Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08284/11
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/18/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:IMPUGNALIDADE DE ATO PROCEDIMENTAL, ERRO NA FORMA DO PROCESSO, INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL.
Sumário:I. O ato administrativo praticado em sequência de julgado anulatório, publicitado em Diário da República, que fixa inovatoriamente as regras porque o concurso se passará a reger, de entre as quais, a constituição do novo júri e a impossibilidade de apresentação de outros documentos, que a autora considera ilegais, assim como a competência para a prática do ato, que a autora questiona, traduz-se num ato que, ainda que inserido na tramitação do procedimento administrativo, não sendo a decisão final do procedimento, adquire eficácia externa, por projetar os seus efeitos diretamente sobre os interessados a quem se destina, os 17 candidatos que apresentaram a sua candidatura ao concurso.
II. Por revestir eficácia externa, projetando os seus efeitos diretamente na esfera jurídica dos seus destinatários e ser potencialmente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos, tal ato é impugnável contenciosamente, nada obstando que o mesmo não constitua o ato final do procedimento, nos termos das disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do artº 51º do CPTA.
III. Não obstante a lei, no nº 3 do artº 51º do CPTA, conceder a impugnação do ato final com a invocação de vícios praticados ao longo do procedimento, não se encontra vedada a possibilidade de certos atos procedimentais poderem ser imediatamente impugnados, nos termos do nº 1 do artº 51º do CPTA, desde que tal ato endo-procedimental ou preparatório de outro, produza efeitos externos, projetando os seus efeitos, imediata e diretamente sobre os seus destinatários, sendo suscetíveis de lesar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
IV. Invocando-se quatro fundamentos de ilegalidade contra o ato impugnado, dos quais três respeitam a vícios próprios desse ato, que nada têm que ver com o anterior julgado anulatório, é de concluir ser meio processual próprio e adequado a fazer valer as pretensões deduzidas em juízo, a ação administrativa especial, prevista e regulada no artº 46º e segs. do CPTA, cujo objeto são pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos.
V. Constitui fundamento de ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto no nº 1 e na alínea a), do nº 2, do artº 193º do CPC, a petição inicial em que se formule o pedido de condenação à reparação dos danos – “pessoais e na carreira” – causados pela estagnação da carreira da autora pelo período de quase dez anos, mas em que rigorosamente nada mais seja alegado quanto aos danos que essa atuação provocou na sua esfera jurídica
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A..., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 11/05/2011, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., julgou procedentes as exceções de inimpugnabilidade do ato, de erro na forma do processo e de ineptidão da petição inicial em relação ao pedido de indemnização, absolvendo a entidade demandada da instância.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 186 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. O saneador-sentença recorrido, ao qualificar o ato objeto da ação como inimpugnável, é inválido, por erro de julgamento, devendo ser revogado.

B. O ato administrativo impugnado na ação administrativa especial, que altera um aviso de abertura de um concurso e procede à nomeação de um novo júri, é manifestamente um ato com eficácia intersubjetiva e potencialidade lesiva. Assim, face ao n.º 1 do artigo 51º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, é um ato impugnável.

C. Tal é o entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina, amplamente ignoradas pelo saneador-sentença recorrido.

D. Consequentemente, o saneador-sentença decidiu mal e deve ser revogado.

E. O saneador-sentença recorrido, ao julgar que existe erro sobre a forma do processo, já que o ato objeto da ação só poderia ser impugnado através de um processo executivo, é inválido, por erro de julgamento, devendo ser revogado.

F. Nem todas as invalidades assacadas pela então autora se reconduzem à contrariedade com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. O próprio saneador-sentença o reconhece, ao escrever: «A Autora ao longo da petição inicial, como se disse, coloca a ênfase do presente litígio na não execução do acórdão anulatório referido em c) do probatório, assacando vícios que resultam, na sua quase totalidade, no não cumprimento do dever de executar».

G. Tanto bastaria, seguindo a lógica do saneador-sentença, para concluir pela possibilidade de impugnação do ato através da ação administrativa especial.

H. De todo o modo, a recorrente não pode deixar de salientar que entende que um ato nulo por contrariedade com o caso julgado pode ser sempre impugnado através de ação administrativa especial. A ampliação dos poderes do juiz no âmbito do processo executivo (tal como resulta do Código do Processo nos Tribunais Administrativos) visa favorecer o impugnante e não limitar as suas opções.

I. O despacho recorrido, ao julgar que existe erro sobre a forma do processo, é inválido e deve ser revogado.

J. O pedido indemnizatório tem uma causa específica invocada na petição inicial: a estagnação da carreira da autora, resultante do ato anulado por acórdão entretanto desrespeitado. A questão da prova, é uma questão distinta que não põe em causa a regularidade e a completude da petição inicial.

