Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:866/12.1 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA.
PRÉMIOS DE SEGURO.
Sumário:I Viola o princípio da especialização dos exercícios a imputação no exercício em causa dos encargos incorridos quando os mesmos não são proporcionados à dotação do Fundo de Pensões e ao plano de amortização, subscrito pelo contribuinte, ainda que os pagamentos efectuados sejam superiores ao previsto.

II. No quadro do regime de preços de transferência, os empréstimos inter-bancários podem ter por referência a taxa Euribor, adaptada à maturidade do empréstimo.

III. Os prémios de seguro relativos a apólices cujo objecto é a actividade de gestão dos administradores da empresa não são custos dedutíveis na esfera desta última.

IV. Os riscos relativos a eventos relacionados com indemnizações por danos causados a terceiros, por ocasião do exercício da actividade da empresa são seguráveis.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
A Caixa ………………….., S.A., deduziu impugnação judicial contra os actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC) IRC n.º …………..126, da subsequente demonstração de acerto de contas n.º ………….451, das demonstrações de liquidação de juros compensatórios e de mora, e da compensação nº …………290, referentes ao exercício de 2008, no valor global de €8.621.134,42, peticionando a anulação das notas de liquidação e a sua substituição por outras, com a consequente restituição do indevidamente pago, a título de tal liquidação no montante de €5.803.309,78, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 753 e ss. (numeração no processo em formato digital-sitaf), datada de 10/11/2017, julgou a impugnação parcialmente procedente e, em consequência, anulou “ parcialmente o ato de liquidação na parte relativa (i) a encargos não dedutíveis com prémios de seguros na proporção de 93%; (ii) indemnizações por eventos seguráveis; (iii) majoração de donativos nos termos expostos; com as legais consequências: reconstituição da situação tributária da Contribuinte”.
Desta sentença foi interposto recurso pela Caixa ……………., S.A., e pela Fazenda Pública na parte, em que a mesma, lhes foi desfavorável, conforme respetivas alegações de fls. 859 e ss. e de fls. 961 e ss. (numerações no processo, em formato digital-sitaf).
No que respeita ao recurso interposto pela Caixa ………….., S.A., a mesma expendeu as conclusões seguintes:
a) Atendendo à documentação junta aos autos, quer pela ora Recorrente, quer pelos Serviços de Inspeção Tributária, assim como ao teor da contestação apresentada e à prova testemunhal produzida, deverão ser acrescentadas à factualidade assente duas alíneas, com a seguinte redação:
” S) Nos exercícios de 2000 a 2008 a Recorrente procedeu à imputação e desimputação de lucros, relativos ao Banco …………….., SARL, nos moldes discriminados nos quadros seguintes:

«Quadros no original».
No cômputo dos exercícios de 2000 a 2005, n impugnante procedeu à imputação de lucros no valor total de €6.930.566,21 e, nos exercícios de 2002 a 2008, a impugnante procedeu à dedução de lucros distribuídos no valor total de €6.380.754,03.
O montante total de lucros imputados ainda não deduzidos ao montante total do lucro tributável é de €549.812,18.
T) No exercício de 2008, o custo médio de funding da impugnante foi o que consta do quadro abaixo:

«Quadro no original».

QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:
b) Os valores associados aos custos com "reformas antecipadas" são considerados como custo fiscal da empresa, nos termos do art. 23º do Código do IRC;
c) A única interpretação possível, que poderá decorrer das disposições conjugadas dos arts. 18° e 23º do Código do IRC, é a de que, mesmo que as responsabilidades com reformas antecipadas sejam transferidas para Fundos de Pensões, o custo àquelas associado apenas poderá ser reconhecido, para efeitos fiscais, em obediência ao princípio da especialização de exercícios, quando ocorra o dispêndio efetivo dos montantes assim transferidos para o fundo de pensões, ou seja, quando este pague aos reformados antecipadamente os valores das respetivas prestações de reforma antecipada;
d) Não procede, por isso, o argumento considerado pelo Ilustre Tribunal a quo, no sentido de que a ora Recorrente, por ser uma instituição de crédito, deve obediência às orientações do Banco de Portugal e tem, por isso, de reconhecer como custos os montantes que resultarem do plano diferido de amortização;
e) As regras emanadas do Banco de Portugal - Avisos n.ºs 6/95 e 12/2001 - são regras de relevação contabilística de custos e não regras de aceitação fiscal de custos, devendo o sujeito passivo, para efeitos de apuramento do resultado fiscal, proceder às pertinentes correções à contabilidade;
f) Não se pode deixar de entender que o valor a considerar como custo deve ser sempre o valor efetivamente suportado, seja este inferior ou superior ao que resultaria da imputação de um décimo dos encargos contabilizados, ao abrigo das regras impostas pelo Banco de Portugal;
