Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1811/09.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DESPACHO SANEADOR
RECURSO SUBORDINADO
INIMPUGNABILIDADE DO ATO
PROCEDIMENTO 129/CIRC
Sumário:I - Sempre que a questão a decidir no âmbito do recurso subordinado tenha prioridade ou precedência em relação às questões a decidir no recurso independente, condicionando o conhecimento destas, deve conhecer-se prioritariamente o recurso subordinado.
II - O despacho saneador, que decida sobre duas exceções alegadas pela entidade demandada, julgando-as improcedentes, não tendo, por isso, decidido sobre o mérito da causa ou absolvido o réu de algum dos pedidos, não é suscetível de recurso imediato.
III - A decisão proferida no âmbito do procedimento então previsto no art.º 129.º do CIRC não é impugnável autonomamente.
IV - Os vícios de tal decisão podem e devem ser alegados em sede de impugnação da liquidação que venha a ser emitida, a propor ou já proposta, salvaguardando-se a tutela do administrado, quando a AT o tenha induzido em erro na indicação dos meios de reação, quer por força do art.º 37.º, n.º 4, do CPPT, quer por força do art.º 588.º do CPC.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

Banco S…, SA [que incorporou, por fusão, T… – C…, Instituição Financeira de Crédito S.A. (doravante 1.ª Recorrente ou A.)] e a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante 2.ª Recorrente ou AT) vieram recorrer das seguintes decisões proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa:

a) A primeira, da sentença proferida a 17.11.2017, na qual foi julgada improcedente a ação administrativa especial por si apresentada, que teve por objeto o despacho de indeferimento do Diretor de Finanças de Lisboa de 13.07.2009 (recurso independente);

b) A segunda, do despacho saneador proferido a 17.04.2015, que julgou improcedentes as exceções pela mesma alegadas (recurso subordinado).

Nas alegações apresentadas, a 1.ª Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“1.ª A douta decisão recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 13.07.2009, exarado na Informação n.º 67/2009 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças de Lisboa, notificado através do Ofício n.º 58.207, de 14.07.2009, o qual determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente em 29.01.2008, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) (atual artigo 139.º), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de S…, concelho de Sintra, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º 6…; 29

2.ª O Tribunal recorrido julgou a ação administrativa apresentada pelo Recorrente totalmente improcedente, com fundamento na inexistência de restrição ilegítima do direito à reserva da vida privada, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, do princípio da proporcionalidade e, bem assim, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real;

3.ª Salvo o devido respeito, não pode proceder o entendimento da sentença a quo;

4.ª Entende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, porquanto o Tribunal não considerou violado o direito à reserva da vida privada, o princípio da proporcionalidade, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, bem como o princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, todos determinantes da inconstitucionalidade da decisão administrativa;

5.ª A somar a isto, verifica-se que a presente sentença está inquinada do vício de nulidade por omissão de pronúncia no relativo à questão colocada pela ora Recorrente acerca do regime legal vertido no artigo 63.º-B da LGT e da interpretação do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, nos termos do artigo 125.º do CPPT e na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

6.ª Com efeito, e desde logo, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC (atual artigo 139.º), por violação do princípio da reserva da intimidade da vida privada, constitucionalmente consagrado no artigo 26.º da Lei Fundamental;

7.ª No que concerne à violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, tal consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição necessária do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 129.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário;

8.ª Efetivamente, muito embora se reconheça o objetivo estatal de combate à fraude e evasão fiscal e, bem assim, o direito do mesmo à arrecadação de impostos, tal tem de se compatibilizar com o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos;

9.ª De facto, o legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6, do artigo 129.º (atual artigo 139.º), do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou intimar o sujeito passivo à apresentação das autorizações para o acesso à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao direito ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de terceiros, seus administradores à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada;

10.ª Desta forma, não se avistando qualquer justificação para a consagração, no n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, de um regime legal com tais implicações na esfera de direitos do sujeito passivo e de terceiros, nada justifica, também e neste caso, a sobreposição dos referidos objetivos de combate à fraude e evasão fiscal e do próprio direito do Estado de cobrar impostos ao direito à reserva da intimidade da vida privada consignado naquela norma, razão pela qual é, desde logo, evidente que o preceito sob análise incorre em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;

11.ª Em adição à violação do referido princípio/direito, uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, qual seja, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

12.ª Afinal, o efeito imediato que acaba por derivar da consagração do regime legal previsto na referida norma é o de que o sujeito passivo, ainda que inteiramente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada;

13.ª É cristalino que, perante aquele n.º 6, do artigo 129.º, do Código do IRC, o sujeito passivo se depara com uma situação dilemática em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;

14.ª Atenta esta motivação, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC no Acórdão n.º 442/2007, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC motiva uma renúncia do sujeito passivo a “(…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…)”, daí emergindo uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP;

15.ª A somar às violações supra mencionadas, a norma prevista no n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC e a sua aplicação, nos termos em que o fez a decisão sub judice, incorre, igualmente e ainda tendo por referência o direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, na violação do princípio da proporcionalidade;

16.ª Desde logo, no que às referidas vertentes da adequação e da necessidade se refere, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma absurda que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito, inexistindo, assim, na previsão daquele n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, qualquer razoabilidade mas, ao invés, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir;

17.ª Na verdade, é indubitável que, das informações constantes da documentação apresentada pelo Recorrente [cf. ponto D) da matéria de facto dada como provada], resulta inequívoco o preço efetivo da transmissão do imóvel em causa, o que claramente demonstra não ser a aludida derrogação indispensável para a prova do preço efetivo;

18.ª Motivação pela qual se atesta que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;

19.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre também na sua vertente mais estrita, face à circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, quando não está na sua esfera de decisão e de poderes autorizar o acesso à informação bancária daqueles;

20.ª Nessa medida, e em face do supra exposto, deve a decisão sub judice ser anulada, também com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade;

21.ª Sem prejuízo do exposto, entende o Recorrente que, além das demais inconstitucionalidades invocadas, não assiste razão, com o devido respeito, ao Tribunal recorrido, também no que respeita à sua desconsideração da inconstitucionalidade do artigo.129.º, n.º 6 (atual n.º 6 do artigo 139.º), do Código do IRC, por violação do princípio da tributação pelo lucro real previsto no artigo 104.º da CRP;

22.ª Efetivamente, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja e in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, razão pela qual, não o sendo, ocorre, no entendimento do Recorrente e salvo melhor entendimento, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP;

23.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado artigo 129.º, n.º 6 (atual artigo 139.º), do Código do IRC, de 29 de dezembro, aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 64.º, enformando aquela norma, no entendimento do Recorrente, da inconstitucionalidade;

24.ª Com efeito, a mencionada Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, ao proceder ao aditamento ao artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, da menção “(…) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, veio, na prática, converter o preço efetivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível e, nessa medida, suscetível de violar, desde logo, não só o princípio da tributação pelo rendimento real, mas também, o princípio da igualdade contributiva;

25.ª Afinal, a anexação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos gerentes ou administradores não se encontra dependente da mera vontade do sujeito passivo, na medida em que este último não pode obrigar terceiros a concederem aquela autorização, ficando, dessa forma, à mercê daquela que for a decisão daqueloutros.

