Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:93/22.OBCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/08/2022
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
ACÓRDÃO ARBITRAL
NULIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
DIREITO DE VOTO
Sumário:I – Entendendo o colégio arbitral que uma das consequências da anulação da deliberação recorrida consistiria na condenação da assembleia geral da recorrida a votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário da demandada, tal não colide, em termos de coerência lógica, com a premissa de que partiu. Essa conclusão poderá é não ter arrimo nas normas jurídicas aplicáveis ao caso, mas isso não inquina o decidido com o desvalor da nulidade.
II – Incorre em erro de julgamento o acórdão arbitral que determina no seu dispositivo a condenação da assembleia-geral da demandada, e aqui recorrente, a votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário daquela, porquanto tal condenação viola não só o disposto no artigo 12º, nº 2 dos Estatutos da recorrente, que determina que a admissão, suspensão e expulsão de um membro depende da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na assembleia-geral, como também o disposto no artigo 59º, nº 2 dos mesmos Estatutos, que dispõe que as deliberações da assembleia-geral são tomadas à pluralidade de votos, e ainda o princípio da separação de poderes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal, com os sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto contra a Federação de Patinagem de Portugal, indicando ainda como contra-interessada a Associação Nacional de Treinadores de Patinagem, uma acção arbitral visando:
(i) A declaração de nulidade ou a anulação da deliberação da Assembleia Geral da Federação de Patinagem de Portugal, de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP, aqui demandada, por falta de fundamento legal, estatutário e regulamentar e por violação das normas dos artigos 167º do Código Civil e 10º do Estatutos da FPP, ponto esse cuja apreciação já havia sido iniciada em sede da referida assembleia;
(ii) O reconhecimento do direito da demandante, enquanto agente desportivo representativo dos treinadores de patinagem artística, a ser admitida enquanto membro da FPP, reconhecendo que a mesma preenche as condições legais e regulamentares de filiação definidas nos termos dos seus estatutos;
(iii) A condenação da FPP a não poder recusar a inscrição da demandante nos termos do disposto no artigo 9º do Regime Jurídico das Federações Desportivas;
(iv) A condenação da FPP a proceder à convocação de uma Assembleia Geral com vista a apreciar e deliberar o reconhecimento do direito da demandante em ser admitida como membro ordinário da FPP em obediência ao mencionado artigo 9º do RJFD.
2. Por acórdão arbitral datado de 23-3-2022, o TAD concedeu provimento à acção e anulou a deliberação da Assembleia-Geral da demandada, de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP, aqui demandada, e condenou esta a:
(i) Votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva Direcção, salvo se outra circunstância a isso obstar, mas sem reincidir nos vícios determinantes da anulação; e,
(ii) Convocar e realizar uma Assembleia-Geral para o fim assinalado no ponto anterior, em prazo não superior a 30 (trinta) dias.
3. Inconformada, a Federação de Patinagem de Portugal interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1ª – A delimitação do objecto do litígio – pág. 21 do douto acórdão, limita-o a: “Em face das questões colocadas pelo demandante, cumpre apreciar e decidir sobre a validade legal da deliberação da Assembleia Geral da Federação de Patinagem de Portugal (“FPP”), de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cf. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como Membro Ordinário da FPP, aqui demandada;
2ª – Quanto ao segmento decisório relativo a tal deliberação constante do capítulo respeitante à delimitação do objecto do litígio, nada tem a recorrente a referir, aceitando a decisão que decretou a anulação de tal deliberação;
3ª – Porém, já não aceita a recorrente o segmento decisório da alínea b) em concreto: condenar a demandada a: b.1) votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como Membro Ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva Direcção, salvo se outra circunstância a isso obstar, mas sem reincidir nos vícios determinantes da anulação, e b.2) convocar e realizar uma Assembleia-Geral para o fim assinalado no ponto anterior, em prazo não superior a 30 (trinta) dias;
4ª – O Tribunal decretou o segmento decisório ora impugnado – cfr. alínea b) sem que haja fundamentado tal decisão: ao longo da fundamentação do douto acórdão, o mesmo incide sobre a anulabilidade da deliberação tomada em Assembleia Geral, para na sua decisão, determinar a condenação da recorrente a realizar uma assembleia geral, a ser convocada em prazo inferior ao prazo legal determinado nos estatutos e obrigar o órgão composto pelos delegados indicados com direito de voto, a votarem favoravelmente a admissão da demandante como membro ordinário;
5ª – Ao não resultar do acórdão qualquer fundamentação sobre tal segmento decisivo – alínea B) da condenação, o mesmo é nulo por absoluta falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 94º, nºs 2 e 3 do CPTA, e artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, este último aplicável ex vi pelo artigo 1º do CPTA, por remição do artigo 61º da Lei do TAD;
6ª – Sendo nulo por falta de fundamentação, nulidade essa que expressamente se invoca, deve ser a parte decisória ora impugnada ser declarada nula;
7ª – Ainda que tal nulidade não se aceite – o que por mera hipótese se pondera – sempre tal condenação viola os princípios constitucionais relativos ao exercício de direitos pessoais e livres, nomeadamente o de voto;
8ª – Na verdade, a Assembleia Geral nunca deliberou o pedido de admissão da demandante, pois tal deliberação foi retirada da Ordem de Trabalhos. Tal significa que o douto acórdão recorrido, sem qualquer factualidade dada como provada – nem podia ser, dada a ausência de deliberação concreta sobre tal ponto, saltou etapas deliberativas, e entendeu condenar a recorrente a convocar assembleia geral e a decidir favoravelmente, ou seja, os delegados com direito de voto seriam obrigados a votar num determinado sentido de voto, o que viola o direito de votar livremente – isto num estado democrático e com sujeição aos princípios constitucionais que o douto Tribunal recorrido entendeu ignorar;
9ª – A Assembleia-Geral é o órgão supremo da FPP, competindo-lhe deliberar sobre os assuntos submetidos à sua apreciação e que não sejam da competência de outro órgão social. E no nº 2 do artigo 12º dos Estatutos da recorrente que a admissão, suspensão e expulsão de um membro depende da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na Assembleia Geral: ou seja, a admissão de um membro não é automática, mas sim, sujeita a votação e aprovação com três quartos dos votos dos delegados presentes, exigindo-se assim uma votação com maioria qualificada dos presentes;
10ª – Com tal decisão, o douto Tribunal recorrido ignorou o disposto nos estatutos da recorrente e a interpretação que deve ser dada ao referido artigo, que nunca poderá ser a de “entrada automática” após formulação de pedido de admissão;
11ª – Assim, e atendendo ao regime normativo aplicável à recorrente, bem como os princípios gerais de direito, nomeadamente os ínsitos na Constituição da República Portuguesa, cfr. os artigos 18º, 19º, 22º, 26º e 46º da Lei fundamental, os mesmos não permitem que o Tribunal recorrido “obrigue” a assembleia geral da recorrente a votar num determinado sentido, dado o direito ao voto ser livre e pessoal, não podendo ser “orientado e/ou obrigado” sob pena de não ser livre, com clara violação dos mais elementares direitos constitucionalmente previstos, entre outros;
12ª – Pelo exposto, o segmento decisório ora impugnado e constante do douto acórdão, viola os artigos 18º, 19º, 22º, 26º e 46º da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 12º e 57º dos Estatutos da recorrente e, quanto à falta de fundamentação e consequente nulidade, os artigos 94º, nºs 2 e 3 do CPTA, e artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, este último aplicável “ex vi” pelo artigo 1º do CPTA, por remição do artigo 61º da Lei do TAD”.
