Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:659/06.5BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:DISCUSSÃO DA MATÉRIA DE FACTO - ART. 91.º DO CPTA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
DIREITOS PROVENIENTES DE RESERVA NACIONAL
REGIME DE PAGAMENTO ÚNICO
EXECUÇÃO DE PROJETO DE INVESTIMENTO (PORTARIA N.º 811/2004)
Sumário:I. A versão original do CPTA (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/02), assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa especial e a comum, que seguia os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima.
II. Se, nos termos do artº 510º, nº 1, b) do CPC (DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), o juiz a quo resolve conhecer imediatamente do mérito da causa, por entender que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos, tal não consubstancia nulidade processual, nos termos do disposto nos artsº 201º do CPC e 91º, nº 4 do CPTA (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/02).
III. No âmbito da Portaria nº 811/2004, de 15.07 (que aprovou o Regulamento de Aplicação da Medida n.º 1, «Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas», do Programa AGRO), nihil obstat à realização do investimento previsto/projetado logo após a apresentação da respetiva candidatura inicial, uma vez que tal não está dependente da aprovação do projeto.
IV. Perante a existência de uma janela temporalmente limitada para o efeito, poder-se-ia iniciar e concluir o projeto de investimento apresentado, independentemente do desenrolar do procedimento de financiamento.
V. Atrasos no decurso do processo de candidatura, eventualmente determinantes da extemporaneidade na conclusão do projeto e consequente impossibilidade de beneficiar do Regime de Pagamento Único (indeferimento do pedido de estabelecimento de direitos), ainda que parcialmente decorrentes da atuação do IFAP/INGA, não determinarão a existência de ilicitude, para efeito de acionar a respetiva responsabilidade civil extracontratual.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
CASA AGRÍCOLA GRANADEIRO, LDª, melhor identificada nos autos, com sede na Avª do Brasil, nº 8, 2º Esq.º, Portalegre, Recorrente/Autora nos presentes autos, em que é Réu/Recorrido INGA – INSTITUTO NACIONAL DE INTERVENÇÃO E GARANTIA AGRÍCOLA E IFADAP – INSTITUTO DO FINANCIAMENTO E APOIO À AGRICULTURA E PESCAS, também ele melhor identificado nos autos, com sede na R. Castilho, nº 45 a 51, 1269-163, Lisboa, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 07 de Março de 2012, que decidiu absolver o ali Réu INGA dos pedidos formulados.

A Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“a. Ao apreciar imediatamente o pedido, finda a fase dos articulados, precludindo a fase das Alegações de Direito a que alude o artigo 91.º do CPTA, o Mm.º Juiz a quo violou o disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, na medida que a Recorrente não requereu a dispensa de alegações de direito, situação que configura uma nulidade processual que se invoca nos termos do artigo 201.º do CPC;
b. Não podendo o Tribunal a quo conhecer do mérito da causa no despacho saneador, em virtude da Recorrente não ter prescindido de produzir as alegações finais, o mesmo deveria ter logrado proceder à elaboração da base instrutória e, posteriormente, notificar as partes para apresentarem os meios de prova que entendessem necessários à descoberta da verdade material, designadamente a prova testemunhal , na medida que face à complexidade da legislação no âmbito dos subsídios e apoios comunitários que se impunha esclarecer, a fase de instrução mostra-se essencial para a boa decisão da causa;
c. O presente processo tem em vista a responsabilização das Recorridas face à sua actuação no âmbito do processo de candidatura da Recorrente ao Programa Agro, ao abrigo do Quadro Comunitário de Apoio III, a qual culminou no indeferimento do pagamento à Recorrente do montante de € 105.000,00, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, referente aos direitos provenientes da reserva nacional (RPU);
d. O pedido de estabelecimento de direitos provenientes da reserva nacional (RPU) estava directamente relacionado com a candidatura ao Programa Agro, na medida que, só no caso de aprovação desta é que a Recorrente teria direito aos RPU;
e. Por culpa exclusiva do IFADAP/INGA na aceitação, condução e formalização do processo de candidatura ao Programa Agro, o mesmo atrasou-se cerca de um ano, pelo que, também a execução do projecto em causa - com repercussões ao nível dos pedidos do RPU - se veio a atrasar;
f. Nessa medida, deverá a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser anulada por V. Excelências e, em consequência, anular-se a decisão ou, em alternativa, substituir-se a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, nos termos do disposto no artigo 715.º, número 1do Código de Processo Civil.”