26.ª Pelo que, em suma, o artigo 129.º, n.º 6 (atual artigo 139.º) do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, impondo-se, também com esse fundamento, a imediata anulação da decisão em crise, razão pela qual se requer a pronúncia do Tribunal ad quem e se requer a anulação do ato decisório;

27.ª Estando também por demais evidenciadas as referidas inconstitucionalidades, deve a presente sentença ser revogada, por aplicação de norma inconstitucional;

28.ª Subsidiariamente, caso não se entendam verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, sem conceder, ainda assim a sentença proferida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia no relativo à questão colocada pela ora Recorrente acerca do regime legal vertido no artigo 63.º- B da LGT e da interpretação do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, nos termos do artigo 125.º do CPPT e na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;

29.ª Tal nulidade está intimamente relacionada com o comando constante do nº 2 do artigo 608º do CPC que dita que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;

30.ª Com efeito, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar;

31.ª Ora, não tendo o Tribunal apreciado as questões acima mencionadas, outra conclusão não restará a não ser a da nulidade da sentença, motivo pelo qual se impõe a sua revogação;

32.ª Sem nunca prescindir do supra aduzido e se o entendimento do Tribunal não for com ele concordante, afigura-se claro à aqui Recorrente que estão verificados os requisitos para que se considere a existência de erro de julgamento da decisão por ilegalidade da decisão recorrida face ao regime legal vertido no mencionado artigo 63.º-B da LGT e da interpretação do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC;

33.ª Desde logo, balizando aquela norma os limites dentro dos quais o legislador ordinário entendeu que o regime da derrogação do sigilo bancário, por razões de ordem fiscal, estaria conforme com os princípios e direitos constitucionais, nomeadamente, restringindo aquele acesso, mesmo quando o sujeito passivo não dê o seu consentimento, às situações em que existam indícios concretos da prática de um crime fiscal ou da falta de veracidade do declarado e exigindo a autorização judicial prévia nos casos de derrogação do sigilo bancário de terceiros, é por demais evidente que a previsão e aplicação daquele n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, tal como preconizado pela administração tributária na situação sub judice, extravasou, e muito, os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B da LGT;

34.ª Com efeito, não constituindo os factos tributários a apreciar no âmbito do procedimento desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC uma situação que exija um especial controlo por parte da administração tributária, nomeadamente mais apertado do que aquele se verifica, por exemplo, com referência a uma situação de apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos, a qual se rege pelas regras previstas naquele artigo 63.º-B da LGT, nada justifica, também, que o acesso às informações bancárias do sujeito passivo e dos terceiros se processe, no âmbito daquele artigo 129.º (artigo 139.º), ao arrepio das regras e dos princípios constantes do artigo 63.º-B da LGT;

35.ª Desta maneira, demonstrada a suficiência e adequação do regime legal previsto no artigo 63.º-B da LGT, no que concerne à regulamentação do acesso a informações bancárias de terceiros, fica de igual modo demonstrada, também por esse motivo, a ilegalidade do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e, nessa medida, do ato sub judice, em virtude de ambos se encontrarem em violação daquela primeira norma.

36.ª Afinal, não podem senão reputar-se suficientes para demonstração dos factos alegados os documentos juntos com o respetivo processo administrativo instrutor bancários [cf. ponto D) da matéria de facto dada como provada], não tendo sido colocados em causa pela administração tributária, gozando desse modo, da presunção de veracidade vertida no n.º 1, do artigo 75.,º da LGT.

37.ª Fica, assim, demonstrada, também por este motivo, a ilegalidade do disposto no n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC e, nessa medida, da decisão sub judice;

38.ª A única interpretação desse número, suscetível de não violar os princípios consagrados na CRP e, bem assim, no artigo 63.º-B da LGT, dita que apenas seria de se aceitar a eventual exigibilidade da autorização para levantamento do sigilo bancário após a verificação, por parte da administração tributária, da existência de fundamentos concretos que justificassem a análise da informação bancária;

39.ª Nunca quando, como no caso vertente, aquele acesso seja concretizado através de uma exigência “cega” e não justificada, consubstanciada na obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento de sigilo bancário em qualquer circunstância;

40.ª Com efeito, a Lei sempre exige, caso o sujeito passivo não o faça voluntariamente, um ato decisório prévio do Tribunal ou, atualmente, da administração tributária, que determine a derrogação do sigilo bancário;

41.ª Pelo que a administração tributária, ao exigir a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário noutros termos que não os expostos – e que consubstanciam, insista-se, a única interpretação daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, suscetível de não violar os princípios consignados na CRP e no artigo 63.º-B da LGT – faz inquinar de manifesta ilegalidade a decisão sub judice, a qual deve, também com esse fundamento, ser imediatamente anulada;

42.ª Deste modo, e em face de todo o exposto, resulta que, não tendo o tribunal determinado a anulação do mencionado despacho, deverá a sentença recorrida ser revogada.

43.ª Sendo anulada, nos termos acima peticionados, a decisão em crise, e uma vez que se verificam no caso vertente todos os pressupostos de que depende o deferimento do pedido de prova do preço efetivo, deve ser o mesmo deferido para efeitos de validação do montante declarado pelo Recorrente, com referência à transmissão do imóvel em causa;

44.ª Isto porque, à luz da factualidade dada como provada na decisão recorrida e que se encontra assente entre as partes, assim como das normas e princípios aplicáveis, a condenação à prática do ato devido no caso sub judice deveria consistir na imposição da emissão de um ato de deferimento daquele pedido de prova do preço efetivo;

45.ª De facto, é assente e não controvertido que o Recorrente procedeu à apresentação da prova do preço da transação e à junção da cópia da escritura de compra e venda realizada, bem como a cópia dos documentos bancários comprovativos do preço recebido [cf. ponto D) da matéria de facto dada como provada];

46.ª Ora, tendo em consideração que, daqueles documentos, resulta inegavelmente demonstrado, e sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional, que, por um lado, aquele foi o preço pelo qual o Recorrente transmitiu o imóvel em questão e que, por outro lado, o mesmo foi praticado por um montante inferior ao valor patrimonial tributário apurado pela administração tributária, encontra-se no caso sub judice demonstrado e comprovado o preço efetivo de transmissão do imóvel em apreço para efeitos do disposto no artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC.

47.ª Motivo pelo qual, é, pois, inequívoca a ilegalidade da decisão ora posta em crise, impondo-se a sua integral anulação;

48.ª De facto, subjaz ao alcance da condenação à prática do ato devido, também, a apreciação da situação material controvertida, podendo o Tribunal fixar à administração tributária os elementos do ato que deve emitir.

49.ª Com efeito, além do reconhecimento da ilegalidade da atuação ou omissão da administração tributária, prescrevendo o conteúdo dos atos que esta não está autorizada a emitir, a decisão condenatória tem também um conteúdo positivo, assente na determinação do que é um ato administrativo devido;

50.ª Resultando do supra exposto os diversos vícios em que incorreu a sentença recorrida, deverá a mesma ser anulada, julgando-se a ação administrativa especial procedente e condenando-se à administração tributária ao deferimento do pedido de prova do preço efetivo feito pelo Recorrente.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida, condenando-se a administração tributária à prática de ato devido que defira o pedido de prova do preço efetivo, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”.

A AT apresentou contra-alegações, nas quais sistematizou as seguintes conclusões:

“1ª) A sentença, a fls…, ao ter julgado totalmente improcedente a acção administrativa especial e ao ter absolvido a R. e ora recorrida dos pedidos formulados pela Autora, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantida. Do invocado errado julgamento de direito, por violação de princípios constitucionais:

2ª) Continua a ora recorrente, em sede de recurso jurisdicional, sem razão, a invocar que a sentença recorrida decidiu mal quanto à imputada violação, pelo nº 6 do art. 129º do CIRC, dos princípios constitucionais do direito à reserva da intimidade da vida privada, do direito de reclamação decorrência do princípio do Estado de Direito e do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e do princípio da proporcionalidade.

3ª) Ora, quanto ao direito à reserva da intimidade da vida privada, do direito de reclamação decorrência do princípio do Estado de Direito e do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 145/14, Proc. nº 521/2013 já deliberou pela não inconstitucionalidade do nº 6 do art. 129º do CIRC, invocando-se aqui os argumentos para tanto invocados por aquele Alto Tribunal.

4ª) Efectivamente, o legislador conferia no então art. 129º do CIRC, a possibilidade de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, facto que a recorrente não contesta, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável.

5ª) Pelo que, está-se perante um procedimento destinado a apurar a realidade dos factos e atenta a natureza do mesmo (o preço da transacção) que se pretende provar, só os documentos bancários constituem o meio adequado e a prova real e fidedigna da veracidade do preço pelo qual o imóvel foi vendido.

6ª) Donde, o estabelecimento de tal meio de prova, num procedimento destinado a ilidir uma presunção legal e inserido na busca da verdade material, da justiça fiscal e do princípio da capacidade contributiva, não constitui qualquer restrição ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

7ª) O contribuinte pode perfeitamente aceder ao procedimento em causa, apenas o seu exercício, com êxito, fica dependente ou condicionado ao cumprimento prévio de uma condição que é perfeitamente justificada por direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que se pretendem acautelar com o seu estabelecimento, como seja, mais uma vez se diga, o dever fundamental de pagar impostos, da capacidade contributiva e da igualdade entre todos os contribuintes.

