Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:744/16.5BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:·DELIBERAÇÃO DE RETRANSMISSÃO DO BANCO DE PORTUGAL, DE 29.12.2015
·INTERVENÇÃO PRINCIPAL ESPONTÂNEA
Sumário:· Nos termos do art 10º, nº 10, 1ª parte do CPTA de 2015 é possível um terceiro vir juntar-se ao autor, através de intervenção principal espontânea, num processo de impugnação que aquele tenha intentado com vista à anulação de um ato administrativo.
· Isto porque o art 10º, nº 10, 1ª parte admite a aplicação subsidiária do disposto no Código de Processo Civil em matéria de intervenção de terceiros, ou seja, do disposto no art 311º e segs do CPC.
· O atual art 311º, em relação ao art 320º do anterior CPC, veio limitar o direito de intervenção principal de terceiros aos que estejam em condições de intervir como litisconsorte.
· Assim, como a Deliberação Retransmissão tem tantos destinatários quantos os detentores de títulos das cinco séries de obrigações sénior retransferidas do N….. para o B….., embora formalmente contida num único documento, produz efeitos jurídicos na situação individual e concreta de cada um dos múltiplos destinatários.
· Trata-se, portanto, de um ato plural em relação ao qual os recorrentes apenas se podiam coligar e não intervir na causa a coberto do incidente de intervenção principal espontânea.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

M…………,
F………….,
D………….,
M…………,
J………….,
C………….,
I…………..,
J………….,
P………….,
M…………,
D…………., SL,
ao abrigo do disposto nos arts 313º do CPC, ex vi art 1º do CPTA, requereram a sua intervenção principal espontânea por adesão à petição inicial apresentada por N……… e outros, na ação administrativa nº 744/16.5BELSB, em que são demandados o BP e, como contrainteressados, N…….., SA, Fundo de Resolução, E…….., SA.

Por decisão de 30.1.2017 o tribunal indeferiu o pedido de intervenção deduzido pelos requerentes/ recorrentes, por ter sido apresentado para além do prazo previsto para a impugnação da deliberação de 29.12.2015 a que foram imputados apenas vícios geradores de anulabilidade.

Inconformados com a decisão, os requerentes recorrerem, com alegações que juntam e que culminam com as seguintes conclusões:

1) O presente recurso vem interposto da sentença do tribunal a quo que indeferiu o pedido de intervenção principal espontânea dos recorrentes, ao ter considerado que, no dia 5.12.2016 (data em que foi apresentado aquele incidente), já teria decorrido o prazo de impugnação do ato administrativo (ou seja, da deliberação de retransmissão do BP) desde o dia 13.4.2016.

2) O tribunal a quo considerou que o exercício do direito de intervenção principal espontânea só poderia ser exercido pelos ora recorrentes, dentro do prazo de impugnação do ato administrativo, pois, decorrido aquele prazo, os efeitos do ato já se teriam consolidado na ordem jurídica.

3) Para sustentar a sua posição, o tribunal a quo cita, na sua sentença, diversa jurisprudência anterior à vigência do atual CPTA (que entrou em vigor no dia 1.1.2004) e que, no seu entender, se manteria atual, dado que o CPTA «não introduziu alteração ou inovação nesta matéria» (quarto parágrafo da apreciação da sentença recorrida).

4) Sucede, no entanto, que, a partir da entrada em vigor do CPTA, em 1.1.2004, a intervenção de terceiros no contencioso administrativo passou a ser, de forma pacífica, admitida após o prazo de impugnação do ato administrativo, prevendo expressamente o número 10 do art 10º do CPTA a aplicação do «disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros» (anterior nº 8 da mesma disposição legal).

5) Neste sentido, o Prof Mário Aroso de Almeida interpreta o nº 10 do art 10º do CPTA do seguinte modo: «a previsão genérica de aplicação do regime da intervenção de terceiros previsto na lei processual civil, torna clara a admissibilidade, em todas as suas formas, da intervenção de terceiros em processo administrativo, por aplicação do correspondente regime do CPC» (Mário Aroso de Almeida, Manual de processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 383).

