Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:32/20.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:07/21/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
AGRUPAMENTO;
TITULARIDADE DO ALVARÁ.
Sumário:I. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

II. Não procede a nulidade decisória por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º n.º 1, d) do CPC, se a sentença conhece da questão e sobre ela decide.

III. Não procede o erro de julgamento da sentença recorrida quanto a certa questão de direito, se a mesma não é apta a alterar o fundamento que ditou o ato de exclusão da proposta apresentada ao procedimento pré-contratual, por o mesmo não ser impugnado.

IV. Prevendo-se em norma do Programa de concurso a exigência de apresentação de cópia do alvará com a apresentação da proposta (artigo 6.º, n.º 2 do Programa de concurso) e sancionando-se esse incumprimento com a exclusão da proposta (artigo 7.º, n.º 1, e) do Programa do concurso), é indiferente apurar do cumprimento da cláusula de solidariedade entre as empresas que integram o Agrupamento, segundo o artigo 6.º, n.º 5 do Programa do concurso.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO


C…………….., LDA. e D.................., S.................., UNIPESSOAL, LDA., devidamente identificadas nos autos, inconformadas, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 04/05/2020, que no âmbito da ação de contencioso pré-contratual instaurada contra os SPMS – SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, EPE e as Contrainteressadas, V.................., Lda. e 2…………, S.A., julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido, de anulação dos atos de exclusão das propostas apresentadas pelas Autoras e de adjudicação à concorrente 2………, S.A., bem como os contratos que, entretanto, tenham sido ou venham a ser outorgados, com a consequente adjudicação da proposta apresentada a concurso pelas Autoras e, a título subsidiário, a anulação do procedimento concursal e, em consequência, dos contratos que vierem ou tenham já sido outorgados, no âmbito do concurso público n.º 342/2019, tendo por objeto a contratualização de serviços de vigilância e segurança humana para a Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano.


*

As Autoras, ora Recorrentes, apresentaram recurso contra a sentença recorrida, tendo nas respetivas alegações, formulado as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. A sentença recorrida padece do vício de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi o artigo 140.º, n.º 3, porquanto o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

B. Em concreto, não se pronunciou quanto ao vício de violação de Lei da decisão da SPMS, de exclusão da proposta apresentada pelas aqui recorrentes, por erro sobre os pressupostos de direito, atenta a ofensa perpetrada sobre o artigo 7.º do programa e, consequentemente, sobre o artigo 70.º, n.º 2 do CCP ex vi art. 57.º do mesmo diploma, ignorando por completo os argumentos alegados pelas aqui recorrentes, e sem ter sequer justificado a sua desconsideração.

C. Mais entendem as recorrentes, que o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas é completamente diverso àquele que foi dado pela sentença ora recorrida.

D. As recorrentes divergem da interpretação que é dada pelo Tribunal a quo ao texto do artigo 6.º, n.º 5 do programa de concurso, bem como da aceção efetuada quanto à responsabilidade solidária entre os membros do agrupamento concorrente.

E. Entendeu a sentença recorrida, invocando o artigo 512.º do Código Civil, que a responsabilidade solidária visa garantir que cada uma das empresas constantes do agrupamento seja responsável pelo cumprimento da totalidade dos serviços contratualizados.

F. Sucede que, o n.º 2 do referido artigo dispõe que os devedores podem estar obrigados em termos diversos, ou ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles, e ainda assim a obrigação não deixa de ser solidária por esse facto,

G. Pelo que improcede o argumento vertido na sentença recorrida de que se exige que ambos os membros do consórcio externo detenham os dois alvarás, pois só assim podem assumir a responsabilidade solidária.

H. Não é verdadeiro este argumento, na medida em que, no consórcio, cada um dos membros pode ter prestações com conteúdos diferentes e ainda assim responder solidariamente para com a entidade adjudicante, quanto às obrigações do outro membro do consórcio, nomeadamente, quanto aos prejuízos causados à entidade adjudicante, às multas, penalidades, etc..

I. No caso em concreto, propunham-se as recorrentes, enquanto membros que compõem o agrupamento concorrente, assegurar, em caso de adjudicação, cada uma por si, isoladamente, a prestação do serviço de vigilância em relação ao qual cada uma tem o respetivo alvará, com expressa invocação dessa qualidade. Ou seja, a C…. asseguraria a vigilância humana nos lotes em que é adjudicatária, e a D…… a monitorização das centrais de alarmes, cooperando nos pontos em que ambas se tocassem, por ex: quando por ativação de alarmes a D….. tivesse que solicitar à C…… o envio de um vigilante. Este cenário seria conforme ao disposto no artigo 54.º do CCP, bem como à luz da Lei 34/2013 de 16 de maio.