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O recorrido, por sua vez, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 7 de Março de 2012, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa comum apresentada por sociedade Casa Agrícola Granadeiro, Lda, arguindo para o efeito a revogação da sentença, por entender que houve preclusão da fase processual "alegações de direito"; omissão da fase de instrução; e uma errónea aplicação do direito.

B. Relativamente ao pedido de revogação da sentença por preclusão da fase processual "alegações de direito", dir-se-á que é pacífico a nível jurisprudencial, de que se cita a título meramente exemplificativo os acórdãos proferidos, em 19-01-2012 e 09/02/2006, pelos Tribunais Centrais Administrativos do Sul e do Norte, respectivamente, no âmbito dos processos nºs 06910/10 e 01300/04.6BEVIS, que a omissão da notificação para alegações configura uma nulidade processual, e não da sentença.

C. Com efeito, tem sido entendimento dos Tribunais superiores que, importa aferir se "in casu" tal omissão é susceptível de gerar ou não nulidade na medida em que "possa influir no exame ou na decisão da causa", ou seja, a parte que argua esta nulidade processual, terá de alegar e demonstrar que a nulidade ocorrida é susceptível de influir ou no exame ou na discussão/decisão da causa, não se podendo bastar com a sua mera invocação abstracta.

D. Ora, na situação em apreço, verifica-se que a recorrente invoca abstractamente a nulidade processual, sem lograr demonstrar qual a influência que esta omissão teve na decisão da causa, razão pela qual, inexiste o vício alegado.

E. Relativamente à alegada omissão da fase de instrução, entende a recorrente que " resulta dos articulados apresentados pelas partes (Recorrente e Recorrida) matéria controvertida que urgia esclarecer, principalmente atendendo à complexidade da legislação no âmbito dos subsídios e apoios comunitários, nomeadamente se os RPU dependem ou não da aprovação e formalização da candidatura apresentada pela Reclamante e se o não recebimento dos mesmos (no valor de € 105.000,00) é ou não imputável às Recorridas ",pelo que "verifica-se, assim, que a fase de instrução era essencial para a boa decisão da causa".

F. Salvo melhor entendimento, também aqui não lhe assiste qualquer razão, porquanto, nos termos do nº 1 do Artº 91º do CPTA, citado pela A., o Tribunal pode ordenar, se assim o entender, a realização de outras diligências probatórias para o apuramento da verdade.

G. Todavia, na situação em apreço, como ressalva o Tribunal a quo, não existe qualquer controvérsia nos factos dados como provados, pois a prova assenta nos documentos carreados aos autos pelas partes, e, no acordo destas relativamente a um facto da maior relevância, designadamente, que o projeto não se encontrava concluído em 7 de Fevereiro de 2005.

H. Face ao exposto, verifica-se que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos fatos e do direito, não se vislumbrando qual a relevância para o presente processo, na realização de audiência de discussão e julgamento, conforme requerido pela recorrente.

L. Entende, por fim, a recorrente que o Tribunal a quo fez uma errónea aplicação do direito.

J. Salvo melhor entendimento, não lhe assiste razão, pois ao constatar que a ora recorrente ao fazer apelo ao procedimento de formalização da sua candidatura ao Programa AGRO, como se fosse por ela não estar aprovada mais cedo, que daí tivesse advindo a razão do indeferimento quando esse facto não lhe pode ser imputável, entendeu o Tribunal a quo, que esta estava a distorcer as razões.

K. Com efeito, como sublinha e bem o Tribunal a quo, "a motivação do ato não é a de não ter sido aprovada até 7 de Fevereiro de 2005 a candidatura ao projecto AGRO, antes é de ele não estar concluído até tal data", "sendo também certo que nada, que pudesse ser imputável aos RR., impedia a autora de o concluir, mesmo sem formalização de aprovação (cfr. artº 14°, nºs. 3 e 4, e 21º, nº 1, do Regulamento da Medida nº 1 - Portaria nº 811/2004, de 15-07-2004)". (Negrito nosso)

L. Verifica-se assim, estarem preenchidas as duas premissas do acto de indeferimento, designadamente, que a candidatura ao estabelecimento de direitos implicava a conclusão do investimento até 7 de Fevereiro de 2005 e nessa data o projecto de investimento não se encontrava concluído.