6) Segundo o mesmo autor, «significa isto que, hoje é, por exemplo, possível a um terceiro juntar-se ao autor, através de intervenção principal espontânea, num processo de impugnação que tenha sido intentado com vista à anulação de um ato administrativo, sem que essa possibilidade esteja condicionada pelo facto de o terceiro já não estar em prazo para proceder à impugnação», «como o ato já está impugnado, não é possível de se consolidar, pelo que não se justifica impedir o terceiro de se vir juntar ao autor na impugnação em curso» (cfr Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012, pá 383).

7) A mesma posição é defendida por Francisco Paes Marques, que chama ainda a atenção para o seguinte: «do ponto de vista do princípio da estabilidade e coerência na aplicação do Direito, parece-nos altamente conveniente que todos os destinatários de um ato impugnado sejam chamados ao processo, por forma a se evitar que determinada regulação jurídica valha para uns e não para outros (cfr Francisco Paes Marques, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 119).

8) De forma unânime, os tribunais administrativos têm igualmente confirmado que o nº 10 do art 10º do CPTA admite a intervenção de terceiros tal como se encontra prevista no CPC, ou seja, a intervenção principal espontânea após o decurso do prazo para a impugnação de ato administrativo, que é precisamente, o que se discute neste recurso. Neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o acórdão do TCA Norte, de 12.1.2006 (processo nº 769/05.6BEBRG-A), de 22.6.2006, nº 214/04.4BEPNF-1, o acórdão do TCA Sul de 12.4.2007, nº 2344/07, de 26.2.2015, nº 11685/14 e de 18.10.2012, nº 8722/12, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.

9) Pelo acima exposto, é entendimento pacífico e unânime da doutrina e da jurisprudência que o número 10 do art 10º do CPTA passou a admitir que a intervenção de terceiros no processo administrativo se fizesse nos mesmos termos em que se faz no processo civil, o que significa que é admissível após o decurso do prazo para a impugnação do ato administrativo, uma vez que, nesta situação (que é a situação dos presentes autos), o ato administrativo nãos e terá ainda consolidado na ordem jurídica.

10) Não é, desta forma, de aceitar a posição do tribunal a quo, que teve como fundamento o enquadramento legal anterior a 1.1.2004, que, com a entrada em vigor do CPTA, sofreu significativas alterações em matéria de intervenção principal espontânea, que não foram acompanhadas pela sentença recorrida em violação do disposto no nº 10 do art 10º do CPTA, nos arts 311º, 312º e 313º do CPC, nos arts 20º e 268º, nº 4 da CRP.

11) Com efeito, deverá a sentença recorrida ser revogada pelo tribunal ad quem e, em consequência, ser deferido o pedido de intervenção principal espontânea dos recorrentes por adesão à petição inicial dos autores.

A contrainteressada N……., SA, contra-alegou o recurso, concluindo:

A. Vieram os recorrentes recorrer do douto despacho do TAC de Lisboa que decide «indeferir o pedido de intervenção deduzido pelos requerentes», o qual foi configurado erradamente pelos recorrentes como sentença, que põe termo a incidente processado autonomamente, recorrendo do mesmo, nos termos da al a) do nº 1, do art 644º do CPC.

B. O referido despacho foi, ao invés, proferido ao abrigo da al f) do nº 1 do art 27º do CPTA, pelo que do mesmo cabia reclamação para a conferência, nos termos do nº 2 do art 27º do CPTA e não recurso.

C. Reclamação essa que deveria ter sido apresentada no prazo de 10 dias, por força do nº 1 do art 29º do CPTA, o qual quando os recorrentes apresentaram o presente recurso – no prazo de 30 dias – já havia sido ultrapassado.

D. Devendo, pelo exposto, o presente recurso ser, desde logo, rejeitado por intempestivo.

E. Caso o presente recurso seja considerado como tempestivo, o que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre deverá ser rejeitado por carecer de fundamento jurídico – o douto despacho não merece, aliás, qualquer censura.

F. A jurisprudência maioritária do STA sempre defendeu a inadmissibilidade dos incidentes de intervenção (espontânea ou provocada) no âmbito do contencioso administrativo em ações administrativas de impugnação de atos administrativos quando haja já decorrido o prazo legal de impugnação.

G. A este respeito cita-se o acórdão do STA, referente ao processo nº 47903, datado de 9.5.2002: «não é de admitir a intervenção principal espontânea no recurso contencioso de anulação quando o requerente, que, pretendendo exercer um direito próprio, se podia ter coligado com o recorrente, formula pedido de intervenção depois de expirado o prazo para a impugnação do ato administrativo objeto de recurso».

