso do IRC . a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário - cf- n° 4. Ora as correcções em causa nos autos respeitavam ao exercício de 2003, devendo contar-se o prazo de caducidade de liquidação a partir do início do ano de 2004; tendo a notificação da liquidação ocorrido em Dezembro de 2007, ocorreu ainda quando o prazo referido não estava esgotado. A este propósito pode ver-se o Ac. deste TCA Sul proferido no processo n° 03637/09 e nos termos do qual se decidiu que "no caso de um imposto periódico, como o IRC, o prazo de caducidade da liquidação conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o que que significa que, considerando a data de 31-03-2001 neste âmbito, é o dia 31-122001 que marca o início do prazo em apreço, o que equivale a dizer que a AF tinha de proceder à sua liquidação e notificar esta ao sujeito passivo até 31-12-2005 por força do regime estabelecido no art. 45° n”s 1 e 4 da LGT que é o aplicável." Não tem, pois, razão a recorrente nesta matéria, parecendo-nos, se bem entendemos a sua alegação que o seu erro deriva de considerar o IRC como um imposto de obrigação única e não, como é um imposto periódico -veja-se o Ac. mencionado . No que respeita à conclusão mencionada supra em D: A liquidação de juros compensatórios pela AF está ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devida pelo contribuinte. Os Juros compensatórios constituem "um regime específico de indemnização civil do Estado pelos danos causados pela falta de cobrança do contribuinte por incumprimento dos deveres acessórios" (Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol I Coimbra, 1984, pág. 451). Os Juros Compensatórios "pressupõem atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, por motivo imputável ao contribuinte (cf. CPT, comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4a Ed., pág. 174). "A responsabilidade pelo pagamento de Juros Compensatórios depende, pois, da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto e da imputabilidade deste atraso à actuação do contribuinte" (cf Ac STA de 23/09/98, Proc n° 22 612 de que foi Relator o Exmo Sr. Conselheiro Jorge de Sousa). Esta imputabilidade reclama a existência de nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte c o retardamento referido. Como decidiu o STA no Ac. proferido no Processo n° 0619/11 em 2011/11/30 (disponível em www.dgsi.pt), " I - A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem. II - Se a declaração fundamentadora da liquidação de juros compensatórios não refere esses elementos, esse acto enferma do vício de orma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade." Aqueles elementos permitem, na verdade, ao contribuinte, o conhecimento das razões que levaram a AT a considerar serem devidos juros compensatórios - cf. Ac STA de 30/03/2011 cujo Relator é o Exm° Sr. Conselheiro Miranda Pacheco disponível em www.dgsi.pt) . É, assim, de concluir que a fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo- cf. Ac. STA n° JSTA00065554 (disponível em www.dgsi.pt), Se atentarmos nas liquidações de Juros Compensatórios juntos aos autos veremos que elas se encontram devidamente fundamentadas, contendo o período a que respeitam, os valores sobre que incidem e as respectivas taxas - cf. Doc. n° 4 junto com a PI, encontrando-se, pois fundamentada nos termos exigidos. Concluímos assim, que à recorrente não assiste razão uma vez que as liquidações de Juros Compensatórios se encontram devidamente fundamentadas - cf. lis 75 e 78. Quanto à matéria a que respeita E supra: Entendemos que a Sentença não merece, aqui, qualquer censura, Relativamente a esta questão bastará dizer que a AF constatou terem sido indicados como custos gastos não suficientemente documentados. Por exemplo os bilhetes de passagens aéreas não justificam o "custo fiscal" se não forem acompanhados de justificação do objectivo das viagens e, relativamente às facturas emitidas com o mesmo número S-0103009, datas e descritivos diferentes; é claro que não pode considerar-se com relevância fiscal, tais despesas, uma vez que não estão documentadas em termos regulares, de acordo com o disposto no art° 42° n° 1 g) do CIRC. Com a documentação presente à AP, não podia esta - nem o Tribunal considerar satisfeitos os requisitos previstos no art° 23° do CIRC, ou seja : estarem os encargos comprovados e os mesmos serem indispensáveis para a realização dos proveitos. Também nesta parte entendemos que não tem razão a recorrente. * Sendo assim, como entendemos que é, damos parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a Sentença recorrida. (..)" * Colhidos os vistos vem o processo à conferência * b) Questões essenciais a decidir Considerando que as conclusões delimitam o âmbito dos poderes de cognição do tribunal ad quem, as questões a apreciar neste recurso são, essencialmente, as seguintes: (i) apurar se o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, aplicável à recorrente, permite a dedução de prejuízos fiscais anteriores à fusão de sociedades intra-grupo; (ii) estabelecer o âmbito do objecto da impugnação subsequente a uma reclamação graciosa; (iii) em função da resposta dada à questão anterior, sindicar (ou não) a liquidação quanto a correcções relativas a exercícios anteriores, tributação autónoma e juros compensatórios; por fim, (iv) determinar o sentido jurídico e respectivas consequências factuais do art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos, quanto à comprovação dos custos. 