J. Ou seja, os membros do consórcio externo estavam obrigados em termos diversos, sendo diferente o conteúdo das prestações de cada um deles, mas estavam associados em regime de responsabilidade solidária, nos termos do disposto no artigo 512.º, n.º 2, do CC.

K. Acresce que, a obrigatoriedade de os concorrentes, no momento da apresentação da sua proposta, serem titulares das habilitações legalmente exigidas, não invalida que essas habilitações sejam tituladas por uma entidade subcontratada para o efeito, no caso de o concorrente não ser titular dessas mesmas habilitações. E é precisamente isto que sucede, no caso de subcontratação.

L. Esta possibilidade vem expressamente regulada na Portaria n.º 372/2017, de 14 de dezembro (ainda que esta se refira à apresentação de documentos de habilitação e não de documentos da proposta), a qual define as regras e os termos de apresentação dos documentos de habilitação do adjudicatário, no âmbito de procedimentos de formação de contratos públicos.

M. Com efeito, o artigo 2.º da referida Portaria reporta-se à apresentação de documentos de habilitação pelos adjudicatários, extraindo-se do seu n.º 2 que “para efeitos de comprovação das habilitações referidas no número anterior, o adjudicatário pode socorrer-se das habilitações de subcontratados, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes.”.

N. Mas o artigo 6.º, n.º 2, da referida Portaria regula uma situação específica para o caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas. Neste caso concreto, e somente neste caso, é exigido que “todos os membros do agrupamento concorrente que exerçam a atividade da construção devem ser titulares de alvará ou certificado emitido pelo IMPIC, I. P., devendo a empresa de construção responsável pela obra ser detentora de habilitação contendo subcategoria em classe que cubra o valor global daquela, respeitante aos trabalhos mais expressivos da mesma, sem prejuízo da exigência de habilitação noutras classes e subcategorias relativas às restantes obras e trabalhos a executar”.

O. A contrario, é evidente que o legislador quis diferenciar, no que concerne à necessidade de titularidade de alvarás, o procedimento de formação de um contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, dos demais. Nos demais, como é o caso do procedimento em apreço, que tem por objeto a aquisição de serviços de vigilância e segurança humana, não é feita a exigência de que todos os membros do agrupamento concorrente sejam titulares, individualmente e em simultâneo, de todos os alvarás.

P. Se assim fosse, parece-nos evidente que o legislador não teria excecionado no n.º 2 o caso concreto das empreitadas e obras públicas… ou então teria regulado, necessariamente, os demais procedimentos em que entendia que tal exigência devia verificar-se.

Q. Ora, uma vez que é possível recorrer à subcontratação para suprir a falta de habilitação para a realização de determinada atividade, não se antecipa qualquer fundamento legítimo para aventar que não possa ser um membro do agrupamento concorrente a suprir essa concreta falta de habilitação.

R. Apenas faz sentido, de acordo com a ratio legis dos preceitos em causa, que seja permitido aos membros de um agrupamento o mesmo que é permitido a um subcontratado, devendo, por conseguinte, considerar-se abrangida a possibilidade de suprimento da falta de habilitação por parte de um dos membros do agrupamento.

S. Improcedem, pois, os argumentos expedidos na sentença proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual a sentença recorrida deve ser revogada, proferindo-se, em sua substituição, douto acórdão que, face aos fundamentos de direito expandidos, julgue procedente a ação de contencioso pré-contratual instaurada pelas aqui recorrentes, e determine a anulação dos atos impugnados.”.

Pedem que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que julgue a ação procedente, e que anule os atos impugnados.


*

Notificada a Entidade Demandada, ora Recorrida, a mesma apresentou contra-alegações, reiterando o seu entendimento e negando que a sentença recorrida enferme da censura que lhe vem dirigida, mas sem formular conclusões.

