Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1264/18.9BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ACESSO À INFORMAÇÃO;
INTIMAÇÃO;
DADOS CLÍNICOS;
SEGURADORA;
DECLARAÇÃO
Sumário:i) A propriedade da informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos é da pessoa a quem essa informação respeita, «sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação (cfr. art. 3.º, nº 1, da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro).

ii) Nos termos do art. 1.º, n.º 3, da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (LADA), “[o] acesso a informação e a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, produzidos ou detidos pelos órgãos ou entidades referidos no artigo 4.º [“Âmbito de aplicação subjectivo”], quando efetuado pelo titular dos dados, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido na informação, rege-se pela presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais”.

iii) A declaração autónoma subscrita por segurado, conferindo à seguradora o acesso a determinados dados de saúde da sua titularidade, consubstancia uma autorização explícita e específica nos termos previstos no artigo 6.º, n.º 5, a), da LADA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

S................, SA. interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, no processo de intimação para prestação de informações e passagem de certidões por si instaurado contra a USF – Alma Mater (Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP.), julgou improcedente o pedido de intimação formulado quanto à consulta de cópia do processo clínico de Manuel ................ ou, em alternativa, de um relatório médico actualizado com a menção a doenças e respectivas datas de diagnóstico do referido paciente.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1. A Recorrente não se conforma com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual veio julgar a presente acção de intimação totalmente improcedente, não intimando, assim, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. - USF ALMA MATER a prestar a informação clínica solicitada à ora Recorrente.

2. Vejamos, no seguimento de óbito de Manuel ................, a ora Recorrente solicitou, por carta expedida no dia 22.02.2018, junto da USF ALMA MATER – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., o envio de cópia do processo clínico do segurado ou, em alternativa, Relatório médico actualizado com menção a doenças e respectivas datas de diagnóstico.

3. Para legitimar tal pedido de acesso a dados de saúde de Manuel ................, a ora Requerente juntou cópias das declarações de saúde assinadas pelo mesmo, as quais são parte integrante do contrato de seguro de vida grupo – “Crédito à Habitação”, subscrito em 14.07.2006 pelo falecido.

4. Sucede que, a USF ALMA MATER – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. recusou tal pedido.

5. Facto com a qual a ora Recorrente não se conformou, tendo apresentado Queixa junto da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), nos termos do art. 16.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (LADA).

6. No seguimento da interposição de tal Queixa foi a Recorrente notificada do Parecer n.º 441/2018, emitido pela CADA, junta sob. doc 4.

7. Sucede que, não obstante, o parecer emitido pela CADA, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P (USF Mater), aqui Recorrida, não remeteu à Recorrente a documentação solicitada.

8. Facto com a qual a Recorrente não se conformou, nem se pode conformar, tendo como tal intentado a douta acção de intimação.

9. Ora, veio o douto Tribunal negar o acesso da Requerente ao processo clínico do seu segurado com o fundamento de que “(…) não estando a Requerente munida de uma autorização escrita expressa e específica de acesso a dados de saúde, nem sendo a Requerente titular de um interesse constitucionalmente protegido no acesso às informações de saúde do seu segurado, cabe concluir que a mesma não tem direito a obter a informação por si pretendida (cfr. artigos 7.° e 6.°, n.° 5, da LADA).”

10. Nos termos do n.º 3 da lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro, a propriedade da informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos é da pessoa a quem essa informação respeita.

11. Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto: “ O acesso a informação e a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, produzidos ou detidos pelos órgãos ou entidades referidos no artigo 4.º, quando efetuado pelo titular dos dados, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido na informação, rege-se pela presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais.”

12. Além disso, dispõe o n.º 5 do art.6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto: “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos: a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder; b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.” .

13. No presente caso, e tal como se poderá aferir do clausulado junto, a Pessoa Segura, aquando da celebração do Contrato de Seguro consentiu de uma forma livre, informada, expressa e específica o acesso ao seu processo clínico, por parte da Seguradora, através do seu médico conselheiro.

14. Atente-se especificamente, no seguinte: A Recorrente, através do seu médico conselheiro, ficou expressamente autorizada a aceder a “toda e qualquer informação” de saúde do segurado de “que possa necessitar” “mesmo após a ocorrência de um sinistro coberto por este contrato”.

15. Ademais, como concluiu, e bem, a CADA, no seu douto parecer: a Requerente se encontra munida de autorização escrita de acesso à informação de saúde do respetivo segurado, nela se compreendendo o processo clínico daquele, na parte abrangida por aquela autorização, nos termos previstos na al. a) do n.º 5 do art. 6.º da LADA, devendo por isso ser-lhe facultada a informação pedida.

16. A CADA pronunciou-se através do seu Parecer n.º 441/2018, concluindo da seguinte forma: “´7. No caso em apreciação, a requerente invoca estar munida de autorização escrita do segurado para aceder ao processo clínico deste, subscrita nas declarações que integram o contrato de seguro (cf. fls. 1 do processo).”

17. Vejamos, procedendo ao enquadramento de direito da questão controvertida, ao pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, aplica-se o disposto no artigo artº 268º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como a lei 26/2016, de 22 de Agosto e a lei 67/98, de 26 de Outubro.

18. O artigo 268.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) dispõe que os cidadãos têm direito de acesso "aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à … intimidade das pessoas".

19. Por sua vez, o artigo 26.º n.º 1 da CRP reconhece o direito à identidade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada.

20. Não se coloca em causa que os dados relativos à saúde pessoal integram o âmbito de protecção legal e constitucional do direito à reserva da intimidade da vida privada, conforme, aliás, dispõem os arts. 80.º do CC e o referido art. 26.º da CRP;

21. Não obstante este direito, não é absoluto;

22. Destarte, o direito de acesso, o direito à protecção de dados e o direito à reserva da intimidade da vida privada, direitos fundamentais, não são absolutos, sendo que inexiste entre os direitos fundamentais relação de hierarquia ou de generalidade-especialidade, estando sujeitos à ponderação casuística e sequencial com outros direitos de acordo com um critério de proporcionalidade, face aos valores em jogo.

23. Por estarmos perante um direito constitucionalmente consagrado, a intromissão na esfera privada da pessoa, ou seja, o acesso à sua documentação clínica só é permitida a terceiro que estiver munido de autorização escrita expressa e demonstrar ser titular de um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente.