2 – Fundamentação a) De facto. A decisão recorrida deu, por provada, a seguinte matéria de facto com interesse para a sua decisão: Factos Não Provados Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa. Motivação da decisão de facto A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”. * b) De Direito Como já se referiu, a primeira questão que se suscita neste recurso consiste em saber se é possível a dedutibilidade dos prejuízos para efeitos fiscais na sequência de fusão de sociedades do grupo encabeçado pela recorrente, sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades A sentença considerou improcedente a argumentação da recorrente, com os argumentos que esta bem sintetiza nas suas alegações: a) Os prejuízos fiscais em apreço - i.e., os desconsiderados pela Administração tributária - eram da titularidade das sociedades ... ... , LDA., e ... ... ., integradas no ... e fundidas por incorporação no exercício de 2003; A dedutibilidade dos prejuízos fiscais reportáveis das referidas sociedades fundidas por incorporação estava dependente da autorização da sua transmissão em benefício da sociedade incorporante ... ... , S.A. (actual ... ... INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO, S.A.), nos termos do disposto no n.° 6 do artigo 69.° do Código do IRC; A referida autorização teria por escopo sindicar, na esfera da sociedade incorporante (a ... ... INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO, S.A.), a dedutibilidacle dos prejuízos fiscais gerados pelas sociedades incorporadas. A recorrente não concorda com este entendimento, fundamentalmente por entender que existindo uma situação de tributação de grupo de sociedades, os prejuízos fiscais gerados por uma delas repercutem-se na tributação da sociedade dominante, pelo que a eventual fusão de duas das sociedades que integram o grupo não altera essa realidade. Importa, portanto, reflectir um pouco sobre a tributação dos grupos de sociedades ou “empresa plurissocietária”, isto é, da empresa que abrange várias sociedades. O RETGS, que se encontra previsto nos art.° 69° e seguintes do CIRC, baseia-se na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro, afastando-se do conceito alemão do “Organschaft, expressa na consolidação e aproximou-se do sistema britânico do tax relief onde, num grupo de sociedades, as que têm créditos fiscais (prejuízos) podem cedê-los às empresas do grupo que têm ganhos, de modo a reduzir os impostos pagos por estas”(1). Um dos princípios basilares da tributação dos grupos de sociedades é o princípio da neutralidade, segundo o qual o imposto sobre o rendimento deve ser uniforme e não influenciar as decisões empresariais(2), independentemente de qual seja o modelo de estrutura societária utilizado para o exercício das actividades económicas. Mas este princípio tem sido posto em causa pelo legislador, que ciente da poupança fiscal que este regime representa procura, como salienta Casalta Nabais(3), contornar os efeitos negativos que provoca na receita fiscal através de uma interferência difusa nas escolhas e estratégias empresariais. O RETGS é dominado por uma lógica de tributação conjunta, isto é, o grupo de sociedades é tributado em sede de IRC tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse. É o que resulta do art.° 70° do CIRC que prevê que o lucro tributável do grupo seja calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. Esta norma confirma a tese da recorrente de que cada sociedade não perde a sua personalidade jurídica nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar um grupo de sociedades, porque, se “dum lado [há] a independência jurídica das sociedades agrupadas, que permanecem formalmente como entidades dotadas de individualidade jurídico-organizativa e patrimonial própria; doutro lado, [há] a unidade económica do conjunto, que se comporta efectivamente no mercado como [se] de uma única empresa se tratasse”(4) Mas, como a soma é efectuada a final do exercício e não é feita parcelarmente em operações segmentadas, resulta deste regime que a declaração periódica relevante para efeitos fiscais é a apresentada pela sociedade dominante e não as declarações das sociedades dominadas. No entanto, cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que todavia não vai ser objecto de liquidação (cfr. art.º 120.º, n.º 6, do CIRC). No que concerne aos prejuízos verificados durante a aplicação do RETGS estes só podem ser deduzidos em cada exercício, sem prejuízo da aplicação do regime geral no que respeita à dedução em exercícios posteriores. Por fim, e de acordo com o disposto no artigo 65.°, n.° 2, do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.° 221/2001, de 7 de Agosto, o regime específico de dedução de prejuízos fiscais dos grupos de sociedades era este, à data dos factos: "Quando, durante a aplicação do regime, haja lugar a fusões entre sociedades do grupo ou uma sociedade incorpore uma ou mais sociedades não pertencentes ao grupo, os prejuízos das sociedades fundidas verificados em exercícios anteriores ao do início do regime podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da nova sociedade ou da sociedade incorporante, desde que seja obtida a autorização prevista no artigo 69°." Por seu turno, previa o artigo 69.