Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04159/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/23/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
SUSPENSÃO DA LIQUIDAÇÃO.
FALTA DE AFRONTAR O DECIDIDO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Inexiste o vício formal de omissão de pronúncia quando a sentença recorrida não conhece de alguns argumentos ou de fundamentos articulados que, em conjunto com outros, pretendem integrar certa questão consubstanciadora de certa causa de pedir, cujo conhecimento a mesma não omite;
2. O pedido de revisão da matéria tributável suspende a liquidação correspondente até à decisão a proferir nesta, mas tal suspensão já não se mantém depois de proferida esta e enquanto durar o recurso hierárquico desta interposto;
3. Os recursos são, à face da nossa lei, meios de reexaminar uma decisão por parte de um tribunal de grau hierárquico superior àquele que a proferiu, tendente a alterá-la ou a revogá-la;
4. Nas conclusões das alegações do recurso deve o recorrente indicar os concretos, precisos fundamentos, por que pede a alteração do decidido de molde a permitir ao tribunal “ad quem” poder exercer um juízo de censura sobre a mesma tendente à sua revogação ou anulação;
5. Quando o recorrente não questiona, afronta ou impugna o decidido pelo tribunal “a quo” quanto ao fundamento concretamente conhecido e nem existe questão de conhecimento oficioso por parte do tribunal “ad quem”, o recurso assim minutado não pode lograr provimento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...Edificações, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


i) Uma das questões centrais da impugnação, ou seja determinar a validade dos critérios e cumprimento das regras de contabilização pela aqui Recorrente, relativos ao exercício de 2002, também por referência aos exercícios subsequentes (objecto de inpecção);
ii) A decisão sub judice não só não se pronunciou, como nem sequer se deteve na mais ínfima consideração, como aliás resulta da enunciação sumária das questões a decidir.
iii) Verifica-se omissão de pronúncia quando, como é o caso, o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que deveria conhecer e pronunciar-se, como é o caso dos fundamentos do pedido, o que constitui nulidade da sentença.
iv) A liquidação impugnada teve lugar na pendência de processo de Revisão da matéria Colectável;
v) O pedido de revisão da matéria tributável tem efeito
suspensivo da liquidação do Tributo, pelo que encontrando-se o mesmo em curso estava vedado Adminis1raçlo Fiscal prosseguir com os actos que conduziram à liquidação ora impugnada, sob pena de Nulidade.
vi) A liquidação impugnada é ilegal e por isso improcede, por erro nos pressupostos do recurso a métodos indirectos e na quantificação da matéria tributável.
vii) É tecnicamente possível e legalmente desejável, como de resto decorre da contabilidade da Impuguante, distribuir os custos pelas unidades (fracções/moradias) vendidas; é possível abater às existências finais em 31.12.2001, os valores correspondentes aos custos das fracções/moradias vendidas em cada exercício!
viii) a liquidação impugnada é manifestamente contraditória com os elementos contabilísticos existentes e até com os factos que lhe servem de fundamento, tal como resulta claramente do quadro demonstrativo oportunamente junto aos autos, e que revela a evolução dos proveitos, e a consequente distribuição dos custos em função dos proveitos, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
ix) Não se encontra sequer indiciariamente demonstrado qualquer dos requisitos previstos no art. 88º da LGT, que de alguma forma permitissem à Fiscalização tributária optar pela avaliação indirecta;
x) Optou-se erradamente pela aplicação ao caso vertente dos critérios indirectos de determinação da matéria colectável, quando inexistem no presente caso determinados
ou sequer singularmente indicados quaisquer critérios ou condições especialmente previstas na lei;
xi) A situação tributária do contribuinte encontra-se evidenciada na sua contabilidade e na declaração prevista na lei (Mod. 22 IRC) e conformada com as indicações da Administração tributária, para efeitos da sua quantificação através dos critérios definidos no decurso da inspecção, traduzindo uma realidade inatacável sob qualquer ponto de vista, o que exclui à partida o recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável - arts. 8º (princípio da legalidade) 87º a) (Realização da avaliação indirecta) da LGT, arts. 52° e 54° do CIRC;
xii) A validade da posição da Impugnante encontra expressão na fundamentação do despacho que recaiu sobre a inspecção tributária realizada ao exercício seguinte (2003, porquanto) foi o mesmo contabilizado a partir do exercício de 2002 declarado e devidamente rectificado (declaração de substituição) pela Impugnante, pelo que havendo liquidações por métodos indirectos levadas a cabo pela administração tributária que alteraram de forma grave e exponencialmente superior os resultados de 2002, com uma correcção das vendas em mais € 751.938,51, com uma valorização simultânea dos inventários finais de € 603.225,47, não seria possível, tal como se encontra documentado pela Impugnante e fiscalizado pela Administração Fiscal, partindo de números considerados errados (Mod.22 de IRC relativo a 2002) não tivesse qualquer anomalia.
xiii) A sentença recorrida traduz-se numa repetição dos
argumentos da Administração Fiscal, sem respeito pelas normas de elaboração da contabilidade e da determinação da matéria colectável, insistindo numa situação irreal e arbitrária no que diz respeito á contabilização e relacionamento da evolução dos custos com os proveitos obtidos.
xiv) A sentença recorrida viola entre outras normas que V. Exas doutamente suprirão, as supra indicadas, bem como é contrária á jurisprudência citada.