8ª) Por outro lado, como também bem considerou a sentença recorrida, não ocorre qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

9ª) Estando directamente consagrada na lei a possibilidade de acesso, que é feita na prossecução das atribuições da AT, de verificação da real capacidade contributiva do sujeito passivo, da igualdade e da justiça fiscal e, tendo em conta os interesses em confronto, da AT e dos contribuintes, há também que concluir que o acesso ao segredo bancário, aos documentos bancários dos administradores da A., consagrado na lei, é adequado, proporcional e não excessivo, o que salvaguarda, ainda, o conteúdo constitucional do direito à reserva da intimidade da sua vida privada.

10ª) Para concretizar a justiça fiscal e a igualdade contributiva constitucionalmente exigida, o acesso à informação bancária da recorrente e à dos seus administradores ou gerentes é um instrumento único e uma diligência manifestamente indispensável ao apuramento dessa mesma real situação tributária.

11ª) Não se vislumbrando, por outro lado, que outros meios alternativos existam que possam colmatar a falta de acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes, uma vez que é indispensável conferir as contas de todos para saber, com total rigor e isenção, se houve desvio para qualquer uma das contas e, designadamente, para a dos administradores, de montantes que devem ser reportados à venda dos imóveis.

12ª) Invoca a ora recorrente, que o normativo constante do então art. 129º nº 6 do CIRC quando interpretado e aplicado no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento do contribuinte pessoa colectiva prevista no art. 58º-A (actual art. 64º) do CIRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real, art. 104º nº 2 da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13º e 104, nº 1 e 2 ambos da CRP.

13ª) Ora sobre tal alegada inconstitucionalidade deliberou-se no Ac. do TCA Sul de 21.05.13, Proc. nº 06309/13, também citado pela sentença recorrida, o seguinte: “Mais aduz o recorrente que o preceito em causa viola o direito à tributação pelo rendimento real constitucionalmente consagrado. O princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.P. O mecanismo em apreço, pelo contrário, consubstancia um instrumento de que o contribuinte pode lançar mão no sentido de assegurar a tributação pelo lucro real, assim correspondendo ao princípio previsto na Lei Fundamental e, manifestamente, não violando tal preceito constitucional (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 19/2/2013, proc.6091/12). Rematando, a norma do artº.129, nº.6, do C.I.R.C., não ofende o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real consagrado no artº.104, nº.2, da C.R.P”.

14ª) Na verdade, o legislador conferia no então art. 129º do CIRC, a possibilidade de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável. E, no caso, os pressupostos de que depende tal procedimento, destinado a contrapor um outro valor, um outro preço de transmissão do imóvel, destinam-se a esclarecer a verdade dos factos.

15ª) Donde, contrariamente ao que invoca a recorrente não existe aqui uma impossibilidade prática de ilidir a presunção, mas sim, o estabelecimento de uma medida adequada e proporcional ao fim que visa tal procedimento: apurar a verdade material dos factos.

16ª) Pelo que, bem decidiu a sentença recorrida quando considerou que não existia inconstitucionalidade do nº 6 do art. 129º do CIRC pela violação do princípio da tributação pelo rendimento real. Da interpretação do nº 6 do art. 129º do CIRC:

17ª) Invoca a recorrente, no que toca à interpretação e aplicação do nº 6 do art. 129º do CIRC que a única interpretação possível do preceito só seria a de se aceitar a eventual exigibilidade da autorização para levantamento do sigilo bancário após a verificação, por parte da administração tributária, da existência de fundamentos concretos que justificassem a análise da informação bancária.

18ª) Ora, também no que toca a uma eventual ilegalidade da interpretação e aplicação do artigo 129º em confronto com o art. 63º-B da LGT constituindo estes dois regimes diferenciadas formas de acesso aos elementos bancários, com fins perfeitamente distintos, que não se confundem nem têm contornos semelhantes, não se vislumbra em que medida é que a exigência das declarações de autorização para a AT aceder aos documentos bancários dos administradores encerra em si qualquer ilegalidade e/ou violação de qualquer princípio ou limite imposto pelo legislador.

19ª) Na verdade, não colhe uma alegada violação do art. 63º-B da LGT, nos termos invocados pela recorrente.

20ª) É que, o art. 63º-B da LGT e as garantias dos contribuintes aí consagradas, face à quebra do segredo bancário, não são aplicáveis ao presente caso, por se estar perante situações distintas.

21ª) Na verdade, enquanto no art. 63º-B da LGT, por o procedimento ser desencadeado pela AT deve a mesma dar a conhecer ao contribuinte e fundamentar e comprovar os motivos pelos quais pretende aceder à informação bancária e daí a necessidade legal de limitação, designadamente através do dever de fundamentação, do acto administrativo praticado pela AT, tendo em vista controlar a verificação dos pressupostos de acesso à informação bancária, no art. 129º do CIRC, por o procedimento ser da iniciativa do contribuinte e já se encontrar delimitado o motivo e o pressuposto que justifica o acesso à informação, não há a necessidade de controlar a verificação do mesmo, até porque não há, por parte da AT, a prática de qualquer acto administrativo, desconhecido do contribuinte, que pretenda aceder a informação bancária.

22ª) Não há, pois, qualquer obrigatoriedade legal de serem usadas, no procedimento previsto no art. 129º do CIRC, as garantias estabelecidas no art. 63º-B da LGT, caso contrário, o legislador tê-lo-ia expressamente previsto.

23ª) E nem se justifica que, no caso, essas garantias sejam subsidiariamente aplicadas, dado que estamos perante um mero procedimento de produção de prova da própria iniciativa e responsabilidade do contribuinte, com o motivo e pressuposto de acesso à informação já previamente delimitado e conhecido pelo próprio contribuinte. Quanto ao pedido cumulado: deferimento da pretensão da recorrente

24ª) O deferimento da pretensão formulada pela então A. relativamente à prova do preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, envolve produção de prova e juízos de valor técnicos inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT.

25ª) Deste modo, porque o acto que a então A., ora recorrente, pretende que o Tribunal condene a AT a emitir envolve valorações próprias do exercício da actividade administrativa, não sendo identificável uma única solução como legalmente possível, não poderia, salvo o devido respeito, o Tribunal substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma, cfr. art. 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA.

26ª) Decidiu pois, bem, o Tribunal “ a quo” quando considerou que improcedia o pedido condenatório dependente do pedido anulatório formulado.

37ª) Depois, contrariamente ao que a recorrente alega, os documentos apresentados no seu requerimento e com vista à prova do preço efectivo da transmissão, não acompanhados dos necessários elementos de informação bancária, são manifestamente insuficientes, até porque são eles que atestam a divergência entre o preço de venda e o VPT, para provar que o preço que consta da escritura pública de compra e venda é o que tem correspondência com os montantes que foram efectivamente recebidos pela ora recorrente, não tendo sido pago mais qualquer montante aos administradores da mesma.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela A. e, em consequência, deve ser mantida a sentença, a fls…, na parte em que absolveu a R. e ora recorrida de todos os pedidos formulados pela mesma A.”.

Por seu turno, a 2.ª Recorrente (AT), no recurso subordinado apresentado, formulou as seguintes conclusões:

“A) O saneador, a fls…, ao ter julgado improcedente a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto administrativo impugnado e ao não ter absolvido a então R. e ora recorrente da instância, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, não deve ser mantido.

B) Tendo a decisão da AT que não determina o prosseguimento do procedimento de prova de demonstração de preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel sido proferida no âmbito de uma matéria regulada nos termos do procedimento de revisão da matéria colectável a pedido do contribuinte (cfr. art. 91º e 92º da LGT, para os quais remete o nº 5 do então art. 129º do CIRC), ela constitui um acto interlocutório, que não é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, do procedimento de liquidação que só pode ser atacado, contenciosamente, a final.

C) Acresce que, tendo cessado qualquer efeito suspensivo da liquidação, a partir do momento em que a AT toma a sua decisão do não prosseguimento do pedido, cfr. nº 4 do então art. 129º do CIRC, a ora recorrida está em perfeitas condições de impugnar a liquidação invocando essa mesma ilegalidade, de preterição da formalidade de ser admitida a fazer a demonstração do preço de transmissão do imóvel, nos termos do art. 129º do CIRC, donde, a decisão da AT não lesa directa e imediatamente o sujeito passivo.