4. A recorrida “Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal” apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
1. Nos termos da letra e do espírito da lei – artigo 8º da Lei do TAD –, e em linha com a jurisprudência deste TCA Sul, o presente recurso deve ter efeito suspensivo e o acórdão recorrido ser imediatamente executado pela FPP, respeitando o prazo de 30 dias fixado pelo TAD;
2. Em função da sua natureza jurídica de pessoa colectiva de direito privado, a FPP rege-se pela legislação aplicável às associações, desde logo o Código Civil, em particular a respectiva Secção II do Capítulo III;
3. Por outro lado, uma vez dotada do estatuto de utilidade pública desportiva, a FPP está sujeita ao ‘Regime Jurídico das Federações Desportivas’ (RJFD);
4. Nessa dupla condição – de ente privado investido de poderes públicos – a FPP sujeita-se, portanto, simultaneamente, ao Direito Privado (maxime ao Código Civil) e ao Direito Público (maxime ao RJFD e ao CPA);
5. É justamente o contexto específico do estatuto de utilidade pública desportiva que justifica especiais disposições que constam do RJFD, que legitimam a intervenção legislativa em matéria de organização interna associativa (máxime votação para admissão de novos associados), pelo que, contrariamente à linha da defesa da FPP, o acórdão recorrido não violou o artigo 46º da CRP e, por consequência, se tornam não aplicáveis os artigos 18º, 19º e 22º da mesma Lei Fundamental (e muito menos o artigo 26º);
6. Entre outros efeitos da sujeição da FPP ao RJFD, e inerente intervenção legislativa em matéria de organização interna associativa, consta, precisamente, o direito de inscrição nas federações desportivas enquanto associado e que, diferentemente do que sucede numa associação do tipo comum, se encontra hoje reconhecido e consagrado no artigo 9º do RJFD;
7. Ademais, tal como bem salientou o TAD no acórdão recorrido, a FPP deve ainda obediência aos “princípios da liberdade, da democraticidade, da representatividade e da transparência previstos”, também consagrados no RJFD;
8. Da concatenação do artigo 46º da CRP, do qual decorre a dimensão positiva do direito de associação com os referidos preceitos do RJFD, e bem assim dos Estatutos da FPP; em especial do artigo 13º, a ATPAP tem o direito a filiar-se na FPP (associação já constituída), sem dependência de qualquer autorização, uma vez que, tal como atestado pelo Conselho de Justiça e pelo Presidente da FPP, estão verificados os pressupostos legais e estatutários, sem privilégios nem discriminações, num sistema de ‘porta aberta’;
9. A FPP também violaria o princípio da igualdade (ínsito no artigo 13º da CRP) na dimensão da proibição do arbítrio, se recusasse a admissão da ATPAP como seu membro, sem justificação razoável, objectiva e constitucionalmente relevante para a diferenciação relativamente à outra associação representativa dos treinadores que já é membro da FPP, a agora denominada Associação Nacional de Treinadores de Patinagem;
10. Por conseguinte, será ilegal, logo anulável (artigo 177º do Código Civil) uma deliberação que que recuse a imediata e automática inscrição da ATPA como membro da FPP;
11. Assim, é no pressuposto de que não resta à Assembleia Geral da FPP alternativa senão o voto favorável da admissão da ATPAP como membro da FPP que devem ser compreendidas as condenações que o TAD correctamente aplicou à FPP, todas elas devida e vastamente fundamentadas, no quadro da delimitação que aquele tribunal bem fez do objecto do litígio (em linha com os pedidos formulados junto do TAD pela ATPAP);
12. Deve, portanto, a FPP ser condenada a (i) votar favoravelmente o pedido de admissão da ATPAP como membro ordinário daquela, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela Direcção da FPP, para o efeito sendo necessária a (ii) convocação e realização de uma Assembleia-Geral, no prazo em curso, fixado pelo TAD, de 30 dias”.
5. O presidente do colégio arbitral, por despacho datado de 4-5-2022, refutou as nulidades assacadas ao acórdão arbitral e admitiu o recurso para este TCA Sul.
6. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado para os termos e efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, não emitiu parecer.
7. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
8. Na fase de recurso importa apreciar se a sentença proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º, nº 2 do CPTA, e 639º, nº 1 e 635º, ambos do CPCivil, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA, às que integram o objecto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas respectivas conclusões – isto sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso – e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal “a quo” (cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 119 e 156).