Termos em que,
Com o mui douto suprimento de V. Exas deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência declarada Nula e de nenhum efeito a sentença recorrida.
Ou, caso assim não se entenda deve proceder o Recurso revogando-se a decisão recorrida com os legais efeitos e em consequência proceder a Impugnação deduzida pela aqui recorrente, como é de costumada
JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, dizendo reiterar o parecer do MºPº junto da 1.ª Instância, não padecer a sentença das invocadas nulidades por falta de pedido de revisão sustentável já que o mesmo foi declarado findo por desistência, não havendo lugar ao conhecimento de tais questões.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a conhecer: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a liquidação adicional efectuada depois do despacho proferido pelo director de finanças no procedimento de revisão a julgá-lo findo por desistência, mas quando o recurso hierárquico dele interposto ainda não fora decidido, viola a suspensão da liquidação que tal pedido de revisão tem por efeito; E se a ora recorrente se alheia do decidido na parte em que a sentença recorrida não conheceu da falta de pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos e da errada quantificação por falta de exaustão dos meios legais de revisão.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante exerce, ou exercia, a actividade de “Promoção Imobiliária", CAE 70110;
2. Com relação ao exercício de 2002 foi, a impugnante, sujeita a uma visita de fiscalização, a qual teve início em 21/08/2006 e terminou com o relatório de inspecção de 26/10/2006, a fls. 358 do vol. I do apenso instrutor, que aqui damos por integralmente reproduzido face à sua extensão;
3. Consta daquele relatório, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«Capítulo III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável/imposto
No decurso da acção de fiscalização, relativamente ao exercício de 2002, o sujeito passivo veio entregar uma Declaração de Rendimentos Mod. 22 - IRC e uma Declaração Anual, ambas de substituição.
Na declaração anual de substituição, Quadro 03 - Demonstração de Resultados, o valor inscrito na linha "A105- Variação da Produção" da 1ª declaração anual no valor de € 531.369,85, foi alterado para € 1.134.595,32, ou seja:
Decl. Anual entregue em Decl. Anual entregue 26/03/2003 (1ª) em 21/09/2006 (2ª) Linha A105 Variação
Da Produção
-€ 531.369.85 -€ 1.134.595.32
A decisão de entregar uma Declaração Anual de substituição foi tomada pelo contribuinte quando se viu confrontado com o facto de os Serviços de Inspecção estarem na posse dos contratos promessa de compra e venda de imóveis, relativos às vendas contabilizadas no exercício de 2002.
Os valores pelos quais a A...Edificações, S.A. prometia vender as moradias mencionadas nos contratos promessa de compra e venda, eram substancialmente superiores aos valores que foram declarados nas escrituras notariais de compra e venda, indícios inequívocos de omissão do valor real de compra e venda declarado em escritura pública notarial.
Com o pressuposto de que seriam notificados do acréscimo à matéria colectável do valor das correcções propostas por Métodos Indirectos, optaram por corrigir as vendas declaradas em mais €751.938,51 e, simultaneamente, fizeram uma valorização para menos dos inventários finais em 31/12/2002 em € 603.225,47, ou seja:
Quadro 03 Decl. Anual Decl. Anual Diferença
Demonstração entregue em entregue em
de Resultados 26/06/2003 (1ª) 21/09/2006 (2ª)
Linha A101 - € 1.774.473.44 € 2.526.411.95 € 751.938,51
Vendas de
Mercadorias
Linha A105 - -€ 531.369,85 -€ 1.134.595,32 -€ 603.225,47
Variação de
Produção
Quando valoriza os inventários finais em 31/12/2002, por valores inferiores àqueles que constam da 1a declaração anual, a Variação da produção aumenta em igual valor, € 603.225,47 (negativo).
Tal actuação por parte do contribuinte, teve por finalidade anular o valor das correcções das vendas onde se verificaram divergências entre os contratos promessa e as escrituras notariais.
Com a alteração dos valores dos Inventários Finais em 31/12/2002, o contribuinte vem demonstrar que a contabilidade está viciada.
Não é aceite a diminuição do valor da Variação da Produção no montante de € 603.225,47 uma vez que não há suporte documental para a referida alteração por parte do contribuinte (artº 23° do CIRC), que irá ser acrescida ao resultado fiscal da 2ª declaração Mod. 22-IRC.
Capítulo IV - Motivos e exposição dos factos que implicaram o recurso a métodos indirectos
Do confronto entre os valores que constam dos contratos promessa de compra e venda recolhidos nos Serviços Municipalizados de Água das Câmaras Municipais do Distrito de Leiria, com os valores declarados nas escrituras notariais de compra e venda e mútuo com hipoteca, foram apurados indícios de omissão do valor real de aquisição declarado em escritura pública notarial.