g) A Autoridade Tributária, ao aceitar, no âmbito do procedimento inspetivo levado a cabo ao exercício de 2008 da ora Recorrente, como custo fiscal da C…, apenas um custo contabilístico - ou seja, o valor da dedução prevista, para o ano de 2008, no âmbito do plano de amortização do ex-B… -, sem considerar o custo efetivo, ignorou o disposto nos art. 18º e 23º do Código do IRC, o que a sentença Recorrente, embora indevidamente, sancionou;
h) A ora Recorrente deverá, assim, ser reconhecido o direito a deduzir ao seu lucro tributável, relativo ao exercício de 2008, uma variação patrimonial negativa, no montante de € 9.007.839,25, correspondente aos valores pagos, em tal exercício, pelo Fundo de Pensões aos reformados antecipadamente do ex-B…, anulando-se, assim, nesta parte, a douta sentença recorrida e, consequentemente, a correção determinada pelas Autoridades Fiscais no montante de € 4.254.295,29;
i) A douta sentença recorrida, por manter esta correção, padece de vício de violação, designadamente, do disposto nos arts. 18º e 23º do Código do IRC, pois recusa a aplicação do princípio da especialização dos exercícios e da tributação pelo lucro real, que pressupõe, necessariamente, também a consideração dos custos efetivos suportados pelo sujeito passivo;
j) A correção a título de preços de transferência padece de ilegalidade, uma vez que, desde logo, pressupõe a aplicação do referido regime numa situação que, em rigor, é de reforço de capital, e, ainda que o fosse, o método de determinação do preço eleito pela Autoridade Tributária não é o mais adequado, devendo, antes, nessa eventualidade, lançar-se mão do método do custo majorado;
k) A ideia de que apenas as empresas que atravessem dificuldades financeiras podem beneficiar de reforços de capital não é compreensível, visto serem múltiplas e diversas as situações, no quadro da correta gestão empresarial, que podem justificar o reforço do capital de uma sociedade, designadamente expansão de atividade, melhoria de balanço num quadro de futura entrada no mercado bolsistas ou perspetiva de alienação;
l) É firme entendimento da ora Recorrente que a existência de um empréstimo subordinado, nas condições vigentes, em nada difere de uma rubrica de capital, não recolhendo a C…. quaisquer benefícios nessa qualificação por contraponto à sua efetiva conversão em capital, estando em questão uma mera formalidade.
m) Ainda que se entenda, o que se admite à cautela e sem conceder, que estamos perante uma situação enquadrável no regime dos preços de transferência, há que optar pelo método de fixação do preço mais adequado, que não é o do preço comparável de mercado, mas sim o método do custo majorado;
n) A determinação de preços deve ser efetuada de acordo com uma metodologia específica, cujo critério fundamental é o da comparabilidade, ao mais elevado grau, com operações substancialmente análogas realizadas entre partes independentes e que é alcançável, sempre que possível, através dos métodos transacionais identificados na Portaria n.º 446-C/2001: método do preço comparável de mercado, método do preço de revenda minorado ou método do custo majorado.
o) Contudo, para a aplicação dos referidos métodos, é necessário que as características económicas das situações em apreço sejam comparáveis e, atendendo às características concretas da operação em apreço, não é possível identificar uma, com entidades terceiras, que permita a correta aplicação do método do preço comparável de mercado;
p) Isto porque, note-se, assegurar o grau mais elevado de comparabilidade não é, apenas, identificar um referencial de práticas de mercado (Euribor a 12 meses), sem curar de avaliar a sua comparabilidade, face às características da operação de financiamento celebrada entre a Recorrente e a Caixa ……….. SGPS;
q) E, por outro lado, não é verdade que os agentes económicos que atuam neste sector definam o seu preço na concessão de créditos com base na taxa Euribor de referência, seja qual for a sua maturidade, adicionada de um spread, mas antes procurem apurar o seu efetivo custo de funding, o qual resulta, para além do custo suportado no mercado monetário interbancário, de custos com outras divisas, taxas passivas suportadas na captação de depósitos, entre outros;
r) Na medida em que o principal indicador de rendibilidade da atividade da Recorrente é o seu retorno sobre os gastos incorridos, medido através do diferencial entre as taxas de juro suportadas e as taxas de juro auferidas na sua atividade, bem como o facto da metodologia de construção do preço praticada pela Recorrente em qualquer operação de financiamento (quer a entidades relacionadas, quer a entidades independentes), ter subjacente os seus gastos, consideramos que a metodologia de preços de transferência mais apta a aferir dos termos e condições praticados na concessão do empréstimo subordinado à Caixa …………e Saúde é o método do custo majorado;