24. In casu, a Seguradora é portadora de um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante, segundo o princípio da proporcionalidade, uma vez que, só mediante o acesso a todos os elementos que considere necessários, poderá ter um real conhecimento das causas em que o sinistro ocorreu e atestar da cobertura do mesmo pela apólice em causa.

25. Na verdade, trata-se de aceder a documentação médica de onde podem resultar factos relevantes para a verificação dos pressupostos da obrigação da seguradora pagar o valor de uma indemnização em virtude da morte da pessoa segura

26. Acresce que, aquando da subscrição do contrato de seguro, a segurada consentiu de forma expressa, livre e informada, a Seguradora a aceder a tal documentação.

27. Pelo que se consideram inequivocamente verificados todos os pressupostos de que a lei faz depender o acesso à documentação clínica por parte de terceiros e, como tal, por parte da ora Recorrente.

28. De facto, uma vez salvaguardados os princípios da dignidade da pessoa humana, não se vê em que medida ou a título de que direito constitucional ou administrativo se pode subtrair a todos e quaisquer terceiros o conteúdo de documentos contendo informações de saúde, tanto mais quando a terceira em causa, ora Recorrente, para além de se encontrar munida do consentimento expresso e escrito da Segurada, é titular daquele interesse directo, pessoal e legitimo suficientemente relevante, sendo que só assim se poderão cumprir proporcional e adequadamente as necessidades da realidade do comércio jurídico.

29. Acresce que, não será admissível impor às Seguradoras a aceitação ou o pagamento de todo e qualquer risco/prejuízo, no pressuposto que estes possam ser inerentes à mera celebração de um contrato de seguro uma vez que, a admitir-se tal facto sem se exigir em contrapartida a verificação de certos pressupostos, de resto explanados nos contractos e do conhecimento dos Segurados que os subscrevem, violar-se-ia, por completo, o equilíbrio contratual das partes.

30. Por outro lado, a obtenção por parte da Seguradora de dados relativos ao estado de saúde e caudas de morte, ao contrário do que invoca a Recorrente, em nada colide com os direitos dos Segurados, porquanto estes são obtidos com a finalidade exclusiva de atestar que as declarações que os Segurados prestaram aquando da celebração dos contractos são verdadeiras, sendo sempre garantida a confidencialidade inerente aos mesmos, porque facultados a médicos designados pelas Seguradoras e, como tal, não atentam a quaisquer direitos dos Segurados como sendo o direito de reserva da vida privada e intimidade das pessoas.

31. Do exposto, resulta que a ora Recorrente tem o direito de aceder à informação pretendida, devendo, assim revogar a douta decisão, e consequentemente ser intimado a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. (USF ALMA MATER) a prestar à Recorrente, a informação que lhe foi solicitada pelo médico conselheiro da Companhia.

Não foram apresentadas contra-alegações.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.


Com dispensa de vistos, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o tribunal a quo errou ao não ter intimado a ora a Recorrida a fornecer os elementos clínicos requeridos.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) Em 14 de Fevereiro de 2006, foi celebrado entre a Requerente, como tomador do seguro, e Manuel ................ e Florinda ................, como pessoas seguras, um Contrato de Seguro de Vida Grupo – Crédito à Habitação — cfr. documento de fls. 12 a 19 do processo físico (documento n.º 2 junto com a petição de intimação), cujo teor se dá por reproduzido;

B) No boletim de adesão assinado por Manuel ................ Por ofício de 4 de Setembro de 2017, o Director do Agrupamento de Escolas de Santa Catarina enviou à Autora uma resposta ao requerimento referido no parágrafo anterior com o seguinte teor:

«As Pessoas Seguras aderem ao presente Contrato e declaram: - Ter conhecimento que os riscos resultantes de doenças profissionais, acidentes de trabalho ou de qualquer tipo de actividade profissional estão excluídos de todas as coberturas da presente apólice, caso a adesão ao seguro seja aceite pela Seguradora mediante a estipulação da exclusão dos riscos profissionais a constar dos Certificados Individuais remetido às Pessoas Seguras conjuntamente com a Informação sobre as condições da aceitação de adesão ao seguro; - Aceitar um agravamento até 25% do prémio Inicial, que venha a ser decidido pela Seguradora em consequência da análise da sua situação clínica e/ou profissional; - Terem respondido com veracidade, exactidão e sem omissões às perguntas constantes na declaração de saúde e têm conhecimento que falsas declarações, inexactidões ou omissões que possam influir na avaliação do risco levam à anulação do Certificado Individual de Seguro; - Autorizar expressamente mesmo após a ocorrência de um sinistro coberto por este Contrato de Seguro, qualquer médico e hospitais/clínicas a facultar à Seguradora, através do seu médico conselheiro, toda e qualquer informação que possa necessitar, tendo a garantia de confidencialidade, - Previamente ao acto de preenchimento deste boletim de adesão ter tomado conhecimento das condições contratuais, através de especímenes que lhe foram fornecidos e consentir na efectivação do presente contrato; - Que lhes foi entregue um exemplar das Condições Gerais e Especiais do seguro de Vida Crédito à Habitação que constitui parte integrante deste Boletim da Adesão que subscrevemos. Com a entrega do tal exemplar das Condições Gerais a Especiais foram prestadas todas as informações e os esclarecimentos que solicitámos sobre o teor das cláusulas do contrato de seguro que pretendemos aderir. - Que a morada constante do Boletim de Adesão corresponde à dos ficheiros constantes no Banco, sendo a actual residência habitual, salvo indicação em contrário, por comunicação à Seguradora, por carta registada. (…)» − cfr. documento de fls. 18 e 19 do processo físico (documento n.º 2 junto com a petição de intimação), que se dá por reproduzido;

C) A cláusula I.10.1 das Condições Gerais do contrato de seguro referido nos parágrafos anteriores tem o seguinte teor:

«I.10. Pagamento das importâncias seguras

I.10.1. O pagamento de qualquer importância relativa a esta Apólice, só será exigível após solicitação à Seguradora, acompanhada dos documentos justificativos exigidos nas Condições Especiais da modalidade contratada» − cfr. documento de fls. 13 do processo físico (documento n.º 2 junto com a petição de intimação), que se dá por reproduzido;

D) A cláusula II.9.2 das Condições Especiais – Cobertura Principal de Morte do contrato de seguro referido nos parágrafos anteriores tem o seguinte teor:

«II.9. Liquidação das importâncias seguras

(…)

II.9.2. O pedido de liquidação das importâncias seguras deverá ser acompanhado dos seguintes documentos:

a) cópia do certificado de óbito;

b) (…)

c) Atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte;

d) Auto de polícia em caso de acidente;

e) Cópia do relatório da autópsia sempre que realizada;

f) (…)

g) Todos os documentos que a Seguradora considera necessários para comprovar o direito ao pagamento do capital seguro» − cfr. documento de fls. 14 do processo físico (documento n.º 2 junto com a petição de intimação), que se dá por reproduzido;

E) Na sequência do óbito de Manuel ................, através de carta de 22 de Fevereiro de 2018, a Requerente solicitou à USF Alma Mater o envio ao seu médico conselheiro Dr. Augusto ................ de cópia do processo clínico de Manuel ................ − cfr. documento de fls. 10 do processo físico (documento n.º 1 junto com a petição de intimação), que se dá por reproduzido;

F) Perante a ausência de resposta ao pedido de informação referido no parágrafo anterior, a Requerente apresentou queixa junto da CADA − cfr. documento de fls. 20 a 31 do processo físico (documento n.º 3 junto com a petição de intimação), que se dá por reproduzido;

G) Em 23 de Outubro de 2018, a CADA emitiu o parecer n.º 441/2018, com o seguinte teor:

«Queixa de: S................ S.A.

Entidade requerida: USF ALMA MATER [Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo I.P.]

I - Factos e pedido

1. A S................, S. A., apresentou queixa contra USF ALMA MATER, serviço desconcentrado da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo 1, P. (cf. fl. 1 a 24 do processo), na sequência de ausência de resposta ao seu pedido de envio de cópia do processo clínico do seu segurado falecido, M. (...) no âmbito de seguro de vida grupo - "Crédito à habitação”. A requerente fundamenta a sua pretensão com o facto de «[...) o cliente M. [...) ter autorizado expressamente o acesso a documentação clínica e a relatórios clínicos respeitantes à evolução do seu estado clínico [...). (cf. fls. 5 e 6 do processo) e indica o respetivo médico conselheiro ao qual a informação de saúde deverá ser remetida (cf. fls. 5 e 6 do processo)

2. Junto ao pedido encontra-se cópia das condições do contrato de seguro de vida grupo crédito habitação «Vida Habitação - Vida Habitação Total» do S................ (cf. fls. 7 a 16 - condições gerais e de fls. 16 a 17 - condições especiais) e cópia do boletim de adesão ao seguro de vida grupo subscrito por M. (...) e pelo respetivo cônjuge, no qual declaram (§5a) «Autorizar expressamente, mesmo após a ocorrência de um sinistro coberto pelo Contrato de Seguro, qualquer médico e hospitais/clínicas, a facultar à Seguradora, através do seu médico conselheiro, toda e qualquer informação que possa necessitar, tendo a garantia de confidencialidade.» (cf. 21 a 23 do processo).

3. No mesmo Boletim os segurados declaram ainda que: «Previamente ao acto de preenchimento deste Boletim de Adesão ter tomado conhecimento das condições contratuais (...) e consentir na efectivação do presente contrato;» e que «(...) lhes foi entregue um exemplar das Condições Gerais e Especiais do seguro de Vida Crédito à Habitação que constitui parte integrante deste Boletim de Adesão que subscrevem. (...)» (cf. § 6 e 7 de fls. 23 do processo). 4. Dispõe a cláusula 1.10 das Condições Gerais, com a epígrafe «Pagamento das Importâncias Seguras»: «1.10.2, a Seguradora reserva-se o direito de solicitar elementos adicionais de informação ou de proceder às averiguações que entenda convenientes para um melhor esclarecimento da natureza e extensão das suas responsabilidades, sem prejuízo do ónus da prova impender sobre os beneficiários das garantias.» (cf. fls. 11 do processo). 5. Nos termos da cláusula II.9.2. das condições especiais, «o pedido de liquidação das importâncias seguras deverá ser acompanhado pelos seguintes documentos: c) atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte; (...) e) cópia do relatório da autópsia sempre que realizada; (...) todos os documentos que a seguradora considere necessários para comprovar o direito ao pagamento do capital seguro.» (cf. fls. 14 do processo). 6. A requerente conclui a queixa pedindo que «(...) seja deferido o envio da cópia do processo clínico de M. (...) com vista ao apuramento da causa da morte do segurado» e a intimação da Requerida para o efeito, (cf. fls. 4 do processo, nos termos dos art.º 104.º e seguintes do CPTA).

7. Notificada para responder à queixa, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 16.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, a entidade requerida veio solicitar o indeferimento do pedido de acesso por (i) «inexistência de manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida»; a (ii) «inexistência de interesse pessoal, legítimo e direto da Requerente» e a (iii) «desproporcionalidade do pedido da Requerente» (cf. fls. 28 a 35 do processo).

II - Apreciação jurídica

1. Preliminarmente, esta Comissão aprecia a presente queixa no quadro do disposto no artigo 16.º e 30.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, através da emissão de parecer.

2. Está, pois, fora das competências da CADA qualquer intimação das entidades requeridas para satisfação dos pedidos de acesso. O poder de intimação cabe aos tribunais, conforme disposto nos art.ºs 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativas [CPTA). Assim, a intimação solicitada pela Requerente não pode ser considerada. 3. Na situação sub judice está em causa aferir da legitimidade da requerente, na qualidade de seguradora e parte contratante de contrato de seguro de vida, para aceder ao processo clínico de segurado falecido, no âmbito do respetivo contrato de seguro. 4. A entidade requerida encontra-se sujeita à LADA [cf. alínea d), n.º 1, do artigo 4.º, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, diploma que regula o acesso à informação administrativa e ambiental e a reutilização dos documentos administrativos (doravante, LADA)]. O artigo l.º, n.º 3, do mesmo diploma determina que «O acesso a informação e a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, produzidos ou detidos pelos órgãos ou entidades (...)» sujeitos à LADA, «(...) por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre ser titular de um interesse direto, pessoal legítimo e constitucionalmente protegido na informação, rege-se pela presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais.».

5. Tratando-se no caso de pedido de acesso a informação de saúde, importa notar que a propriedade desta, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, é da pessoa a quem a informação respeita (cf. n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro).