Os adquirentes foram notificados para fazerem prova do valor de aquisição efectivamente pago.
Tendo confessado o valor real de aquisição, procederam ao pagamento do adicional de Imposto Municipal de Sisa.
A actual acção de fiscalização confirma os indícios de prática continuada de evasão e fraude fiscal, em sede de IRC, na esfera do vendedor A...Edificações, S.A. (...).
A omissão de proveitos em sede de IRC no vendedor A...Edificações, S.A., ... verificou-se nos apartamentos sitos em Aldeamento D. Dinis, Casinhas em Nadadouro, Amoreira e Alcabideche em Cascais, no imóvel da Rua 28 de Setembro nº4, Póvoa de Santa Iria - Vila Franca de Xira, São Julião da Figueira da Foz e Foz do Arelho em Caldas da Rainha.
Em anexo a este relatório ...,juntamos cópia do extracto da conta 71.1.10 do POC, onde se encontra registado na contabilidade, o valor por que cada fracção foi vendida, num total de € 1.774.473,44.
Vejamos as diferenças entre os valores declarados em escritura notarial de compra e venda e os valores denunciados pelos adquirentes, para pagamento do adicional...de Sisa no ano de 2002
(...)
Capítulo IV - Critérios e cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
As vendas de apartamentos situados em Alcabideche - Cascais, Póvoa de Santa Iria, São Julião da Figueira da Foz e Foz do Arelho - Caldas da Rainha, serão corrigidas com recurso a métodos indirectos.
Para estas fracções autónomas vendidas no exercício de 2002, os Serviços de Inspecção Tributária irão calcular os valores efectivos das transacções com recurso à aplicação de métodos indirectos, artº 51° do CIRC, por se ter verificado a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, artºs 87° e 88° d LGT, por inexistência e/ou insuficiência de elementos de contabilidade e anda por existência de manifesta discrepância entre o valor declarado de compra e venda em escritura pública notarial e o valor efectivamente pago.
A avaliação indirecta só é utilizada na medida do estritamente necessário, ou seja, nas situações em que foi inviável efectuar avaliação directa.
Para cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, iremos utilizar a percentagem de omissão de proveitos nas vendas das moradias do Aldeamento D. Dinis - Casinhas - Nadadouro.
A percentagem encontrada é de 62,71% - média das percentagens de omissão das moradias de Nadadouro.
(...)
Os valores de compra e venda auto denunciados pelos adquirentes das moradias em Aldeamento D. Dinis - Casinhas - Nadadouro, constam da coluna 13 do Apêndice.
A aplicação de métodos indirectos irá incidir sobre as restantes fracções vendidas em 2002, indicadas na 2ª parte do Axexo I de 1 folha.
(...)
Tendo em atenção as correcções propostas ao exercício de 2002, no valor de € 1.887.017,78, o lucro tributável será fixado com recurso à aplicação de métodos indirectos, conforme capítulo III, IV V do relatório. . .
O lucro tributável declarado na 1ª declaração de rendimentos Mod 22-IRC de € 30.940,74 é alterado para um Lucro Tributável de € 1.917.958,52».
4. A impugnante formulou, em 29/11/2006, pedido de revisão da matéria tributável, invocando erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos e de determinação da matéria tributável (informação de fls. 122 e requerimento de fls. 379, ambos do apenso instrutor, 1° vol.);
5. Por despacho do Sr. Director de Finanças, de 03/01/2007, foi considerada verificada a desistência da impugnante do pedido de revisão (fls. 90 a 123 do apenso instrutor, vol. I);
6. Com base nas correcções levadas a efeito, foi efectuada a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios nº 2007 8310000262, de 09/01/2007, no montante de € 655.898,60, com prazo de pagamento voluntário até 14/02/2007 ("print" informático relativo à demonstração de compensação, a fls. 41 do apenso instrutor, vol. I);
7. Do despacho do Sr. Director de Finanças referido supra, em 5), foi interposto recurso hierárquico para o Sr. Ministro das Finanças, em 25/01/2007 (fls. 45 do apenso instrutor, vol. I);
8. A impugnação deu entrada no Serviço de Finanças em 10/04/2007, conforme carimbo aposto na petição inicial, a fls. 2;
9. Sobre o recurso hierárquico referido supra em 7), veio a recair o despacho de indeferimento de 29/05/2007, a fls. 113 do apenso de recurso hierárquico, vol. II;
10. Do total das correcções, no montante de € 1.887.017,78, propostas pela fiscalização, € 1.449.885,14 correspondem a "correcções aritméticas às vendas" e € 437.132,64 a "correcções por métodos indirectos às vendas" (mapa resumo das correcções que integra o relatório de inspecção, a fls, 372 do apenso instrutor, vol. I);
11. As "variações de produção" não aceites pela Administração fiscal, no valor de € 603.225,47 estão incluídas no valor das correcções meramente aritméticas (mapa
resumo cit.).