s) Este método, na medida em que privilegia menos a comparabilidade do produto e mais as funções, riscos e ativos utilizados por cada uma das partes intervenientes na operação vinculada permite, ainda, a realização de ajustamentos à margem de lucro bruto, no sentido de melhorar os fatores de comparabilidade face à operação não vinculada comparável;
t) O risco de crédito que a Recorrente atribui às entidades mutuárias das operações identificadas como melhores comparáveis, é o fator que releva para efeitos de realização de eventuais ajustamentos que se revelem necessários, ao nível da margem de lucro bruto da operação vinculada;
u) Tal risco assume uma significância imaterial na esfera da ora Recorrente, face à sua participada, designadamente, ao nível da sua probabilidade de ocorrência e previsibilidade;
v) Acresce ainda referir que a própria Euribor subjacente àquelas operações já comporta, de per si, uma margem de lucro;
w) Torna-se, então, necessário aferir a rentabilidade efetiva da Recorrente na operação em análise, a qual não advém, diretamente, da operação de concessão de fundos, mas dos vários produtos/serviços bancários contratualizados entre as partes; mas esta composição da rentabilidade e visão agregada de todos os produtos e serviços contratados com determinado cliente é transversal a toda a clientela e pesa, sempre, nas concretas condições contratadas;
x) Nestes termos, considera a Recorrente, para efeitos de aplicação dos ajustamentos necessários à aplicação do método do custo majorado interno, e em consonância com as suas normais práticas de mercado, deverá ser ajustado o spread mínimo do intervalo de plena concorrência identificado (0,20%) para 0%, refletindo desta forma a imaterialidade do risco de crédito e cobrabilidade que a Recorrente atribui à Caixa ………… SGPS;
y) Quanto muito, por mera hipótese académica e sem conceder, a aplicação do custo de funding - sem considerar ajustamentos resultantes de uma visão integrada dos produtos contratados com o cliente - conduziria ã redução da correção efetuada para € 6.798.947,00;
z) A douta sentença recorrida, ao manter esta correção, padece de vício de violação, nomeadamente, do disposto no art. 58º do Código do IRC, na medida em que pretende aplicar o regime de preços de transferência a operações de capitalização de sociedades; e, por outro lado, ainda que se pudesse concluir pela aplicação desse regime, sempre se deveria ter reconhecido na sentença que o método do custo majorado é aquele que melhor se adequa à operação em apreço, o que, ao não ter sido feito, constitui violação do disposto, entre outros, na Portaria nº 1449/C/2001;
aa) A ora Recorrente procedeu a uma dedução aos lucros imputados em anos anteriores relativos ao Banco ……………… SARL, estando em causa saber se esta imputação de lucros e posterior dedução funciona de forma estanque, ano a ano, ou se os dividendos recebidos podem ser deduzidos aos valores de lucros imputados em exercícios anteriores, até que se mostre consumido o valor global dos lucros já imputados;
bb) Ora, atendendo à letra da lei, não se pode deixar de entender que o que releva é ter havido, em algum exercício no passado, imputação de lucros e que o respetivo valor não tenha ainda sido objeto de dedução em exercícios subsequentes; ou seja, os dividendos podem ser deduzidos enquanto persistir saldo de lucros imputados não consumido por deduções anteriores;
cc) Isto porque o que aqui está em causa não é uma qualquer correlação entre proveitos e custos; é, sim, a aplicação de um elementar princípio de justiça tributária, segundo o qual o mesmo contribuinte não deverá ser sujeito a tributação sobre o mesmo rendimento duas vezes - primeiro, quando este é meramente presumido, e, depois, quando este se torna efetivo;
dd) Entender em sentido diverso cria, portanto, inaceitáveis situações de dupla tributação;
ee) Deste modo, a douta sentença recorrida padece, no que toca à manutenção desta correção, de vício de violação do disposto no art. 60º do Código do IRC, dado que nega ao sujeito passivo a possibilidade de dedução de lucros já tributados; e, ao fazê-lo, viola igualmente o princípio da tributação pelo lucro real, pois os rendimentos foram obtidos uma única vez e tributados por duas vezes: primeiro quando ficcionados e depois quando recebidos;
ff) Por tudo o exposto, conclui-se que a liquidação em causa padece dos seguintes vícios:
■ Vício de violação do disposto nos arts. 18° e 23º do Código do IRC, ao não aceitar como custos do exercício os encargos efetivamente suportados com reformas antecipadas do ex-B….;
■ Vício de violação do disposto no art. 58º do Código do IRC, ao desconsiderar que a dívida da Caixa ………… perante a C…….., decorrente de empréstimos subordinados concedidos, em 2008, por esta última entidade àquela, assimila-se a quasi capital, figura que, como é por demais sabido, não deverá ser associada a qualquer operação de financiamento para efeitos de aplicação de regras de preços de transferência;
■ Vício de violação do disposto no art. 60° do Código do IRC, ao não permitir a dedução ao montante de lucros anteriormente imputados - e tributados - dos dividendos pagos pelo Banco ………….. SARL.