6. Sobre o acesso de terceiros a dados nominativos de outrem, determina o n.º 5 do art.º 6.º da LADA que «Um terceiro só tem acesso a documentos nominativos:

a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;

b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.»

7. No caso em apreciação, a requerente invoca estar munida de autorização escrita do segurado para aceder ao processo clínico deste, subscrita nas declarações que integram o contrato de seguro (cf. fls. 1 do processo).

8. Conforme resulta da matéria de facto (supra n.º 2), a pessoa a quem os dados de saúde respeitam (segurado) consentiu expressamente que a seguradora, através do respetivo médico conselheiro, acedesse a «toda e qualquer informação que possa necessitar», «mesmo após a ocorrência de um sinistro coberto pelo Contrato de Seguro (...)». Para o efeito, o segurado emitiu uma autorização a «qualquer médico e hospitais/clínicas» para facultar à seguradora os referidos dados (§5 - de fls. 23 do processo). Tratando-se de um seguro de vida, a morte do segurado é um dos sinistros cobertos pela respetiva apólice, pelo que o consentimento em causa confere à seguradora o acesso à informação de saúde do segurado também após a morte deste (cf. Condições especiais - cobertura principal de morte - fls. 13 do processo). 9. Acresce a todas estas declarações que o segurado voltou a afirmar no respetivo Boletim de Adesão ter tomado conhecimento das condições contratuais, «(...) consentir na efectivação do presente contrato;» e confirmou que «(...) lhe[..J foi entregue um exemplar das Condições Gerais e Especiais do seguro de Vida Crédito à Habitação que constitui parte integrante deste Boletim de Adesão que subscreve [...]» (§6 e 7 de fls. 23). 10. O segurado declarou ainda ter tido conhecimento prévio das condições contratuais e que nessas circunstâncias consentiu «na efectivação do presente contrato» (§ 6 e 7 de fls. 23 do processo], sendo certo que o segurado dispôs de um «(...) prazo de trinta a contar da data da recepção do Certificado Individual para expedir carta registada, enviada para o endereço da Seguradora, revogando a sua adesão ao Contrato.» (cf. cláusula especial da Cobertura Principal de Morte - 11.12., com a epígrafe «Revogação» a fls. 15 do processo). Não tendo o segurado exercido o referido direito de revogação, considera-se, por isso, atualizado e reiterado o consentimento que já prestara.

11. Do exposto se conclui que a requerente se encontra munida de autorização escrita de acesso à informação de saúde do respetivo segurado, nela se compreendendo o processo clínico daquele, na parte abrangida por aquela autorização, nos termos previstos na alínea a) do n.º 5 do art.º 6.º da LADA, devendo por isso ser-lhe facultada a informação pedida.

III - Conclusão

Nos termos expostos, deverá ser facultado à requerente o acesso à informação de saúde que solicitou.

Comunique-se» − cfr. documento de fls. 32 a 34 do processo físico (documento n.º 4 junto com a petição de intimação), que se dá por reproduzido;

H) Por ofício de 12 de Novembro de 2018, remetido ao Mandatário da Requerente no procedimento administrativo de acesso à informação não procedimental, a Entidade requerida informou a Requerente do seguinte:

«Assunto Seguro de vida crédito habitação

Certificado 15/................ - Sinistro 15/................

Sinistrado: Manuel ................

A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. (doravante, ARSLVT), tendo sido notificada do Parecer n.9 441/2018 da CADA e com ele não se conformando, vem muito respeitosamente informar V. Exa. que não disponibilizará a informação requerida.

Com efeito, entende a ARSLVT que o alegado consentimento, prestado pelo falecido utente Manuel ................ e que sustenta a favorabilidade do parecer, não resulta de uma manifestação de vontade expressa, específica, livre, informada e esclarecida (conforme fundamentação de resposta à CADA, para a qual se remete). Mais entende a ARSLVT que a CADA não procedeu à análise substancial do alegado consentimento, limitando-se a verificar a sua existência formal.

Pelo exposto e pelo facto de o parecer em questão não ter caráter vinculativo, mantém-se a decisão de indeferimento do pedido» – cfr. documento de fls. 45 do processo físico (documento n.º 1 junto com a contestação), que se dá por reproduzido.



Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.


II.2. De direito

A Recorrente imputa erro de julgamento de direito à sentença recorrida, sustentando que tem o direito de aceder à informação pretendida, devendo, portanto, revogar-se aquela e ser intimada a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. (USF ALMA MATER) a prestar a informação que lhe foi solicitada pelo médico conselheiro da Seguradora.

Alega que a Seguradora é portadora de um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante, segundo o princípio da proporcionalidade, uma vez que, só mediante o acesso a todos os elementos que considere necessários, poderá ter um real conhecimento das causas em que o sinistro ocorreu e atestar da cobertura do mesmo pela apólice em causa. Que se trata de aceder a documentação médica de onde podem resultar factos relevantes para a verificação dos pressupostos da obrigação da seguradora pagar o valor de uma indemnização em virtude do óbito da pessoa segura. Sendo que, aquando da subscrição do contrato de seguro, a pessoa segurada consentiu de forma expressa, livre e informada, a Seguradora a aceder a tal documentação.

Conclui que estão verificados todos os pressupostos de que a lei faz depender o acesso à documentação clínica por parte de terceiros e, como tal, por parte da ora Recorrente.

No mesmo sentido pronunciou-se a CADA no parecer nº 441/2018, conforme se extrai da al. G) do probatório.

Como se viu, no tribunal a quo a intimação foi indeferida, julgando-se para o caso irrelevante saber se o consentimento prestado por Manuel ................ devia obedecer aos requisitos previstos na Lei da Protecção de Dados Pessoais, bem como se a cláusula do contrato de seguro que exige a apresentação de relatório médico de onde constem as causas, início, e duração da doença que causou a morte do segurado é nula nos termos dos artigos 12.° e 21.°, alínea g), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, por modificar os critérios de repartição do ónus da prova. Concluindo-se que a ora Recorrente não demonstrou ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justificasse o acesso à informação (cfr. artigo 6.°, n.°5, alínea b), da LADA).

Em síntese, no tribunal a quo sustentou-se que a Requerente e ora Recorrente não estava munida de uma autorização escrita expressa e específica de acesso a dados de saúde, nem era a Requerente titular de um interesse constitucionalmente protegido no acesso às informações de saúde do seu segurado. Pelo que a mesma não teria direito a obter a informação por si pretendida.