D) Pelo que, não podemos aceitar o entendimento plasmado no saneador, a fls…, ainda que, como se aí refere, incumba imediatamente ao vendedor a obrigação fiscal de efectuar uma correcção relativamente à declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a transmissão, nos termos conjugados dos nºs 2 e 3, al.a) do art. 58º-A do CIRC, não é essa circunstância que vai determinar a lesividade imediata do arquivamento do pedido de prova de preço, uma vez que o sujeito passivo pode sempre impugnar o acto final do procedimento.

E) Até porque, como o admite o saneador recorrido, não está previsto na lei a destacabilidade de tal acto ( do arquivamento do pedido de prova de preço) para efeitos de impugnação imediata.

F) Refira-se aliás que, no presente caso, não se encontre especificado na matéria de facto, como deveria, se a liquidação relativa aos anos de 2006 e 2007 já foi efectuada e se foi acrescida na matéria colectável a quantia referente à diferença positiva entre o VPT definitivo e o valor constante do contrato de compra e venda dos imóveis referenciados no presente processo.

G) Donde, pode até existir, eventualmente, uma excepção de litispendência ou de caso julgado, caso o ora recorrido tenha interposto impugnação contra tal liquidação e aí venha a invocar a preterição de formalidades, pelo que, deve ser determinada a baixa dos autos ao Tribunal “ a quo” a fim de que seja apurado tal facto que se assume, nessa circunstância, como relevante para a correcta apreciação da questão daquela excepção, cfr. nº 3 do art. 636º do CPC.

H) Assim, ao ter decidido que o acto que não admitiu a ora recorrida a fazer a prova de preço praticado nas transmissões de imóveis, nos termos do art. 129º do CIRC, era impugnável autonomamente e por via de acção administrativa especial, o saneador, a fls…, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do referido art. 129º do CIRC, art. 54º do CPPT e 66º da LGT, aos factos, motivo pelo qual não deve ser mantido. Por outro lado:

I) O saneador/sentença a fls. considerou que no âmbito do pedido condenatório e tendo em conta uma eventual condenação da AT à prática do acto devido, cabia tal pedido que, segundo entende, prende-se com os poderes de pronúncia do Tribunal e cabe na forma processual adoptada pela ora recorrida.

J) Pese embora não resulte claro se em tal condenação caberia também uma condenação ao deferimento do pedido, deveria o saneador a fls… ,face à excepção da ilegal cumulação de pedidos apresentada pela ora recorrente, ter absolvido a AT do mesmo.

K) Embora o pedido de anulação do indeferimento possa ser consumido pelo de condenação à prática do acto devido, como o parece entender o saneador a fls.., o mesmo já não sucede como os dois pedidos condenatórios formulados pelo então A.: a admissão ao procedimento de prova de preço efectivo previsto no art. 129º e ao deferimento do requerimento de preço de prova.

L) É que o deferimento da pretensão formulada pela então A. relativamente à prova do preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, envolve produção de prova e juízos de valor técnicos inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT.

M) Deste modo, porque o acto que a A., ora recorrida pretende que o Tribunal condene a AT a emitir envolve valorações próprias do exercício da actividade administrativa, não sendo identificável uma única solução como legalmente possível, devia o Tribunal “ a quo”, desde logo, ter absolvido a ora recorrente de tal pedido. N) Ao não o ter feito o mesmo fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso subordinado interposto pela R. e ora recorrente, devendo o saneador recorrido ser revogado e ser substituído por Acórdão que julgue procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto, deve ainda, ser determinada a baixa dos autos ao Tribunal a quo a fim de que se apure se o ora recorrido impugnou, ou não, a liquidação dos anos de 2006 e de 2007, por ser facto relevante para a apreciação da referida excepção, ou caso assim não se entenda, deve ser julgada procedente a excepção da ilegal cumulação de pedidos devendo a então R. e ora recorrente ser absolvida do pedido cumulado de deferimento do pedido de prova de preço, com todas as legais consequências”.

A A. contra-alegou, concluindo como se segue:

“1.ª O presente recurso é deduzido pelo Réu contra o despacho saneador, na parte em que julgou como não verificadas as duas exceções suscitadas na sua douta contestação: a inimpugnabilidade do ato objeto dos presentes autos e a cumulação ilegal de pedidos;

2.ª Quanto à primeira exceção, referiu o Tribunal Recorrido que “Assim, em face do exposto, e relativamente a esta exceção, decidiu o Tribunal recorrido que “ (…) a decisão de arquivamento do requerimento do contribuinte para que seja iniciado o procedimento de prova de preço efectivo de transmissão do imóvel, na medida em que afecta, de forma imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuinte, é autonomamente impugnável, improcedendo, nesta medida, a excepção de inimpugnabilidade do acto suscitada.” (cf. p. 6 e 7 do despacho recorrido)

3.ª No que concerne à invocada cumulação ilegal de pedidos, o Tribunal a quo considerou que não impendia sobre o ora Recorrido a obrigação de formular dois pedidos, tendo determinado que “ (…) independentemente da questão de saber se o acto praticado implica o uso de poderes discricionários da Administração Tributária, o que, reitera-se, apenas releva em sede de poderes de pronúncia do Tribunal, conclui-se que a cumulação de pedidos formulados pela autora é legal, sendo certo que o pedido de condenação à prática do acto devido era a forma adequada de reagir contenciosamente ao acto de arquivamento, que substancia um indeferimento atento o disposto no referido artigo 51.º, n.º 4 do CPTA.” (cf. p. 7 e 8 do despacho recorrido).

4.ª Motivo pelo qual, termina o Tribunal recorrido por julgar “ (…) não verificada a ilegal cumulação de pedidos, e, consequentemente, improcedente a excepção invocada.” (cf. p. 8 da sentença recorrida);

5.ª Entende o ora Recorrido que o presente recurso subordinado não deverá, desde logo, ser admitido com fundamento na sua intempestividade;

6.ª Com efeito, este recurso é deduzido contra o despacho saneador proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 20.04.2015, no âmbito do processo de ação administrativa especial em referência, o qual julgou improcedentes as exceções arguidas pelo Réu na sua douta contestação;

7.ª Com efeito, do despacho saneador cabia recurso no prazo de 30 dias contado desde a sua notificação, ao abrigo do disposto no artigo 144.º, n.º 1 do CPTA, na redação anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, ex vi do artigo 279.º, n.º 2 do CPPT;

8.ª Termos em que, salvo melhor opinião, o recurso do despacho saneador apresentado pelo ora Recorrente, deve ser considerado inadmissível com fundamento na sua intempestividade;

9.ª Sem prejuízo do acima exposto, e ainda que assim não se entenda, sempre deve julgar-se improcedente o presente recurso subordinado;

10.ª Desde logo, no que se refere à alegada exceção de inimpugnabilidade da decisão objeto dos presentes autos, contrariamente ao invocado pelo Réu, a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo sub judice não consubstancia um ato interlocutório, sendo por conseguinte inaplicável o disposto no invocado artigo 54.º do CPPT;

11.ª A decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo sub judice consubstancia um ato final de procedimento regulado no artigo 139.º do Código do IRC, que visa a demonstração de que o preço efetivamente praticado na transmissão de imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do IMT, sendo, por essa via, suscetível de impugnação contenciosa imediata, conforme resulta do artigo 60.º do CPPT;

12.ª O procedimento em causa não inclui, pois, quaisquer ações preparatórias ou complementares do procedimento de liquidação de imposto, sendo antes um procedimento com objetivos e regras próprias e, como tal, autónomo do procedimento de liquidação, e nem mesmo a circunstância de, em consequência da decisão que for proferida no âmbito do referido procedimento, poder vir a ser emitido um ato tributário de liquidação de imposto, significa que aquela decisão não seja uma decisão final no procedimento;

13.ª A autonomia de ambos os procedimentos é manifestamente evidente: o próprio Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças de Lisboa, órgão decisor daquele procedimento, qualifica a decisão de indeferimento que proferiu como um ato final do procedimento, referindo, para tanto, na notificação que acompanha aquela decisão, a sua recorribilidade hierárquica, o que não sucederia se se tratasse de um mero ato interlocutório, reclamável perante o autor;

14.ª Também a legislação contenciosa tributária reflete quer na sua esquematização, quer na redação das diversas normas que a integram, a autonomia entre aqueles dois procedimentos – cf., por exemplo, o n.º 1 do artigo 62.º do CPPT, designadamente a sua epígrafe;