M. Face ao exposto, e assentando a responsabilidade civil na existência de um facto ilícito, na culpa do agente, na relação de causalidade adequada entre o facto e o prejuízo e na concretização deste em termos de danos (em que consistiram e qual o seu montante), concluiu e bem o Tribunal a quo, que não estava preenchido um pressuposto cumulativo - a ilicitude.

N. Aliás, nem estariam preenchidos os pressupostos relativos à culpa e ao nexo de causalidade adequada entre o facto e o prejuízo e na concretização deste em termos de danos.

O. Face ao exposto, verifica-se que o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação dos factos e aplicação do direito, não merecendo pois, qualquer censura a conclusão da sentença recorrida, de declarar improcedente a acção administrativa comum.”


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O M.P. não emitiu parecer.

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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA)
As questões suscitadas pela Recorrente prendem-se com saber se o Juiz a quo incorreu em nulidade processual, ao decidir sem lhe dar a possibilidade de produzir alegações de direito, nos termos do artº 91º, nº 4 do CPTA, bem como se a decisão em crise incorreu em erro de julgamento ao considerar que os Recorridos não tiveram culpa no atraso na execução do projeto em causa e, consequentemente, não deveriam ser responsabilizados pelo ato de indeferimento que se lhe seguiu.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
1º) A Autora apresentou, subscrito em 30/03/2004, candidatura de projecto de investimento ao Programa AGRO, Medida 1 – Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações - cfr. doc. nº 7 da p. i...

2º) Foi-lhe comunicado- cfr. doc. nº 8 da p.i.:

3º) – Veio o Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas a dar despacho, de 14-12-2004, determinando “a candidatura deve ser aceite, bem como todas as que se encontram em situação idêntica” - cfr. doc. nº 2 da contest..
4º) – Foi comunicado à autora, por ofício de 05-01-2005 - cfr. doc. nº 13 da p.i..:

5º) – Por despacho nº 405/2005, de 13/04/2005, do Gestor do AGRO foi o projecto da autora aprovado, com subsídio não reembolsável de € 91.180,00 - cfr. doc. nº 3 da contest..
6º) – Foi comunicado à autora a aprovação da candidatura, pelo montante de € 183.210,00 - cfr. docs. nºs. 17 da p. i. e nº 4 da contest.:
7º) – Foi outorgado o contrato em 20/04/2005 - cfr. doc. nº 1 da contest.
8º) – A autora formulou “Pedido de Estabelecimento de Direitos Provenientes da reserva Nacional - cfr. doc. nº 7 da contest.:
9º) – Foi-lhe comunicado que “(…) mereceu parecer negativo por se encontrar mal formulado. Motivo: O projecto de investimento não se encontra concluído, conforme exigências das normas em vigor (…)” - cfr. doc. nº 15 da contest.:
10º) – Ao que a autora se pronunciou - cfr. doc. nº 16 da p. i..:
11º) – Foi-lhe comunicado - cfr. doc. nº 18 da p. i..:


12º) – Ao que a autora expôs junto da «Directora Regional da Direcção Regional INFADAP/INGA Portalegre» - cfr. doc. nº 19 da p. i..:


13º) – Sendo-lhe comunicado - cfr. doc. nº 20 da p. i..:

14º) – Sendo-lhe comunicado por subsequente ofício - cfr. doc. nº 21 da p. i..:


15º) – E subsequentemente, por ofício ....., datado de 15/02/2006 - cfr. doc. nº 23 da p. i..:
16º) – O projecto de investimento referido supra em 1º) não se encontrava concluído até 7 de Fevereiro de 2005 – acordo.
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IV. Direito
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas alegações importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com o facto de, alegadamente, o Juiz a quo ter incorrido em nulidade processual, ao decidir sem lhe dar a possibilidade de produzir alegações de direito, nos termos do artº 91º, nº 4 do CPTA. Mais pretende a Recorrente que a decisão em crise incorreu em erro de julgamento ao considerar que os Recorridos não tiveram culpa no atraso na execução do projecto em causa e, consequentemente, não deveriam ser responsabilizados pelo ato de indeferimento que se lhe seguiu.
Ora bem:
O artº 201º do CPC estabelece a “regras gerais sobre a nulidade dos actos”, dizendo o seguinte:
“1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. A nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo.”