Pede que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pelas Recorrentes são, em suma, as seguintes:

1. Nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, b) do CPC, por falta de fundamentação de direito;

2. Nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC, por omissão de pronúncia;

3. Erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 6.º, n.º 5 do Programa de concurso, no que se refere à responsabilidade solidária entre os membros do Agrupamento concorrente.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo procedeu ao seguinte julgamento da matéria de facto:

“A) Através de anúncio nº 12540/2019 publicado no DR de 15/11/2019 foi aberto o Concurso Público nº 342/2019 para “prestação de serviços de vigilância e segurança humana para a Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano” (cfr. consta do p.a.);

B) Na mesma data foi publicado o caderno de encargos e programa de procedimento para o concurso referido na alínea anterior, que se encontram no processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e que por ora interessar aos autos, se transcreve a Cláusula 6ª e Cláusula 7ª do programa de procedimento:

(cfr. p.a.);

C) As AA. apresentaram uma proposta em agrupamento, no âmbito do concurso referido na A), no valor total de €668.998,32, na qual declararam:


«imagem no original»


cfr. p.a.);

D) Apresentaram também propostas as seguintes sociedades:


«imagem no original»


(cfr. cfr. p.a.);

E) Em 04/12/2019, foi elaborado pelo júri do concurso o 1º relatório preliminar que excluiu a proposta das AA. e aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta, com relevância para os presentes autos, o seguinte:


«imagem no original»


(cfr. p.a);

F) Em 12/12/2019, em sede de audiência prévia, as AA. apresentaram requerimento a pronunciarem-se sobre a proposta de exclusão da sua proposta (cfr. p.a.);

G) Em 17/12/2019, o júri elaborou o relatório final, que aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual consta, nomeadamente, o seguinte:

(…)


«imagem no original»


(cfr. p.a.);

H) A Entidade Demandada adjudicou o objecto do concurso público, à Contra- interessada 2.................. S.A. (cfr. p.a.);

I) A A. D.................. detém o alvará nº …….. – Actividade de S.................. para:

(cfr. p.a.);

J) A A. C...... detém o alvará nº ……. – Actividade de S.................. para:

(cfr. p.a.);

II-2. Factualidade não provada:

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

Fundamentação do julgamento:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, bem como, processo administrativo, cuja genuinidade não foi posta em causa.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional

1. Nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, b) do CPC, por falta de fundamentação de direito

Vêm as Autoras, ora Recorrentes, dirigir a nulidade decisória à sentença recorrida, com o fundamento de padecer de falta de fundamentação ou, pelo menos, de fundamentação insuficiente ou medíocre, no plano da fundamentação de direito, por ter ignorando por completo grande parte dos argumentos aduzidos pelas aqui Recorrente, omitindo-os totalmente na fundamentação, nem sequer justificando a sua desconsideração.

Entende que a falta de fundamentação inquina a sentença de nulidade.

Vejamos.

A sentença pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade:

i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito);

ii) como acto jurisdicional, pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.

Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente – vide Acórdão do TCAS, de 12/01/2012, Processo n.º 02472/07.

Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito, pois que a simples insuficiência ou incompletude da motivação ou o erro de fundamentação é espécie diferente e podendo afetar o valor da sentença, mediante a sua revogação em recurso jurisdicional, não produz a sua nulidade.

No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 14/12/2016, Processo n.º 0579/16:

A nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não conste com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam, não devendo confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta.”.

Da mera alegação recursiva das Recorrentes afigura-se evidente que a sentença recorrida não omitiu a sua respetiva fundamentação de direito, não deixando de indicar as razões pelas quais decidiu.

Como as próprias Recorrentes admitem, não está em causa a falta de fundamentação, mas a falta de apreciação de todos os argumentos de direito invocados na petição inicial, o que em si mesmo não se traduz no vício de nulidade decisória, por falta de fundamentação.

Poderá ou não existir um erro de julgamento, mas a sentença recorrida não omitiu os seus respetivos fundamentos, como de resto consta do seu exato teor.

Pelo que, em face do exposto, será de julgar improcedente, por não provado, o fundamento do recurso.

2. Nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC, por omissão de pronúncia

Entendem ainda as Recorrentes, que a sentença recorrida enferma de nulidade decisória, por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre o vício de violação de lei invocado pelas Autoras, respeitante à ilegalidade da decisão de exclusão da proposta apresentada por erro sobre os pressupostos de direito, atenta a ofensa sobre o artigo 7.º do Programa de Concurso e, consequentemente, sobre o artigo 70.º, n.º 2 do CCP, ex vi, artigo 57.º do CCP, ignorando por completo os argumentos apresentados pelas Autoras, nem justificando a sua desconsideração.