9. Em concreto, são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
a) Se o acórdão arbitral é nulo, por absoluta falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 94º, nºs 2 e 3 do CPTA e artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPCivil, este último aplicável “ex vi” do artigo 1º do CPTA, por remição do artigo 61º da Lei do TAD, por não conter qualquer fundamentação relativamente ao segmento decisivo constante da alínea b) do dispositivo; e,
b) Se o acórdão arbitral enferma de erro de julgamento, por a condenação constante do segmento decisivo da alínea b) do dispositivo violar os princípios constitucionais relativos ao exercício de direitos pessoais e livres, nomeadamente o de voto, ínsitos nos artigos 18º, 19º, 22º, 26º e 46º da Constituição da República Portuguesa, e também os artigos 12º e 57º dos Estatutos da recorrente.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
10. A decisão arbitral recorrida considerou assente – sem reparo – a seguinte factualidade:
1) A Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal – FPP, aqui demandante, foi constituída por escritura pública em 7 de Fevereiro 2020 sendo “(…) uma associação sem fins lucrativos, de duração ilimitada dotada de personalidade jurídica própria e património independente que agrupa todos os técnicos/treinadores intervenientes no processo de treino da Patinagem Artística” – cfr. escritura pública e artigo 1º, nº 2 dos Estatutos anexos, juntos aos autos com o requerimento inicial como doc. 1;
2) A demandante foi constituída com os objectivos de: “(…) associar o máximo possível os treinadores de Patinagem Artística para a promoção da Verdade Desportiva, desenvolvimento e boas práticas da Patinagem, desenvolvendo, para além do mais, as seguintes actividades: a) Fomentar a promoção, formação e valorização dos seus associados mediante acções de formação, publicações, meios informáticos, redes sociais e demais formas que entenda oportunas; b) Colaborar com as Autoridades Desportivas, em geral, e em particular com a Federação de Patinagem de Portugal (FPP), para promover a prática e o desenvolvimento da patinagem em geral e muito em particular da patinagem Artística; c) Colaborar nos cursos de formação de treinadores e promover acções de formação contínua dos mesmos, de acordo com as directivas do Estado, da FPP ou outras entidades; d) Defender os direitos e os interesses dos treinadores de Patinagem Artística no âmbito da vocação da FPP; e) Prestar, quando solicitada, o auxílio técnico possível aos Clubes nacionais de patinagem Artística; f) Colaborar com outras associações nacionais ou estrangeiras que tenham fins similares; g) Promover todas as tarefas de carácter complementar às já referidas e que contribuam para o melhor cumprimento do espirito e objectivo da Associação; h) Acompanhar o processo de candidatura e eleição dos representantes dos treinadores à Assembleia Geral da FPP, disponibilizando para tal a todos os interessados directos seus associados, o apoio, os serviços e a informação disponíveis nos termos definidos em regulamento próprio” – cfr. artigo 2º, nº 1, dos Estatutos, juntos com o requerimento inicial como doc. 1;
3) Na data da constituição da demandante, não existia entidade representativa dos treinadores de patinagem artística no universo da Patinagem em Portugal, designadamente dentro da esfera da demandada – cfr. artigo 15º dos Estatutos da demandada, juntos com o requerimento inicial como doc. 2;
4) A Federação de Patinagem de Portugal, aqui demandada, com sede em Avenida Almirante Gago Coutinho, nº 114-114-A, 1700-032 Lisboa, é “uma pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública, constituída sob a forma associativa e sem fins lucrativos, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, associações de praticantes, técnicos, oficiais de mesa e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da Patinagem em todas as suas variantes, e é a mais alta entidade da modalidade a nível nacional” – cfr. artigo 1º dos Estatutos juntos com o requerimento inicial como doc. 2;
5) A demandada tem o seu objecto descrito no nº 1 do artigo 6º dos seus Estatutos, nos seguintes termos:
Artigo 6º (Objecto)
1. A Federação de Patinagem de Portugal prossegue, a nível nacional, os seguintes objectivos principais: 1.1. Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática do conjunto das disciplinas da patinagem, apoiando, com meios humanos e financeiros, as práticas desportivas não profissionais e fomentando o desenvolvimento do desporto de alta competição 1.2. Promover a defesa da ética desportiva, organizar a preparação e participação competitiva das selecções nacionais e representar a patinagem junto de organizações congéneres internacionais 1.3. Promover o processo de formação e desenvolvimento dos jovens desportistas e dos recursos técnicos e humanos relacionados com o conjunto das disciplinas da patinagem 1.4. Representar perante a Administração pública os interesses da FPP e seus filiados” – cfr. artigo 6º, nº 1 dos Estatutos, juntos com o requerimento inicial como doc. 2;
6) A demandada é titular do Estatuto de Utilidade Pública Desportiva desde 1993;
7) A Associação Nacional de Treinadores de Patinagem – ANTP, aqui, contra-interessada, é uma “associação sem fins lucrativos, de duração ilimitada dotada de personalidade jurídica, própria e património independente (…)” “(...) que agrupa todos os treinadores intervenientes no processo de treino das disciplinas que estão na alçada da World Skate e que têm ou podem vir a ter representatividade em Portugal através da Federação de Patinagem de Portugal” – cfr. escritura e artigo 1º, nºs 2 e 3 dos Estatutos, juntos com o requerimento inicial como doc. 3;
8) Em 17 de Fevereiro de 2020, a demandante apresentou à demandada o seu pedido de filiação a membro ordinário da demandada – cfr. doc. 4 junto com o requerimento inicial;
9) Nessa dada, existiam apenas os seguintes membros ordinários:
i. A Associação Nacional de Árbitros de Hóquei em Patins;
ii. A Associação Nacional de Atletas;
iii. A Associação Nacional Treinadores de Hóquei em Patins (aqui contra-interessada); e,
iv. A Associação Nacional de Clubes.