H. E, ainda, o acórdão do STA, de 27.2.1986, referente ao recurso nº 21.162, referido pelo Ilustre despacho recorrido: «os requerentes da intervenção podiam recorrer (e coligar-se) em articulado próprio enquanto pudessem impugnar contenciosamente o ato administrativo que consideram lesivo. (…) Não é de admitir a intervenção principal espontânea no contencioso administrativo do recurso direto de anulação se o requerente, que se podia ter coligado com os recorrentes, formular o seu pedido de intervenção só depois de ter decorrido o prazo para a impugnação do ato administrativo que é objeto co recurso contencioso, pois que ele exerce um direito próprio».

I. Ainda como exemplos vejam-se os acórdãos do STA de 5.4.2011, referente ao processo nº 046912, de 19.6.2001, referente ao processo nº 18487-A, de 13.1.2004, referente ao processo nº 0485/03, de 9.2.2004, referente ao processo nº 42/04.

J. De acordo com estes acórdãos a intervenção principal subverte o sistema de prazos de recurso de anulação, na medida em que não impugna o ato administrativo a tempo, perde o direito de impugnar o ato, não podendo mais tarde requerer a intervenção principal, de outro modo, estar-se-ia a contrariar o objetivo da certeza e segurança jurídicas pretendido pela imposição desses mesmos prazos, pois prolongar-se-ia a incerteza acerca da ilegalidade do ato administrativo.

K. Termos em que deve aceitar-se a tese sufragada no douto despacho recorrido de inadmissibilidade legal da dedução do incidente de intervenção de terceiros na modalidade de intervenção principal espontânea por já ter sido ultrapassado o prazo para proceder à impugnação.

L. Ainda que se acolhesse a orientação doutrinária mais recente que defende a admissão da intervenção principal numa ação administrativa mesmo quando já foi ultrapassado o prazo de impugnação judicial de um ato administrativo, o pedido de intervenção deduzido pelos recorrentes teria de improceder.

M. Com efeito, essa jurisprudência assenta no argumento de que «como o ato administrativo de recusa já está impugnado pelo autor (e os pedidos condenatórios formulados na pi devem ser vistos como pedidos acessórios do autor resultantes da disciplina substantiva constante do art 173º do CPTA), não sendo assim passível de se consolidar, não se justifica impedir a B de vir a juntar-se ao autor (assim Mário Aroso de Almeida, Comentário, 3ª edição, págs. 100 – 101 e restante doutrina aí referida)» (acórdão do TCA Sul de 18.10.2012, referente ao processo nº 8722/12).

N. Sucede que o ato administrativo contido na deliberação BP de 29.12.2015 – retransmissão que afeta, especificamente, os direitos e interesses legalmente protegidos dos recorrentes já se consolidou na ordem jurídica, por não ter sido por eles impugnado no prazo de 3 meses previsto na al b) do art 58º, nº 1 do CPTA, pelo que andou bem o tribunal a quo ao referir, citando um acórdão que é «evidente que o requerente pretende fazer valer um interesse próprio … é manifesto que o mesmo foi apresentado muito para além do prazo … previsto para a sua impugnação».

O. Efetivamente, sendo a deliberação BP de 29.12.2015 – retransmissão um ato administrativo plural para que o mesmo não se consolidasse na ordem jurídica quanto aos recorrentes deveria ter sido por eles impugnado dentro do prazo legal para o efeito.

P. Como já explicitou, no presente processo, o BP – autor do ato – a deliberação do BP de 29.12.2015 – retransmissão embora esteja formalizada num documento único, integra tantos atos individuais quantos são os seus destinatários, na medida em que a mesma operou a retransmissão do N…. para o B….. de um conjunto de cinco séries de obrigações sénior – identificadas no anexo 1 à deliberação – que integram inúmeras obrigações com denominação mínima de €: 100.000,00.

Q. O mesmo é dizer que cada detentor dessas obrigações uns de apenas uma obrigação e outros de diversas obrigações) é destinatário da deliberação do BP de 29.12.2015 – retransmissão num interesse próprio – a posição jurídica dos recorrentes é afetada de forma diversa.