K. Deste modo, a decisão impugnada errou ao determinar a «nulidade de todo o processado por falta de causa de pedir da petição inicial, de harmonia com o disposto no art.º 193º, nº 2, al. a), do CPC, o que determina a absolvição da Entidade Demandada da instância quanto ao pedido de indemnização, por procedência da exceção dilatória nos termos dos artigos 494º, nº 1, alínea b) e 493º, nº 2, ambos do CPC ex vi art. 1º do CPTA», devendo ser revogada.

L. Finalmente, a autora nunca foi chamada a pronunciar-se sobre a questão prévia da inimpugnabilidade do ato com base nos fundamento acolhidos no saneador-sentença.

M. Consequentemente, tal despacho violou o princípio do contraditório e deve ser revogado.”.

Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional.


*

A recorrida, notificada apresentou contra-alegações (cfr. fls. 221 e segs.), tendo assim concluído:

A. A douta sentença ora recorrida não merece qualquer tipo de censura, decidindo bem a Meritíssima Juíza a quo.

B. Efetivamente, estamos perante uma situação em que está em causa o cumprimento de uma decisão judicial que condenou a Entidade Administrativa à prática de atos materiais necessários, atos estes, que determinavam que o concurso fosse retomado a partir da fase em que foi considerado o vício de violação de lei, por falta do exercício da fase da audiência dos interessados.

C. Conforme descrito, estava em causa a reposição da legalidade, que obrigava a que fosse proferido, em primeiro lugar uma decisão de revogação anulatória que fizesse recuar o procedimento até à fase anterior à audiência dos interessados, e em segundo lugar passava pela prática de um conjunto de atos, destinados à substituição dos atos que se encontravam viciados.

D. Tendo a Ré cumprido integralmente a decisão judicial, em estrita obediência ao estabelecido pelo Tribunal, o que permite afastar a ideia de falta de execução ou de execução deficiente.

E. A verificar-se a falta de execução, ou a execução deficiente, esta teria que ser necessariamente corrigida por via do recurso à execução de sentença em sede de processo executivo, não se verificando qual nesta parte erro de julgamento.

F. Quanto ao pedido de reparação de danos com base na alegada estagnação da carreira da Autora, por um período de quase dez anos, tal pedido não se encontra concretizado.

G. Estando em causa um concurso interno geral para provimento de dezassete lugares de chefe de serviço da carreira médica de saúde pública, do quadro de pessoal da Ré, que ainda não se encontra concluído, enquanto não forem definidas as respetivas posições relativas de cada concorrente, dificilmente se poderá alegar prejuízo por estagnação.

H. Atendendo à matéria controvertida, a situação da Autora enquanto concorrente no concurso público, em nada altera a sua situação funcional, uma vez que em termos legais ainda não lhe foi reconhecido qualquer direito.

I. Os direitos e interesse legítimos da Autora, permanecem inalterados, uma vez que a falta de progressão na carreira até ao momento, não se deve a uma questão de responsabilidade direta da Ré, mas certamente à posição relativa ocupada em sede de classificação no concurso.

J. Logo, não resulta provado que o eventual prejuízo alegado pela Autora, seja consequência direta da atuação da Administração, pelo que não se verificam os pressupostos da estagnação da carreira.

K. Sempre que esteja em causa a ascensão na carreira mediante concurso, o provimento ficaria sempre dependente da posição relativa que esta viesse a ocupar no mesmo.

L. De facto, contrariamente ao entendimento perfilhado, e tal como decorre da lei, a progressão e promoção na carreira não opera de forma automática, terá que ser alcançada pela via do concurso.

M. Pressuposto para a progressão da carreira médica é o concurso e a consequente aprovação do candidato.

N. O que até ao presente se desconhece, uma vez que o concurso retomou na fase em que não tinha havido audiência dos interessados e o despacho impugnado determinava que se mantinham válidas as candidaturas oportunamente apresentadas, em respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade que impõem o aproveitamento das partes não viciadas do concurso.

O. De acordo com a decisão judicial, a anulação do concurso ficou restringida à parte do regulamento que se encontrava em desconformidade com os preceitos constitucionais, mantendo válidos os demais atos praticados.

P. E se os atos praticados que não foram considerados ilegais, incluem a avaliação dos candidatos, cuja listagem representa a classificação dos candidatos aprovados no concurso, a sua posição jurídica de vantagem relativa na classificação obtida, da qual vai depender depois a respetiva integração na carreira, bem como o interesse legalmente protegido em relação ao provimento nos lugares postos a concurso.

Q. Não se podendo concluir, sem mais, que pelo facto da Ré ter sida admitida ao concurso estaria em condições para, de forma automática a ser provida no cargo.