10) A demandante juntou ao pedido de filiação a composição dos órgãos sociais eleitos, a fotocópia da acta de tomada de posse e a fotocópia dos estatutos e regulamentos em vigor – cfr. doc. 4 junto com o requerimento inicial;
11) Nesse documento, a demandante declarou, expressamente, para os devidos e legais efeitos, a aceitação dos direitos e deveres decorrentes dessa qualidade, estipulados nos Estatutos e no Regulamento Geral da demandada, nos termos do nº 3 do artigo 15º dos Estatutos da demandada – cfr. o doc. 4 junto com o requerimento inicial;
12) Após ter recebido o referido pedido de filiação da demandante, a Direcção da demandada remeteu-o ao respectivo Conselho de Justiça, em 28 de Fevereiro de 2020 – cfr. doc. 5 junto com o requerimento inicial;
13) Por mensagem de correio electrónico de 2 de Junho de 2020, o Presidente da demandada comunicou à demandante o seguinte:
Na sequência da comunicação em anexo do Conselho de Justiça da FFP e tendo sido objecto de deliberação por parte da Direcção da FPP, a qual verificou na sua reunião de 4 de Março o preenchimento dos requisitos de filiação (artigo 13º, nº 2, dos Estatutos), somos pelo presente a informar V. Exª que o processo se encontra devidamente instruído, pelo que a Direcção da FPP, vai remeter de imediato a candidatura ao Presidente da mesa da Assembleia-Geral” – cfr. doc. 6 junto com o requerimento inicial;
14) Em 2 de Junho de 2020, o Presidente da demandada enviou uma mensagem de correio electrónico ao Presidente da respectiva Mesa da Assembleia-Geral referindo:
Considerando que “Por parte do Conselho de Justiça não haverá qualquer objecção quanto à emissão de Parecer relativo ao pedido de filiação em causa” e que tendo sido objecto de deliberação por parte da Direcção da FPP, a qual verificou na sua reunião de 4 de Março o preenchimento dos requisitos de filiação (artigo 13º, nº 2, dos Estatutos), solicito ao Presidente da mesa da Assembleia-Geral que apresente o pedido de filiação em Assembleia-Geral para que seja votada a admissão do candidato (artigo 13º, nº 3, dos Estatutos); Para tal, deverá constar um ponto específico na ordem de trabalhos da Assembleia-Geral que refira “Votação da admissão da Associação Treinadores Patinagem Artística Portugal como membro ordinário da Federação de Patinagem de Portugal”, seguido de um outro ponto que refira “Em caso de votação favorável no ponto anterior, deliberar a consequente alteração do artigo 15º dos Estatutos da FPP, aí incluindo a Associação Treinadores Patinagem Artística Portugal como membro ordinário da FPP” – cfr. doc. 7 junto com o requerimento inicial;
15) Em 15 de Junho de 2020, por mensagem de correio electrónico do Secretário da Direcção, por incumbência do Presidente da demandada, foi comunicado à demandante que tinha sido recebido da parte do Presidente da Mesa da respectiva Assembleia Geral uma comunicação com o seguinte teor:
…considerando que a presente Assembleia-Geral – que inicialmente havia sido convocada para o dia 28 de Março de 2020 e foi adiada pelas razões que todos conhecemos e que se prendem com a situação sanitária provocada pela pandemia – que se irá realizar no próximo dia 27 de Junho, foi por mim convocada nos termos da Lei com a indicação da proposta da Ordem de Trabalhos, e que, por se tratar de um adiamento, se mantém. Nestes termos, tomei a devida nota da proposta que ora trazem ao meu conhecimento que, obviamente, será incluída na ordem de trabalhos da Assembleia-Geral a realizar no mês de Outubro, de harmonia com o artigo 60º dos Estatutos da Federação de Patinagem de Portugal” – cfr. doc. 8 junto com o requerimento inicial;
16) Por escritura pública de 24 de Junho de 2020 outorgada no Cartório Notarial de Cabeceiras de Bastos, a outrora designada “Associação de Treinadores de Hóquei Patins”, alterou, 3 dias antes da realização da Assembleia Geral da demandada, os respectivos estatutos.
17) A alteração estatutária referida no número anterior consistiu no seguinte:
– a sua denominação para “Associação Nacional de Treinadores de Patinagem – ANTP”;
– a sua sede que passa a ser em Venda Nova – Amadora, no Parque I…….VI – Rua das F…, 5…/5…-A, gabinete …..- 2746-801 Queluz;
– e o seu objecto social passa a ser o seguinte: A ANTP tem como objectivo associar o maior número possível de treinadores das modalidades da Patinagem para o desenvolvimento, incremento da promoção cultural e valorização científica, técnica e pedagógica dos seus associados, bem como na reflexão e intervenção tendo em conta o desenvolvimento das seguintes actividades: a) Fomentar a valorização dos seus associados mediante conferências, reuniões, publicações e outras acções consideradas convenientes; b) Acompanhar o processo de candidatura e eleição dos representantes dos treinadores à Assembleia Geral da Federação de Patinagem de Portugal, disponibilizando para tal a todos os interessados directos, seus associados, o apoio, os serviços e a informação disponíveis nos termos definidos em regulamento próprio; c) Prestar a máxima colaboração às Autoridades Desportivas, em geral, e aos membros ordinários da Federação de Patinagem de Portugal designados no artigo 15º nos estatutos da Federação de Patinagem de Portugal; d) Colaborar nos cursos de formação de treinadores e promover acções de formação contínua dos mesmos, de acordo com as directrizes da FPP ou outras entidades; e) Prestar, quando solicitada, o apoio técnico possível aos Clubes das modalidades da Patinagem; f) Colaborar com outras Associações Nacionais ou Estrangeiras que tenham fins similares; g) Promover todas as tarefas de carácter complementar às já referidas e que contribuam para o melhor cumprimento do espírito e objectivo da Associação” – cfr. doc. 3 junto com requerimento inicial;
18) No documento anexo à escritura (i.e. nos novos estatutos da contra-interessada), passou a constar no artigo 1º, alínea b), o seguinte:
A Associação Nacional de Treinadores de Patinagem ANTP, é uma associação que agrupa todos os treinadores intervenientes no processo de treino das disciplinas que estão na alçada da W… e que têm ou podem vir a ter representatividade em Portugal através da Federação de Patinagem de Portugal” – cfr. doc. 3 junto com o requerimento inicial;
19) Por mensagem de correio electrónico de 29 de Julho de 2020, a Confederação Portuguesa das Associações de Treinadores comunicou a homologação do pedido de filiação da demandante naquela entidade – cfr. doc. 11 junto com o requerimento inicial;
20) Por carta datada de 29 de Setembro de 2020, a demandante solicitou ao Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da demandada informações relativamente à convocatória para a realização da Assembleia-Geral, nomeadamente se na mesma constavam efectivamente os pontos referentes à candidatura da demandante, incluindo o exercício do direito nos termos nº 4 do artigo 13º dos Estatutos da demandada (referente ao candidato poder intervir para expor os motivos da sua candidatura, expressamente solicitado no pedido de filiação) – cfr. doc. 12 junto com o requerimento inicial;
21) Em resposta de 21 de Outubro de 2020, o Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da demandada refere que:
(…) Relativamente ao pedido constante desse documento, importa sublinhar que o mesmo obteve já "resposta", uma vez que a convocatória para a próxima AG da FPP – que ocorrerá no próximo dia 31 de Outubro, no hotel Z…, em Lisboa – foi entretanto publicamente divulgada. Como certamente teve ocasião de confirmar, o ponto relativo à admissão da associação que V. Exª preside faz parte da respectiva ordem de trabalhos. Neste sentido, e em obediência ao disposto no nº 4 do artigo 13º dos Estatutos da FPP, aproveito também a oportunidade de informar V. Exª que poderá, querendo, intervir na Assembleia-Geral para expor os motivos da sua candidatura, que terá a duração máxima de 5 minutos (…)” – cfr. doc. 13 junto com o requerimento inicial;
22) A demandante nunca recebeu nem foi notificada de qualquer convocatória para a Assembleia Geral em causa.