A. Pelo que os destinatários daquela deliberação apenas têm legitimidade para impugnar a parte ou o segmento da deliberação que afeta os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

B. Os autores apenas impugnaram aquele segmento da deliberação que se reporta às especificas obrigações que detêm e não às obrigações detidas pelos recorrentes.

C. Cada ato singular formalmente integrado no ato plural tem autonomia contenciosa própria, pelo que o eventual efeito de não consolidação na ordem jurídica resultante da impugnação administrativa não compreende os atos que não forma objeto de impugnação em juízo – no caso concreto, o ato administrativo que regula a situação jurídica dos recorrentes não tendo sido impugnado no prazo legal de 3 meses, ficou consolidado na ordem jurídica.

D. Por todo o exposto, andou bem o Ilustre Tribunal a quão ao indeferir o pedido de intervenção deduzido pelos requerentes.

E. Devendo V Exas confirmar na plenitude o despacho recorrido».

Também o BP apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:

A. Através da «deliberação retransmissão», o BP decidiu a retransmissão do N……. para o B….. de um conjunto de cinco séries de obrigações sénior que, por força da medida de resolução aplicada ao B….. no dia 3.8.2014, tinham sido inicialmente transferidas para o passivo do N…… .

B. A Deliberação Retransmissão tem muitos destinatários – tantos quantos os detentores de títulos das cinco séries de obrigações sénior retransferidas para o B…… – o que significa que para cada destinatário temos um distinto ato administrativo, ou seja, a cada titular de obrigações corresponde um ato distinto.

C. Embora formalmente contidos num único documento (a designada Deliberação Retransmissão) do que se trata é de um conjunto alargado de atos administrativos, que produzem efeitos jurídicos na situação individual e concreta de cada um dos múltiplos destinatários (todos os titulares de obrigações sénior das séries descritas no anexo à Deliberação Retransmissão).

D. Trata-se, portanto, de um ato plural: formalmente temos um único documento, mas materialmente temos tantos atos individuais quantos os seus destinatários.

E. Como se viu, a Deliberação Retransmissão é um ato plural ou plúrimo, na medida em que determina a substituição do sujeito passivo (passa a ser o B….. em vez do N……) em cada uma das relações jurídicas estabelecidas pelas pessoas – singulares ou coletivas – que eram, no dia 29.12.2015, titulares de um ou mais títulos de obrigações das cinco séries identificados no seu Anexo I.

F. Sendo que os atos plurais devem ser considerados como feixes de atos administrativos, para efeitos de sua impugnação ou, nas palavras do TCA Sul, trata-se de um ato divisível em tantos atos quantos os destinatários individualizáveis», sendo que «cada ato singular formalmente integrado no ato plural tem autonomia contenciosa própria (acórdão de 25.10.2012, processo nº 6288/10).

G. Na medida em que nenhum dos recorrentes impugnou qualquer um dos atos administrativos que, relativamente a cada um deles, determinou a retransferência das suas obrigações sénior do N…… para o B….., os diversos atos administrativos retransmissivos que (alegadamente) afetam os ora recorrentes, encontram-se perfeitamente consolidados na ordem jurídica, pois não foram por eles impugnados dentro do prazo legal de 3 meses.

H. Não é, portanto, admissível que os recorrentes, ancorados numa qualquer ação de impugnação de um ato administrativo contido na Deliberação Retransmissão – na qual se discute unicamente a validade dos atos materiais, nela contidos, que afetam os concretos autores nessa ação – venham, em dezembro de 2016, impugnar um ato praticado no dia 29.12.2015 (e publicitado em 13.1.2016).

I. Até porque nos presentes autos discute-se apenas a legalidade dos atos (materiais) que determinam a retransmissão, do N…… para o B….., dos concretos títulos de obrigações sénior (alegadamente) detidos por cada um dos autores primitivos neste processo, mas já não se inscreve no objeto deste processo a legalidade dos atos que, relativamente a cada um dos ora recorrentes – ou a cada um dos outros detentores de obrigações sénior que existem por esse mundo fora – determinaram a retransmissão dos concretos títulos de obrigações detidos por cada um deles.

J. Os atos materiais que determinaram a retransmissão, do N….. para o B……, dos títulos de obrigações detidos pelos recorrentes encontram-se plenamente consolidados na ordem jurídica, na medida em que não foram impugnados no prazo estabelecido na al b) do art 58º, nº1 do CPTA.