Vejamos.

Por força do comando ínsito no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

No mesmo sentido, a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC prescreve o dever de pronúncia sobre todas as questões que o juiz deva apreciar.

Da alegação recursiva e respetivas conclusões A. e B. do recurso não logram as Recorrentes concretizar qual a questão concreta que no seu entender deixou de ser apreciada e decidida pela sentença recorrida.

Limitam-se a alegar que a sentença não apreciou o vício de violação de lei traduzido no erro sobre os pressupostos de direito, por ofensa sobre o artigo 7.º do Programa de Concurso e, consequentemente, sobre o artigo 70.º, n.º 2 do CCP, ex vi, artigo 57.º do CCP, mas não esclarecem qual da dimensão do artigo 7.º do Programa de Concurso consideram ter sido violada, nem tão pouco resulta do fundamento do recurso que esteja em causa a colocação de uma questão – ao invés de um mero argumento, razão ou entendimento – sobre o qual recaia o dever de decidir.

Nos termos que constam da alínea B. do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida, o artigo 7.º do Programa de Concurso conta com 7 números, além do seu n.º 1, contemplar inúmeras alíneas.

Não se extrai da alegação do recurso ou das suas conclusões qual a questão concreta que deixou de ser apreciada e decidida na sentença recorrida.

Além de a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, apenas ocorrerá quando a questão haja sido suscitada pelas partes, não integrando tal fundamento de nulidade decisória, a falta de apreciação ou conhecimento, ou a desconsideração, de algum fundamento de direito.

O Tribunal a quo não deixou de conhecer e decidir sobre o objeto do litígio, considerando os pedidos e a causa de pedir alegados pelas Autoras, apreciando da questão jurídica fundamental de direito, quanto a saber da legalidade do ato de exclusão da proposta apresentada pelas Autoras com o fundamento vertido no ato impugnado, de ambas as Autoras concorrentes não possuírem os dois tipos de alvarás exigidos no artigo 6.º do Programa do Concurso.

A questão decidenda tal como colocada pelas Autoras como o objeto da ação de contencioso pré-contratual foi efetivamente apreciada e decidida, de resto em termos com os quais as ora Recorrentes, não se conformam, não existindo quanto à mesma qualquer omissão de pronúncia.

Nem integra tal fundamento de nulidade da sentença a falta de apreciação ou de pronúncia sobre todos os argumentos de direito apresentados pelas partes, como parecem entender as ora Recorrentes.

Termos em que, será de julgar improcedente, por não provado, o fundamento do recurso, não enfermando a sentença recorrida na invocada nulidade decisória.

3. Erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 6.º, n.º 5 do Programa de concurso, no que se refere à responsabilidade solidária entre os membros do Agrupamento concorrente

Por último, no que concerne à questão material controvertida, impugnam as Recorrentes a decisão vertida na sentença sob recurso, sob a invocação de incorrer em erro de julgamento de direito, quanto à interpretação do artigo 6.º, n.º 5 do Programa de concurso, no que se refere à responsabilidade solidária entre os membros do Agrupamento concorrente.

Entendem que, ao contrário do decidido, do artigo 512.º, n.º 2 do CC, os devedores podem estar obrigados em termos diversos ou ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles, não deixando a obrigação de ser solidária.

Defendem que não se verifica o argumento invocado na sentença para exigir que ambos os membros do consórcio externo detenham os dois alvarás, por só desse modo se poder assumir a responsabilidade solidária.

Cada uma das Autoras, enquanto membro do Agrupamento concorrente, asseguraria em caso de adjudicação, cada uma por si, isoladamente, a prestação do serviço de vigilância em relação ao qual tem o respetivo alvará, com expressa invocação dessa qualidade, o que seria conforme ao disposto no artigo 54.º do CCP e ao disposto na Lei n.º 34/2013, de 16/05.

Defende que os membros do consórcio externo estavam obrigados em termos diversos, sendo diferente o conteúdo das prestações de cada um, mas estavam associados em regime de responsabilidade solidária, nos termos do artigo 512.º, n.º 2 do CC.

Não fica invalidada a possibilidade de participação em procedimentos por parte das entidades que não são titulares das habilitações legais exigidas ou de todas essas habilitações.