Sobre esta mesma questão já se pronunciou este TCAS, designadamente, no acórdão de 5.04.2018, no proc. nº 2585/17.3BELSB (subscrito pelo ora relator na qualidade de 2.º adjunto). E não vemos fundamento para divergir do aí decidido.

Assim, aderindo à sua fundamentação, passamos a transcrever o identificado acórdão na sua parte relevante:

“(…)

A problemática trazida a recurso pelas conclusões centra-se em saber:

A. “(..) se no caso concreto, estamos perante um consentimento que resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida, tal como obrigam os artigos 6º nº 5 al. a) da LADA e artigos 3º al. h), 6º e 7º nº 2 da LPDP (..)” – itens 2, 3, 4 e 8 das conclusões;

B. “(..) se as cláusulas apostas em contratos de seguro que exigem a apresentação de relatório de onde constem as causas, início e duração da doença que causou a morte do de cujus são nulas nos termos do artigo 12º e 21º al. g) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (..)” – item 9 das conclusões.

1. consentimento expresso da segurada/declarante;

Não sofre dúvidas que os dados relativos à saúde pessoal estão abrangidos pelo âmbito de protecção legal e constitucional do direito à reserva da intimidade da vida privada, nos termos dos artºs 80º C. Civil e 26º da Constituição, conforme se pode retirar da fundamentação constante dos Acs. do Tribunal Constitucional nºs. 355/97 de 07.05.1997 e 368/02 de 25.09.2002, sendo que tal protecção se estende para além do facto morte da pessoa titular, nos termos consignados no artº 71º C. Civil.

No caso trazido a recurso, a questão da existência de consentimento expresso por escrito prestado em vida da segurada/declarante, entretanto falecida, no sentido de permitir que após a sua morte a ora Recorrida tenha acesso aos dados de saúde no âmbito do contrato de seguro, foi objecto de fundamentação em sede de sentença e obteve resolução positiva, conforme se verifica pelo segmento transcrito:

“(..)Da factualidade provada resulta que, aquando da celebração do contrato de seguro de vida, … assinou um documento onde declara autorizar o segurador a aceder ao certificado de óbito e a documento comprovativo das causas e circunstâncias em que ocorreu o falecimento, bem como a informações relacionadas com o seu estado de saúde anteriormente à celebração do contrato e, eventualmente, a proceder às averiguações que para esse efeito considere necessárias, junto das competentes entidades competentes [alínea b) dos factos provados].

Nesta medida, conclui-se que a requerente se encontra autorizada, pela respectiva titular, a aceder a informação de saúde de …..

Contudo, e atendo o disposto no artigo 7º, nº 3, da LADA, apenas deve ser facultada à requerente a informação expressamente abrangida pelo instrumento de consentimento (..)”

No mesmo sentido se pronunciou este TCAS no acórdão de 01.03.2012 tirado no rec. nº 8472/12, em que se sumariou:

“ - O consentimento expresso e escrito para o acesso à informação médica, dado em vida, através de um contrato de seguro, terá de se ter por bastante para o cumprimento do exigido nos artigos 2º e 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.01 e 6º, n.º 5 e 7º da Lei n.º 46/2007, de 24.08.

- Da aplicação conjugada dos artigos 2º, 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.12, e 2º, n.º 3, da Lei n.º 46/2007, de 24.08, conclui-se, que em caso de morte do titular do direito à informação, terceiro que vise o acesso aos seus dados de saúde – caso não esteja munido de um consentimento dado em vida – sempre poderá aceder a tais dados desde que demonstre um interesse directo, pessoal e legítimo, nos termos do artigo 2º, n.º3 e 6º, n.º5, da Lei n.º 46/2007, de 24.08.

E se fundamentou como segue:

“(..)No que à Lei n.º 12/2005, de 26.12, diz respeito, verifica-se, ainda, que não obstante no artigo 2º, referir que a «informação de saúde abrange todo o tipo de informação directa e indirectamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar», no artigo 3º, n.º 1, refere que essa informação «é propriedade da pessoa».

É tal «pessoa» a «titular» da informação, quem pode dar o «consentimento» a terceiros para acederem à sua informação de saúde – cf. artigo 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.12.

Ora, com a morte do proprietário da informação de saúde, torna-se objectivamente impossível que este dê dar um consentimento para um eventual acesso aos seus dados de saúde.

Logo, da aplicação conjugada dos artigos 2º, 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.12, e 2º, n.º 3, da Lei n.º 46/2007, de 24.08, ter-se-á que concluir, que em caso de morte do titular do direito à informação, terceiro que vise o acesso aos seus dados de saúde – caso não esteja munido de um consentimento dado em vida – sempre poderá aceder a tais dados desde que demonstre um interesse directo, pessoal e legítimo, nos termos do artigo 2º, n.º 3 e 6º, n.º 5, da Lei n.º 46/2007, de 24.08.

No caso em apreço, esse interesse é indicado pelo Recorrido, como o que deriva das cláusulas 8º, n.º 2, alínea c), e 10.1 das condições gerais do contrato de seguro de vida e do objectivo da seguradora de atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do segurado, assim como, se as suas declarações de saúde aquando da celebração do contrato eram verdadeiras.

Ora, tais invocações do Recorrido, constituem também um interesse directo, pessoal e legítimo, que legitima o acesso à informação (cf. ainda a cláusula 4.2 das condições gerais daquele contrato, que foi dado por reproduzido nos factos assentes).

Lembramos, ainda, que conforme o artigo 71º, n.º 3, do CC, se a ilicitude da ofensa do direito de personalidade que goze de protecção após a morte do titular, face ao artigo 71º, n.º 1, desse código, resultar da falta de consentimento, só as pessoas indicadas no n.º 2 do mesmo artigo, têm legitimidade conjunta ou separadamente, para obstar em termos legais a essa ilicitude.

Está apenas na disponibilidade de tais pessoas a protecção estipulada no artigo 71º, n.º 1, do CC. Ou seja, se essas pessoas não exercerem o seu direito relativo àquela protecção da pessoa falecida, fica prejudicada a protecção dos direitos ofendidos.

Consequentemente, não cabe ao ora Recorrente obstar à satisfação do direito de informação do Recorrido, com fundamento em que não existe qualquer consentimento prestado pelo de cujos, porque o formulário tipo de onde consta a sua assinatura não apresenta qualquer consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido, porque, os artigos 2º e 3º da dessa Lei n.º 12/2005, de 26.01 e 6º, n.º 5 e 7º da Lei n.º 46/2007, de 24.08, apenas exigem a autorização expressa, que foi prestada.