Segundo a Recorrente, teria existido uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos previstos no artº 201º do CPC, aplicável ex vi do artº 1º do CPTA, porquanto ao apreciar imediatamente o pedido, finda a fase dos articulados, precludindo a fase das alegações de direito a que alude o artigo 91.º do CPTA, o Mmº Juiz a quo violou o disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, na medida que a Recorrente não requereu a dispensa de alegações de direito.
Cumpre, pois, apurar se, in casu: (1) foi omitida a prática de um acto ou de uma formalidade que a lei prescrevesse e, em caso afirmativo, (2) se a irregularidade cometida influía no exame ou na decisão da causa.
Neste caso, entendemos que devemos dar reposta negativa logo à primeira das premissas acima, não tendo, sequer, de nos debruçar sobre a segunda.
Mas vejamos melhor porquê:
A versão original do CPTA (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/02) assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial (cfr. SÉRVULO CORREIA, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, pág. 23 ss.; DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 88 ss.; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, pág. 172 segs., e ainda PEDRO GONÇALVES, “A Acção Administrativa Comum” in, Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administrativa, 86, Colloquia – 15, pág. 127 segs).
À data, de harmonia com o então disposto no artigo 35º, nºs 1 e 2 do CPTA, eram estabelecidas essas duas formas de processos principais não urgentes: a Ação Administrativa Comum (nas formas ordinária, sumária ou sumaríssima), prevista no Título II do Código e a Ação Administrativa Especial, prevista no Título III do Código.
De acordo com o disposto no artigo 37º nº 1 do CPTA seguiam a forma da ação administrativa comum “…os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste código nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial”, estabelecendo, o nº 2 daquele artigo 37º do CPTA, as pretensões que deveriam obedecer à forma de ação administrativa comum.
Por sua vez, de harmonia com o disposto no artigo 46º nº 1 do CPTA, seguiam a forma da ação administrativa especial “…os processos cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo”, prevendo o nº 2 deste artigo 46º as pretensões que deveriam obedecer à forma de ação administrativa especial, nelas se abarcando, as seguintes:
“a) Anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica;
b) Condenação à prática de um ato administrativo legalmente devido;
c) Declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo;
d) Declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.”