23) Em 23 de Outubro de 2020 a demandante solicitou por escrito ao Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da demandada o seguinte:
Contrariamente ao que seria expectável, procurámos – hoje – no site da FPP a convocatória da próxima Assembleia-Geral da Federação de Patinagem de Portugal, que, como disse, foi designada para o próximo dia 31 de Outubro, no entanto não encontramos o antedito documento. Será possível informar-nos onde poderemos obter a convocatória da próxima Assembleia-Geral da FPP? Na sequência da comunicação do email que respondemos, de que podemos intervir na Assembleia-Geral para expor os motivos da nossa candidatura, informamos que pretendemos estar presentes para o apontado fim. Nessa conformidade, rogamos a V. Exª que nos informe quais os procedimentos de credenciação que deveremos realizar para intervir na Assembleia-Geral” – cfr. doc. 14 junto com o requerimento inicial;
24) Em 27 de Outubro de 2020, um delegado da demandada enviou à demandante a convocatória da Assembleia-Geral a realizar no dia 31 de Outubro de 2020 (sábado) – cfr. doc. 15 junto com o requerimento inicial;
25) De acordo com a convocatória, a referida Assembleia teria lugar no Hotel V…, sito na Rua I…., número …, em Lisboa, com início imediatamente a seguir à Assembleia-Geral anterior e com a seguinte “Ordem de Trabalhos”:
1. Leitura, Discussão e Votação das Actas nºs 1, 2, 3 e 4/2020, das Assembleias-Gerais anteriores; 2. Votação da alteração Estatutária da ANTHP – Associação Nacional de Treinadores de Hóquei em Patins para ANTP – Associação Nacional de Treinadores de Patinagem e respectiva actualização como Membro Ordinário da FPP; 3. Pedido de Filiação como Membro Ordinário da FPP, da ATPA Portugal – Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal; 4. Votação da Alteração ao Artigo 15º, ponto 1.2.3 e Artigo 49º, ponto 1.5 dos Estatutos da FPP; 5. Esclarecimento e análise de assuntos de interesse da Patinagem (…)” – cfr. doc. 15 junto com o requerimento inicial;
26) Em 26 de Outubro de 2020, e por solicitação do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da demandada, o Conselho de Justiça da demandada emitiu o “Parecer número 2/2020 da época 2020/2021”, sobre a “admissão da Associação Nacional de Treinadores de Patinagem Artística como Membro Ordinário da FPP”, no qual refere, entre o mais, o seguinte:
(…) importa sublinhar que não cabe a este Conselho de Justiça sindicar a validade formal e substancial da constituição da predita Associação, de acordo com os preceitos do ordenamento jurídico português concretamente aplicáveis. Assim, no pressuposto que a constituição da Associação Nacional de Treinadores de Patinagem Artística cumpre todos os requisitos de ordem formal e substancial plasmados na legislação em vigor, este Conselho de Justiça pronuncia-se favoravelmente à pretensão deduzida e, assim, emite parecer favorável à sua admissão como Membro Ordinário da Federação de Patinagem de Portugal, nos termos das disposições estatutárias supra aludidas. Neste conspecto, nos Estatutos deverá ser acrescentado o número 1.2.5 no artigo 15º, nº 1, e no ponto 49º, nº 1, ponto 1.5, onde será inserida menção a esta nova Associação. Este parecer foi votado favoravelmente por unanimidade” – cfr. doc. 16 junto com o requerimento inicial;
27) E, em 27 de Outubro de 2020, também a pedido do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da demandada, o Conselho de Justiça da demandada emitiu o “Parecer número 1/2020 da época 2020/2021”, sobre a “alteração da denominação da ANTHP – Associação Nacional de Treinadores de Hóquei em Patins para ANTP – Associação Nacional de Treinadores de Patinagem e respectiva actualização como Membro Ordinário da FPP”, no qual refere, entre o mais, o seguinte:
(…) importa sublinhar que não cabe a este Conselho de Justiça sindicar a validade formal e substancial da alteração proposta, de acordo com os preceitos do ordenamento jurídico português concretamente aplicáveis.
Assim, no pressuposto que a alteração da denominação solicitada cumpre todos os requisitos de ordem formal e substancial plasmados na legislação concretamente aplicável, este Conselho de Justiça pronuncia-se favoravelmente à pretensão deduzida: a alteração do ponto 1.2.3. do artigo 15º, ponto 1.5. do artigo 49º dos Estatutos da FPP, de forma que aí asse a constar ANTP – Associação Nacional de Treinadores de Patinagem. Este parecer foi votado favoravelmente por unanimidade” – cfr. doc. 16 junto com o requerimento inicial;
28) Em 27 de Outubro de 2020, a demandada enviou à demandante uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor:
O Conselho de Ministros reunido em 22.10.2020, aprovou uma resolução que determina a proibição de circulação entre diferentes concelhos do território continental no período entre as 00h00 de 30 de Outubro e as 23h59 de dia 3 de Novembro, que colide directamente com a data de realização da Assembleia Geral que se encontra designada para o próximo dia 31.10.2020. Assim, tendo em consideração as restrições à livre circulação no período supra referido, adiam-se as Assembleias Gerais para o próximo dia 07.11.2020. Nos termos do disposto no artigo 57º dos Estatutos da FPP, são os seus Membros convocados para comparecerem na ASSEMBLEIA-GERAL a realizar-se no próximo dia 07 de Novembro de 2020, (sábado), no Hotel V…, sito na Rua I…, número …, em Lisboa, a qual terá início às 09H30. Se à hora mencionada para o início da Assembleia-Geral a mesma não puder reunir por falta de quórum, reunirá trinta minutos depois, com qualquer número de presenças. Mantêm-se inalteráveis as ordens de trabalho referentes às Assembleias-Gerais. Serve o presente para comunicar e informar V. Exª de que, conforme mail enviado no dia 20.10.2020, o ponto relativo à admissão da associação que V. Exª preside faz parte da respectiva ordem de trabalhos. Neste sentido, e em obediência ao disposto no nº 4 do artigo 13º dos Estatutos da FPP, fica V. Exª notificado de que poderá, querendo, usar da palavra na Assembleia-Geral para, numa breve intervenção, expor os motivos da sua candidatura. Tendo em consideração as regras estatutárias e respectivo regulamento, V. Exª será admitido na sala onde ocorrerá a Assembleia-Geral, no momento em que se discutirá o ponto relativo à admissão da associação APTA Portugal, que se presume ocorra por volta das 11.00 (07.11.2020). Finda a sua intervenção terá de abandonar a sala, para o prosseguimento da respectiva ordem de trabalhos” – cfr. doc. 17 junto com o requerimento inicial;