° do CIRC, sob a epígrafe “transmissibilidade dos prejuízos fiscais”, na parte que ora releva: "1 - Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.° 1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial. (...) 6 - Sempre que, durante o período de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 63.° ou imediatamente após o seu termo, e em resultado de uma operação de fusão envolvendo a totalidade das sociedades abrangidas por aquele regime, uma das sociedades pertencentes ao grupo incorpore as restantes ou haja lugar à constituição de uma nova sociedade, pode o Ministro das Finanças, a requerimento da sociedade dominante apresentado no prazo de 90 dias após o registo da fusão, autorizar que os prejuízos fiscais do grupo ainda por deduzir possam ser deduzidos do lucro tributável da sociedade incorporante ou da nova sociedade resultante da fusão, nas condições referidas nos números anteriores. 7 - O requerimento referido no n.° 1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.° 2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de seis meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis." Este regime, que pode ser questionável quanto aos eventuais efeitos negativos que provoca nos propósitos de investimento e reestruturação empresarial, não deixa de ser o regime vigente à data do exercício em causa, em que ocorreu a fusão entre sociedades do grupo da recorrente. Concorde-se ou não com ele de um ponto de vista de política fiscal, o certo é que não se afigura ser violador dos princípios que enformam o sistema fiscal, designadamente o princípio da capacidade contributiva. Muito menos se pode ver nele um verdadeiro entrave à reorganização empresarial, na medida em que contém uma válvula de escape que pode neutralizar os seus efeitos negativos: ao pedido formulado ao Ministro das Finanças corresponde uma decisão administrativa, que dependendo da fundamentação convocada pode viabilizar ou não a dedutibilidade dos prejuízos fiscais, que sempre estará sujeita a sindicabilidade contenciosa. E a sua ratio repousa, precisamente, na circunstância das entidades envolvidas numa reorganização grupal empresarial manterem a sua autonomia jurídica, sem embargo das operações de fusões ou cisões intra-grupo não deixarem de afectar a estrutura do grupo, que em bom rigor não é exactamente o mesmo que existia antes da operação de fusão ou cisão. Assim, como no caso sub judice a dedutibilidade dos prejuízos das sociedades incorporadas não foi requerida ao Ministro das Finanças, sendo a lei clara quanto a essa exigência, prima facie outra solução não resta que não seja considerar que a recorrente não podia deduzir tais prejuízos na declaração que oportunamente apresentou. Acresce que uma interpretação atenta do citado artigo 65.º, n.º 2, do CIRC, conduz a uma conclusão que no caso concreto reforça esse entendimento. Relembremos o teor da referida norma à data dos factos: "Quando, durante a aplicação do regime [Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades], haja lugar a fusões entre sociedades do grupo ou uma sociedade incorpore uma ou mais sociedades não pertencentes ao grupo, os prejuízos das sociedades fundidas verificados em exercícios anteriores ao do início do regime [Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades] podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da nova sociedade ou da sociedade incorporante, desde que seja obtida a autorização prevista no artigo 69°." (negrito nosso). Como é bom de ver, o que a norma excluiu é a dedução de prejuízos verificados em exercícios anteriores ao do início do RETGS, a não ser que seja requerida ao Ministro das Finanças e obtida autorização para essa dedução. Ora, embora in casu os prejuízos transitam de 2002, são anteriores ao RETGS que tem a recorrente por sociedade dominante, pois como resulta da matéria de facto provada (e que de resto não foi posta em causa) o RETGS vigorou para os anos de 2003 e 2004. Dito de outro modo, a norma só não é aplicável aos casos de fusão intra-grupo quando os prejuízos tiveram origem na vigência desse grupo o que, como se demonstrou, não é o caso presente. Por isso a tese interpretativa da recorrente não tem na letra da lei um mínimo de apoio verbal, como impõe o art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil. E não se diga que a interpretação que se perfilha é contrária “aos mais elementares princípios da liberdade de iniciativa económica plasmados na Constituição da República Portuguesa, em particular no seu artigo 61.°, (…)”, porque nessa ordem de ideias então toda a tributação que incidisse sobre as empresas seria violadora de tal princípio… Em face do exposto não merece qualquer censura a sentença recorrida quanto à solução que deu a esta questão, improcedendo assim as conclusões do recurso que com ela se conexionam. * Essas conclusões levantam outra questão, qual seja a de se determinar se o processo judicial impugnatório subsequente a uma Reclamação Graciosa pode abranger questões que nesta não foram colocadas. O legislador perspectivou duas vias de ataque às liquidações: uma de natureza contenciosa e outra de natureza administrativa. A primeira está assente na impugnação judicial enquanto a segunda é baseada na Reclamação Graciosa. Mas, a primeira é também adequada para os casos em que o contribuinte não logra obter sucesso na segunda. A lei veda, porém, a hipótese dos dois meios poderem ser utilizados em simultâneo com a mesma finalidade: de harmonia com o art.