Esta possibilidade é conferida pelo artigo 2.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017, de 14/12, a qual define as regras e os termos de apresentação dos documentos de habilitação do adjudicatário.

Ao contrário do se mostra previsto para o contrato de empreitada de obra pública, no caso dos procedimentos que tenham por objeto a aquisição de serviços de vigilância e segurança, como no presente caso, não é feita a exigência de todos os membros do agrupamento concorrente serem titulares, individualmente ou em simultâneo, de todos os alvarás.

Entendem as Recorrentes que é, por isso, possível recorrer à subcontratação para suprir a falta de habilitação para a realização de determinada atividade.

Vejamos.

Para a decisão sobre o fundamento do recurso importa, antes de mais, apreciar a factualidade que consta do julgamento de facto da sentença recorrida, a qual não se mostra impugnada no presente recurso.

Extrai-se dos autos que o procedimento pré-contratual impugnado na presente ação tem por objeto a prestação de serviços de vigilância e segurança humana, o qual se rege pelas normas constantes do Programa do Concurso, tal como dadas como assentes na alínea B) do probatório.

As Autoras, ora Recorrentes, apresentaram proposta ao referido procedimento, na qual declararam que concorrem em agrupamento e que se comprometem a executar a prestação de serviços em harmonia com as condições expressas no caderno de encargos e programa de concurso e que, em caso de adjudicação e antes da celebração do contrato, se comprometem a associar-se na modalidade de consórcio externo de responsabilidade solidária, de acordo com o artigo 6.º do Programa do concurso.

Tendo a 1.ª Autora apresentado a titularidade do Alvará A e a 2.ª Autora a titularidade do Alvará C, foi proferida decisão de exclusão da proposta apresentada com o fundamento de que as habilitações apresentadas não permitem dar como cumprido o requisito obrigatório previsto no artigo 7.º, n.º 1, e) do Programa de concurso, de acordo com o artigo 6.º, n.º 2 da referida peça do procedimento, de ambas as entidades agrupadas possuírem os dois tipos de alvará, A e C.

Extrai-se do citado artigo 6.º do Programa do concurso, o seguinte:

E estabelece o n.º 1 do seu artigo 7.º, o que segue:

Por sua vez, decidiu-se na sentença recorrida, o seguinte, que ora se reproduz:

A actividade de S.................. é regulamentada e o seu exercício depende da titularidade de alvará específico, tal como determinado pela Lei 34/2013 de 16.05, alterada pela Lei 46/2019 de 08.07, mais concretamente, pelo art. 14º desse diploma.

No caso dos autos, a habilitação legal para o exercício da atividade contratada constitui um requisito obrigatório para a própria participação no procedimento, uma vez que se trata de uma actividade específica cujo exercício depende dessa habilitação.

Pelo que, não têm razão as AA. quando afirmam que não é nesta fase que tal habilitação deve ser aferida, mas tão só já na fase de habilitação.

Dispõe a Portaria nº 372/2007 de 14.12 que veio definir as regras e os termos de apresentação dos documentos de habilitação do adjudicatário no âmbito de procedimentos de formação de contratos públicos, o seguinte, para o que ora importa:

Art. 2º:

1 - Para além dos documentos de habilitação previstos no n.º 1 do artigo 81.º do CCP, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, o adjudicatário deve ainda apresentar os documentos de habilitação que o convite ou o programa do procedimento exija, nomeadamente, no caso de se tratar de um contrato de aquisição de serviços, quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.

Art. 6º:

“1 - Quando o adjudicatário for um agrupamento de pessoas singulares ou coletivas, os documentos previstos no n.º 1 do artigo 81.º do CCP e na presente portaria devem ser apresentados por todos os seus membros.

2 - No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, todos os membros do agrupamento concorrente que exerçam a atividade da construção devem ser titulares de alvará ou certificado emitido pelo IMPIC, I. P., devendo a empresa de construção responsável pela obra ser detentora de habilitação contendo subcategoria em classe que cubra o valor global daquela, respeitante aos trabalhos mais expressivos da mesma, sem prejuízo da exigência de habilitação noutras classes e subcategorias relativas às restantes obras e trabalhos a executar.”

Ora, resulta do também art. 6º do programa de procedimento, que é possível as concorrentes apresentarem-se em agrupamento, mas para tal acontecer é necessário cumprir os requisitos legais exigidos para efeitos do procedimento.