R. A decisão recorrida por não ter cometido nenhum erro de julgamento não merece qualquer censura, pelo que deverá ser mantida.”.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo inteiramente a sentença recorrida.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, ao julgar procedentes as exceções de inimpugnabilidade do ato, de erro sobre a forma do processo e de ineptidão da petição inicial em relação ao pedido indemnizatório e ainda, por violação do contraditório em relação aos fundamentos acolhidos sobre a inimpugnabilidade do ato.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

a. Por Despacho do Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde, de 9 de novembro de 2000, foi decidido indeferir o recurso hierárquico necessário interposto por A..., ora Autora, da deliberação do Conselho de Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo que homologou a lista de classificação final do concurso de provimento na categoria de chefe de serviço da carreira médica de saúde pública, publicada pelo Aviso nº 18.489/99 (2ª Série), publicado no Diário da República, II Série, de 20 de dezembro de 2009 – cf. doc. 1 junto à p.i. do Proc. nº 12047/03 do TCA (apenso);

b. Em 15.01.2001, a ora Autora interpôs recurso contencioso de anulação do Despacho precedente para o Tribunal Central Administrativo – cf. Proc. nº 12047/03 do TCA (apenso);

c. Por Acórdão do TCA, de 10 de janeiro de 2008, foi concedido provimento ao recurso e anulado o ato impugnado, com fundamento em preterição de formalidade essencial, consagrada no art. 103º-A do Código do Procedimento Administrativo (participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes disserem respeito. Deveria então ter sido aberta uma fase de consulta pública para os interessados se pronunciarem sobre o projeto de decisão. Preterida essa formalidade essencial, o ato de homologação incidiu sobre um mero projeto de decisão e incorreu num vício de violação de lei, não podendo manter-se” – cf. Proc. nº 12047/03 do TCA (apenso);

d. O Acórdão precedente foi notificado às partes por ofício de 15.01.2008, não tendo sido interposto recurso jurisdicional – cf. Proc. nº 12047/03 do TCA (apenso);

e. Com data de 13.08.2008 foi elaborado nos serviços da Entidade Demandada, o Parecer nº 66/08, junto ao processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde se concluiu:

“-Face ao exposto, o Acórdão do TCA Sul, de 15.01.2008, permite o aproveitamento dos atos procedimentais levados a efeito até à anulação do ato homologatório.

- Nesta medida, o ato procedimental que consubstancia o projeto de decisão, outrora em crise, deverá ser objeto de uma fase de consulta pública conforme exigência do art. 103º, nº 1 alínea c) do CPA, que igualmente concretiza o preceito constitucional da participação dos interessados na formação das decisões que lhes disserem respeito, art. 267, nº 5 da CRP.

-Em consecução do julgado anulatório, o concurso é retomado com o júri submetendo a uma fase de consulta pública o projeto de decisão”;

f. O que foi acolhido por deliberação do Conselho Diretivo da Entidade Demandada, em 28.08.2008, determinando o prosseguimento do processo de concurso em apreço, devendo o júri ser notificado para efeitos de retomada na fase objeto de anulação (projeto de decisão final), fazendo cumprir a formalidade, então preterida, de consulta pública dos interessados – cf. processo administrativo apenso;

g. Por ofício de 17.09.2008, o Chefe de Serviços de Saúde Pública, informou o Presidente do CD da Entidade Demandada, que “do júri previsto no aviso nº 1636/99, publicado no DR II Série, nº 24, de 29 de janeiro (relativo à publicitação do concurso em apreço),(...) nesta data “apenas se encontram em exercício de funções quatro elementos dos cinco necessários para retomar as funções ora solicitadas” – cf. processo administrativo apenso;

h. Por deliberação de 17.11.2008 do Conselho Diretivo da ARSLVT foi autorizado o pedido de retificação do aviso de abertura e nomeação do novo júri proposto na Informação nº 2045/DEP/UGRH/MS/08, de 17.11.2008, relativo ao concurso interno geral de provimento para 17 lugares na categoria de chefe de serviço da carreira médica de saúde pública, do quadro de pessoal da ARSLVT, IP, aberto por aviso nº 1636/99, publicado no Diário da República nº 24, de 29.01.1999, a fim de dar cumprimento ao acórdão de 15.01.2008 – cf. processo administrativo apenso;

i. Com data de 22.12.2008, foi publicado no DR 2ª Série nº 246, o seguinte aviso:


“Retificação nº 2789/2008

Concurso interno geral de provimento para 17 lugares na categoria de chefe de serviço da carreira médica de saúde pública, do quadro de pessoal da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, aberto através do aviso nº 1636/99, publicado no Diário da República nº 24, de 29 de janeiro de 1999

A fim de dar cumprimento ao Acórdão de 15.01.2008, do Tribunal Central Administrativo e nos termos previstos nos artigos 15º e 23º e 38º do Decreto-Lei nº 73/90, de 06 de março e do Regulamento de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento nas Categorias de Assistente/ Assistente Graduado e Chefe de Serviço da Carreira Médica de Saúde Pública, aprovado pela Portaria nº 44/98, de 27 de janeiro, avisa-se:

1 - Na sequência do referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo, vai o concurso em apreço regressar à fase de audiência prévia dos interessados, com a nomeação de um novo júri.