15.ª Cumpre ainda referir que inexiste qualquer limitação legal à impugnabilidade do ato sub judice – inexiste, desde logo qualquer remissão do n.º 5 do artigo 139.º do Código do IRC para alguma norma que preveja a inimpugnabilidade da decisão objeto dos presentes autos, pois nem os artigos 91.º e 92.º nem o n.º 4 do artigo 86.º todos da LGT preveem que a decisão final do procedimento apenas possa ser objeto de contestação aquando da emissão do ato de liquidação do imposto;

16.ª Se o legislador não estabeleceu esta inimpugnabilidade contenciosa em concreto, não pretendeu o mesmo impedir a impugnação contenciosa direta da decisão final do procedimento instaurado para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis e, inexistindo tal limitação e tratando-se aquele, como supra se viu, de ato efetivamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do Autor, o mesmo é contenciosamente impugnável;

17.ª Nem se invoque que a remissão operada pelo n.º 5 do artigo 139.º do Código do IRC para as normas supra mencionadas implicaria, por maioria de razão, a inimpugnabilidade da decisão final de procedimento, por tal entendimento carecer de suporte na própria lei e, por outro lado, pelo facto de a administração tributária, em doutrina administrativa, ter já admitido que aquela remissão não é total;

18.ª A aplicação ao procedimento sub judice de toda e qualquer regra prevista para a avaliação indireta, sem que tenha havido uma remissão expressa para essas normas, deve ter-se por manifestamente inadmissível e, inexistindo qualquer norma que preveja, no que se refere à decisão do procedimento instaurado para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, a impossibilidade de impugnação contenciosa direta da decisão do mesmo, a exceção de inimpugnabilidade do ato invocada pelo Réu só pode ser julgada improcedente;

19.ª A circunstância de o pedido de abertura do procedimento em apreço ser condição prévia da dedução de impugnação judicial contra a liquidação de IRC a eventualmente emitir, prevista no n.º 7 do artigo 139.º do Código do IRC, não compromete a sindicabilidade autónoma e individualizada da legalidade da decisão que for proferida no âmbito daquele procedimento, uma vez que, no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, o legislador considerou necessária a introdução de duas normas para prever aquelas duas realidades: por um lado, o n.º 3 do artigo 86.º da LGT, relativo à inimpugnabilidade contenciosa direta da avaliação indireta e, por outro lado, o n.º 5 do mesmo artigo, referente à necessidade de abertura do procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos como condição prévia da dedução de impugnação judicial contra a liquidação de imposto, distinção que não ocorre no âmbito do procedimento instaurado para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis;

20.ª Constituindo presunção legal que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como decorre do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, só poderá concluir-se pela inexistência de qualquer limite à impugnação contenciosa direta do ato final daquele procedimento e, por conseguinte, pela efetiva possibilidade de impugnação contenciosa direta do ato final daquele procedimento, devendo a presente exceção de inimpugnabilidade do ato ser julgada improcedente;

21.ª A admissibilidade legal de impugnação direta do ato em causa, enquanto ato destacável, encontra-se prevista no artigo 86.º, n.º 1, da LGT;

22.ª A determinação da matéria tributável de IRC, tal como prevista nos artigos 64.º e 139.º do Código do IRC, corresponde a uma avaliação direta da matéria tributável, razão pela qual os vícios do procedimento de avaliação e do ato tributário de avaliação direta carecem de ser impugnados por via contenciosa, sob pena de não poder ser posteriormente atacável a matéria tributável fixada, quer nas situações em que haja liquidação de imposto, quer quando a não haja;

23.ª Com efeito, o artigo 86.º, n.º 1, da LGT impõe a impugnação contenciosa direta dos atos de avaliação direta uma vez que se tratam de atos materialmente definitivos que constituem pressupostos necessários e prejudiciais dos atos tributários em sentido estrito e, neste sentido de que a determinação da impugnabilidade autónoma assenta na relação de prejudicialidade entre os atos, veja-se a posição do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 14.09.2008, proferido no recurso n.º 0342/98, no qual se refere que “(…) não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que tais actos de determinação da matéria colectável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o acto final haja uma relação de evidente prejudicialidade. É na inevitável relação de prejudicialidade entre o acto preparatório (acto prejudicial) e o acto de liquidação (acto prejudicado) que reside a explicação para que tal acto, embora preparatório, se autonomize e destaque (acto destacável) e seja, por si só, e autonomamente impugnável – cf., por todos, Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191; e Américo Braz Carlos, Os Actos Preparatórios de Fixação do Rendimento Colectável, sua Impugnabilidade Contenciosa, na Revista Fisco n.ºs 12/13, p. 20. (…)”;

24.ª Deste modo, resulta por demais demonstrada a natureza de ato destacável do ato sub judice, o qual consubstancia um ato de avaliação direta do rendimento para 32 efeitos de tributação em sede de IRC, cuja impugnabilidade contenciosa autónoma se encontra expressamente prevista na lei – artigo 86.º, n.º 1, da LGT - razão pela qual, também com este fundamento, a exceção invocada pelo Réu só pode ser julgada improcedente;

25.ª O ato sub judice é um ato lesivo dos direitos do contribuinte e, por esse motivo, suscetível de imediata impugnação contenciosa, não podendo deixar de se admitir a impugnabilidade contenciosa imediata de atos que têm repercussões diretas e lesivas na esfera jurídica dos particulares (cf. artigos 9.º, n.os 1 e 2 e 95.º, n. os 1 e 2, todos da LGT, cabendo destacar o disposto no n.º 2 do artigo 9.º, segundo o qual “Todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei.”);

26.ª A circunstância de, como decorre do n.º 7 do artigo 139.º do Código do IRC, a impugnação judicial da liquidação de imposto emitida na sequência de correções efetuadas nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, ou das correções ao lucro tributável efetuadas ao abrigo do mesmo preceito, depender de prévia apresentação do pedido de prova do preço efetivo em nada contribui para a conclusão de que o mesmo não constitui um ato lesivo pois, ao apontar, apenas e tão-só, para a necessidade de dedução prévia do pedido de prova do preço efetivo como condição de impugnabilidade futura da liquidação de imposto, não permite sustentar, de longe, a alegada falta de lesividade do ato;

27.ª A imediata lesividade do ato decorre da circunstância de a decisão que negar provimento ao pedido de prova do preço efetivo fazer cristalizar na ordem jurídica que o preço praticado pelo Autor na transmissão de determinado imóvel não foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT e, consequentemente, determinar o acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais, do montante correspondente à diferença entre o valor constante do contrato de transmissão do imóvel e o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT, decisão que tem um impacto imediato na situação jurídica dos contribuintes;

28.ª Apesar de a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo apontar para a realização de um acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais do exercício, o contribuinte desconhecerá se, no exercício em questão, haverá lugar ao apuramento de lucro tributável ou de prejuízo para efeitos fiscais, ao apuramento de matéria coletável ou ao apuramento de imposto no exercício, evidencia ainda mais o seu carácter imediatamente lesivo;

29.ª A lesividade imediata desta decisão ressalta evidente ao não se perder de vista que, na generalidade dos casos, aquando da apresentação do pedido de prova do preço efetivo, não foi submetida ainda a declaração de rendimentos modelo 22 do exercício a que respeita a aquisição do imóvel (cf. n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRC), de onde resulta evidente que o contribuinte não tem forma de saber, em regra, se haverá liquidação de imposto que possa, posteriormente, vir a contestar;

30.ª Atento tal circunstancialismo, impõe-se, por forma a garantir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos através da impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos (cf. artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP]), o reconhecimento da imediata lesividade da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, por conseguinte, da sua impugnabilidade direta;

31.ª Neste sentido, veio já o Supremo Tribunal Administrativo reconhecer, em acórdão datado de 03.12.2014, proferido no processo n.º 0881/12, a lesividade da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, como tal, a impugnação contenciosa e autónoma da mesma através de ação administrativa especial;

32.ª Bem andou, assim, o Tribunal recorrido, quando suportou a decisão de improcedência da aludida exceção na referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo;

33.ª Assim, do quanto vem exposto, resulta evidente a lesividade do ato e a sua imediata impugnabilidade, razão pela qual a exceção invocada pelo Réu não poderá deixar de ser julgada improcedente, devendo julgar-se improcedente o recurso subordinado e mantido o despacho saneador nesta parte;