A tramitação da ação administrativa especial inclui, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 91º nº 1, 2, 3 e 4, 78º nº 4, 83º nº 2, 87º nº 1 alínea b) do CPTA, a apresentação de alegações escritas pelas partes antes da prolação da decisão sobre o mérito da causa quando não haja lugar à audiência pública por iniciativa das partes, situação em que as alegações de direito são aduzidas de forma oral, ou quando as partes não tenham renunciado à sua apresentação.
Havendo lugar à apresentação de alegações escritas [apelidadas de “alegações finais” no artigo 87º nº 1 alínea b) do CPTA], as partes eram previamente notificadas para as apresentarem, pelo prazo sucessivo de 20 dias (cfr. nº 4 do artigo 91º do CPTA), não existindo qualquer efeito preclusivo ou cominatório da sua não apresentação por qualquer das partes.
Temos assim que o regime regra na tramitação da ação administrativa especial é o da possibilidade de as partes apresentarem alegações escritas antes de ser proferida decisão sobre o mérito da causa, para o que eram notificadas para o efeito. Só assim não sendo quando tivesse havido lugar a audiência pública por iniciativa das partes, a que aludiam os nºs 1, 2 e 3 do artigo 91º do CPTA, ou quando as partes tivessem a elas previamente renunciado nos termos das disposições conjugadas dos artigos 78º nº 4 e 83º nº 2 do CPTA, como decorre do disposto nos artigos 87º nº 1 alínea b) e 91º nº 4 do mesmo Código.
No caso em apreço, contudo, não se trata de uma ação administrativa especial, mas sim perante uma ação administrativa comum, ação para a qual se aplicava o regime previsto no CPC.
O artº 42º do CPTA, respeitante à tramitação da acão administrativa comum, dizia que:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a acção administrativa comum segue os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima.
2 - Só em processo ordinário pode haver lugar a julgamento da matéria de facto por tribunal colectivo, quando qualquer das partes o requeira.
3 - Quando a acção deva ser julgada por tribunal singular, a sentença é proferida pelo juiz do processo, mesmo quando intervenha o tribunal colectivo”
Sobre a aplicação do regime previsto no CPC para a tramitação das ações comuns, embora no tocante à seleção da matéria de facto/instrução da causa, veja-se o que se diz no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09036/12, datado de 04-05-2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt e onde se sumariou que “[n]o quadro normativo decorrente das disposições conjugadas dos artigos 511º nº 1, 513º, 552 nº 2, 577º nº 1, 623º nº 1, 638º nº 1 e 787º do CPC antigo (anterior ao CPC novo aprovado pela Lei nº 41/2013), a aplicar nos tribunais administrativos no âmbito da ação administrativa comum sob a forma de processo sumário, por efeito do disposto no artigo 35º nº 1 do CPTA, o juiz da causa deve atentar aos posicionamentos expressos pelas partes nos seus articulados, de modo que existindo matéria de facto controvertida que releve para a apreciação da causa, à luz das várias soluções jurídicas possíveis, deve ser selecionada fase de saneamento a matéria de facto assente e a que se mostra controvertida, esta elencada na base instrutória, seguindo-se ulterior fase de instrução e só após o respetivo julgamento, dando-se os mesmos como provados ou não provados em face da prova que tenha sido produzida.”
Assente que está a aplicação do regime previsto no CPC, quando estivesse, à data, em causa a tramitação de uma ação administrativa comum, note-se que o artº 510 do CPC (DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), referente ao “Despacho saneador”, dizia o seguinte:
“1 - Findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere, no prazo de 20 dias, despacho saneador destinado a:
a) Conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
2 - Se houver lugar a audiência preliminar, o despacho saneador é logo ditado para a acta; quando, porém, a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz poderá excepcionalmente proferi-lo por escrito, no prazo de 20 dias, suspendendo-se a audiência e fixando-se logo data para a sua continuação, se for caso disso.
(…)”
No caso em apreço, nos termos do artº 510º, nº 1, b) do CPC (DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), o juiz a quo resolveu conhecer imediatamente do mérito da causa, por entender que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos.
Portanto, nos termos acima, atendendo à espécie processual em apreço e ao estado dos autos, o despacho saneador prolatado não contendia com a necessidade de quaisquer outros articulados.
No entanto, mesmo que se entendesse que se as ditas alegações de direito poderiam ter lugar no âmbito da ação administrativa comum, ainda assim, importaria aferir se "in casu" tal omissão era susceptível de gerar ou não nulidade na medida em que "possa influir no exame ou na decisão da causa".
In casu, convocando a decisão em crise e as alegações da Recorrente, pretendendo sustentar o contrário, constatamos que assim não será.
Note-se que, relativamente à alegada omissão da fase de instrução, entende a recorrente que "resulta dos articulados apresentados pelas partes (Recorrente e Recorrida) matéria controvertida que urgia esclarecer, principalmente atendendo à complexidade da legislação no âmbito dos subsídios e apoios comunitários, nomeadamente se os RPU dependem ou não da aprovação e formalização da candidatura apresentada pela Reclamante e se o não recebimento dos mesmos (no valor de € 105.000,00) é ou não imputável às Recorridas".
Todavia, na situação em apreço, como ressalvou o Tribunal a quo, não existe qualquer controvérsia nos factos dados como provados (e tidos por essenciais para a decisão prolatada), pois a prova assentou nos documentos carreados aos autos pelas partes, e, no acordo destas relativamente a um facto da maior relevância, designadamente, que o projeto não se encontrava concluído em 7 de Fevereiro de 2005.
Por tudo quanto acima vem dito, conclui-se inexistir a invocada nulidade processual, nos termos previstos no artº 201º do CPC.
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Em relação ao alegado erro de julgamento:
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público no domínio de actos de gestão pública encontra-se regulada no D.L. n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.
No que respeita à responsabilidade civil por actos ilícitos e culposos preceitua o artigo 2.º do referido diploma legal:
“O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a responsabilidade civil da Administração por atos de gestão pública assenta em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483.º do Código Civil(1), e que são:
O facto
A ilicitude
A culpa
O dano
O nexo de causalidade entre o facto e dano