2 - Mantêm-se válidas as candidaturas oportunamente apresentadas e não serão aceites quaisquer outros documentos.

3 - O presente concurso é válido para os 17 lugares postos a concurso e esgotam-se com o seu preenchimento.

4 - As falsas declarações apresentadas pelos candidatos nos requerimentos ou nos curricula são puníveis nos termos da lei penal e constituem infração disciplinar.

5 - A lista de classificação final será divulgada através da publicação no Diário da República.

6 - A nova composição do júri:

(...) – cf. processo administrativo apenso;

j. Por ofício datado de 21.01.2009, nº 2124 da ARSLVT foi a ora Autora notificada “Para efeitos do disposto nos art. 100º e 101 do Código do Procedimento Administrativo (...) junto remeto o projeto de lista de classificação final do Concurso de Provimento para Chefe de Serviço de Saúde Pública, aberto por Aviso nº 1639/99, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 24, de 29 de janeiro de 1999. Assim fica V. Exª por este meio notificada, nos termos dos artigos acima referidos do Código do Procedimento Administrativo que dispõe do prazo de 10 dias úteis, a contar da data do aviso de receção deste ofício, para apresentar, caso queira, alegações” – cf. processo administrativo apenso;

k. A ora Autora pediu que fosse declarado o impedimento dos Drs. José Armando Marques Neves, José Agostinho de Castro e Freitas, Luís Ferreira Marques e Jorge Manuel Marques Cordeiro da Costa, enquanto membros do júri novo, nomeado pela Retificação nº 2789/2008, porque se encontram abrangidos pela previsão das alíneas d) e g) do art. 44º do Código do Procedimento Administrativo” – cf. processo administrativo apenso cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

l. Por ofício datado de 02.06.2009, foi a ora Autora notificada do Despacho do Presidente do Conselho Diretivo da ARSLVT de 26.05.2009, exarado sobre a Informação dos Serviços quanto à nomeação do júri – cf. processo administrativo apenso;

m. A Autora intentou a presente ação administrativa especial em 06.04.02009, tendo formulado os seguintes pedidos:

a) deve ser declarado nulo ou anulado, pelos fundamentos acima indicados, o despacho denominado “Retificação nº 2789/2008”, praticado, em 5 de dezembro de 2008, pelo Senhor Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, publicado na página 50854, do Diário da República, 2ª Série, de 22 de dezembro de 2008;

b) deve ser condenada a entidade demandada à reponderação de toda a parte valorativa do procedimento concursal, efetuando todos os atos e operações posteriores à entrega das candidaturas;

c) deve ser determinado prazo para a conclusão do procedimento concursal e punida com sanção pecuniária compulsória a sua violação, já que a presente situação cabe na ratio do nº 2 do artigo 179º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

d) deve ser condenada a entidade demandada na reparação dos danos causados pelo ato ilícito aqui impugnado, com culpa grave do ré, remetendo-se a sua quantificação para momento posterior” – cf. p.i.;”.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, não impugnada pela recorrente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, ao julgar procedentes as exceções de inimpugnabilidade do ato, de erro sobre a forma do processo e de ineptidão da petição inicial em relação ao pedido indemnizatório

Segundo a recorrente a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedentes as exceções de inimpugnabilidade do ato, do erro sobre a forma do processo e de ineptidão da petição inicial em relação ao pedido indemnizatório, por nenhuma delas proceder.

O ato administrativo impugnado, que altera um aviso de abertura de um concurso e procede à nomeação de um novo júri, é um ato com eficácia intersubjetiva e potencialidade lesiva, sendo um ato impugnável em face do disposto no nº 1 do artº 51º do CPTA.

Segundo a recorrente também não assiste razão ao Tribunal a quo quando defende que o ato objeto da ação só poderia ser impugnado através de um processo executivo, pois nem todas as invalidades assacadas pela autora se reconduzem à contraditoriedade com o acórdão do TCAS, além de que um ato que viole o caso julgado sempre pode ser impugnado através de ação administrativa especial.

Por último, o pedido indemnizatório tem uma causa específica invocada na petição inicial, a estagnação da carreira da autora, resultante do ato anulado por acórdão entretanto desrespeitado.

Vejamos.