34.ª No que concerne à exceção de litispendência ou caso julgado suscitada pelo Réu nas suas alegações de recurso subordinado, entre a presente ação e o processo de impugnação judicial deduzido contra a liquidação adicional de IRC de 2007, que corre termos neste Tribunal, sob o n.º 1200/10.0BELRS, cumpre referir que, em nome do princípio da concentração da defesa na contestação, a invocação de exceções deve ter apenas lugar em sede de contestação, obedecendo ao disposto no n.º 1 do artigo 83.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, norma de acordo com a qual “Na contestação, deve a entidade demandada deduzir, de forma articulada, toda a matéria relativa à defesa e juntar os documentos destinados a demonstrar os factos cuja prova se propõe fazer”, de onde se retira ser a invocação de novas exceções em sede de recurso subordinado inadmissível, por intempestiva;

35.ª Deste modo, não tendo tal exceção sido invocada no momento oportuno, não deve agora relevar-se a invocação da referida exceção de litispendência ou caso julgado no caso em presença;

36.ª Caso assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre será evidente a sua improcedência;

37.ª Embora exista uma identidade de sujeitos entre a presente ação e aquela que corre termos neste Tribunal sob o n.º1200/10.0BELRS, verifica-se inexistir no caso sub judice uma identidade de pedido e da causa de pedir;

38.ª Com efeito, o pedido e a causa de pedir da presente ação não coincidem com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial n.º1200/10.0BELRS

39.ª Efetivamente, no caso vertente a causa de pedir refere-se à ilegalidade da decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de duas frações do prédio urbano sito em S…, concelho de Sintra, por violação, designadamente, dos princípios constitucionais da reserva à intimidade da vida privada, do Estado de Direito, do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da tributação das empresas pelo rendimento real, bem como à infração do vertido no artigo 64.º-B da LGT, e o pedido consiste na anulação da supra mencionada decisão de indeferimento e sua substituição por outra que defira o pedido de prova de preço efetivo apresentado pelo ora Recorrido,

40.ª Já no referido processo de impugnação judicial a causa de pedir é o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2009 8310030561, datada de 30.12.2009, nas demonstrações de liquidações de juros compensatórios n.º 2010 00000002514 e n.º 2010 00000002515 e na demonstração de acerto de contas n.º 2010 00000044962, datada de 15.01.2010, todas respeitantes ao exercício de 2007 (relacionado com as frações autónomas “A” e “C” de prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de S…, concelho de Sintra, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob n.º 6… e, bem assim, com o prédio urbano sito na freguesia de S…, concelho de Maia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o n.º 1…).

41.ª Acrescente-se, ainda que o pedido é, precisamente, a anulação desse ato tributário e das correções consubstanciadas no mesmo.

42.ª Tal circunstância basta para que não proceda a invocada exceção de litispendência.

43.ª Em face do exposto, dúvidas não restam de que os efeitos jurídicos pretendidos na presente e naquela ação são distintos, pelo que não ocorre exceção de litispendência.

44.ª Em face do exposto, as exceções de litispendência e de caso julgado alegadas pela ora Recorrente devem ser julgadas improcedentes.

45.ª Razão pela qual, deve também ser negado provimento, nesta parte, ao presente recurso subordinado, mantendo-se o despacho saneador na parte ora objeto de recurso.

46.ª Por fim, também não assiste razão ao Réu na alegada exceção de cumulação ilegal de pedidos;

47.ª A decisão proferida ao abrigo do procedimento instaurado para prova do preço efetivo na transmissão de imóveis não envolve o exercício de qualquer poder discricionário;

48.ª No âmbito do procedimento instaurado ao abrigo do artigo 139.º do Código do IRC, não é exigido à Autoridade Tributária e Aduaneira o exercício de qualquer atividade que envolva o exercício de um poder discricionário, ou qualquer valoração própria do exercício da atividade administrativa, porquanto a solução legalmente possível, em face dos elementos que o contribuinte apresentar à administração tributária, é apenas uma: ou se verifica que o preço foi efetivamente pago foi inferior ao valor patrimonial ou não;

49.ª A posição pugnada pela administração tributária, segundo a qual a sua participação naquele procedimento envolve valorações próprias do exercício da atividade administrativa, também nunca poderá ser aceite, porquanto, a admitir-se tal entendimento, estar-se-ia a violar o princípio constitucional da prevalência da tributação do lucro real e efetivo, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, bem como os elementares princípios da segurança e da certeza na definição das relações jurídicas devendo, com base no exposto, ser julgada improcedente a exceção suscitada pelo Réu nas suas alegações de recurso subordinado;

50.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve ser julgado improcedente o presente recurso subordinado, mantendo-se o despacho saneador na parte ora objeto de recurso.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) neste TCAS foi notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo emitido parecer, no sentido da improcedência dos recursos.

As partes foram notificadas do mencionado parecer, nada tendo dito.

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Quanto ao recurso independente:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto foram violados o direito à reserva da vida privada, o princípio da proporcionalidade, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, bem como o princípio da tributação das empresas pelo rendimento real?

b) A sentença é nula, por omissão de pronúncia?

Quanto ao recurso subordinado:

c) O recurso é intempestivo (questão prévia suscitada pela A.)?

d) Há erro de julgamento, uma vez que o ato é inimpugnável?

e) Deve ser determinada a baixa dos autos, para apuramento de eventual situação de litispendência ou caso julgado?

f) Há erro de julgamento, quanto à cumulação ilegal de pedidos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Relativamente ao despacho saneador

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto, em sede de despacho saneador:

“A) Em 29 de Janeiro de 2008, a autora «T… C…– Instituição Financeira de Crédito SA» apresentou, nos termos do artigo 129º do Código do IRC, pedido de prova do preço efectivo na transmissão das fracções designadas pelas letras “A” e “C” do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S…, concelho de Sintra, sob o artigo 6… (cfr. fls. 3 a 5 do processo administrativo apenso);

B) Pelo ofício nº49103, de 18 de Junho de 2009, a autora foi notificada para suprir a falta de documento de autorização para a Administração Fiscal aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores (cfr. fls. 7 1 do processo administrativo apenso);

C) Pelo ofício nº 58207, de 14 de Julho de 2009, a autora foi notificada do indeferimento do pedido referido em A) que antecede (cfr. fls. 7 4 do processo administrativo apenso);

D) No ofício mencionado na alínea antecedente consta, além do mais, o seguinte: “Contra o acto notificado poderá essa empresa: - interpor recurso hierárquico no prazo de 30 (trinta) dias (…). – Deduzir acção administrativa especial no prazo de 3 (três) meses (…)”. (cfr. fls. 74 do processo administrativo apenso)”.

Relativamente à sentença

II.B. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto, na sentença proferida:

“A) T… C… – Instituição Financeira de Crédito, SA, (ou Autora) é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua actividade comercial, celebra diversos contratos de locação financeira de bens imóveis;

B) No âmbito da actividade, referida em A) e na qualidade de locadora, a Autora procedeu, durante o exercício de 2007, à alienação da fracção autónoma de prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de S…, concelho de Sintra, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º 6… pelo preço de € 46.200,00e da fracção autónoma de prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de S…, concelho de Sintra, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º 6… pelo preço de € 32.400,00 (conforme escrituras públicas celebradas a 26 de Março de 2007);

C) Em 29.01.2008 a Autora apresentou, e com referência a cada uma daquelas fracções, requerimento com vista à comprovação do preço efectivo da respectiva transmissão, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do IRC, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do mesmo diploma legal;

D) Ao requerimento identificado em C) a Autora juntou cópia da escritura pública do contrato de compra e venda e documentos bancários;

E) Por ofício nº 049103, de 18/06/09 o Réu notificou a Autora para, no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso, suprir as deficiências do requerimento da Autora, sob pena do pedido ser arquivado (doc nº 1 da pi):

Assunto: procedimento de revisão – artº 91º da LGT e artº 129º do CIRC

Deu entrada em 15/02/2008 nesta Direcção de Finanças, um pedido de prva do preço efectiva a transacção de imóveis, referente às fracções designadas pelas letras “A” e “C” do prédio inscrito so o artº 6… da matriz predial urbana da freguesia de S…, concelho de Sintra.