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, nomeadamente, não se provou que a valorização, para menos, em € 603.225,47, nos inventários finais em 31/12/2002 corresponda à contabilização dos custos reais associados à produção das unidades (fracções/ moradias) vendidas no exercício, nem se provaram quaisquer outros custos para além dos contabilizados e considerados pela Administração fiscal.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apensos, instrutor e de recurso hierárquico, com destaque para a assinalada.

Como resulta do depoimento da única testemunha, Dr. Manuel dos Santos Simões, TOC da impugnante, como houve um aumento ao valor das vendas, em resultado da correcção levada a efeito pela AF, teve de se ajustar os custos inventariados para os valores de venda corrigidos.
No fundo, o que sobressai do seu depoimento é que tendo sido contabilizadas vendas por preço inferior ao real, houve também um valor inflacionado de inventário, que assentou na
não imputação dos custos reais de produção por unidade a fim de que, contabilisticamente, a empresa não apresentasse uma situação muito negativa e que ele, depoente, no seguimento
da visita de fiscalização, apurou esses custos reais por unidade (fracção/moradia) com base nos processos de obras da empresa, os quais fez reflectir, como variações de produção, na declaração de substituição entregue.
Mas apesar do que a testemunha diz, a verdade é que, prova concludente desses custos, no montante de € 603.225,47, associados à produção das unidades vendidas e que teriam sido
subtraídos aos inventários finais, inexiste.