Termina, pedindo que, por tudo o exposto, a sentença recorrida seja «parcialmente revogada e, consequentemente, anuladas:
- As correções ao lucro tributável da Recorrente, do exercício de 2008, relativas a encargos com reformas antecipadas do ex-B……, de €4.254.295,29, preços de transferência, no valor de € 16.198.401,68, e imputação de lucros de sociedades residentes em países com regime fiscal privilegiado, no valor de € 1.399.767,50, no total de € 21.852.464,47;
- Ou, se assim não se entender, anuladas as correções ao lucro tributável da Recorrente, do exercício de 2008, relativas a encargos com reformas antecipadas do ex-B….., de €4.254.295,29, e imputação de lucros de sociedades residentes em países com regime fiscal privilegiado, no valor de € 1.399.767,50, reduzindo a correção relativa a preços de transferência para €6.798.947,00;
Tudo com as demais consequências legais, nomeadamente a liquidação de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º da Lei Geral Tributária».
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
No que concerne ao recurso interposto pela Fazenda Pública, a mesma na sua alegação, formulou as conclusões seguintes:
a) No sentenciado considerou-se que a Recorrente abandonou os “argumentos inaugurais” que fundamentavam a correção relativa a encargos não dedutíveis com prémio de seguros no montante de €125.352,18. Esse dito abandono foi parcial, ou seja, nunca a AT deixou de entender que “o sujeito passivo não comprovou que o seguro cujo prémio se encontra em debate pretende cobrir a responsabilidade da C.... decorrente da prática de ilícitos pelos seus administradores e colaboradores,” e que o “sujeito passivo não suportou documentalmente a alegação de que é a sociedade a beneficiária do seguro.” (pág. 106 do RIT).
b) A Recorrida não é a beneficiária direta do seguro, mas sim os “segurados e pessoas seguras” indicadas na apólice de seguro indicada no facto provado I), que serão reembolsados pela C……. da eventual indemnização que tenham de pagar a terceiro decorrente de perda ou dano que causem no desempenho das suas funções e pelas quais são os efetivos responsáveis. Pelo que, tal circunstância factual impede a aceitação do sentenciado, na medida em que admitiu o aludido custo, porquanto o mesmo respeita a “prémio de seguro que visa cobrir a responsabilidade por indemnização pela verificação de eventos cujo risco é segurável” (pág. 61 da sentença).
c) A apólice de seguro não cobre riscos inerentes à responsabilidade da Impugnante, mas sim das pessoas seguras e segurados previstos na apólice (facto provado I)), que são aquelas que podem cometer erros ou faltas profissionais cometidas no exercício da sua atividade profissional, mas que têm personalidade e capacidade tributária e jurídica distintas da Recorrida.
d) Consequentemente, o montante pago com o prémio de seguro contratado não constitui um custo fiscal, dado que quanto ao mesmo não se verificam os pressupostos do princípio da indispensabilidade (art. 23º do CIRC), nomeadamente porque estamos perante uma despesa que excede os objetivos ou interesses empresariais, pois o motivo que levou à contratualização deste seguro foi “mitigar o risco pessoal do património do administrador/diretor e não o da C…….” (pág. 31 do RIT), e como tal não é admissível o custo fiscal.
e) Do estatuído sob o art.23º do CIRC “resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.” (acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 01077/08, de 20/05/09 e n.º 0171/11, de 30/05/12), ou seja, é “unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul dados nos processos n.º 01276/06, de 16/10/2007, e n.º 02515/08, de 18/12/2008), o que não acontece na presente situação, visto a Impugnante não ser a beneficiária do seguro, incorrendo, consequentemente, o sentenciado em erro de julgamento de facto e de direito.
f) Considerou também o decidido ser de dar “razão parcial à Impugnante” porque juntou uma declaração emitida pela F…………….., onde é “discriminado a percentagem do prémio relativo à responsabilidade da C……., SA, fixado em 93%” (pág. 61 da sentença). A Recorrente não se conforma com o decidido porque o facto provado R) não sustenta factualmente o decidido, pois deste resulta somente provado que a Companhia de ……………, SA, declarou o conteúdo constante do documento ínsito a fls. 312 em papel.