Conforme decorre da factualidade assente, a autora veio a juízo impugnar o despacho, denominado “Retificação nº 2789/2008”, praticado, em 05/12/2008, pelo Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 22/12/2008, o qual assume o teor constante da alínea i. dos factos assentes.

Como decorre da posição assumida pelas partes nos seus respetivos articulados e do próprio teor do ato impugnado, tal ato mostra-se praticado em sequência do acórdão anulatório proferido pelo TCAS, o qual visa executar.

Invoca a autora que o ato impugnado não tem natureza retificativa, não sendo uma retificação, sendo antes um ato determinante das operações jurídicas e materiais de execução do acórdão do TCAS e contra o mesmo assaca os vícios de:

(i) incompetência absoluta, por ter sido praticado por autor incompetente;

(ii) violação do anterior caso julgado, traduzindo a inexecução do acórdão do TCAS, por este pressupor a repetição de todo o procedimento, violando o dever legal de execução das sentenças dos tribunais administrativos;

(iii) violação do princípio da neutralidade da composição do júri, previsto na alínea a), do nº 2 do artº 5º do D.L. nº 204/98, de 11/06 e do princípio da imparcialidade do júri do concurso, previsto no artº 226º da Constituição, no artº 6º e nos artºs 44º e segs. do CPA, por ter sido nomeado um “novo” júri, que afinal mantém 4 dos 5 anteriores membros efetivos;

(iv) restrição dos meios de prova, ao manter válidas as candidaturas apresentadas mas impedir a apresentação de outros documentos, em violação do nº 1 do artº 87º, do nº 2 do artº 88º e do nº 3 do artº 101º do CPA.

Extrai-se, por isso, que a autora, para além de invocar a questão da inexecução do acórdão anulatório proferido pelo TCAS, dirige contra o ato impugnado vícios próprios.

E por serem invocados vícios próprios do novo ato, estão causa questões não anteriormente apreciadas, não estando a coberto pela força de caso julgado, indo muito para além do próprio julgado anulatório.

Em relação ao pedido indemnizatório, formula a autor a condenação da entidade demandada à reparação dos danos causados pelo ato ilícito impugnado, com culpa do réu, remetendo a sua quantificação para momento posterior.

Para tanto alega que o autor do ato impugnado praticou um ato ilegal, que causou danos na esfera jurídica da autora, reputados pela mesma como sendo “danos para a sua carreira e pessoais” e que, embora não possam ser já quantificados, refletem-se “na estagnação, e por um período de quase dez anos (…), da carreira da autora”.

Aqui chegados, analisada a estruturação da causa, nos termos em que a mesma resulta do pedido e da causa de pedir deduzidos na petição inicial, importa tomar posição sobre os fundamentos do presente recurso.

1.1. No que respeita à exceção de inimpugnabilidade do ato sob impugnação no âmbito da presente ação administrativa especial, considerou a sentença que o despacho impugnado, constante da alínea i) do probatório, não pode ser considerado um ato administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 120º do CPA, por se tratar de um ato endo-procedimental, de um “Aviso”, embora para dar cumprimento ao acórdão do TCAS, que não define a situação da ora autora, podendo a autora impugnar o ato final, o ato de homologação da lista de classificação final, imputando-lhe vícios próprios do ato final e vícios cometidos ao longo do procedimento.

Assim, com o fundamento de que o ato impugnado não reveste eficácia externa, não é lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos da impugnante, nem é o ato final do procedimento concursal, foi julgada procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato.

Não tem o Tribunal a quo razão quanto ao decidido, o que se deve à seguinte ordem de razões.

Apesar da denominação dada ao ato, de “retificação”, é sabido que o nomen iuris não vincula o intérprete.

Além disso, a própria autora, na petição inicial, contesta que esteja em causa um ato retificativo de outro, pelo que constitui questão controvertida em juízo saber se o ato impugnado tem ou não natureza de ato retificativo.

Conforme decorre do seu teor, levado aos factos assentes, tal ato pretende dar execução ao acórdão do TCAS, retomando o procedimento de concurso, fixando as regras porque se regerá o concurso, designadamente, no que concerne à composição do novo júri, à manutenção das candidaturas e à não aceitação de outros documentos, assumindo as vestes como se de um “aviso” de abertura de concurso se tratasse.

Tal aviso, quando apenas vise publicitar a decisão de abertura do procedimento, nada inovando, não será impugnável contenciosamente já que, nesse caso, a decisão administrativa impugnável, eventualmente lesiva e com efeitos externos, será a própria decisão de contratar.

Porém, no caso dos autos, em virtude das vicissitudes por que passou o procedimento concursal em causa, foi praticado o ato sob impugnação, o qual fixa inovatoriamente as regras porque o concurso se passará a reger, de entre as quais, não só a constituição do novo júri, que a autora questiona, como a impossibilidade de apresentação de outros documentos.