4. Na matéria das suas três primeiras conclusões das alegações do recurso, vem a ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade – bem como o respectivo e consequente pedido formulado a final de que seja declarada Nula e de nenhum efeito a sentença recorrida” - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante(1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal omissão de pronúncia, por o M. Juiz do Tribunal "a quo", na sentença recorrida não ter conhecido ... das questões centrais da impugnação, ou seja determinar a validade dos critérios e cumprimento das regras de contabilização pela aqui Recorrente, relativos ao exercício de 2002, também por referência aos exercícios subsequentes (objecto de inspecção)... sendo assim esta a concreta “questão” que aponta como tendo sido omitido o seu conhecimento na sentença recorrida e que por si tenha sido articulada na respectiva petição inicial de impugnação judicial, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, sendo manifesto não ter ocorrido a apontada omissão de pronúncia, na sentença que julgou improcedente a presente impugnação judicial e sobre que versa o presente recurso.

Na verdade, como se pode constatar da matéria dos artigos da petição inicial da mesma impugnação, apenas no do seu art.º 28.º a ora recorrente avança como argumento para não se poder manter a liquidação impugnada, que nos proveitos dos exercícios subsequentes, desde logo o relativo a 2003, a não se manter a relação entre os proveitos corrigidos e os custos que ela própria fez corrigir nestes mesmos exercícios subsequentes e fez declarar nas respectivas declarações de rendimentos, importaria numa dupla ou tripla imputação de receitas sobre os mesmos custos, e desse modo a liquidação em duplicado ou triplicado do imposto devido, mas, no seu pedido formulado a final, não fez reflectir tal argumentação em qualquer vício que desse lugar à anulação dessas liquidações subsequentes, mas apenas e só quanto à concreta liquidação relativa ao exercício de 2002, apurada por métodos indirectos e por correcções técnicas, a mesma peticionou a referida nulidade (que não só a sua anulação) e a sua revogação (SIC), como veio articulando desde o início da mesma petição inicial de impugnação e de cujo montante fez extrair o respectivo valor que atribuiu à causa – € 655.898,50 (valor que nem aqui acertou completamente, já que o montante dos cêntimos é de 60 e não de 50, como se pode ver da matéria fixada no ponto 6. do probatório da sentença e do respectivo documento de suporte constante de fls 40 do PI, 1.º volume) – desta forma, não constituindo tal argumentação uma “questão” no sentido vertido nas normas dos art.ºs 668.º, n.º1, alínea d) e 660.º, n.º2 do CPC, mas mais uma argumentação por que a liquidação deste exercício (2002), se não poderia manter, e quanto a essa, não tem o juiz de se pronunciar sobre toda a produzida, como igualmente, bem se pronuncia a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, desta forma não tendo ocorrido a apontada omissão de pronúncia conducente à declaração de nulidade da mesma sentença.

Como é sabido, por questões a que se reporta a norma do art.º 668.º n.º1 d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir(2), como se pronuncia entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, recurso n.º 738/05, tendo como relator o do presente.