Esses são os únicos diplomas aplicáveis no caso sub judice, pois a Lei n.º 67/98, de 26.10, não é aqui aplicável, como dissemos.

A imposição por banda da Recorrente de outra forma de consentimento, apresenta-se, assim, como uma restrição infundada ao direito de informação da Recorrida, porque não justificada pela protecção de outros direitos fundamentais ou de natureza análoga (pois José deixou de ter direitos de personalidade com a morte).

Por último, a eventual falta de consentimento só poderia ser invocada pelas pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 71º do CC, não tendo o ora Recorrente legitimidade para se substituir a essas pessoas naquela protecção (cf., a este propósito, José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 95 a 104 e «Direito de Acesso aos Documentos Administrativos», in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 204 e 205) (..)”,

Bem como no acórdão de 08.03.2012 tirado no rec. nº 8471/12, em que se sumariou:

“- Sobre o pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, rege o artº 268º, nº 2 da CRP, os artºs. 2º nº 3, 3º nº 1, 5º e 6º nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08 (LADA) e os artºs. 2º e 3º da Lei nº 12/2005, de 26/01, por estar em causa documentos administrativos nominativos, de acesso restrito, porque abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada.

- A Lei nº 67/98, de 26/10, que aprova a Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP), visa regular o tratamento de dados pessoais e a livre circulação desses dados, tal como resulta das definições feitas no artº 3º daquele diploma (cf. ainda os artºs 2º e 4º), pelo que é um regime que logicamente antecede o regime de acesso aos documentos administrativos, regulado pela Lei nº 46/2007, de 24/08, ao regular os termos em que a informação é tratada, antes da existência de qualquer pedido de acesso a informação.

- Existindo o consentimento ou autorização escrita da pessoa a quem os dados de saúde digam respeito – constante de uma declaração de saúde, que faz parte integrante do contrato de seguro –, em facultar à companhia de seguros toda e qualquer informação médica de que possa necessitar, detida por médicos, hospitais e clínicas, com a garantia de confidencialidade, é de reputar tal declaração como traduzindo o consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido no acesso a tal informação clínica.

- Para além disso, é de reconhecer à requerente, companhia se seguros, a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, o que decorre da subscrição do contrato de seguro de vida e do seu objetivo próprio, de atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as suas declarações de saúde no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. 2ª parte do nº 5 do artº 6º da Lei nº 46/2007, de 24/08.”

E se fundamentou como segue:

“(..) importa remeter para o diploma próprio referido no nº 2 do artº 65º do CPA, atualmente, a Lei nº 46/2007, de 24/08, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de novembro (revogando a Lei nº 65/93, de 26/08, com a redação introduzida pelas Lei nºs 8/95, de 29/03, e 94/99, de 16/07), relativa à reutilização de informações do setor público, regulando o exercício do direito de acesso aos documentos da Administração (LADA).

Sobre a questão suscitada de qual o regime jurídico aplicável, importa atender ao disposto no nº 3 do artº 2º da Lei nº 46/2007, de 24/08, segundo o qual “O acesso a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, efetuado pelo titular da informação, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre um interesse direto, pessoal e legítimo rege-se pela presente lei.”, pelo que, sem que suscitem quaisquer dúvidas, tem aplicação ao pedido de acesso à informação formulado pela requerente a disciplina legal aprovada pela Lei nº 46/2007.

A Lei nº 67/98, de 26/10, que aprova a Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP), transpondo para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva nº 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados, visa regular o tratamento de dados pessoais, tal como resulta das definições feitas no artº 3º daquele diploma (cf. ainda os artºs 2º e 4º).

É, portanto, um regime que logicamente antecede o regime de acesso aos documentos administrativos, regulado pela Lei nº 46/2007, de 24/08, pois regula os termos em que a informação é tratada, antes da existência de qualquer pedido de informação ou de acesso formulado por um particular ou entidade.(..)

Por outro lado, releva ainda a disciplina aprovada pela Lei nº 12/2005, de 26/01, relativa à informação genética pessoal e informação de saúde, definindo, de entre outros, o conceito de informação de saúde e de informação genética, assim como a circulação de informação.

À luz do artº 2º da Lei nº 12/2005, considera-se “informação de saúde”, “todo o tipo de informação direta ou indiretamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar”.

Sobre a “propriedade da informação de saúde”, a qual inclui os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, diz-nos o nº 1 do artº 3º dessa Lei que “é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação, a qual não pode ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados e a investigação em saúde e outros estabelecidos pela lei.”.

Por isso, o titular da informação de saúde tem o direito de, querendo, tomar conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito ou de o fazer comunicar a quem seja por si indicado, sendo o acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros com o seu consentimento, feito através de médico, com habilitação própria, escolhido pelo titular da informação – cfr. nºs 2 e 3 do artº 3º da Lei nº 12/2005.

Delimitado o regime legal aplicável, o constante da Lei nº 46/2007, de 24/08 e da Lei nº 12/2005, de 26/01, vejamos o que dele se extrai, com relevo para o caso trazido a juízo.

Estabelece a alínea b), do nº 1 do artº 3º da Lei nº 46/2007, de 24/08, sobre a noção de “Documento nominativo”, como sendo “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”.

Tem sido, de resto, entendimento da CADA que são de classificar como documentos nominativos os que revelam dados do foro íntimo de um indivíduo, como por exemplo os seus dados genéticos, de saúde, ou os que se prendem com a sua vida sexual, os relativos às suas convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, ou sindicais, os que contêm opiniões sobre a pessoa, e outros documentos cujo conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, traduzir-se numa invasão da reserva da intimidade da vida privada (cfr. Pareceres nº 212/2005, de 31/08, nº 67/2007, de 21/03, 357/2007, de 19/12, nº 224/2009, de 09/09 e 347/2009, de 02/12).

Nos termos do artº 5º da Lei nº 46/2007, “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.

Face ao teor da norma em causa, a lei não faz depender o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos da invocação de qualquer interesse, bastando a mera solicitação por escrito, através de requerimento, do qual constem os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos, bem como o nome, morada e assinatura do requerente (cfr. artº 13º da LADA).