Um dos requisitos é precisamente, atento o tipo de actividade a adjudicar, a detenção pela concorrente, dos alvarás A e C.

No caso, as AA. são individualmente detentoras de um dos alvarás, e não de ambos.

Acresce que, do nº 5 do referido art. 6º do Programa de Concurso, resulta que: em caso de adjudicação, todos os membros do agrupamento concorrente, e apenas estes, devem associar-se, antes da celebração do acordo quadro, na modalidade jurídica de consórcio externo, em regime de responsabilidade solidária, nos termos da lei.

Tal vem também expresso na declaração de agrupamento que as AA. juntaram à sua proposta.

Ora, tal significa que cada uma das empresas constantes do agrupamento– futuro consórcio – é responsável pelo cumprimento da totalidade dos serviços contratualizados – art. 512º do Código Civil – e por isso, se exige que ambas detenham os dois alvarás exigidos, para que ambas possam prestar todos os serviços incluídos no contrato, o que não se verifica.

Pelo que, nunca as AA. em agrupamento poderiam assumir tal responsabilidade solidária.

Assim sendo, resulta da factualidade provada que, no procedimento em causa, se exigia a todos os membros do agrupamento que reunissem as habilitações exigidas no concurso, como o era, a detenção de ambos os alvarás A e C, o que permitiria, inclusive, o cumprimento de forma solidária das obrigações contratuais. Mais resulta que as AA. apesar de terem concorrido em agrupamento, apresentando uma única proposta, não detêm cada uma delas, os alvarás A e C, o que impossibilita a sua admissão ao concurso, como bem decidiu o júri do concurso.”.

De imediato se impõe dizer o presente recurso estar votado ao insucesso.

Em face da factualidade provada, não existem dúvidas de que as ora Recorrentes apresentaram proposta sob Agrupamento, assim como, que uma possui o Alvará A e outra o Alvará C, sem que ambas possuam os dois Alvarás exigidos no Programa de Concurso.

Nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 34/2013, de 16/05, alterada pela Lei n.º 46/2019, de 08/07, que regula o regime do exercício da atividade de S.................. e da autoproteção, o exercício da atividade de S.................. depende da autorização titulada por alvará, estando ora em causa os alvarás A e C, previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do citado artigo 14.º.

Por sua vez, consta do artigo 7.º, n.º 1, e) do Programa do Concurso que, sob pena de exclusão, as propostas devem ser constituídas pela cópia do alvará para o exercício da atividade que terá de ser A e C.

Exige-se, por isso, nos termos do Programa do Concurso, a apresentação da cópia do alvará como documento integrativo da proposta, a apresentar, por isso, juntamente com a proposta.

Deste modo, erigiu a entidade adjudicante a titularidade do alvará não como mero documento cuja verificação deva ocorrer apenas na fase de habilitação, mas logo na fase da análise das propostas e, por isso, como um requisito para a própria participação no procedimento, cuja verificação tem de ocorrer desde o momento de apresentação da proposta.

Indo ao encontro dessa opção, prescreve o artigo 6.º, n.º 2 do Programa do concurso que todas as entidades do agrupamento cumpram os requisitos legais exigidos para efeitos do procedimento, não bastando que apenas alguma dessas entidades cumpra tais requisitos.

O que resulta que as normas do Programa do concurso admitem a apresentação de proposta por Agrupamento, mas sob a exigência de que todos os operadores económicos concorrentes que integram o Agrupamento cumpram os requisitos legais exigidos para efeitos do procedimento.

De resto, tal incumprimento é sancionado nos termos do citado artigo 7.º, n.º 1, e) do Programa do concurso, com a exclusão da proposta.

Foi sob este enquadramento de facto e de direito que se baseou a Entidade Adjudicante, ora Recorrida, para excluir a proposta apresentada ao concurso, assim como a sentença recorrida.

As ora Recorrentes não põem em crise tais pressupostos de facto, nem de direito, pois limitam-se no presente recurso a impugnar o decidido no tocante à interpretação expendida na sentença recorrida a respeito do disposto no artigo 6.º, n.º 5 do Programa do concurso e do artigo 512.º, n.º 2 do CC, em face do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017, de 14/02.

Em face da factualidade apurada e dos normativos aplicáveis não pode proceder o fundamento do recurso.