K. Assim, se porventura fosse admitida a intervenção principal espontânea dos recorrentes, então estar-se-ia a fazer tábua rasa do disposto naquela norma do CPTA, facultando-lhes a possibilidade de impugnar atos administrativos que são hoje inimpugnáveis.

L. Para além de que, se fosse admitida a intervenção dos recorrentes, estariam eles habilitados, unicamente, a discutir a validade dos atos administrativos, contidos na deliberação Retransmissão, que determinam a retransmissão das obrigações sénior (alegadamente) detidas por cada um dos autores primitivos no processo, só por estes.

M. O que significa que os recorrentes não poderiam vir discutir nestes autos a validade de outros atos administrativos retransmissivos, que não se inscrevem no objeto do processo e cuja legalidade não está em causa, nomeadamente aqueles que determinaram a retransmissão, do N…… para o B……, das suas obrigações.

N. Decidiu bem o tribunal a quo ao rejeitar o pedido de intervenção principal espontânea apresentado pelos recorrentes, na medida em que o pedido em apreço foi apresentado quando já se mostrava decorrido o prazo de impugnação dos atos administrativos retransmissivos, previsto no art 58º, nº 1, al b) do CPTA.

O. Na verdade, o tribunal a quo limitou-se a acolher a jurisprudência maioritária do STA que propugna pela inadmissibilidade dos incidentes de intervenção principal espontânea quando haja já decorrido o prazo legal (vejam-se, por exemplo, os acórdãos de 19.6.2001, processo nº 18.487-A, de 9.5.2012, processo nº 47903, de 5.4.2001, processo nº 46912, de 13.4.2004, processo nº 485/03, de 9.12.2004, processo nº 42/04).

P. Por outro lado, não é nem unânime nem entendimento pacífico na jurisprudência atual que seja admissível a intervenção principal espontânea após o decurso do prazo para impugnação de atos administrativos.

Q. O que é pacifico e unânime na jurisprudência dos tribunais administrativos é apenas que o art 10º, nº 10 do CPTA veio genericamente admitir a aplicação subsidiária, no contencioso administrativo, de qualquer das formas de intervenção de terceiros reguladas nos arts 311º e segs do CPC.

R. O ponto é que se trata de uma «aplicação subsidiária» (art 10º, nº 10 do CPTA) e sempre «com as necessárias adaptações (art 1º do CPTA), o que significa que a importação dessa solução do processo civil não pode ser feita ao arrepio das normas do CPTA que regulam diretamente o contencioso administrativo.

S. Admitir, «sem mais», de forma automática, a aplicação da figura da intervenção principal espontânea no seio de uma ação administrativa de impugnação de ato administrativo implicaria que se fizesse tábua rasa do estabelecido na al b) do art 58º, nº 1 do CPTA, pois um particular que, vendo caducado o seu direito de ação, poderia «afinal», passados seis meses ou um ano, «impugnar» o ato administrativo.

T. O deferimento da pretensão dos ora recorrentes implicaria claramente «deixar entrar pela janela» aquilo que o CPTA, através da al b) do seu art 58º, nº 1, al b), impede que «entre pela porta».

U. A unidade e coerência do sistema bem como a necessidade de aplicar subsidiariamente e sempre com as necessárias adaptações as normas do processo civil – é dizer, tendo presente as especificidades do contencioso administrativo – não consentem que se acolha a tese que os recorrentes vêm defender neste recurso.

V. O tribunal a quo interpretou e aplicou corretamente as normas postas nos arts 10º, nº 10 do CPTA e nos arts 311º, 312º, 313º do CPC, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura.

W. O CPTA assegura aos recorrentes a existência de um meio processual destinado à impugnação de atos administrativos que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, fixando um prazo de 3 meses para o exercício do direito de ação.

X. Os recorrentes optaram por não instaurar uma ação de impugnação dos atos administrativos retransmissivos – opção que é legitima mas que tem consequências: a caducidade do direito de ação dos recorrentes e a consolidação desses atos no ordenamento jurídico.

Y. Essa solução da lei processual administrativa, já anterior ao CPTA, em nada viola o disposto nos arts 20º e 268º, nº 4 do CRP.

Z. Não merece, pois, a decisão recorrida – que indeferiu o pedido de intervenção principal espontânea deduzido pelos recorrentes – qualquer censura, devendo o presente recurso ser julgado improcedente».


Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta foi notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º, n.º 1 do CPTA e emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Os recorrentes pronunciaram-se sobre o parecer.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

Objeto do recurso – questões a apreciar:

Constitui objeto do recurso apreciar se a decisão recorrida errou ao ter concluído pela inadmissibilidade da intervenção principal espontânea dos ora recorrentes, por estar ultrapassado o prazo para os ora recorrentes impugnarem a deliberação de 29.12.2015, cuja anulabilidade pretendem por adesão à petição inicial dos autores da ação administrativa nº 744/16.5BELSB.

Fundamentação

De facto

O tribunal recorrido, para apreciação e decisão do incidente, considerou provados os seguintes factos:

1 - «A deliberação impugnada nos presentes autos foi praticada no dia 29.12.2015 (acordo e prova documental junta aos autos);
2 -Foi publicada no DR, II Série, em 13.1.2016;
3 - Os AA originários imputam à mesma vícios de invalidade correspondentes ao pedido de anulação da mesma, cf. parte final da p.i.;
4 -A p.i. foi apresentada em juízo, por site, no dia 29.3.2016;
5 - O requerimento em apreço foi apresentado em juízo, por site, no dia 5.12.2016».

De direito
Entendem os recorrentes que a sua situação reúne os requisitos legais para intervir nos autos como autores, por a relação material controvertida respeitar quer aos autores quer aos requerentes/ recorrentes e ter na sua base uma situação de litisconsórcio voluntário, nos termos do art 10º, nº 10 do CPTA, arts 311º e 32º do CPC.

O tribunal a quo fundamentou a decisão recorrida nos seguintes termos:

«A decisão administrativa impugnada é de publicação obrigatória, pelo que o prazo de impugnação da mesma inicia a sua contagem no dia 13.1.2016, data em que foi publicada no DR.

Sendo de 3 meses o prazo de impugnação com vista à anulação das decisões administrativas, tal prazo terminou no dia 13.4.2016 (4." feira) às 24h.

Os Autores primitivos imputam à decisão impugnada vícios que acarretam a anulação, não sendo pedida a declaração de nulidade da decisão.

O requerimento em apreço foi apresentado quando se mostrava já decorrido o prazo de impugnação e por esta razão não irá ser admitido.

Acolhe-se aqui o entendimento perfilhado no Ac. do STA, de 9.5.2002, proc. n.º 047903, onde a questão em apreço foi tratada, mantendo a sua utilidade, pese embora ter sido tirado na vigência da LPTA, uma vez que o CPTA não introduziu alteração ou inovação quanto a esta matéria. Transcreve-se o seguinte excerto do acórdão citado:

«A questão da admissibilidade do incidente da intervenção principal espontânea no recurso contencioso de anulação tem sido decidida por este Supremo Tribunal no sentido da sua admissibilidade, mas não nos precisos termos em que se encontra regulada na lei processual civil (arts. 320º e segs. do CPC), sustentando-se que a mesma tem de ser entendida de acordo com as normas do contencioso administrativo, com a natureza específica deste, e que, como tal, só é admissível quando exercida dentro do prazo em que é permitida ao requerente a impugnação do ato cuja anulabilidade se pretende obter através de tal incidente Em sentido contrário, sustentando a sua admissibilidade nos precisos termos da lei do processo civil, ou seja, a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa, cfr. Freitas do Amaral, Admissibilidade do Incidente de Intervenção Principal em Recurso de Anulação, in "Estudos de Homenagem ao Prof. Castro Mendes", pág. 269 e segs.

Assenta tal posição no pressuposto de que a lei de processo civil apenas é aplicável ao contencioso administrativo, nos termos do art. 1° da LPTA, "supletivamente" e "com as necessárias adaptações", e que a lei processual administrativa apenas prevê (art. 49° do RSTA) uma das modalidades de intervenção de terceiros: a "assistência", devendo daí concluir-se que, não querendo o legislador afastar desta jurisdição os restantes incidente, designadamente, o da intervenção principal espontânea, este só pode ser aceite na jurisdição administrativa na medida em que o regime deste incidente na lei geral não colida com a natureza específica do contencioso administrativo de anulação. Este entendimento jurisprudencial, segundo o qual não é de admitir a intervenção principal espontânea no recurso contencioso de anulação quando o requerente, que, pretendendo exercer um direito próprio, se podia ter coligado com o recorrente, formula o pedido de intervenção depois de expirado o prazo para a impugnação do ato administrativo objeto do recurso, foi acolhido nos Acs. do Pleno de 19.06.2001 - Rec. 18.487-A, e de 26.06.91 - Rec. 21.162, e da Subsecção de 28.11.89 - Rec. 27.245 e de 27.02.86 - Rec. 21.162.