No caso sub judice, trata-se, contudo, de documentos nominativos e referentes à reserva da intimidade da vida privada ou pessoal, o que justificou a denegação do acesso pelo ora recorrente.

Importa reafirmar que o direito de acesso à informação deve ser interpretado de acordo com o disposto no artº 268º da CRP, apenas podendo sofrer restrições quando estejam em causa dados a coberto de algum dos motivos de restrição ao direito de acesso, previstos no artº 6º da LADA.

Com relevo quanto ao invocado nos autos, importa o disposto no nº 5 do artº 6º da LADA, onde se consagra que “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.”.

É possível, por isso, dizer que o pedido formulado pela requerente se enquadra no disposto no nº 5 do artº 6º da LADA. (..)

No entendimento do recorrente o formulário tipo de onde consta a assinatura do segurado não apresenta qualquer consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido.

Como decorre da alínea B) dos factos assentes, ... subscreveu uma declaração de saúde, que faz parte integrante do contrato de seguro, em que autorizou expressamente qualquer médico e hospitais/clínicas a facultar à requerente, ora recorrida, toda e qualquer informação que o possa necessitar, tendo a garantia de confidencialidade (cf. doc. 2, junto aos autos a fls. 16 a 19).

Ora, conforme se disse anteriormente, o direito de acesso à informação, consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP, é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, pelo que partilhando desse regime, só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição, não cabendo à Administração criar quaisquer restrições, para além das previstas na lei.

Quanto ao direito à reserva da intimidade da vida privada, não é um direito absoluto, pelo que terá de conviver com outros direitos, de entre os quais, o direito de acesso à informação, nos termos e com os limites legais.

No caso trazido a juízo, nos termos da configuração antecedente, está em causa um documento nominativo, que contém dados de saúde, pelo que o acesso a estes dados, quando feito por terceiro, exige o consentimento do titular da informação e que a comunicação seja feita por intermédio de médico, nos termos dos artºs 3º, 6º, nº 5 e 7º da Lei nº 46/2007, de 24/08 e artºs. 2º, 3º, nº 3 da Lei nº 12/2005, de 26/01.

Constitui âmbito de proteção de tais normas legais, a tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada e dos direitos de personalidade.

Quer o disposto no nº 5 do artº 6º da Lei n.º 46/2007, de 24/08, quer o nº 3 do artº 3º da Lei n.º 12/2005, de 26/01, normativos aplicáveis relativamente a pedidos de acesso a informações de saúde, exigem que o acesso por terceiros se faça com o consentimento da pessoa visada.

Considerando a factualidade assente, designadamente que, em vida, o interessado, proprietário da informação de saúde, prestou o consentimento expresso para que a requerente, ora recorrida, tivesse acesso à sua informação de saúde, é de recusar o invocado erro de julgamento assacado à sentença recorrida.

O consentimento prestado em vida, constante do formulário tipo de onde consta a assinatura do segurado e o respectivo clausulado, terá de se ter por bastante para o cumprimento do exigido nos artºs. 2º e 3º da Lei nº 12/2005, de 26/01 e do artº 6º, nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08, isto é, como traduzindo o consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido do proprietário da informação de saúde.

Tal autorização foi dada de forma expressa e inequívoca, pelo que, não pode ter outro sentido e significado senão o de equivaler ao que consta do seu teor – nº 1 do artº 236º do CC.

Por outro lado, mostra-se indiferente para a solução de Direito que entretanto o titular da informação haja falecido, já que o consentimento relevante foi prestado pelo próprio, em vida.

A relevância da morte do titular da informação de saúde apenas ocorreria se esse consentimento, pelo próprio, não existisse, caso em que teria que analisar-se se os seus sucessores ou outros terceiros teriam poder para tanto e, caso se respondesse afirmativamente, sob que condições, questão que contudo, como se vê, não se coloca em juízo.

Para além disso, é de reconhecer à ora requerente a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, o que decorre da subscrição do contrato de seguro de vida e do objetivo próprio da companhia de seguros em causa, de atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as suas declarações de saúde no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. 2ª parte do nº 5 do artº 6º da Lei nº 46/2007, de 24/08.

Assim, considerando a tutela constitucional que é conferida ao direito de acesso à informação e mostrando-se conferido o consentimento ou autorização do interessado, titular da informação médica, em permitir o acesso a toda a informação que a requerente possa necessitar, na disponibilidade de qualquer médico, hospital ou clínica, com a garantia de confidencialidade, não cabe ao recorrente obstar à satisfação desse direito de informação. (..)”.

Voltemos ao caso em apreço.

Em sede de sentença sob recurso, o julgado pelo Tribunal a quo mostra-se em conformidade com o discurso jurídico fundamentador no segmento dos acórdãos transcritos e em que nos inserimos.

Pelo exposto, nesta parte da existência de consentimento expresso da segurada/declarante conclui-se que a Recorrida se encontra autorizada pelo respectivo titular …, a aceder à informação de saúde requerida, nos exactos termos decididos, ou seja, “apenas deve ser facultada à requerente a informação expressamente abrangida pelo instrumento de consentimento”.

Pelo que vem de ser dito, nesta parte da existência de consentimento expresso atribuído pela segurada/declarante na apólice de seguro para a Recorrida aceder à documentação solicitada pelo seu médico conselheiro, constituída pelo processo clínico da segurada/declarante …, elementos referentes ao período anterior a 25.06.2013 e às causas e circunstâncias em que ocorreu o seu falecimento ou, em substituição, o Relatório Médico donde constem as doenças diagnosticadas à segurada/declarante, antes de 25.06.2013 e as causas e circunstâncias em que ocorreu o seu falecimento, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 12 das conclusões.

Posição igualmente acolhida pelo Ministério Público, cuja pronúncia é de acolher:

“(…) o direito de acesso à informação deverá ser interpretado de acordo com o disposto no artigo 268º da CRP, apenas podendo sofrer qualquer tipo de restrições quando estejam em causa dados a coberto de algum dos motivos de restrição ao direito de acesso, previstos no artigo 6º da LADA;

5. Assim, no âmbito da apreciação do presente recurso importa, desde logo e relevar o disposto no nº 5 do artigo 6º da LADA, de onde se transcreve:

“Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.”.