A sentença recorrida ao manter o ato impugnado, de exclusão da proposta apresentada pelas Autoras mais não fez do que aplicar os normativos legais e regulamentares aplicáveis ao procedimento pré-contratual, designadamente, em face das normas constantes do Programa de concurso aplicáveis ao procedimento pré-contratual, as quais não lograram ser impugnadas pelas Autoras na presente ação.

As ora Autoras divergem da interpretação e aplicação do direito constante da sentença recorrida, mas parecem olvidar as exigências colocadas pelo Programa do Concurso, que exigem a apresentação por todos os membros do Agrupamento de ambos os Alvarás necessários para a prestação de serviços, sob pena de exclusão da proposta.

Quer a norma do artigo 6.º, n.º 2, quer a norma do artigo 7.º, n.º 1, e), ambas do Programa do concurso, se mantém como parâmetros de normatividade aplicável ao procedimento pré-contratual, por falta de impugnação por parte das Autoras, o que de imediato obsta à procedência do pedido.

As Autoras limitam-se a discordar da interpretação adotada na sentença recorrida a respeito do disposto no artigo 6.º, n.º 5 do Programa do concurso, a respeito da solidariedade, sem questionar a validade de prescrição exigida pela entidade adjudicante nos artigos 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 1, e), da citada peça do procedimento, não sendo possível concluir pela ilegalidade do ato impugnado, com o fundamento invocado no presente recurso.

A interpretação sobre o disposto no artigo 6.º, n.º 5 do Programa de concurso assumida na sentença recorrida vem em linha com a interpretação acerca das exigências do procedimento, previstas no artigo 6.º, n.º 2 do Programa do concurso, sendo que quanto a esta as ora Recorrentes nada dizem no presente recurso.

Do mesmo modo que as Recorrentes nada dizem no presente recurso sobre a cominação com a exclusão da proposta da falta de apresentação da cópia dos alvarás A e C por ambos os operadores económicos agrupados, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, e) do Programa do concurso, constituindo a falta da titularidade de ambos os alvarás causa impeditiva da admissão da proposta apresentada ao concurso.

Assim, não pode proceder o erro de julgamento da sentença recorrida quanto a certa questão de direito, in casu, a interpretação expendida em relação ao disposto no artigo 6.º, n.º 5 do Programa do concurso e sobre o alcance do artigo 512.º, n.º 2 do CC, se o julgamento quanto a tal questão não é apto a alterar o fundamento que ditou o ato de exclusão da proposta apresentada ao procedimento pré-contratual – a exigência de apresentação, por ambas as empresas que integram o Agrupamento, dos alvarás A e C –, por a sentença nessa parte não ser impugnada, nem ser invocada no presente recurso a ilegalidade das normas dos artigos 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 1, e), do Programa do concurso.

Prevendo-se em norma do Programa de concurso a exigência de apresentação de cópia do alvará com a apresentação da proposta (nos termos do artigo 6.º, n.º 2 do Programa de concurso) e sancionando-se esse incumprimento com a exclusão da proposta (nos termos do artigo 7.º, n.º 1, e) do Programa do concurso), é indiferente apurar do cumprimento da cláusula de solidariedade entre as empresas que integram o Agrupamento, segundo o artigo 6.º, n.º 5 do Programa do concurso.

Assim, em suma, nos termos da fundamentação antecedente, é de recusar a procedência do fundamento do recurso, por não provado o erro de julgamento de direito da sentença recorrida.


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Em suma, improcede o recurso interporto pelas Recorrentes, por não provados os seus fundamentos, o que implica a manutenção da sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente

II. Não procede a nulidade decisória por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º n.º 1, d) do CPC, se a sentença conhece da questão e sobre ela decide.

III. Não procede o erro de julgamento da sentença recorrida quanto a certa questão de direito, se a mesma não é apta a alterar o fundamento que ditou o ato de exclusão da proposta apresentada ao procedimento pré-contratual, por o mesmo não ser impugnado.

IV. Prevendo-se em norma do Programa de concurso a exigência de apresentação de cópia do alvará com a apresentação da proposta (artigo 6.º, n.º 2 do Programa de concurso) e sancionando-se esse incumprimento com a exclusão da proposta (artigo 7.º, n.º 1, e) do Programa do concurso), é indiferente apurar do cumprimento da cláusula de solidariedade entre as empresas que integram o Agrupamento, segundo o artigo 6.º, n.º 5 do Programa do concurso.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes e em manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pelas Recorrentes.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Carlos Araújo)


(Ana Pinhol)