Da análise prévia, para aferir do cumprimento dos formalismos legais exigidos pelos nº 1 e 3 do artº 91º da LGT e nºa 6 do artº 129º do CIRC, constata-se que o mesmo não reúne os requisitos legais para poder ser admitido, cujas faltas a seguir se indicam:

1 – Não junta documento(s) que autorize(m) a Administração Fiscal a aceder à informação bancária da empresa e do(s) respectivo(s) administrador(es) referente(s) ao exercício em que ocorreu a transacção e ao exercício anterior;

(…).

F) Recepcionado o ofício referido no ponto anterior a 16-06-2009 a Autora não apresentou os elementos solicitados;

G) Pelo ofício nº 058207, de 14-07-2009 a Autor foi notificada de que por despacho de 13/07/09, do Director de Finanças de Lisboa foi o requerimento identificado em C) arquivado com os fundamentos na informação nº 67/09 do indeferimento (doc nº 2, da pi);

H) Da informação nº 67/2009, junta a fls 60 a 62, que acompanhou a notificação referida em G) e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, consta, nomeadamente:

(…).

3.2 – Não vieram junto ao pedido, os documentos de autorização bancária previstos no nº 6 do artº 129º do CIRC para a Administração Fiscal poder aceder à informação bancária da empresa e dos seus administradores relativamente ao exercício em que ocorreram as transmissões e exercício anterior.

4. Face ao constatado, foi expedido o ofício- notificação nº 049103, de 18-06- 09, desta Direcção de Finanças, para que,m no prazo de 10 dias a contar da recepção do mesmo, o sujeito passivo viesse suprir as faltas detectadas (atrás referidas no ponto 3.2), dele constando a advertência de que, findo tal prazo e não sendo dado cumprimento ao solicitado, o pedido em causa seria arquivado, procedendo este serviço à competente liquidação de IRC na parte respeitante aos valores do ajustamento previsto no nº 2 do artº 58º-A do CIRC.

5. O pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, está sujeito aos condicionalismos legalmente previstos no artº 129º do CIRC e, de acordo com o preceituado no nº 6 desse artigo, o consentimento de acesso aos elementos protegidos pelo segredo bancário referente à requerente e seus administradores relativamente ao exercício em que ocorreu a transmissão e exercício anterior, é necessriamente um dos requisitos da abertura do procedimento de revisão previsto no referido artigo.

6. Apesar da diligência efectuada por este Serviço, através do ofício-notificação acima referido que foi recepcionado pela empresa em 19.06.09, até à presente data nada foi apresentado. Assim, não havendo dispositivo legal que o dispense, não pode o Procedimento prosseguir, caso não seja acompanhado das necessárias autorizações.

Mais, estando em causa um pedido apresentado por iniciativa do próprio sujeito passivo para demonstração da Prova de Preço Efectivo da Transmissão do Imóvel, nos termos do artº 129º do CIRC, encontra-se sujeito aos condicionalismos legalmente previstos nessa norma. Como tal compete ao contribuinte, nos termos do artº 74º da LGT, o ónus da prova, tendo de apresentar os documentos legalmente exigidos com vista à instrução do pedido por ele formulado.

(…).

I) A Autor deduziu a presente acção administrativa especial a 29-09-2009”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos, como visto, foram apresentados recurso independente e recurso subordinado.

Em regra, por precedência lógica, a ordem de apreciação implica o conhecimento, em primeiro lugar, do recurso independente e, em segundo, do subordinado.

No entanto, esta regra não é absoluta [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.11.2010 (Processo: 01051/09) e o Acórdão deste TCAS de 29.02.2024 (Processo: 332/05.1BELSB)], sendo que, no presente caso, o recurso subordinado respeita ao conhecimento de matéria de exceção, cuja eventual procedência implica, naturalmente, o não conhecimento do objeto do recurso independente.

Como tal, começa-se por se apreciar as questões atinentes ao recurso subordinado.

III.A. Da questão prévia suscitada pela A., relativa à intempestividade do recurso subordinado

Considera, antes de mais, a A. que, quanto ao recurso subordinado apresentado, o mesmo se revela intempestivo, dado que, atentando na redação do CPTA aplicável à data da prolação do despacho saneador, o mesmo deveria ter sido apresentado no prazo de 30 dias a contar da notificação.

Vejamos.

O despacho saneador em causa, como referido, foi proferido a 17.04.2015 e julgou improcedentes todas as exceções alegadas pela AT.

Olhando para o regime previsto no CPTA, à data, em matéria de recursos, aplicável ex vi o n.º 2 do art.º 279.º do CPPT, temos que “[o]s recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações” (art.º 140.º, 1.ª parte).

Nos termos do seu art.º 142.º:

“1 - O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre.

2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se incluídas nas decisões sobre o mérito da causa as que, em sede executiva, declarem a existência de causa legítima de inexecução, pronunciem a invalidade de atos desconformes ou fixem indemnizações fundadas na existência de causa legítima de inexecução.

3 - Para além dos casos previstos na lei processual civil, é sempre admissível recurso, seja qual for o valor da causa, das decisões:

a) De improcedência de pedidos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias;

b) Proferidas em matéria sancionatória;

c) Proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo;

d) Que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa.

(…) 5 - As decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil”.

Sobre as situações que admitem sempre recurso, ao abrigo do CPC, somos remetidos para o respetivo art.º 644.º, nos termos do qual:

“1 - Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;

b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;

c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;

f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;

g) De decisão proferida depois da decisão final;

h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;

i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.

3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão”.

Nos termos do então art.º 144.º, n.º 1, do CPTA, “[o] prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida”.

Ora, in casu, não estamos perante nenhuma decisão que a lei previsse como sendo suscetível de recurso imediato, dado não estarmos perante despacho saneador que tenha decidido sobre o mérito da causa ou tenha absolvido o réu de algum dos pedidos, sendo de aplicar o n.º 5 do art.º 142.º do CPTA.

Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Ed. Revista, Almedina, Coimbra, 2010, p. 934): “Entre os despachos interlocutórios que só são impugnáveis a final (…) contam-se os despachos que, na fase do saneamento do processo, julguem improcedente uma questão prévia” (v. igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 217).

Logo, quer o regime anterior, quer o atual, não preveem a recorribilidade imediata de um despacho saneador que julgue improcedente a matéria de exceção alegada como o que foi proferido in casu.

Face ao exposto, o recurso do despacho recorrido só podia ser, como foi, interposto na sequência da prolação da sentença [dado que, em sede de contencioso tributário, não há reclamação para a conferência em 1.ª instância – cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.11.2016 (Processo: 01568/15)].

Logo, tendo o recurso subordinado sido interposto dentro do prazo de 30 dias contados da notificação da interposição do recurso independente (cfr. art.º 633.º, n.º 2, do CPC), o mesmo é tempestivo.

Como tal, não assiste razão à A. nesta parte, sendo o recurso subordinado tempestivo.

Passando à apreciação deste recurso.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à inimpugnabilidade do ato

Considera a 2.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto o ato impugnado não é, em seu entender, impugnável autonomamente, por se tratar de ato interlocutório que não é imediatamente lesivo.

In casu, foi ato impugnado o despacho de indeferimento proferido no âmbito de procedimento então previsto no art.º 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

Sobre a questão da impugnação autónoma deste tipo de decisão, já se pronunciaram os nossos tribunais superiores, em termos que acolhemos e que, por isso, se reproduzem. Assim, extrai-se do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.04.2021 (Processo: 01263/12.4BEPRT 0512/16) a seguinte fundamentação:

“[O] que está em causa nos autos (…) é saber se o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo é ou não um acto impugnável. E a resposta releva, tanto em termos gerais, para apurar se a decisão final daquele procedimento se deve qualificar como acto recorrível ou não, como no que respeita ao circunstancialismo do caso, em que o pedido foi indeferido liminarmente por o requerente não ter procedido à junção dos documentos de autorização para acesso à informação bancária, alegando que essa exigência violava diversos preceitos e princípios constitucionais, designadamente no respeitante à reserva da vida privada.

(…) 3.3.1. Lembremos que a regra no direito tributário é a que emerge do princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º do CPPT, segundo o qual, “salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

O acto cuja impugnabilidade autónoma aqui se questiona de forma genérica é o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo, ou seja, aquele que decide se os sujeitos passivos podem utilizar para a determinação do lucro tributável o valor de compra e venda de um imóvel constante do contrato quando este valor seja inferior ao valor patrimonial tributável que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria se o negócio estivesse abrangido pelo âmbito de incidência daquele imposto.