Escreveu-se, a propósito, no primeiro dos referidos arestos do Pleno: «Os requerentes da intervenção podiam recorrer (e coligar-se) em articulado próprio enquanto pudessem impugnar contenciosamente o ato administrativo que consideram lesivo....) A recorrente contenciosa imputa ao ato impugnado vícios que, a verificarem-se, acarretariam apenas a anulabilidade do ato, pelo que o prazo do recurso de tal ato teria de ser apresentado no prazo de 2 meses após a sua publicação. Assim, o instituto da intervenção tem que se entender de acordo com as normas do contencioso administrativo, com a natureza especifica deste. Não pode, pois, através do instituto da intervenção principal espontânea vir admitir-se aquilo que é afastado pelas normas do contencioso administrativo, ou seja, admitir-se que um interessado possa, através de tal instituto, a qualquer momento, recorrer quando o prazo para tal já lhe decorreu e o ato para si se firmou na ordem jurídica».

Na situação sub judice é também claro que ao ato contenciosamente recorrido vêm assacados apenas vícios geradores de mera anulabilidade, e que o mesmo é datado de 09.04.2001, e foi publicado no DR de 15.05.2001. Ora, sendo evidente que o requerente pretende fazer valer um "interesse próprio", e tendo o pedido de intervenção dado entrada neste STA a 31.01.2002, é manifesto que o mesmo foi apresentado muito para além do prazo de 2 meses previsto para a sua impugnação no art. 28°, nº 1, al a) da LPTA, pelo que não poderá ser atendido.
Este entendimento voltou a ser perfilhado no Ac. do STA de 13.1.2004, proc. n.º 0485/03.

Nestes termos, indefiro o pedido de intervenção deduzido pelos requerentes».

Quid iuris?

Nos termos do art 10º, nº 10, 1ª parte do CPTA de 2015 (o aplicável ao caso) é possível um terceiro vir juntar-se ao autor, através de intervenção principal espontânea, num processo de impugnação que aquele tenha intentado com vista à anulação de um ato administrativo.

Isto porque o art 10º, nº 10, 1ª parte admite a aplicação subsidiária do disposto no Código de Processo Civil em matéria de intervenção de terceiros, ou seja, do disposto no art 311º e segs do CPC.

O art 311º do CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.6, aplicável por via do art 10º nº 10 (primeira parte) do CPTA, aprovado pelo DL nº 214-G/2015, de 2.10, prevê que estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32º [litisconsórcio voluntário], 33º [litisconsórcio necessário] e 34º [ações que tem de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges].

O atual art 311º, em relação ao art 320º do anterior CPC, veio limitar o direito de intervenção principal de terceiros, porquanto restringiu esse direito àqueles que estejam em condições de intervir como litisconsorte. Assim, o terceiro que reúna as condições para se coligar com o autor deixa de poder intervir com base na norma citada. Neste sentido, designadamente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.2.2017, processo nº 168/07.5TBAMT-D.P1.

Também, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, por acórdão de 14.9.2017, no processo nº 20778/16.9T8LSB-8, «O novo Código de Processo Civil alterou a configuração do incidente da intervenção principal. Na exposição de motivos da Proposta de Lei que gerou a Lei n.º 41/2013, de 26.06, o legislador deixou claro ter optado por eliminar «a intervenção coligatória ativa, ou seja, a possibilidade de titulares de direitos paralelos e meramente conexos com a do autor deduzirem supervenientemente as suas pretensões, autónomas relativamente ao pedido do autor, na ação pendente, perturbando o andamento desta». Prosseguindo esta finalidade o artigo 311º CPC, (diploma a que pertencem as normas indicadas sem referência) que define o âmbito da intervenção principal espontânea prevê que, estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º,33.º (litisconsórcio voluntário ou/e necessário e 34.º (ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges).