º 68.º, n.º 2, do CPPT, “não pode ser deduzida reclamação graciosa quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento”. Comentando este preceito diz Jorge Lopes de Sousa: “O n.º 2 deste artigo, ao proibir a dedução de reclamação graciosa quando já tiver sido instaurada impugnação judicial com o mesmo fundamento está em sintonia como preceituado nos nºs 3 e 4 do art. 111,º do CPPT. Do conjunto destas disposições resulta uma preferência absoluta do processo judicial sobre o procedimento administrativo de impugnação de um mesmo acto tributário, impedindo-se que seja apreciada por via administrativa a legalidade de um acto tributário que seja objecto de impugnação judicial, excepto através da forma e no prazo previstos neste mesmo processo, que é a possibilidade de revogação nos termos e prazo indicados no art. 111.º, n.º 1, e 112.º, do CPPT. Como se refere no n.º 2 deste art. 68.°, a proibição de instauração de reclamação graciosa apenas abrange a que tenha fundamento idêntico ao da impugnação judicial, pelo que é possível apresentar reclamação graciosa, na pendência de impugnação judicial, desde que seja invocado outro fundamento. No entanto, mesmo neste caso, mantém-se a preferência pelo processo judicial, pois a reclamação graciosa não é apreciada pela administração tributária, sendo o tribunal que apreciará as questões nela suscitadas, no âmbito do processo de impugnação judicial, a que a reclamação graciosa é apensa (art. 111.°, n.º 4, do CPPT). A mesma proibição deverá aplicar-se, por analogia, aos pedidos de revisão do acto tributário, com fundamento idêntico ao invocado em impugnação judicial, pois também em relação àquele tipo de meio procedimental de apreciação da legalidade do acto tributário valem as razões que justificam aquela preferência absoluta do processo judicial”(5). Como se sabe, o prazo para deduzir uma reclamação graciosa é mais dilatado do que para interpor uma impugnação judicial. Contudo, a ultrapassagem do prazo da impugnação judicial não impede que na sequência da decisão proferida na reclamação o interessado não possa abrir a via contenciosa, apresentando impugnação judicial. A questão é, portanto, determinar o objecto desta: os vícios próprios da reclamação, os vícios da liquidação ou uns e outros? Como é sabido, o acto tributário é divisível. Quer isto dizer que para efeitos de impugnação contenciosa o interessado pode atacar todo o acto ou, conformando-se com parte dele, impugná-lo parcialmente. A falta de impugnação do acto no prazo estipulado por lei implica a caducidade do direito de acção, pelo que o acto – não deixando de, eventualmente, padecer de ilegalidades intrínsecas – consolida-se na ordem jurídica. Esta conclusão vale para os casos em que só uma parte do acto é impugnada, em que a caducidade do direito de acção pelo decurso do respectivo prazo consolida a parte não abrangida pela impugnação. Se isto é assim para os casos de impugnação directa do acto tributário, então a mesma solução deve ser adoptada para os casos de impugnação indirecta ou seja, precedida de reclamação graciosa, sob pena de se introduzir no sistema uma incoerência que certamente o legislador não previu nem quis. É que ao permitir que em caso de indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que dessa decisão for interposto o interessado possa atacar o acto de liquidação o legislador não só prolonga efectivamente o prazo para a impugnação contenciosa desta como impede que tal acto se consolide na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido; mas essa impossibilidade de consolidação do acto de liquidação que a reclamação graciosa determina só se verifica em relação à parte do acto que foi reclamada. Isto não significa que o objecto da impugnação fique circunscrito aos vícios invocados na reclamação: na verdade, este subdivide-se em dois: o imediato que respeita aos vícios próprios da decisão da autoridade tributária e o mediato, no que concerne aos vícios próprios da liquidação. Entender-se, porém, que o objecto mediato abarca não só os vícios da liquidação mas também as partes que não foram administrativamente impugnadas é efectuar uma indevida interpretação conjugada dos artigos 68.º, n.º 1, e 70.º, n.º 1, do CPPT, que postulam uma estreita ligação entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial. Essa ligação é de tal modo forte que o n.º 2 do art.º 70.º proíbe a apresentação de reclamação graciosa quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento. Isto significa que se o contribuinte pode reagir contra o acto de liquidação atacando-o numa parte através de impugnação judicial e noutra através de reclamação; mutatis mutandis, a parte que não for objecto da reclamação graciosa não pode ser, posteriormente, objecto da impugnação, porque a conclusão óbvia que se extrai destas normas é de que os fundamentos da reclamação graciosa não podem ser alargados na impugnação judicial subsequente ao desfecho daquela, porque não tendo sido incluídos na mesma a sua dedução é impedida pela preclusão resultante da extinção do prazo para interpor a impugnação (cfr. art.º 102.º, n.º 1, do CPPT). O inverso já não é verdadeiro: apresentada impugnação judicial o interessados dispõe ainda de um prazo suplementar (cfr. art.º 70.º, n.