No caso, tendo o M. Juiz do Tribunal “a quo” conhecido e decidido das invocadas e verdadeiras questões, no âmbito global em que as mesmas apareciam nessa petição inicial e eram susceptíveis de levar à procedência da impugnação judicial, tendo daí retirado as devidas implicações jurídicas na parte decisória da mesma sentença, desta forma não deixou de conhecer de qualquer “questão”, enquanto factualidade enformadora com aptidão para conduzir à procedência da impugnação judicial e à anulação respectiva (ou, eventualmente, à declaração da sua nulidade) da liquidação do IRC relativo ao exercício de 2002, do citado montante, pelo que não ocorreu a apontada omissão de pronúncia, assim não podendo deixar de improceder a matéria das conclusões do recurso atinente a este vício formal, sendo de não declarar nula a sentença recorrida.


Improcede assim, a matéria das primeiras três conclusões do recurso.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o pedido de revisão da matéria colectável tem efeito suspensivo da liquidação atinente, mas já não o tem o recurso hierárquico interposto da decisão proferida no procedimento de revisão, pelo que a AT podia, legalmente, efectuar a liquidação adicional em causa na pendência do mesmo, que a liquidação adicional impugnada na parte em que assenta em falta de verificação dos pressupostos para métodos indirectos e errada quantificação não pode ser conhecida por falta da condição de procedibilidade de válido pedido de revisão e quanto à parte em que ocorreram apenas correcções técnicas, o custo atinente de € 603.225,47, que a mesma fez inscrever na declaração de substituição posteriormente entregue, não configura um custo fiscal do exercício, por falta do respectivo suporte documental, ou outra prova tendente a demonstrar a sua efectiva incorrência.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além da invocada omissão de pronúncia já conhecida, é contra parte desta fundamentação que se vem a insurgir, continuando a pugnar pela nulidade da liquidação (SIC), por ter sido efectuada no decurso de revisão da matéria colectável – suas conclusões iv e v – e, na restante matéria das mesmas conclusões, continua a pugnar que inexistem os pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos e que a respectiva quantificação se mostra errada, não tendo dito uma palavra sobre a fundamentação da sentença recorrida que nesta parte não conheceu destes vícios, por falta da prévia exaustão dos meios legais de revisão.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º3 da LGT, no caso de avaliação indirecta da matéria tributável, como no caso e na parte em que o foi, esta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação, tendo de haver lugar ao procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da mesma LGT, a solicitação do sujeito passivo, em requerimento fundamentado e contendo a indicação do perito que o representa e bem assim, poderá requerer a nomeação de perito independente, a fim de haver lugar à reunião dos mesmos, tendo em vista o estabelecimento de um acordo que, obtido, constituirá a base da matéria tributável da futura liquidação – cfr. n.ºs 1 e 3, do art.º 92.º da mesma LGT.

Como corolário de tal possível acordo, encontra plena justificação que a AT, desde logo, não possa avançar para uma liquidação correspondente com base nessa matéria tributável assim apurada, que como se sabe, poderá padecer das incertezas atinentes ao apuramento através de tal método indirecto, na perspectiva da lei, será mais seguro e eventualmente mais justo, que seja dada a possibilidade da obtenção desse acordo em sede de comissão de revisão, tanto mais que, uma vez este obtido, a falta de pressupostos para métodos indirectos e a errada quantificação deixam de poder ser objecto de impugnação contenciosa, nos termos do n.º4 do art.º 86.º da mesma LGT, pelo que a norma do n.º2 do citado art.º 91.º dispõe, que o pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação do tributo, (que deverá ser mantido enquanto o mesmo não for decidido).

No caso, como consta da matéria fixada no ponto 4. e segs da matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida e não colocada em causa pela ora recorrente e como igualmente se pode colher dos autos, o pedido de revisão da matéria tributável foi, por despacho de 3-1-2007, do Sr. Director de Finanças, verificada a desistência de tal pedido de revisão, desta forma, desde então, deixou de existir o fundamento impeditivo dessa liquidação (a existência de tal pedido de revisão pendente, desta forma findo por tal decisão), como esta teve lugar em 9-1-2007, como consta na matéria fixada no ponto 6. do probatório, já ocorreu depois da data em que o despacho supra foi proferido (ainda que, passados poucos dias), pelo que a mesma não foi violadora de tal norma que impunha a sua suspensão, como igualmente bem se decidiu na sentença recorrida.