Antes de nos alongarmos mais na explicitação de cada um dos pressupostos da responsabilidade civil do estado, nos termos acima, cumpre apurar se, no caso concreto, se verifica, desde logo, o primeiro pressuposto: a prática de um facto ilícito.
O tribunal a quo considerou que não e, portanto, julgou improcedente a pretensão da Recorrente/Autora.
Cumpre, pois, nesta sede, apurar se, como sustenta a Recorrente, diferentemente ao decidido pelo tribunal a quo, os Recorridos tiveram culpa exclusiva no atraso na execução do projecto em causa e, consequentemente, deveriam ser responsabilizados pelo ato de indeferimento que se lhe seguiu e respetivas consequências na sua esfera.
Note-se que a Recorrente apresentou, em 30/03/2004, candidatura de projecto de investimento ao Programa AGRO, Medida 1 – Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações, tendo visto indeferido o Pedido de Estabelecimento de Direitos que formulou, para lhe ver pagas as ajudas a que se havia candidatado.
Para melhor consecução de tal empreitada, vejamos melhor o enquadramento da questão objeto do presente recurso à luz do vertido na Portaria nº 811/2004, de 15.07 (que aprovou o Regulamento de Aplicação da Medida n.º 1, «Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas», do Programa AGRO) e que revogou a Portaria n.º 533-B/2000, de 1/8.
No que respeita à execução do projeto, cerne da questão nos presentes autos, rege o artº 14º da Portaria em questão, com a epígrafe “Requisitos do projecto de investimento” e que nos diz o seguinte:
“1 - Os projectos de investimento apresentados no âmbito deste Regulamento devem incluir:
a) A descrição da situação da exploração agrícola à data da sua apresentação;
b) A descrição da situação da exploração agrícola após o investimento que assentará numa conta de exploração previsional;
c) A demonstração da viabilidade económica da exploração após a realização dos investimentos, nos termos do anexo IV;
d) Os projectos estruturantes devem, ainda, demonstrar o cumprimento dos critérios definidos no anexo V.
2 - O disposto na alínea c) do número anterior não se aplica aos projectos que incluam investimentos de natureza exclusivamente ambiental.
3 - A execução dos projectos de investimento só pode ter início após apresentação da candidatura, devendo esse facto ser previamente comunicado ao IFADAP.
4 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as despesas com aquisição de prédios rústicos, elaboração de projecto e outros estudos necessários à apresentação da candidatura, desde que realizadas até três meses antes da apresentação da candidatura.”

Por sua vez, diz o artº 21º da Portaria em questão, com a epígrafe “Execução dos projectos”, o seguinte:
“1 - A execução material dos projectos deve iniciar-se no prazo máximo de seis meses a contar da data da celebração do contrato de atribuição da ajuda e estar concluída no prazo máximo de dois anos a contar da mesma data.
2 - No caso de projectos que prevejam a instalação de novos olivais, o prazo máximo de conclusão da execução material do projeto é de cinco anos.
3 - Em casos excecionais e devidamente justificados, o IFADAP pode autorizar a prorrogação dos prazos definidos nos números anteriores.”