g) O facto provado R) representa uma daquelas situações em que “a remissão para um documento não tem por finalidade dar como provado todo o seu conteúdo, mas sim que o documento foi elaborado,”, sendo que neste caso “o alcance do facto provado é mais restrito” (“vide” acórdão do TCA Norte, proc. n.º00250/15.3BEPRT, de 12/01/2017).
h) Caso se entenda que pelo Tribunal em primeira instância ficou provado o concreto facto de que “parte do prémio respeitante à impugnante Caixa ………………….., SA é de 93%, sendo o remanescente respeitante às outras empresas do Grupo”, entende-se que este facto deve ser eliminado do probatório (art.640º n.º 1 als. a) e b) e art. 662º n.º 1, ambos do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do art. 2º al. e) e do art. 281º, ambos do CPPT), porque a declaração (fls. 312 do processo físico) que estribou o facto provado R) é um documento particular e presente o seu conteúdo, sem qualquer outro meio probatório que o confirme, não permite que fiquemos convencidos da existência do facto, bem como do mesmo “não resulta necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provadas” (ac. do STJ, Proc. n.º 08A3665, de 09/12/08).
i) Acrescidamente, o documento em causa não prova os factos compreendidos na declaração nele constante, porque não explicita qualquer razão de ser para a atribuição da responsabilidade daquele montante de pagamento no montante de 93% do prémio apenas à Impugnante, o que se afigurava de todo relevante, sendo que as empresas do grupo C…….. identificadas no Anexo 1 da apólice (facto provado I)) são em número superior a cinquenta, e por outro lado, da apólice de seguro se verifica que a maioria dos administradores/gerentes abrangidos pelo seguro não pertencem à C…….., ou seja, têm ligação, isso sim, com outras empresas do grupo, pois os administradores da Impugnante abrangidos são somente onze.
j) Não se mostrando a declaração junta a fls. 312 do processo físico sustentada por quaisquer factos ou dados concretos, não tendo, como tal, qualquer valor probatório, não pode, em consequência, estribar o facto provado R) indicado na sentença, o qual deve ser eliminado, não podendo também por esse efeito sustentar o decido.
k) Na decisão de que se recorre, quanto à correção no valor de €76.000 relativa a “indemnizações por eventos seguráveis” considerou-se que “cabia à Fazenda Pública o ónus da prova de que o evento era segurável” (pág. 64 da sentença), contudo, os factos aludidos no relatório de inspeção e que geraram a obrigação para a Impugnante de pagar a indemnização a um cliente nunca foram colocados em causa, situando-se a discussão ao nível da interpretação do art. 123º n.º 16 al. j) do DL n.º 94-B/98, de 17 de Abril.
l) Face ao legalmente estatuído no Dec. Lei n.º 94-B/98, de 17/04, sob o art. 123º n.º 16 al. j) (“Outras perdas pecuniárias”) a Fazenda Pública provou que a indemnização atribuída ao cliente da Impugnante era um evento segurável, visto tal facto resultar da lei, e como tal, é um facto notório. Não carecendo, assim, de prova, nos termos do art. 412º do CPC (“ex vi” art. 2º al. e) do CPPT). Assim, o sentenciado sofre de erro de julgamento, por exigir a realização de uma prova adicional desnecessária.
m) Por outro lado, o decidido viola do art. 42º n.º1 al. e) e do art. 23º n.º1 al j), ambos do CIRC, porque a exclusão do aludido encargo como custo aceite fiscalmente, tem como pressuposto que poderia ter sido constituído em seguro para ocorrer a esse sinistro que determinou a obrigação de conceder a indemnização e “in casu”, conforme decorre da lei, a Impugnante podia ter constituído o seguro para cobrir “Outras perdas pecuniárias”. Não o tendo feito, não pode o custo ser aceite fiscalmente.
n) Sob o (ex) art. art. 42º n.º1 al. e) do CIRC “Consideram-se, aqui, não só os seguros obrigatórios mas também aqueles que, numa ótica normal de gestão diligente, e tendo em conta a natureza da atividade, a empresa deveria providenciar, por forma a acautelar o risco normal da sua atividade” (…).” (Lições de Fiscalidade”, por Vasco Branco e João Ricardo Catarino), materialidade que foi equacionada na fundamentação da liquidação impugnada e que, sem justificação, com violação da aludida norma, foi ignorada no decidido pelo Tribunal “a quo”.
o) Caso assim não se entenda, o julgado sofre ainda de erro de julgamento porque colocou o ónus da prova de que o evento era segurável na Fazenda Pública, quando, atento o principio da legalidade, a esta cabe, isso sim, o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo sobre os contribuintes apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, enquanto sob a Impugnante recaía o dever de comprovar que o evento não era segurável, nos termos do art. 74° n.°1 da LGT, dado que a mesma se arrogou ao direito à dedutibilidade do custo desconsiderado pela AT, e ainda porque pela AT foi, “fundamentadamente, despoleta(da) a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente,” (conforme resulta precípuo do RIT), consequentemente, à Impugnante, “por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação” (ac. do TCA Sul, proc. n.º 05312/12, de 27/03/12).