Tais questões, assim como a própria competência para a prática do ato, são questões que se mostram suscitadas nos autos, pelo que está em causa a prática de um ato que, ainda que inserido na tramitação do procedimento administrativo, não sendo, por isso, a decisão final do procedimento, adquire eficácia externa, por projetar os seus efeitos diretamente sobre os interessados a que se destina, os 17 candidatos que apresentaram a sua candidatura ao concurso.

O teor do ato impugnado projeta-se, pois, diretamente na esfera jurídica dos seus destinatários, possuindo efeitos externos, sendo o seu conteúdo apto a afetar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos – cfr. nº 1 do artº 51º do CPTA.

No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do TCAS, nº 06158/10, datado de 23/09/2010, o qual admite a impugnabilidade contenciosa de um “Aviso” de abertura de um concurso de provimento, considerando as suas especificidades.

Assim, não obstante a lei, no nº 3 do artº 51º do CPTA, conceder a impugnação do ato final com a invocação de vícios praticados ao longo do procedimento, não se encontra vedada a possibilidade de certos atos procedimentais poderem ser imediatamente impugnados.

Tal possibilidade encontra-se prevista no disposto no nº 1 do artº 51º do CPTA, desde que tal ato endo-procedimental ou preparatório de outro produza efeitos externos, isto é, projete os seus efeitos, imediata e diretamente sobre os seus destinatários, sendo suscetíveis de lesar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como no caso dos autos.

De resto, por força do disposto no nº 4 do artº 268º da Constituição, que estabelece a identidade de natureza entre atos administrativos e atos recorríveis, mostra-se garantida a sindicabilidade de quaisquer atos administrativos e, no tocante à sua impugnação contenciosa, a sindicabilidade dos atos lesivos dos direitos dos particulares, no sentido de constituírem uma decisão jurídico-pública da Administração que encerre a definição substantiva da situação jurídica estabelecida entre a Administração e o particular, destinada a produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

Ainda a este propósito, diz-nos a doutrina que, «(…) a ideia do legislador terá sido a de afirmar o “núcleo duro” da tutela jurisdicional em face de decisões administrativas externas, o qual assenta justamente na lesão dessas posições jurídico substantivas (v. artº 268º nº 4 CRP). É o que resulta, aliás, da Exposição de Motivos do CPTA, a este propósito: “procurou definir-se o ato administrativo impugnável tendo presente que ele pode não ser lesivo de direitos ou interesses, mas sem deixar, de harmonia com o texto constitucional, de sublinhar o especial relevo que a impugnação de atos administrativos assume nesse caso”. A lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, por sua vez, não é condição necessária ou suficiente da impugnabilidade dos atos da Administração. Não é condição necessária porque basta que a pronúncia administrativa tenha eficácia externa, embora neste último caso, havendo lesão de direitos ou de interesses, a tutela jurisdicional seja constitucionalmente imposta; e não é condição suficiente, porque há atos lesivos dessas posições que não configuram decisões administrativas ou decisões externas. Pense-se, por exemplo, nos atos que brigam com direitos ou interesses procedimentais dos interessados (…) mas que deixam intocada não apenas a pretensão material que o interessado pretende fazer valer através do procedimento, como também quaisquer outros direitos ou interesses seus extraprocedimentais. É evidente, porém, que o facto de tais atos não serem impugnáveis em via direta não significa que a sua ilegalidade seja irrelevante, destituída de força invalidante; significa, sim, que os vícios que porventura os afetam se transmitem à decisão final – mesmo se na maior parte dos casos se não exteriorizam nela – e são contenciosamente sindicáveis e sancionáveis indiretamente, no recurso que se interponha desta. (…)». – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, inCPTA – ETAF – anotados”, Vol. I, Almedina, 2004, págs. 346-349 (sublinhados nossos).

Assim, a pedra de toque da impugnabilidade dos atos endo-procedimentais, assim como dos localizados no início do procedimento ou preparatórios deste, reside na natureza externa dos seus efeitos, só assim beneficiando o seu destinatário da faculdade de impugnação autónoma das suas ilegalidades ou de as suscitar por impugnação do ato final do procedimento, derivadamente inválido por repercussão negativa daquelas.

No presente caso é de recusar ao ato impugnado a natureza de ato interno, ou seja, que projete os seus efeitos unicamente na esfera jurídica da Administração ou que se inscreva no âmbito das relações interorgânicas ou de hierarquia administrativa, pois tal ato define a posição dos interessados – que se encontram individualizados: os 17 candidatos ao concurso – nos aspetos pelo mesmo regulados, invocados pela autora no âmbito da presente ação como sendo lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Donde, ao contrário do decidido, o ato impugnado é impugnável contenciosamente, por revestir eficácia externa e ser potencialmente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos, nada obstando que o mesmo não constitua o ato final do procedimento, nos termos das disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do artº 51º do CPTA.