Ora, a primeira premissa é a de que este é um acto, por natureza, interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, ou seja, um acto que põe termo a um (sub)procedimento especial que se inscreve no âmbito do procedimento geral de liquidação geral do IRC e que respeita a um aspecto específico da determinação da matéria colectável daquele imposto nos casos em que da mesma façam parte receitas ou despesas relativas à transmissão onerosa de imóveis e em que o valor atribuído a essa transmissão seja inferior ao do VPT do imóvel para efeitos de IMT. Nessa medida, tratando-se de um acto interlocutório, aplicar-se-á, em princípio, a regra prevista no princípio da impugnação unitária, pelo que, os vícios de que o mesmo padeça devem ser invocados na impugnação do acto de liquidação ou de correcção da matéria colectável.

Lembramos que é uma ideia de economia procedimental e processual que está subjacente ao princípio da impugnação unitária, pelo qual se alcança uma declaração de autoridade a respeito da situação tributária dos sujeitos passivos de forma mais célere – como impõe a necessidade de obter recursos financeiros públicos – sem contudo comprometer a garantia da tutela jurisdicional efectiva, ou seja, sem pôr em causa, as garantias dos contribuintes em relação a todos os aspectos que estejam subjacentes ao teor do acto de liquidação, os quais são analisados e decididos no âmbito do processo de impugnação do mesmo. Soma-se ainda a exigência de que esses actos interlocutórios, cuja apreciação da respectiva ilegalidade é “diferida” para o momento da impugnação da liquidação, não poderem ter carácter lesivo a não ser através do próprio acto de liquidação (ou seja, têm de ser actos que, em si, não sejam aptos a produzir imediatamente efeitos lesivos para o sujeito passivo).

O legislador admite apenas duas excepções a este princípio da impugnação unitária: i) os casos em que estas decisões interlocutórias sejam imediatamente lesivas, pois nesse caso prevalece a garantia do sujeito passivo a poder repelir de imediato um acto que lhe esteja a provocar uma lesão efectiva; e ii) os casos em que o legislador expressamente preveja a impugnação imediata e autónoma dessa decisão interlocutória.

Importa por isso saber se o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo se pode integrar em alguma destas excepções.

(…) Em primeiro lugar, não é verdade que resulte expressamente da lei a imediata recorribilidade da decisão daquele procedimento. Uma tal recorribilidade não tem previsão expressa no artigo 139.º do CIRC e ela também não se retira do disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT. Pelo contrário, a remissão que encontramos no n.º 5 do artigo 139.º do CIRC para o n.º 4 do artigo 86.º da LGT – artigo onde se afirma que “na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo” – no qual se indica, expressamente, que as eventuais ilegalidades que possam ser assacadas à decisão que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo podem (ou seja, devem) ser invocadas na impugnação do acto tributário de liquidação, que venha ser praticado ao abrigo do n.º 4 do artigo 139.º do CIRC.

De resto, a remissão do artigo 139.º do CIRC para as regras do procedimento de determinação da matéria colectável por métodos indirectos compreende-se porque, aqui (no procedimento de prova do preço efectivo), tal como ali (na decisão de quantificação a matéria colectável com recurso a métodos indirectos), a obrigação de previamente lançar mão de um meio administrativo (ali o pedido de revisão da matéria colectável nos termos do artigo 91.º da LGT e aqui o procedimento de prova do preço efectivo) constituem, como já dissemos, condição de impugnabilidade do acto final de liquidação, quando o impugnante o pretenda atacar a respectiva fundamentação (ali, uma ilegalidade na quantificação da matéria tributável, aqui, uma ilegal quantificação do valor do imóvel para efeitos de determinação do lucro tributável).

E por isso não tem sentido, como pretende a Recorrente, a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT, pois não estamos perante um problema de avaliação directa da matéria colectável (não estamos a corrigir ou a discutir o valor nominal pelo qual o imóvel é transmitido), mas sim perante um expediente procedimental necessário para afastar uma presunção legal (a de que o imóvel foi transmitido pelo valor do respectivo VPT, quando o valor dessa transmissão seja inferior àquele) prevista no artigo 64.º, n.º 2 do CIRC.

3.3.2.2. E também não tem razão a Recorrente quando alega que a decisão do procedimento para a prova do preço efectivo é imediatamente lesiva, pois o n.º 4 do artigo 139.º do CIRC estipula, expressamente, que o procedimento de prova do preço efectivo tem efeito suspensivo da liquidação na parte correspondente ao valor da diferença entre o preço que alegadamente foi praticado e o VPT que serviu de base à liquidação do IMT. Na prática, isto quer dizer que, em caso de transmissão do imóvel por valor inferior ao VPT, o sujeito passivo, no ano a que corresponde o negócio de transmissão do imóvel, declara, liquida e paga o IRC correspondente ao valor da transmissão e dá início ao procedimento de prova do preço efectivo. Quando esse procedimento termina e caso a decisão lhe seja desfavorável, haverá lugar à prática, pela AT, de um acto de liquidação adicional ou de correcção de prejuízos no valor correspondente àquela diferença (artigo 139.º, n.º 4 CIRC) e são esses os actos impugnáveis (artigo 139.º, n.º 7 do CIRC).

Na hipótese aventada pelo Recorrente, de que a AT não venha a praticar o acto subsequente – seja a liquidação adicional, seja a correcção dos prejuízos – então também não se produzirá a lesão, tendo em conta que o sujeito passivo auto-liquidou o imposto apenas com base no valor que atribuiu à transmissão.

Assim, também não se preenche o pressuposto legal da imediata lesividade do acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo para efeitos de excepção ao princípio da impugnação unitária.

3.3.3. Em suma, quer do que resulta da interpretação dos preceitos legais em crise – artigos 139.º e 86.º, n.º 4 da LGT – quer do regime regra do procedimento tributário assente no princípio da impugnação unitária – artigo 54.º do CPPT – conclui-se que o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo não é impugnável, devendo os eventuais vícios de que o mesmo enferme ser alegados e conhecidos no âmbito da impugnação do acto de liquidação adicional ou do que determine a correcção de prejuízos fiscais.

3.3.4. E nem a situação dos autos – querer discutir a conformidade constitucional da norma que impõe o acesso à informação bancária (artigo 139.º, n.º 6 do CIRC) como condição para a instrução do procedimento de prova do preço efectivo e o acto de indeferimento liminar daquele procedimento em caso de recursa – altera o que antes afirmámos, pois a lesividade deste indeferimento liminar apenas se projectará na esfera jurídica do Recorrente por intermédio do acto de liquidação adicional ou de correcção dos prejuízos fiscais” [no mesmo sentido, v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.09.2022 (Processo: 02066/11.9BEPRT) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.05.2022 (Processo: 119/09.2BESNT)].

Como tal, atento o exposto, verifica-se que o ato em causa não é impugnável autonomamente.

Sendo certo que a AT, como resulta provado, notificou a A. de que, da decisão do indeferimento, caberia ação administrativa, verifica-se que a mesma incorreu em erro.

Há que, a este propósito, apelar ao disposto no art.º 37.º, n.º 4, do CPPT, nos termos do qual, “[n]o caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reação contra o ato notificado indicado na notificação, poderá o meio de reação adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial” (cfr. igualmente o art.º 588.º do CPC, considerando que, atento o alegado pela A., já foi impugnada a liquidação de IRC em crise).

Logo, a tutela da A. tem mecanismos de salvaguarda, dado reconhecer-se o erro da administração na indicação do meio de reação.

Como tal, verificando-se que o ato em causa é inimpugnável, assiste razão à Recorrente AT, resultando prejudicada a apreciação do demais alegado pela 2.ª Recorrente e, bem assim, do recurso apresentado pela 1.ª Recorrente

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso apresentado pela Administração Tributária e Aduaneira, revogar o despacho saneador recorrido e julgar verificada a exceção da inimpugnabilidade do ato impugnado, com a consequente absolvição da AT da instância;

b) Julgar prejudicada a apreciação do recurso apresentado pela A.;

c) Custas pela A., em ambas as instâncias;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de março de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Jorge Cortês)

(Patrícia Manuel Pires)