p) O vencimento da Autoridade Tributária nesta ação foi superior ao da Impugnante, fixando-se em 99,07% (21.681.239,12*100= 2.186.123,91/22.065.816,65=99,07%), visto que do total do valor das correções impugnadas, que ascende a € 22.065.816,65, nos termos do sentenciado, foi julgada improcedente a impugnação no montante de € 21.861.239,12.
q) A decisão que em primeira instância que fixou a proporção do decaimento, e respetiva responsabilidade pelas custas, em 28% para a Impugnante e em 72% para a Autoridade Tributária, sofre de erro, devendo em consequência ser reformada a sentença quanto a custas (art. 616º n.º 3 do CPC).
r) Requer-se que, nesta instância judicial superior, seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda os € 275.000,00, atendendo a que não se afigura que venham a ser apresentados articulados ou alegações prolixas, e ainda porque as questões a apreciar são menos que as decididas em primeira instância, afigurando-se, neste sentido, haver, eventualmente, uma menor complexidade.»

Termina-se, pedindo que o recurso seja procedente, e seja a Recorrente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda o montante de € 275.000.


X
A Impugnante, A Caixa ………………, S.A., na qualidade de recorrida, formulou nas suas contra-alegações, insertas a fls. 1002 e ss. (numerações no processo, em formato digital-sitaf), as seguintes conclusões
a) De acordo com a declaração passada pela empresa seguradora junta ao processo, expressamente mencionada a pág. 61 da sentença sob recurso, a parcela da apólice respeitante à cobertura de riscos relativos à atividade da ora Recorrida corresponde a 93% do seu valor total;
b) A veracidade de tal documento não foi posta em causa pela AT ao longo de todo o processo, nunca tendo arguido qualquer exceção de falsidade ou simulação, pelo que o Tribunal a quo, apreciando livremente a prova produzida, reconheceu como custo fiscal, no exercício de 2008, 93% do gasto com as apólices;
c) A AT, depois de alterar a sua posição/fundamentos por três vezes, não carreou para os autos elementos que permitissem afastar esta quantificação da parte dos custos respeitantes à atividade da ora Recorrida, nem propôs, com base em métodos adequados, outra repartição;
d) Note-se que a determinação desta percentagem não foi da iniciativa da Recorrida, mas sim da empresa seguradora, que terá obedecido, para o efeito, às normas legais e regulamentares e às regras de cálculo que utiliza, no corrente exercício da sua atividade;
e) Os riscos relativos a fraude no pagamento de cheques não são seguráveis;
f) O n.º16) do artigo 123º do Decreto-lei nº 94-B/98 não garante, ainda que residualmente, que quaisquer perdas pecuniários em concreto possam ser seguradas;
g) Embora teoricamente nada obsta à transferência contratual do risco das operações sobre cheques para uma empresa seguradora, é notório que nenhuma empresa seguradora a aceita;
h) E mesmo que isso acontecesse, seria tão grande o prémio a pagar e tão alta a franquia a suportar, que tornaria qualquer desses contatos exorbitantemente caros;
i) Na falta de prova em contrário, face aos usos da atividade seguradora, deve entender-se que essa possibilidade não existe, sem prejuízo da AT comprovar o contrário, o que nem sequer tentou fazer;
j) Caberia à AT demonstrar o contrário, nos termos referidos pela sentença recorrida;
k) Nos termos do nº1 o artº79-A do CPPT, o valor atendível para efeitos de custas em caso de impugnação da liquidação é o da liquidação, cuja anulação se pretende, e não o valor das correções ao lucro tributável.

Termina-se, pugnando-se pela manutenção da sentença recorrida, considerando-se o recurso apresentado pela Fazenda Pública improcedente.