º 1, do CPPT) para deduzir reclamação com outros fundamentos que não tenha alegado na impugnação. Mas também esta possibilidade demonstra que só podem ser objecto de impugnação judicial deduzida na sequência de insucesso de reclamação graciosa os fundamentos (leia-se, “as partes da liquidação”) que nesta tenham sido questionadas e não quaisquer outras. Estas considerações permitem dizer desde já que a tese da recorrente não tem qualquer apoio legal, isto é, a falta de oportuna invocação na reclamação graciosa preclude a possibilidade de alegar na impugnação judicial fundamentos diversos daqueles que foram objecto da reclamação. Mas há ainda um outro argumento que pode ser convocado em favor da tese que se defende: o de que sendo a reclamação graciosa um procedimento de natureza administrativa em matéria tributária, a impugnação judicial que da respectiva decisão seja interposta tem a natureza de verdadeiro recurso contencioso cujo âmbito está delimitado pelos fundamentos de facto sobre os quais a decisão administrativa se pronunciou ou devia ter pronunciado. Os artigos 54.º e 99.° do CPPT não invalidam esta asserção. Sem embargo de ser correcto afirmar que as ilegalidades dos actos interlocutórios devem ser, em regra, directamente imputadas ao respectivo acto de liquidação, continua a entender-se, tal como o fez a primeira instância, que no caso concreto não se trata de apreciação de vícios de actos interlocutórios mas sim da apreciação de segmentos do acto tributário, aos quais não se aplica a disciplina dessas normas. A recorrente convoca em seu benefício o acórdão do STA de 18-05-2011 (rec. n.º 156/11), cujo sumário é o seguinte: I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise. II - A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário. Como se vê o acórdão não contraria a tese que aqui se perfilha, de que todos os vícios (ilegalidades) do acto são invocáveis mas não os segmentos deste que não foram objecto de oportuna reclamação graciosa, antes parecendo que a recorrente o interpreta no sentido de que os fundamentos abrangem ambas as realidades, conclusão que não se extrai do referido aresto. A invocação do art.º 64.º do CPTA não colhe, na medida em que a sentença esclareceu devidamente que a nova liquidação apenas operou uma revogação parcial da anterior, não inovando juridicamente na parte remanescente, pelo que “a sua novidade e natureza substitutiva cingem-se evidentemente à parte objecto de revogação, sendo que quanto ao mais o primitivo acto de liquidação não viu atingidos os seus efeitos”, querendo-se certamente dizer que não foi afectado nos seus efeitos. Aliás, bem vistas as coisas, no caso em concreto não se trata de um novo acto que substitui o anterior estabelecendo um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta mas antes de um acto que se limita a expurgar uma parte viciada do acto primitivo, não tendo por isso natureza substitutiva mas meramente confirmatória na parte não revogada. Por isso é até discutível a admissibilidade da sua impugnação, questão que todavia está resolvida por ter transitado em julgado. Como quer que seja, esta interpretação não viola os direitos de acesso à justiça e de impugnação contenciosa dos actos lesivos (previstos no art.º 20.° da CRP e nos artigos 9.° e 95.° da LGT), porque a mesma não representa qualquer obstáculo ao exercício de tais direitos, já que a recorrente beneficiou da possibilidade, em tempo oportuno, da mais ampla sindicância do acto de liquidação. Por conseguinte, em relação à matéria da liquidação que não foi concretamente invocada na reclamação graciosa há muito que o prazo para atacar a liquidação nessa parte se mostrava precludido na data em que a impugnação foi intentada (25-02-2009). Consequentemente nenhuma censura pode ser dirigida ao Tribunal a quo quando declarou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e absolveu, nessa parte, a entidade demandada, dos pedidos respectivos. * O conhecimento das questões contidas nas conclusões (34.º a 36.º) referentes aos custos de exercício anteriores e tributação autónoma fica assim prejudicado pela solução dada à questão anterior, confirmativa do que a seu respeito foi decidido em primeira instância. * A última questão diz respeito à comprovação de custos (gastos) e à relevância da prova carreada para os autos pela recorrente. A recorrente insiste na tese de que o vocábulo comprovadamente “não respeita à prova - documental - da incorrência dos custos ou perdas contabilísticos ou da verificação das variações patrimoniais negativas; a comprovação a que se refere o n.° 1 do artigo 23.° do Código do IRC dirige-se, ao invés, à demonstração da verificação do requisito da indispensabilidade desses mesmos encargos para efeitos da sua qualificação fiscal”. Ou seja, segundo esta tese não é necessário provar os custos; o que é essencial é demonstrar que esses custos são imprescindíveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. É consabido que não obstante a delimitação do conceito de custo ser um problema comum ao Direito Comercial e ao Direito Fiscal, nem sempre qualquer decréscimo patrimonial que uma empresa sofra numa perspectiva de balanço comercial e do cálculo do lucro tributável é reflectido no balanço fiscal, que adopta como conceito de custo (gastos na terminologia do SNC) aquele que é acolhido no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, de acordo com o qual se consideram gastos “…os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”(6) Desta noção