6. Ora, bem analisados os Autos e tendo por base a matéria de facto dada como provada em sede de 1ª instância, conclui-se que em 14 de Fevereiro de 2006, foi celebrado entre a A. e Recorrente, como tomadora do seguro, e Manuel ................ e Florinda ................, como pessoas seguras, um Contrato de Seguro de Vida Grupo – Crédito à Habitação;

7. Lê-se nas respectivas cláusulas que os citados Manuel ................ e Florinda ................ autorizam a A. a “após a ocorrência de um sinistro coberto por este Contrato de Seguro, qualquer médico… a facultar à seguradora, através do seu médico – conselheiro, toda e qualquer informação que possa necessitar, tendo a garantia da confidencialidade.” – Cfr. alínea b), dos factos provados;

8. Ora, é comumente aceite e afirmado que o direito de acesso à informação médica, consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP, é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, pelo que só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição;

9. Ou seja, não poderá a Administração criar quaisquer restrições a tal direito, para além daquelas expressamente previstas na lei;

10. No caso dos Autos, está-se perante um documento nominativo, contendo dados de saúde, razão pela qual o acesso a tais dados, quando operado por terceiro, implica, por um lado e necessariamente, que o consentimento do respectivo titular da informação e, por outro, que essa comunicação seja realizada por intermédio de médico, como de depreende no disposto nos artigos 3º, 6º, nº 5 e 7º, todos da Lei nº 46/2007, de 24 Agosto, e também do disposto nos artigos 2º e 3º, nº 3, da Lei nº 12/2005, de 26 Janeiro;

11. Tendo por base os factos provados em sede de 1ª instância, facilmente se conclui que, em vida, os interessados, proprietários da informação de saúde, prestaram o devido e necessário consentimento, de forma expressa, para que a A. e Recorrente pudesse aceder à sua informação de saúde, como aliás é expressamente exigido pelo disposto no nº 5 do artigo 6º da citada Lei n.º 46/2007, e pelo disposto no nº 3 do artigo 3º da mencionada Lei nº12/2005;

12. Não decorrendo minimamente dos Autos que tal consentimento não tenha sido formulado de forma livre, especifica, informada e esclarecida dos proprietários da informação de saúde;

13. Ora, tendo essa autorização sido dada de forma expressa e inequívoca, a mesma não pode ter outro sentido e significado senão o de equivaler ao que consta do seu teor – Cfr. artigo 236º, nº1, do Código Civil;

14. É este também o sentido da recente Jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo1, mormente o recente Acórdão proferido em 5 Abril 2018, no âmbito do Processo nº2585/17.3BELSB;

15. Jurisprudência essa que se subscreve, não se vislumbrando, aliás, na resposta oferecida pela Recorrida qualquer argumentário que, de modo claro e fundamentado, afaste o sentido da citada Jurisprudência deste Tribunal;

(…).”

E como afirmado pela CADA no referido parecer:

“(…) a pessoa a quem os dados de saúde respeitam (segurado) consentiu expressamente que a seguradora, através do respetivo médico conselheiro, acedesse a «toda e qualquer informação que possa necessitar», «mesmo após a ocorrência de um sinistro coberto pelo Contrato de Seguro (...)». Para o efeito, o segurado emitiu uma autorização a «qualquer médico e hospitais/clínicas» para facultar à seguradora os referidos dados (§5 - de fls. 23 do processo). Tratando-se de um seguro de vida, a morte do segurado é um dos sinistros cobertos pela respetiva apólice, pelo que o consentimento em causa confere à seguradora o acesso à informação de saúde do segurado também após a morte deste (cf. Condições especiais - cobertura principal de morte - fls. 13 do processo). 9. Acresce a todas estas declarações que o segurado voltou a afirmar no respetivo Boletim de Adesão ter tomado conhecimento das condições contratuais, «(...) consentir na efectivação do presente contrato;» e confirmou que «(...) lhe[..J foi entregue um exemplar das Condições Gerais e Especiais do seguro de Vida Crédito à Habitação que constitui parte integrante deste Boletim de Adesão que subscreve [...]» (§6 e 7 de fls. 23). 10. O segurado declarou ainda ter tido conhecimento prévio das condições contratuais e que nessas circunstâncias consentiu «na efectivação do presente contrato» (§ 6 e 7 de fls. 23 do processo], sendo certo que o segurado dispôs de um «(...) prazo de trinta a contar da data da recepção do Certificado Individual para expedir carta registada, enviada para o endereço da Seguradora, revogando a sua adesão ao Contrato.» (cf. cláusula especial da Cobertura Principal de Morte - 11.12., com a epígrafe «Revogação» a fls. 15 do processo). Não tendo o segurado exercido o referido direito de revogação, considera-se, por isso, atualizado e reiterado o consentimento que já prestara. // Do exposto se conclui que a requerente se encontra munida de autorização escrita de acesso à informação de saúde do respetivo segurado, nela se compreendendo o processo clínico daquele, na parte abrangida por aquela autorização, nos termos previstos na alínea a) do n.º 5 do art.º 6.º da LADA, devendo por isso ser-lhe facultada a informação pedida”.

Nesta conformidade há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, aderindo aos fundamentos que se vêm de deixar explicitados, intimar a ora Recorrida a prestar a informação solicitada.

Para o efeito, entende-se ser também suficiente estabelecer um prazo de 5 dias para disponibilizar a informação concretamente requerida, não se detectando nos autos, desde logo face ao tipo/objecto de informação a prestar, qualquer dificuldade burocrática que deva ser considerada na sua concretização.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A propriedade da informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos é da pessoa a quem essa informação respeita, «sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação (cfr. art. 3.º, nº 1, da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro).

ii) Nos termos do art. 1.º, n.º 3, da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (LADA), “[o] acesso a informação e a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, produzidos ou detidos pelos órgãos ou entidades referidos no artigo 4.º [“Âmbito de aplicação subjectivo”], quando efetuado pelo titular dos dados, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido na informação, rege-se pela presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais.

iii) A declaração autónoma subscrita por segurado, conferindo à seguradora o acesso a determinados dados de saúde da sua titularidade, consubstancia uma autorização explícita e específica nos termos previstos no artigo 6.º, n.º 5, a), da LADA.




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida; e

- Intimar a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP., na pessoa do Presidente do seu Conselho Directivo, a facultar à ora Recorrente o acesso à informação de saúde que solicitou, no prazo de 5 dias.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 6 de Junho de 2019



____________________________
Pedro Marchão Marques


____________________________
Alda Nunes


____________________________
José Gomes Correia