Assim, procedem as conclusões formuladas nas alíneas A., B., C. e D. do recurso, respeitantes ao erro de julgamento quanto à exceção de inimpugnabilidade.

1.2. Relativamente ao erro sob a forma do processo, decidiu a sentença pela procedência de tal exceção, com o fundamento de que estando em causa saber se a entidade demandada executou ou não executou deficientemente a sentença anulatória, então a forma do processo que deveria ter sido adotada seria a execução de sentenças de anulação de atos administrativos, nos termos do disposto no artº 173º e segs. do CPTA.

Igualmente sem razão.

Nos termos em que supra se fixou, são quatro as questões suscitadas nos autos, a propósito do ato impugnado, a saber: (i) o vício de incompetência absoluta; (ii) a violação do anterior caso julgado, traduzindo a inexecução do acórdão do TCAS; (iii) a violação do princípio da neutralidade da composição do júri e do princípio da imparcialidade do júri do concurso e (iv) a restrição dos meios de prova, ao manter válidas as candidaturas apresentadas mas impedir-se a apresentação de outros documentos.

Ao invocar-se quatro fundamentos de ilegalidade contra o ato impugnado, dos quais três respeitam a vícios próprios desse ato e apenas um respeita à alegada violação do dever de dar integral execução ao julgado anulatório, é de concluir ser meio processual próprio e adequado a fazer valer as pretensões deduzidas em juízo, a ação que foi instaurada pela autora, a ação administrativa especial, prevista e regulada no artº 46º e segs. do CPTA, cujo objeto são pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos.

Carece, pois, de sentido dizer que o pedido e a causa de pedir da instância assentam na alegada inexecução do acórdão do TCAS, datado de 10/01/2008, pois que a causa de pedir é muito mais ampla, sendo assacados vícios próprios ao ato sob impugnação, que nada têm que ver com o anterior julgado anulatório.

Apenas uma leitura menos correta da petição inicial poderá justificar o entendimento expendido em relação à configuração da lide, pelo que não se confirma o pressuposto na base do qual a sentença julgou procedente a matéria de exceção em causa, que foi o de estar apenas em causa apurar da alegada não execução do acórdão anulatório.

Os fundamentos de ilegalidade do ato impugnado objeto na presente ação são assacados por referência ao novo ato praticado, nada relevando no contexto do acórdão anulatório.

Por isso, não se vê como poderia a autora em sede do meio processual de execução de sentença anulatória de ato administrativo, nos termos previstos e regulados no artº 173º e segs. do CPTA, obter a impugnação do ato ora impugnado em juízo com fundamento em vícios próprios – três dos quatro fundamentos invocados –, por quanto aos mesmos não se verificarem os pressupostos previstos no nº 5 do artº 176º do CPTA

Como defende a doutrina, “(…) sempre que alegue que o ato administrativo entretanto praticado não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença, que na realidade, mantém sem fundamento válido, a situação ilegalmente constituída pelo ato anulado, o interessado coloca uma questão que ainda é de inexecução da sentença e que, como tal, deve ser objeto de dedução de um incidente a apreciar no âmbito do processo executivo. Quando, pelo contrário, o interessado impute ao ato renovatório ilegalidades que já envolvam aspetos novos, a apreciação de tais vícios já não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação.” – cfr. Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo”, 2010, pág. 503-504.

Pelo exposto, incorre a sentença impugnada no erro de julgamento que se mostra invocado, a respeito do erro na forma do processo, tendo a autora instaurado o meio processual próprio e adequado a prosseguir as finalidades pretendidas com a constituição da instância.

Em consequência, procedem as conclusões E., F., G., H. e I. do recurso.

1.3. No que concerne ao julgamento efetuado na sentença recorrida acerca da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir em relação ao pedido indemnizatório, mostra-se correta a decisão proferida.

Conforme anteriormente se aduziu, mostra-se formulado o pedido de condenação da entidade demandada à reparação dos danos causados, pela estagnação da carreira da autora pelo período de quase dez anos, mas nada mais se mostra alegado que concretize o pedido e a causa de pedir.

A autora invoca como causa de pedir do pedido de indemnização, a estagnação da sua carreira profissional, por força da prática do ato ora impugnado, que reputa de ilícito e culposo, mas abstém-se de concretizar quais os danos que essa atuação provocou na sua esfera jurídica.