29) Em 4 de Novembro de 2020, a demandante recebeu um nova mensagem de correio electrónico da demandada com o seguinte teor:
Dada a situação pandémica o Conselho de Ministros reunido em 31.10.2020, aprovou uma resolução que determina a proibição de circulação entre diferentes concelhos do território continental no período compreendido entre das 00h00 do dia 4 de Novembro de 2020 até às 23h59 do dia 15 de Novembro de 2020, que colide directamente com a data de realização da Assembleia Geral que se encontra designada para o próximo dia 07.11.2020. Assim, tendo em consideração as restrições à livre circulação no período supra referido, a Assembleia-Geral onde consta o ponto relativo à admissão da associação a que V. Exª preside é adiada sine die” – cfr. doc. 18 junto com o requerimento inicial;
30) A realização da Assembleia Geral da demandada foi convocada para o dia 27 de Março de 2021, pelas 09h30m – cfr. doc. 19 junto com o requerimento inicial;
31) Por mensagem de correio electrónico do dia 1 de Março de 2021, a demandante solicitou ao Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da demandada confirmação sobre a realização efectiva da Assembleia-Geral, e, em caso afirmativo, que indicasse também a data e o local da mesma, bem como pediu informações sobre como proceder para efectivar a sua intervenção na Assembleia-Geral acerca dos motivos da respectiva candidatura – cfr. doc. 20 junto com o requerimento inicial;
32) No dia 25 de Março de 2021, o Presidente da demandante foi informado que a hora prevista para a entrada da demandante na Assembleia-Geral seria pelas 11H15, via “Microsoft Teams” – cfr. doc. 21 junto com o requerimento inicial;
33) Em 27 de Março de 2021, pelas 11 horas, realizou-se a dita Assembleia-Geral da demandada, através de meios electrónicos/plataforma de comunicação “Microsoft Teams” a partir da sua sede social, com vários pontos na Ordem de Trabalhos – cfr. Acta nº 2/2021, junta como doc. 1 com a contestação;
34) Nessa Assembleia-Geral estiveram presentes 48 delegados, conforme menção na Acta nº 2/2021 – cfr. doc. 1 junto com a contestação;
35) Resulta do teor da Acta nº 2/2021 que, após a votação do Ponto 1. da Ordem de Trabalhos, o Presidente da Mesa da Assembleia-Geral “Passou de imediato ao ponto nº 2 e nº 3 da Ordem de trabalhos, dando a oportunidade quer ao delegado da Associação Nacional de Treinadores de Hóquei em Patins (ANTHP), quer à Associação Nacional de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal (ANTPAP) de fazerem uma curta intervenção, no máximo de tempo de 5 minutos, concedido ao abrigo do nº 2 do artigo 12º dos Estatutos”;
36) Em conformidade, na Assembleia-Geral de 27 de Março de 2021, e em momento anterior à discussão dos Pontos 2 e 3 da Ordem de Trabalhos (cfr. páginas 4 a 7 da Acta nº 2/2021), o Presidente da demandante entrou na reunião e expôs motivos da candidatura à filiação da demandante na demandada, nos termos que melhor se acham descritos na Acta nº 2/2021 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
37) De seguida, foi retirado ao Presidente da demandante o acesso via Teams ao desenrolar da Assembleia-Geral, não tendo este participado ou assistido à discussão do Ponto 3 da Ordem de Trabalhos;
38) No momento em que ia ser discutido o referido Ponto 3 – relativo ao pedido de admissão como membro ordinário da ora demandante – foi previamente apresentado à Assembleia-Geral, pelo Dr. P…, Secretário da Mesa da Assembleia-Geral, o pedido de admissão da demandante, o qual respondeu a questões colocadas pelos delegados presentes na Assembleia-Geral – cfr. Acta nº 2/2021, páginas 7 e segs., e artigos 13º e 14º da contestação;
39) Os delegados da Associação de Patinagem do Minho, J… e D… requereram a palavra para apresentar uma proposta em nome daquela Associação, o que fizeram de imediato, por correio electrónico dirigido à Mesa da Assembleia-Geral, e cujo teor é:
À Mesa da Assembleia Geral
PROPOSTA Os Delegados da Assembleia geral J…, e D… da AP Minho, vêm apresentar à Mesa da Assembleia geral a seguinte proposta: a) Considerando que foi aprovada a alteração Estatuária da ANTHP para a ANTP e a respectiva actualização com membro ordinária da FPP; b) Considerando que esta alteração vai no sentido correcto de agregação e unidade dos agentes da Classe dos treinadores de Patinagem a bem da instituição FPP; c) Considerando que o pedido de filiação como membro Ordinário da FPP da ATPA Portugal (Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal) vai no sentido oposto, de especialização e divisão entre treinadores de patinagem; d) Considerando este pedido prejudicado pela aprovação do ponto 2 da Ordem de trabalhos propomos:
1 – Que seja retirada da Ordem de Trabalhos o ponto 3 da Votação do pedido de filiação como Membro Ordinário da FPP da Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal;
2 – Que seja alterado o ponto 4 de Ordem de Trabalhos retirando do artigo 15º o ponto 1.2.5 (ATPA Portugal) e do artigo 49º retirada a redacção que inclui o ponto 3 da Ordem de Trabalhos:
Os Delgados Da APM J…” – cfr. Acta nº 2/2021, página 8;
40) Após breves alocuções de alguns dos delegados presentes na Assembleia-Geral, o Presidente da Mesa da respectiva Assembleia declarou o seguinte:
O Presidente da MAG declarou que a Mesa da AG tem a responsabilidade de regular os trabalhos e compete à Assembleia decidir. Sobre os restantes temas, pareceres e afins, não tem que ter opinião. E que muito embora o associativismo seja livre, e um princípio constitucional, a Assembleia é soberana, sendo a admissibilidade no seio da Federação é assunto completamento distinto.