extrai-se que deve existir uma correspectividade entre os custos e a aquisição de um qualquer factor de produção, estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade da empresa e as despesas que decorrerão do seu exercício(7). Deste modo, para que um custo seja dedutível é necessário que tenha sido efectuada com objectivo unicamente empresarial, muito embora entre nós a regra seja a identidade conceptual entre custos contabilísticos e fiscais. Mas, como todas as regras ela comporta excepções, que são todos os custos computáveis não aceites para efeitos fiscais em razão de uma expressa previsão legal, não obstante a sua desconsideração concreta dever repousar numa específica e especial motivação intrínseca sob pena de violação clara do princípio da capacidade contributiva. Para além disso casos há em que a impossibilidade de dedução de custos assenta em motivações teórico-práticas e em razões que visam acautelar a separação entre o património societário e pessoal por motivos formais e morais ou éticos(8). Não sendo portanto unívoco e exacto o conceito de custo fiscal, pese embora, como salienta Saldanha Sanches, este ter raízes económicas(9), todavia não prescinde de alguns contributos desta ciência o que explica a utilização indistinta das expressões gasto, custo e perda, sinónimo de que para o Direito Tributário não é relevante a precisão terminológica mas sim o sentido que cada expressão envolve na aplicação de normas tributárias(10). Ora, apesar da determinação dos custos fiscais assentar em regras contabilísticas, a necessidade de salvaguardar interesses fiscais específicos leva a que surjam pontos de clivagem entre a Contabilidade e a Fiscalidade, com esta a influenciar decisivamente aquela em matéria de custos(11), conduzindo a desarmonias entre efeitos dedutivos e contabilísticos, que todavia não podem ser levados tão longe a ponto de por em causa o princípio da capacidade contributiva(12) e a excepcionalidade das correcções(13). Isto é, a não dedutibilidade dos custos para efeitos fiscais deverá preencher, em simultâneo, dois requisitos: expressa previsão legal e motivação intrínseca(14). Qualquer exclusão assente noutros critérios não deixaria de estar ferida de inconstitucionalidade(15). A noção de custo, como se disse, está relacionada com a aquisição de factores de produção ou com o encaixe de uma perda conexionável com a obtenção de proveitos. Entre nós, a doutrina tem sustentado que há dois requisitos essenciais para que um custo contabilístico seja reconhecido e aceite como custo fiscal: a comprovação e a indispensabilidade. Mas há um terceiro que se pode aditar: a ligação aos proveitos sujeitos a tributação. A comprovação ou justificação do custo tem suscitado controvérsia jurisprudencial e doutrinal, designadamente em volta dos requisitos formais dos documentos de suporte e dos meios de prova admissíveis. Pode, porém, assentar-se que há consenso mais ou menos alargado quanto ao requisito objectivo da efectividade do custo, isto é, quanto a ter sido efectivamente suportado pelo sujeito passivo, o que impede desde logo a dedução de custos que não tenham sido correctamente contabilizados e no exercício a que respeitam. A contrario sensu extrai-se deste requisito que também só por razões “sancionatórias” de índole fiscal é que os custos contabilizados não podem ser aceites(16). Isto é, só por via de correcção devidamente fundamentada é que um custo não poderá ser aceite, o que transmuta a questão de facto da dedutibilidade ou aceitação de custos constantes do balanço em questão de direito, com reflexos ao nível do ónus da prova, que deixa de caber ao contribuinte(17). Mas sabendo-se que mesmo o balanço contabilístico deve estar apoiado em elementos documentais que inequivocamente demonstrem as suas asserções, facilmente se concluiu que o termo comprovadamente só pode ter um e só um significado: o da justificação no plano da prova dos custos incorridos, prova essa que é essencial para a justificação da sua dedutibilidade. Ora, no caso sub judice o problema reside, precisamente, na falta dessa comprovação ou justificação contabilística, que obviamente não poderia deixar de ter reflexos na não aceitação dos custos para efeitos fiscais. Como já se disse, o art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, suscitou ampla controvérsia doutrinal e jurisprudencial, que todavia se veio a solidificar no entendimento de que essa norma comporta dois segmentos interpretativos: um relativo à prova dos gastos, chegando-se a um consenso alargado quanto ao termo ‘comprovadamente’, que deve ser entendido no sentido de que todas as despesas têm de estar devidamente suportadas documentalmente. Um segundo segmento referia-se à indispensabilidade dos custos, entendendo-se nesta vertente que esse termo designava as despesas que, se não existissem, impossibilitariam a empresa de exercer a sua actividade produtora e obter rendimentos. A jurisprudência exigia que existisse sempre uma relação entre os gastos e os respetivos proveitos ou ganhos, de forma a que se pudesse estabelecer uma ligação entre os mesmos e a atividade empresarial prosseguida pela empresa. Mas, ao contrário do que parece sugerir a tese da recorrente, a maior controvérsia suscitou-se em torna de indispensabilidade dos custos e não em torno da sua comprovação, como nos dá conta este trecho do Relatório da Comissão para a Reforma do IRC: “No tocante aos gastos, o princípio geral da respetiva aceitação consta do atual artigo 23º, considerando-se dedutíveis os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. O significado do conceito de indispensabilidade tem sido um tema fortemente debatido, dele resultando um notório grau de incerteza para os sujeitos passivos quanto à dedutibilidade de certos gastos e, bem assim, um apreciável volume de litigância fiscal”. E assim propôs que o artigo 23.