É certo que tal despacho foi objecto de recurso hierárquico nos termos do disposto no art.º 66.º do CPPT, mas tal recurso tem natureza facultativa e tem efeito meramente devolutivo nos termos do n.º1 do art.º 67.º do mesmo Código, desta forma não tolhendo os efeitos da decisão proferida pelo Sr. Director de Finanças naquele pedido de revisão que o julgou findo por tal fundamento e que constitui o objecto do recurso hierárquico, o qual pode ser imediatamente executado(3), surtindo os correspondentes efeitos no procedimento de revisão, consistente no caso, em deixar de ser paralizador da correspondente liquidação, pelo que improcede a matéria das conclusões do recurso atinente a esta questão.


Na matéria das restantes conclusões das alegações do recurso, continua a ora recorrente a pugnar pela inexistência dos pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos e pela errada quantificação na consequente liquidação adicional levada a efeito, questões que não foram conhecidas na sentença recorrida por falta da prévia exaustão dos meios legais de revisão, como supra se referiu, não tendo a ora recorrente escrito um palavra sobre o assim decidido e que mostrem expresso desacordo com o mesmo.

Nos termos do disposto no art.º 690.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, ou seja, tem o recorrente de, na matéria das suas conclusões, invocar as concretas razões, em termos precisos e não hipotéticos, por que pede a alteração ou a anulação do assim decidido, de molde a permitir ao tribunal de recurso reapreciar as questões suscitadas (e, eventualmente, outras, desde que de conhecimento oficioso e ainda não conhecidas por parte do tribunal) e formular um juízo de censura à decisão recorrida, conducente à declaração da sua nulidade ou à sua revogação.

É que se o recorrente não procura demonstrar o desacerto dos concretos fundamentos da decisão recorrida, com indicação dos vícios ou erros que a afectam, na falta também, de questão de conhecimento oficioso por parte do tribunal, um recurso assim minutado, não poderá deixar de improceder, como constitui jurisprudência corrente, designadamente do STA(4).

Em idêntico sentido se pronunciava o Professor Alberto dos Reis(5), a propósito de norma de idêntico conteúdo contida no anterior CPC, quanto às exigências das alegações e das conclusões, ao escrever:
(...)
...o artigo teve em vista obrigar o recorrente a submeter à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.
...
Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais, não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E como dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação, o que se satisfaz, pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente: pela enunciação abreviada dos fundamentos do recurso.
(...)

No caso, não tendo a ora recorrente invocado uma única linha de desacerto quanto ao fundamento avançado na sentença recorrida para o não conhecimento dos invocados vícios de falta de pressupostos para a matéria tributável ser conhecida por métodos indirectos e da errada quantificação assim apurada, que levou à improcedência da impugnação judicial também por estes fundamentos, continuando a entender que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, como tal devendo ser revogada, também quanto a estes dois fundamentos que a mesma deles não conheceu, bem como nem sequer invocou qualquer questão de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal ainda não conhecida e nem se vislumbra existir, o seu recurso assim minutado não pode lograr provimento(6).

É assim quanto basta, segundo se crê, para afirmar que a recorrente se alheou totalmente da sentença recorrida, nesta parte, nada invocando contra este fundamento em que a impugnante também não logrou obter ganho de causa na mesma sentença, e que através do presente recurso ora pretendia alterar, não tendo assim verdadeiro objecto, nesta parte, o presente recurso, e improcedendo também a matéria destas conclusões das suas alegações do recurso.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,23/03/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO



1- Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
2- Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
3- Cfr. neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 346, notas 3 e 4.
4- Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos de 4-11-2009 e de 16-12-2010, recursos n.ºs 16/08-30 e 783/10, respectivamente.
5- In Código de Processo Civil, Anotado, Vol. V. (Reimpressão), Coimbra 1981, págs. 357 e 359.
6- Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 4.11.1998 e de 7.1.2009, recurso n.ºs 22.901 e 812/08, respectivamente.