Aproveitou para sugerir aos delegados pensar que sobre o “tecto” da W…, e a Federação para aí caminha, alberga 11 disciplinas, neste momento tem 6 disciplinas, numa prova aritmética, como é que vai dividir por 6 associações, os 5 votos que tem atribuídos, e que o Sr. P…, na sua interpelação, deu a entender a mesma questão”;
41) De seguida, o Presidente da Mesa Assembleia-Geral entendeu submeter a votação a admissibilidade da proposta da Associação de Patinagem do Minho, a fim de ser ou não admitida a votação, cujo resultado foi:
• Votos contra: 1 voto contra de 1 delegado, Sr. R… da AP Alentejo;
• Abstenções: Sem abstenções (0);
42) Consequentemente, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral declarou a admissibilidade da proposta aprovada por maioria e com um voto contra;
43) Foram ainda prestados esclarecimentos complementares aos delegados presentes na Assembleia Geral, tal como segue:
De seguida após a leitura da proposta dos delegados da AP Minho, que aqui se reproduziu, foi passada a palavra ao Dr. P…. O Dr. P… esclareceu novamente, do ponto jurídico, que compete à MAG garantir a legalidade da ordem de trabalhos, e que do ponto vista jurídico a aprovação da proposta apresentada pela AP Minho pretendia que fosse retirado da ordem de trabalhos o ponto 3, ou seja, que não seja discutida e votada a proposta de admissão da nova associação ANTPA, o que tecnicamente poderá ser considerada uma “questão prejudicial”, na medida em que se a proposta for votada favoravelmente, a consequência jurídica é que os delegados da AG decidiram retirar o ponto e não discutir o ponto da ordem de trabalhos.
Ao invés, se a proposta for chumbada, passar-se-á à questão da votação do ponto 3; se a proposta for votada favoravelmente, o ponto é retirado e pode ser submetida em nova AG; se a proposta for rejeitada, passamos de imediato à votação do ponto 3” – cfr. Acta nº 2/2021, página 9;
44) Colocada tal proposta a votação, esta mereceu 4 votos contra e 24 abstenções, tendo assim sido aprovada, por maioria, a retirada do Ponto 3 da Ordem de Trabalhos da Assembleia-Geral em causa.

B – DE DIREITO
11. Como decorre do acima exposto, a decisão arbitral impugnada, datada de 23-3-2022, concedeu provimento à acção interposta pela Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal e anulou a deliberação da Assembleia-Geral da Federação de Patinagem de Portugal, de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP, aqui demandada, tendo ainda condenado a demandada a:
b.1) votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva direcção, salvo se outra circunstância a isso obstar, mas sem reincidir nos vícios determinantes da anulação, e,
b.2) convocar e realizar uma Assembleia-Geral para o fim assinalado no ponto anterior, em prazo não superior a 30 (trinta) dias.
12. A recorrente aceita e, como tal, não contesta, o segmento da decisão recorrida que anulou a deliberação da sua Assembleia-Geral, tomada em 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP, restringindo o objecto do recurso aos segmentos b.1) e b.2) do acórdão arbitral, que a condenou (i) a votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva Direcção, salvo se outra circunstância a isso obstar, mas sem reincidir nos vícios determinantes da anulação, e (ii) a convocar e realizar uma Assembleia-Geral para o fim assinalado no ponto anterior, em prazo não superior a 30 (trinta) dias.
13. Comecemos então por apreciar se ocorre a invocada nulidade da decisão arbitral, por absoluta falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 94º, nºs 2 e 3 do CPTA e artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPCivil, este último aplicável “ex vi” do artigo 1º do CPTA, por remição do artigo 61º da Lei do TAD, já que a mesma não contém qualquer fundamentação que sustente o segmento decisivo constante da alínea b) do dispositivo.
Vejamos.
14. Diz-nos o nº 1 do artigo 615º do CPCivil que a sentença é nula quando (b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. É pacífico na doutrina a na jurisprudência o entendimento quanto à caracterização da nulidade prevista no aludido artigo, no sentido de tal vício ocorre na construção lógica da decisão quando o julgador concluiu num sentido oposto/ou diverso do que resultaria face aos fundamentos nela indicados, isto é, perante os alicerces dessa decisão.
15. No caso presente, não foi manifestamente isso que ocorreu. Com efeito, o que ocorreu foi que perante o juízo a que a decisão arbitral chegou, no sentido de que a deliberação da assembleia geral da Federação de Patinagem de Portugal, de 27 de Março de 2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP, violava a lei e, por isso, devia ser anulada, tal juízo anulatório impunha também a condenação da dita assembleia geral a votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva direcção, e também, previamente, a convocação e a realização duma assembleia-geral para o fim assinalado, em prazo não superior a 30 (trinta) dias.
16. Dito de outra forma, entendeu o colégio arbitral que uma das consequências da anulação da deliberação recorrida consistiria na condenação da assembleia geral da recorrida a votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário da demandada. Ora, tal não colide, em termos de coerência lógica, com a premissa de que partiu. Essa conclusão poderá é não ter arrimo nas normas jurídicas aplicáveis ao caso, mas isso não inquina o decidido com o desvalor da nulidade.
17. Aliás, conforme resulta do posicionamento da recorrente, a questão que colocou como constituindo nulidade do acórdão arbitral situa-se em parâmetro que não assume assento no domínio dos vícios de decisão, porquanto na sua perspectiva o diferendo está ancorado no desacerto da decisão, ou seja, no âmbito do erro de julgamento, na medida em que a sua discordância se reporta à solução de direito acolhida no dispositivo da decisão arbitral.
18. Improcede, por conseguinte, a apontada nulidade.
19. E, aqui chegados, resta apenas apreciar se a condenação constante do segmento decisivo da alínea b) do dispositivo viola os princípios constitucionais relativos ao exercício de direitos pessoais e livres, nomeadamente o de voto, nomeadamente os ínsitos nos artigos 18º, 19º, 22º, 26º e 46º da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 12º e 57º dos Estatutos da recorrente.