º do Código do IRC passasse a consagrar como princípio geral que, para a determinação do lucro tributável, fossem dedutíveis os gastos relacionados com a actividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados. Mas reconhecendo também a existência de controvérsia em torno do termo comprovadamente, procurou clarificar as regras a observar na documentação de suporte aos gastos contabilizados, tendo proposto para o art.º 23.º, n.º 3, a seguinte redacção: “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza, forma ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. E no art.º 23.º-A, n.º 1, al. c), expressamente excluiu dos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais as despesas não documentadas. Na sequência do ante-projecto da Comissão veio a ser promulgada a Lei n.º n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que eliminou o conceito da indispensabilidade, estabelecendo que são fiscalmente dedutíveis os gastos relacionados com a actividade do sujeito passivo. Mas em bom rigor manteve o regime anterior nos seus contornos essenciais, com algumas alterações, designadamente com a desconsideração dos gastos reconhecidos no período e relacionados com tributações autónomas, que deixam de ser fiscalmente dedutíveis. E para o que ao caso sub judice importa clarificou as situações de não aceitação de gastos por incumprimento dos requisitos relativos ao seu suporte documental, definindo os elementos que devem constar deste, passando a considerar como essencial a obtenção de documento emitido nos termos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), quando aplicável, estabelecendo no art.º 23.º, n.º 3, que “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. Destarte, sendo manifesto que legislador não desconhecia a polémica em torno da comprovação dos custos ou gastos, a clarificação do termo comprovadamente no sentido de que se relaciona com a prova documental tem natureza de verdadeira interpretação autêntica, na medida em que o legislador acolhe um dos sentidos interpretativos que já era feito à luz da norma anterior. O que significa, portanto, que o termo comprovadamente, constante do art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos, deve ser interpretado no sentido de exigir a comprovação documental dos gastos fiscalmente dedutíveis em que incorreu o sujeito passivo. Sabendo-se, como resulta da matéria de facto, que tal documentação não existe ou é inidónea para o fim visado, como ressaltou e bem a sentença, outra solução não resta que entender que foi feito correcto julgamento pelo tribunal a quo quanto aos encargos não aceites fiscalmente no montante de € 82.178,70, quanto aos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais no valor de € 510.827,03 (exercício de 2003) e € 403.565,52 (exercício de 2004), e, por fim, quanto à anulação de accrual's na importância de € 245.621,88. De facto, não será certamente um mapa de despesas que comprova os gastos, na medida em que tal mapa funciona como uma memória recapitulativa ou descritiva, a necessitar de concretização. No que respeita à correcção dos montantes de C 511.688,55 e de € 405.568,03, relativos aos exercícios de 2003 e de 2004, em que a recorrente defende que juntou em sede de Reclamação Graciosa, documentos comprovativos dos encargos efectivamente incorridos pela GE ... a sentença observou o seguinte, depois de se referir ao valor anulado pela AT: “Quanto ao exercício de 2004, apenas foi considerado como custo o relativo ao documento n.° PL49077, já anteriormente aceite como tal, sendo que todos os demais, com os n." PL50481, PL50484, PL50493, PL50498, PL50502, PL51544, PL51547, PL51058, PL51711 e PL51714, se reportam a facturas datadas de 2005 e como tal a custos do exercício de 2005, que não podem ser imputados ao ano anterior. Vista a apreciação efectuada já em sede de impugnação judicial, verifica-se não merecer qualquer censura a actuação da administração tributária, porquanto os únicos documentos que poderiam relevar para efeito da aceitação como custos são os aí assinalados, cumprindo notar, quanto aos demais, o seguinte: Apesar de não constar do relatório de inspecção tributária, é acertada a chamada à colação do artigo 42.°, n.° 1, al. c), do CIRC, que impede a dedutibilidade para efeito de determinação do lucro tributável dos encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar, não constando dos autos o contrário, posto que se trata de questão que apenas foi levantada com a junção dos documentos pela impugnante em sede de reclamação graciosa. Diz a impugnante, no respeitante aos valores que não encontram suporte em documentos externos, mas apenas contabilísticos internos, resultam de anulações ou reclassificações de accruals (estimativas de custos registadas na contabilidade), não sendo susceptíveis de qualquer outra comprovação documental, amparando-se na presunção de veracidade das suas declarações e registos contabilísticos, resultante do artigo 75.