Da leitura das disposições acima transcritas/assinaladas, resulta que a lei anteviu e admitiu a possibilidade de início e conclusão do projeto de investimento em momento anterior à decisão do respetivo financiamento.
Como se referiu acima, no caso em apreço, a Autora apresentou, em 30/03/2004, candidatura de projeto de investimento ao Programa AGRO, Medida 1 – Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações.
Conforme resulta, designadamente do Ponto 14 dos factos provados, e foi comunicado à Autora in illo tempore, só seriam enquadráveis os projetos de investimento que se encontrassem concluídos até ao último dia do prazo fixado para entrega do referido pedido, ou seja, o dia 07.02.2005.
No entanto, conforme resulta do ponto 16 dos factos provados, o projeto de investimento em causa não se encontrava concluído em 7 de Fevereiro de 2005.
Poderia indagar-se se atrasos no decurso do processo de candidatura, porventura imputáveis aos Recorridos, poderiam ter contribuído para a intempestividade que motivou o subsequente ato de indeferimento.
No entanto, como é salientado na decisão em crise e já fora salientado pelo Recorrido, no ofício ....., datado de 15/02/2006, referido no ponto 15 da matéria de facto provada (e agora sublinhado pelos Recorridos) "(…) nada, que pudesse ser imputável aos RR., impedia a autora de o concluir, mesmo sem formalização de aprovação (cfr. artº 14°, nºs. 3 e 4, e 21º, nº 1, do Regulamento da Medida nº 1 - Portaria nº 811/2004, de 15-07-2004)".
Ou seja, nihil obstat a que a Recorrente tivesse iniciado a realização do investimento previsto/projetado logo após a apresentação da respetiva candidatura inicial, em 30 de março de 2004, não estando dependente da aprovação do projeto para o fazer. Poderia, pois, se assim o quisesse, iniciar e concluir o projecto de investimento apresentado, independentemente do desenrolar do procedimento de financiamento.
O facto da Recorrente ter decidido não dar continuidade aos investimentos já iniciados, antes de conhecer a aprovação do financiamento e, sobretudo, não os ter concluído, particularmente a parte elegível para efeitos de atribuição de direitos/Regime de Pagamento Único (e consequente indeferimento do pedido de estabelecimento de direitos), foi uma decisão que só a si é imputável.
Aqui chegados:
Secunda-se o decidido pelo tribunal a quo, que, se bem que algo parco na fundamentação, foi assertivo na forma como afastou a existência, nessa concreta atuação, de qualquer prática ilícita e, consequentemente, concluiu pela ausência do pressuposto basilar para fazer funcionar a obrigação de indemnização estabelecida: o facto ilícito.
Aqui chegados, verifica-se que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, não merecendo pois, qualquer censura a conclusão da sentença recorrida, ao declarar improcedente a ação administrativa comum intentada pela Recorrente.
Pelo acima exposto, teremos de negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 07 de março de 2012, que decidiu absolver o ali Réu INGA dos pedidos formulados.

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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):
I. A versão original do CPTA (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/02), assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa especial e a comum, que seguia os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima.
II. Se, nos termos do artº 510º, nº 1, b) do CPC (DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), o juiz a quo resolve conhecer imediatamente do mérito da causa, por entender que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos, tal não consubstancia nulidade processual, nos termos do disposto nos artsº 201º do CPC e 91º, nº 4 do CPTA (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/02).
III. No âmbito da Portaria nº 811/2004, de 15.07 (que aprovou o Regulamento de Aplicação da Medida n.º 1, «Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas», do Programa AGRO), nihil obstat à realização do investimento previsto/projetado logo após a apresentação da respetiva candidatura inicial, uma vez que tal não está dependente da aprovação do projeto.
IV. Perante a existência de uma janela temporalmente limitada para o efeito, poder-se-ia iniciar e concluir o projeto de investimento apresentado, independentemente do desenrolar do procedimento de financiamento.
V. Atrasos no decurso do processo de candidatura, eventualmente determinantes da extemporaneidade na conclusão do projeto e consequente impossibilidade de beneficiar do Regime de Pagamento Único (indeferimento do pedido de estabelecimento de direitos), ainda que parcialmente decorrentes da atuação do IFAP/INGA, não determinarão a existência de ilicitude, para efeito de acionar a respetiva responsabilidade civil extracontratual.
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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão em crise.
Custas pela Recorrente – cfr. artº 527. nº 1 e 2 do CPC e artº 189º, nº 2 do CPTA.
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Lisboa, 15 de outubro de 2020


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Ricardo Ferreira Leite*



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Ana Celeste Carvalho



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Pedro Marchão Marques

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*O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

(1) Cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 29/04/1998 e de 27/04/1999, no âmbito dos rec. 34463 e 41712 e Acórdão do STA, de 30/01/2003, proferido no âmbito do rec. 47471.