20. Neste particular, sustenta a recorrente que a admissão da demandante como membro ordinário da recorrente não foi alvo de qualquer deliberação pela AG, logo, sendo anulada a decisão que retirou tal deliberação de admissão da ordem de trabalhos, a consequência de tal anulação, é a inclusão na Ordem de Trabalhos da próxima Assembleia Geral da recorrente, do ponto relativo ao pedido de admissão da demandante enquanto membro ordinário da ora recorrente, de modo a que a AG possa votar tal admissão, nos termos do disposto no artigo 12º, nºs 1 e 2 dos respectivos estatutos.
21. E, por outro lado, porque não tendo sido ainda sujeita a votação pela AG o pedido de admissão da demandante, desconhece-se qual será a votação, não tendo de momento o tribunal recorrido qualquer elemento factual para condenar a recorrente nos termos constantes da decisão arbitral recorrida ou, no limite, a admitir, tout court a demandante.
Vejamos se os argumentos aduzidos pela recorrente se mostram acertados.
22. Conforme resulta do probatório, o dissídio que opõe demandante e demandada circunscreve-se ao ocorrido na AG da Federação de Patinagem de Portugal, que teve lugar no dia 27-3-2021, mais concretamente à deliberação aí tomada, no sentido de retirar da ordem de trabalhos a votação do pedido de admissão da demandante como membro ordinário da FPP (cfr. ponto 3 da Ordem de Trabalhos de págs. 4 a 7 da Acta nº 2/2021).
23. O colégio arbitral constituído no seio do TAD entendeu que tal deliberação era ilegal, por violação do disposto nos artigos 54º, 1.1.6, 59º, 8 (a contrario), dos Estatutos da demandada, bem como dos artigos 7º, nºs 1 e 2, 9º, nºs 5 e 6 e 10º, nºs 3, 3.1 e 3.2, do Regulamento Geral da demandada, e também os artigos 3º, nºs 1, 2, 3, 4, alínea e), 4º e 27º do Regulamento Eleitoral da demandada e, como tal, anulou a mesma, decisão com a qual a recorrente concorda.
24. A discordância da recorrente limita-se ao decidido no ponto b.1) do dispositivo do acórdão arbitral, no qual foi decidido condenar a demandada (em bom rigor, a assembleia geral da demandada) a “votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro o ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva direcção”.
25. Conforme decorre do disposto no artigo 11º, nº 1 dos Estatutos da recorrente, “a Federação de Patinagem de Portugal não pode recusar a inscrição de agentes desportivos, clubes ou sociedades desportivas com sede em território nacional, desde que preencham as condições regulamentares de filiação e participação definidas nos termos dos seus estatutos e regulamentos em vigor”.
26. Porém, de acordo com o disposto no artigo 12º, nºs 1 e 2 desses mesmos Estatutos, compete à assembleia-geral da Federação de Patinagem de Portugal decidir quanto à admissão, suspensão ou expulsão de um membro nos termos dos seus estatutos e regulamentos em vigor, decisão essa que está dependente da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na assembleia-geral, quer esta reúna em primeira ou em segunda convocação.
27. Deste modo, tal como salienta a recorrente, uma vez que a sua assembleia geral não chegou a deliberar sobre o pedido de admissão da recorrida, pois esse ponto foi retirado da respectiva ordem de trabalhos, o determinado no ponto b.1) do dispositivo do acórdão arbitral teria como consequência retirar aos delegados a sua liberdade de voto, porquanto seriam obrigados a votar num determinado sentido, que seria o da admissão da recorrida, sendo certo que de acordo com o nº 2 do artigo 12º dos Estatutos da recorrente a admissão de um membro não opera de forma automática, estando antes sujeita a votação e aprovação por três quartos dos votos dos delegados presentes, ou seja, a uma votação com maioria qualificada dos presentes.
28. Finalmente, e não menos importante, haverá que atentar no princípio da divisão ou da separação de poderes, o qual embora não implique uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração, pressupõe uma proibição funcional do juiz afectar a essência do sistema de administração executiva, ou seja, de abstenção da ofensa da autonomia do poder administrativo (o núcleo essencial da sua discricionariedade), enquanto medida definida pela lei daquilo que são os poderes próprios de apreciação ou decisão conferidos aos órgãos da Administração (cfr. artigos 3º, nºs 1 e 3, 71º, nº 2, 95º, nº 3, 167º, nº 6, 168º, nº 3 e 179º, nºs 1 e 5 todos do CPTA, preceitos estes dos quais claramente se infere a preocupação do legislador em assegurar ou mesmo reservar/preservar os denominados “espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa).
29. Assim, estando previsto no nº 2 do artigo 12º dos Estatutos da recorrente que a admissão de um membro não opera de forma automática, estando antes sujeita a votação e aprovação por três quartos dos votos dos delegados presentes, ou seja, a uma votação com maioria qualificada dos presentes, não podia o TAD condenar, como condenou, a recorrente – na verdade, a assembleia-geral da recorrente – a votar favoravelmente uma qualquer proposta que lhe fosse apresentada com vista à admissão de um novo membro, sob pena da ofensa da autonomia do poder deliberativo daquela federação.
30. Como sublinha Vieira de Andrade, “o respeito pela atribuição legal do poder discricionário impede (…) que o tribunal possa ir além da condenação da Administração ao cumprimento estrito das imposições normativas decorrentes da lei ou dos princípios jurídicos na situação concreta, isto é, possa tomar decisões além das vinculações jurídicas que tornam devida a actuação administrativa (…) devendo limitar-se a uma condenação genérica ou directiva” (cfr. “A Justiça Administrativa”, 14ª edição, Almedina, 2015, págs. 82-87).
31. E, sendo assim, o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento ao determinar no seu dispositivo a condenação da assembleia-geral da demandada, e aqui recorrente, a votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário daquela, porquanto tal condenação viola não só o disposto no artigo 12º, nº 2 dos Estatutos da recorrente, que determina que a admissão, suspensão e expulsão de um membro depende da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na assembleia-geral, como também o disposto no artigo 59º, nº 2 dos mesmos Estatutos, que dispõe que as deliberações da assembleia-geral são tomadas à pluralidade de votos, e ainda o princípio da separação de poderes.
32. Procede, nos termos sobreditos, o recurso interposto pela Federação de Patinagem de Portugal.

IV. DECISÃO
33. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar o decidido no ponto b.1) do dispositivo do acórdão arbitral, no qual foi decidido condenar a demandada a “votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro o ordinário da demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respectiva direcção”.
34. Custas a cargo da recorrida.
Lisboa, 8 de Setembro de 2022
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)