X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no qual apreciando ambos os recursos, defende que o recurso da Impugnante não merecerá provimento e de que deve proceder o recurso apresentado pela Fazenda Pública.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
A) Impugnante dedica-se ao comércio bancário, concedendo empréstimos a empresas, particulares e setor público administrativo (cf. fls. 18 do PA);
B) A Impugnante detém a totalidade (100%) do capital social da empresa Caixa ………. e Saúde, SGPS, SA (cf. fls. 22 e 297 do PA);
C) A Impugnante detém 47,53% do capital social do Banco ………………, SARL, com sede em Cabo Verde (cf. fls. 81 do PA);
D) Em 2008.03.31, a Impugnante procedeu ao lançamento contabilístico de € 43 656 969,33, dos quais €1 399 767,50 respeitante aos dividendos do ano de 2007 de Banco ……………. SARL (cf. fls. 536 do processo em papel);
E) A Impugnante foi alvo de ação inspetiva externa ao exercício de 2008 que concluiu por uma correção global ao lucro tributável no montante de € 28 221 934,09;
F) Do relatório de inspeção tributária elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Serviços de Inspeção Tributária em 2011.10.10, constante de fls. 6 a 137 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Foram selecionadas e analisadas as áreas contabilístico-fiscais de acordo com os procedimentos em uso e com a profundidade considerada adequada nas circunstâncias, tendo-se apurado os factos descritos nos pontos seguintes.
Os montantes mencionados como constando das declarações entregues para o cumprimento das obrigações fiscais referentes ao exercício de 2008 reportam-se à última rececionada pela DGCI.
A legislação invocada é a que estava em vigor à data da ocorrência dos factos tributários em análise no presente relatório.

III.1- Correções à Matéria tributável - IRC
III.1.1 – Regime transitório (Art.º 57.º, n.º 2, al. j) da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12) – €264.141,44
(…)
III.1.3 - Encargos não dedutíveis (artigos 23.º e 18.º do CIRC) - € 4.379.647,47 – Valor que se subdivide em: - € 4.254.295,29 –
No preenchimento da declaração modelo 22 de IRC, inscreveu a C…….. o montante de € 30.279.213,54 a título de variações patrimoniais negativas (campo 203 do quadro 07), o qual inclui a parcela de € 9.007.839,25 a título de “Reformas antecipadas ex-B…….”
Este ajustamento ao lucro tributável operado pela C…….. corresponde aos valores pagos pelo Fundo de Pensões aos empregados do ex-B……. que se encontravam na situação de reforma antecipada no exercício de 2008, conforme listagem fornecida pelo sujeito passivo (resposta ao pedido de elementos datado de 20 de Abril de 2011 – questão n.º 6).
Estas responsabilidades com reformas antecipadas assumidas pela C.... decorrem da incorporação por fusão do Banco ………….. (B…..), em 30 de Junho de 2001.
Esta entidade (B...) havia efetuado, entre 1996 e 2000 inclusive, dotações com vista à cobertura das responsabilidades por reformas antecipadas dos seus trabalhadores, as quais totalizavam, a 2001-06-30, 21.900.000 contos (€ 109.236.739,46), conforme decorre do plano de diferimento de custos do B..., disponibilizado no decorrer do procedimento de inspeção aos exercícios de 2001 e 2002 – Anexo 3.1, fls. 1/3.
Contabilisticamente, essas dotações foram registadas na conta PCSB # “55765 – Despesas com custo diferido – Outras despesas – Contribuições para Fundos de Pensões - Reformas antecipadas”, cujo saldo a 2001-06-30, data a que se reporta a fusão, se cifrava em 13.804.806 contos (€ 68.858.082,02) (cfr. Balancete do B... reportado àquela data).
O saldo desta mesma conta em 2000-12-31 (cfr. Balancete do B... nessa data) era de 15.164.653 contos (€ 75.640.970,26), valor que corresponde ao somatório das dotações de 1996 a 2000, inclusive, abatido dos montantes transferidos para resultados no mesmo período, ou, por outras palavras, corresponde ao saldo dos montantes que ainda não tinham influenciado o resultado daquela instituição.
Aquando da ação inspetiva incidente sobre o exercício de 2001, o B... informou que no 1º semestre de 2001 não fez dotações para reformas antecipadas, apesar de no mapa apresentado no Anexo 3.1 – fls. 1/3, constar uma previsão de dotação para este período de 3.296.000 contos.
Na contabilidade desta sociedade, com exceção da despesa de 1996 (que estava a ser diferida por 7 anos), todas as demais dotações estavam a ser transferidas para resultados por um período de 10 anos, de acordo com estabelecido no Aviso 6/95, de 8 de Setembro, do Banco de Portugal, dando cumprimento ao princípio da especialização dos exercícios.
No entanto, esse diferimento não estava a ser efetuado de forma equitativa entre os exercícios, variando os montantes transferidos para resultados de ano para ano. Tal procedimento teve por base o facto de o B... tomar em consideração o número de anos que faltava a cada um dos trabalhadores reformados antecipadamente até atingir a idade “normal” de reforma de forma individualizada para cada um deles, o que se traduziu numa imputação maior nos primeiros anos. Este procedimento teve aceitação por parte da Administração Fiscal, nos termos do estatuído no art.º 23.º do CIRC.