No litisconsórcio voluntário ocorre cumulação de ações conservando cada litigante independência em relação aos compartes, art 32º.

No litisconsórcio necessário há uma única ação com uma pluralidade de sujeitos, art. 33º, sendo necessária a intervenção de todos os titulares para assegurar a legitimidade processual.

Daí que, a intervenção principal, em síntese, abrange as obrigações conjuntas, solidárias, indivisíveis, os direitos de comunhão conjugal ou hereditária e os direitos potestativos de anulação de deliberações sociais ou de preferência plural».

No caso em análise estamos em presença de uma deliberação, com data de 29.12.2015, que decidiu pela retransmissão das obrigações que constam do anexo I – um conjunto de cinco séries de obrigações sénior – do N…… para o B….., com efeitos a partir da data da deliberação.

A Deliberação Retransmissão, como vem sendo designada, tem tantos destinatários quantos os detentores de títulos das cinco séries de obrigações sénior retransferidas para o B…..

Os recorrentes, tal como os autores originários, são titulares de certas obrigações objeto da Deliberação de Retransmissão.

A Deliberação, embora formalmente contida num único documento, como aponta o BP, produz efeitos jurídicos na situação individual e concreta de cada um dos múltiplos destinatários (todos os titulares de obrigações sénior das séries descritas no anexo à Deliberação Retransmissão).

Trata-se, portanto, de um ato plural, em que o BP toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas diferentes (cfr Prof Freitas do Amaral, em Curso de Direito Administrativo, II vol., 2002, pág. 229), em que determina a substituição do sujeito passivo (passa a ser o B…… em vez do N…..) em cada uma das relações jurídicas estabelecidas pelas pessoas – singulares ou coletivas – que eram, no dia 29.12.2015, titulares de um ou mais títulos de obrigações das cinco séries identificados no seu Anexo I.

Neste caso, sob a aparência de um único ato administrativo o que existe, na realidade, são vários atos administrativos, que não perdem a sua individualidade, incluindo a impugnação em juízo (cfr Luiz Cabral de Moncada, em CPA anotado, 2015, pág. 527 e Acórdão do TCA Sul, de 25.10.2012, processo nº 6288/10).

Assim, o caso em análise não consubstancia uma única relação jurídica material, antes pressupõe uma pluralidade de relações jurídicas.

O que configura uma situação de coligação, nos termos e para efeitos do disposto no art 12º do CPTA, e não de litisconsórcio voluntário previsto no art 32º, nº 1 do CPC ex vi art 10º, nº 10º do CPTA, como defendem os recorrentes.

O litisconsórcio distingue-se da coligação pela relação material controvertida. No primeiro caso é uma só, ao passo que na coligação são duas ou mais (cfr Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 3.ª edição, pág. 105; A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., 3ª edição, pág. 302; Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pág. 138 e139).

A deliberação impugnada incorpora diversas relações materiais controvertidas, referentes a cada um dos autores «primitivos», aos ora recorrentes e a outros titulares de obrigações sénior das séries descritas no anexo à Deliberação Retransmissão. Da deliberação não dimana uma única relação material controvertida que respeite a várias pessoas.

Motivo pelo qual, os recorrentes não assumem a qualidade de litisconsortes face aos autores «primitivos» da ação.

É manifesto pois que estamos fora da situação de litisconsórcio voluntário, e menos ainda necessário, o que significa que a situação invocada no requerimento inicial do presente incidente não preenchia nenhuma das situações previstas no art 311º do CPC aplicável por força do art 10º, nº 10, 1ª parte do CPTA – interesse igual ao do autor, nos termos dos arts 32º e 33º do CPC.

Sendo por isso o incidente de intervenção principal espontânea requerido inadmissível nos termos da lei.

Em suma, os recorrentes não se podem juntar aos autores na ação administrativa de impugnação da deliberação do BP, de 29.12.2015, porque não se verificam os requisitos do litisconsórcio, necessários para a intervenção principal espontânea, e não porque deixaram passar o prazo legal dos três meses, do art 58º, nº 3, al b) do CPTA, para reagir contra a mesma deliberação (que a doutrina até admite – cfr Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pág. 122).

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso com fundamentação diferente da decisão recorrida.


Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
*
Lisboa, 2019-05-09,

(Alda Nunes)

(José Gomes Correia)

(António Vasconcelos).