A questão da ilicitude e dos danos causados pela prática do ato anteriormente anulado encontra-se subtraída do âmbito da presente lide, por a autora manifestar pretender fazer valer essa pretensão em ação autónoma para esse efeito, ficando o pedido indemnizatório deduzido em juízo confinado ao ato impugnado em juízo.

Contudo, reputando-o a autora de ilegal e de ilícito, com base nas causas de pedir invocadas no âmbito do pedido impugnatório, abstém-se de alegar quaisquer factos relativos ao pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que consiste o dano, por se limitar a dizer que em virtude do ato ilícito se produziram danos pessoais e profissionais, decorrentes da estagnação da carreira.

Não se mostram alegados quaisquer factos relativos à carreira ou ao percurso profissional da autora, seja a carreira que teve, seja a que considera que deveria ter tido caso não fosse a prática do ato impugnado, nem quais os danos pessoais e profissionais sofridos, que permitam sustentam o pedido que se mostra deduzido em juízo, o que é diferente da sua quantificação.

Assim, tal como bem decidiu a sentença recorrida, falta a causa de pedir em relação ao pedido de indemnização deduzido, pois que sem factos concretizadores do pedido não é possível decidir da pretensão requerida.

Tal constitui fundamento de ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto no nº 1 e na alínea a), do nº 2, do artº 193º do CPC.

Termos em que, em face do exposto, improcede o erro de julgamento dirigido contra a sentença, a respeito da ineptidão da causa de pedir em relação ao pedido de indemnização, a que se referem as conclusões J. e K. do recurso.


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Suscita a recorrente, por último, a violação do princípio do contraditório em relação à decisão que foi proferida sobre a exceção de inimpugnabilidade do ato, por nunca ter sido chamada a pronunciar-se sobre tais fundamentos acolhidos na sentença, mas considerando o anterior juízo formulado a propósito de tal decisão, no sentido de incorrer a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à exceção de inimpugnabilidade do ato, é de considerar prejudicado o conhecimento e decisão do fundamento do recurso a que se referem as conclusões L. e M. do recurso.

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Pelo exposto, será de conceder provimento parcial ao recurso jurisdicional que se nos mostra dirigido.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O ato administrativo praticado em sequência de julgado anulatório, publicitado em Diário da República, que fixa inovatoriamente as regras porque o concurso se passará a reger, de entre as quais, a constituição do novo júri e a impossibilidade de apresentação de outros documentos, que a autora considera ilegais, assim como a competência para a prática do ato, que a autora questiona, traduz-se num ato que, ainda que inserido na tramitação do procedimento administrativo, não sendo a decisão final do procedimento, adquire eficácia externa, por projetar os seus efeitos diretamente sobre os interessados a quem se destina, os 17 candidatos que apresentaram a sua candidatura ao concurso.

II. Por revestir eficácia externa, projetando os seus efeitos diretamente na esfera jurídica dos seus destinatários e ser potencialmente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos, tal ato é impugnável contenciosamente, nada obstando que o mesmo não constitua o ato final do procedimento, nos termos das disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do artº 51º do CPTA.

III. Não obstante a lei, no nº 3 do artº 51º do CPTA, conceder a impugnação do ato final com a invocação de vícios praticados ao longo do procedimento, não se encontra vedada a possibilidade de certos atos procedimentais poderem ser imediatamente impugnados, nos termos do nº 1 do artº 51º do CPTA, desde que tal ato endo-procedimental ou preparatório de outro, produza efeitos externos, projetando os seus efeitos, imediata e diretamente sobre os seus destinatários, sendo suscetíveis de lesar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

IV. Invocando-se quatro fundamentos de ilegalidade contra o ato impugnado, dos quais três respeitam a vícios próprios desse ato, que nada têm que ver com o anterior julgado anulatório, é de concluir ser meio processual próprio e adequado a fazer valer as pretensões deduzidas em juízo, a ação administrativa especial, prevista e regulada no artº 46º e segs. do CPTA, cujo objeto são pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos.

V. Constitui fundamento de ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto no nº 1 e na alínea a), do nº 2, do artº 193º do CPC, a petição inicial em que se formule o pedido de condenação à reparação dos danos – “pessoais e na carreira” – causados pela estagnação da carreira da autora pelo período de quase dez anos, mas em que rigorosamente nada mais seja alegado quanto aos danos que essa atuação provocou na sua esfera jurídica.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento parcial ao recurso, revogando a decisão recorrida no tocante às exceções de inimpugnabilidade do ato e do erro na forma do processo e em manter a decisão recorrida em relação à procedência da ineptidão da petição inicial quanto ao pedido de indemnização e, em consequência, em determinar a baixa dos autos para o seu normal prosseguimento, se nada mais obstar.

Custas pela recorrente e pela recorrida, fixando a taxa de justiça em 1/3 a cargo da recorrente e 2/3 a cargo da recorrida.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)