° da LGT, e defendendo que a administração tributária não avançou com indícios sérios e objectivos que afastassem a sua credibilidade. Não lhe assiste razão. Em primeiro lugar, recorde-se que em sede de acção inspectiva a empresa não juntou os documentos solicitados pela administração, o que desde logo afasta a verificação da presunção referida, por falta de cumprimento dos deveres de esclarecimento da sua situação tributária, cf. artigo 75.°, n.° 2, al. b), da LGT. Por outro lado, afigura-se acertada a posição da administração tributária quanto à análise dos documentos internos contabilísticos posteriormente juntos pela impugnante, tratando-se apenas de mapas que não esclarecem como foram efectuadas as pretensas anulações e que tenham originado operações contrárias, ou seja, a tributação de ganhos num exercício posterior, nem provam o impacto das regularizações sobre o lucro tributável nos exercícios seguintes, traduzindo-se na reclassificação de contas sem reflexos no resultado do exercício. A par disto, igualmente valem aqui as considerações efectuadas quanto à falta de comprovação da indispensabilidade destes custos. Ademais, resultava já à data dos factos do artigo 34.°, 1 e 2, do CIRC, quais as provisões fiscalmente relevantes no âmbito dos custos, e que não se deixava ao livre arbítrio da pessoa colectiva a consideração do ano em que os créditos podem ser considerados custos, posto que a constituição de provisões deve necessariamente respeitar o princípio da especialização de exercícios, plasmado no artigo 18.° do mesmo diploma legal, de acordo com o qual os custos são imputáveis ao exercício a que digam respeito, independentemente do seu recebimento ou pagamento. Como assinalado no acórdão do TCAS de 25/03/2003 (proc. n.° 07452/02, loc. cit.), "a constituição de provisões encontra razão de ser, antes de mais, no princípio contabilístico da especialização de acordo com o qual e na base de uma regra de imputação assente num critério da competência económica dos exercícios, os proveitos e custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam. Mas a constituição de provisões é também informada pelo princípio contabilístico da prudência que estabelece que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza impedindo-se, ao mesmo tempo, a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso. Da aplicação de tais princípios resulta que a não constituição ou a constituição por montantes inferiores de provisões num determinado exercício, fará transferir para exercícios futuros custos ou perdas a estes pertencentes; e a constituição de provisões desnecessárias ou em montante excessivo, diferirá a tributação dos resultados." Não podem, pois, ser aceites como custos os montantes supra indicados, com excepção dos reconhecidos em sede de revogação parcial do acto. Improcede, pois, a argumentação avançada pela impugnante nesta sede” E quanto aos accrual's, expendeu: “Em sede de acção inspectiva, no âmbito da análise às subcontas da conta "5289 - Encargos a pagar - Outros", apurou-se que a empresa estimou o montante de € 251.365,04, referente ao somatório dos saldos iniciais das subcontas atrás referidas, e já relevados em custo, não tendo respondido afirmativamente ao pedido de junção de elementos que comprovassem a realização e a indispensabilidades dos custos em questão. Concluiu-se então, por se constatar que em 31/12/2003, os saldos das subcontas continuavam a evidenciar os montantes estimados no exercício anterior, para fazerem face a encargos previsíveis e manifestamente conhecidos, que o sujeito passivo não teve como intenção aplicar o principio da especialização dos exercícios, pelo que neste exercício os mesmos deveriam ter sido repostos e contabilizados como proveitos, acrescendo-se o respectivo montante em conformidade ao lucro tributável, nos termos dos artigos 18.° e 23.° do CIRC. Para a impugnante, foi comprovado em sede de reclamação graciosa que os custos em causa, no valor de € 245.621,88, tinham sido efectivamente incorridos, não constituindo meras estimativas de custos, o que resultaria dos documentos 8, 9 e 10 do procedimento de reclamação graciosa. Compulsados tais documentos, não se afigura de chegar à mesma conclusão da impugnante. Com efeito, estava aqui em causa a circunstância de, no último dia do exercício de 2003, os saldos das subcontas "5289.01", "5289.11" e "5289.39", continuarem a evidenciar montantes já estimados no exercício anterior, sendo que não resultam dos referidos documentos Ora, como salienta a entidade demandada, não se vislumbra que dos documentos 8 e 9 constem quaisquer elementos relacionados com as supra indicadas subcontas, sendo o documento 10 composto por um mapa, donde não se retira que os custos em causa tenham sido efectivamente incorridos e qual o seu tratamento contabilístico. Improcedem, pois, os argumentos da impugnante quanto a esta correcção”. Esta argumentação, que merece a nossa inteira concordância, dispensa mais considerações face ao já referido quanto à comprovação dos custos. * Em resumo e para concluir: o recurso não merece provimento. * 3 - Dispositivo: Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente. D.n. Lisboa, 2014-04-30 ________________________________________ (Benjamim Barbosa) _____________________________________________ (Jorge Cortez) _________________________________________ (Joaquim Gameiro) |