Após a fusão do B... na C...., e ainda no exercício de 2001, a C.... anulou o saldo da conta PCSB # 55765, a 2001-06-30, no valor de 13.804.806 contos (€ 68.858.082,02) da seguinte forma:
- por contrapartida de reservas (cfr. lançamentos constantes do Anexo 3.2), no montante de 15.164.653 contos (€ 75.640.970,26), que corresponde ao saldo daquela conta em 2000-12-31,
- e de proveitos, conta PCSB # 672 – Ganhos extraordinários, no valor de 1.359.847 contos (€ 6.782.888,24), que corresponde a 50% do custo a imputar a 2001 (pelo facto de a fusão ter ocorrido a meio do ano), ou seja, este montante coincide com a diferença entre o saldo inicial e final da conta PCSB # 5576 do B... no exercício de 2001.
O entendimento preconizado pela DGCI, no que respeita a encargos com reformas antecipadas (cfr. Processo/IRC 1992/2001 - Informação 1004/2001 e Processo/IRC 2169/02 – Informação 1974/2002, ambos da DSIRC), tem sido o da aceitação como custo fiscal do montante correspondente aos encargos que a empresa suportaria com o trabalhador caso fosse ela a pagar, diretamente, os rendimentos ao trabalhador reformado antecipadamente, para poder ter enquadramento no artigo 23º do CIRC e de forma a dar cumprimento ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no art.º 18.º do CIRC. A transferência de responsabilidades para um Fundo de Pensões não deixou, portanto, de ser considerada como um custo aceite em cada uma das entidades obrigadas a efetuá-la, mediante as condições mencionadas.
Operacionalmente, este entendimento traduzir-se-ia na comparação, em cada ano, do encargo que a C.... suportaria caso fosse ela a responsável direta pelo pagamento das reformas antecipadas com 1/10 das dotações que contabiliza anualmente como custo do exercício, por aplicação das diretrizes estabelecidas no Aviso 6/95 do Banco de Portugal. Na prática, tal significa que só se aceitaria a parcela de 1/10 das dotações registadas na contabilidade como custo caso o seu montante fosse igual ou inferior ao valor pago pelo Fundo de Pensões.
No entanto, como da aplicação a estes encargos da citada doutrina administrativa resultariam distorções derivadas da impossibilidade de aplicar retroativamente o procedimento nela previsto, tem-se aceite, para efeitos fiscais, o diferimento por um período de 10 anos, conforme preceituado pelo Banco de Portugal no Aviso n.º 6/95, critério que vinha a ser utilizado pelo B... (à exceção, como se referiu, da despesa de 1996, que foi diferida por 7 anos, até 2002).
Assim, e como tem acontecido em anos anteriores, o valor a considerar para efeitos de apuramento do lucro tributável será o da transferência das dotações anteriormente efetuadas (no caso do B..., como se viu, entre 1996 e 2000) de acordo com o plano de diferimento de custos que vinha a ser aplicado por esta entidade, para cada exercício.
Sobre esta passagem da esfera patrimonial do B... para a da C.... refira-se que, com o plasmado na alínea a) do n.º 4 do art.º 68.º do CIRC, o legislador pretendeu consagrar na lei o princípio da neutralidade fiscal, dispondo que na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária, “o apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, cisão ou entrada de ativos”.
De facto, e uma vez que está implícita a continuidade do exercício da atividade, a sociedade resultante da fusão sucede plenamente nos direitos e obrigações das sociedades que lhe deram origem. Tudo se processa como não tivesse ocorrido transferência do património. Ao nível fiscal, a sociedade beneficiária deverá adotar o tratamento, em relação aos bens e direitos transferidos, que a sociedade fundida lhes vinha aplicando (cfr. art.º 68.º do CIRC - anterior art.º 62.º-A).
Assim sendo, ao transferir o valor do saldo das dotações efetuadas pelo B..., de uma conta do ativo (PCSB # 55765) para uma conta da Situação Líquida (Reservas), a C.... teve que proceder em conformidade no que respeita aos ajustamentos fiscais a efetuar no Quadro 07 da Declaração Modelo 22, para efeitos do apuramento do lucro tributável: as quantias que na esfera do B... eram consideradas diretamente no resultado líquido, seguindo o procedimento aceite pela DGCI, tiveram então de passar a ser consideradas em variações patrimoniais, por forma a dar cumprimento à referida neutralidade e chegar ao mesmo resultado, para efeitos fiscais.
Pelas razões apontadas, e por uma questão de continuidade e de coerência entre exercícios, será então de manter o critério de imputação que vinha a ser seguido pelo B..., já sancionado por estes serviços de inspeção, com os ajustamentos derivados da nova contabilização adotada pela C...., aceitando-se a dedução ao lucro tributável de 2008 de € 4.753.543,96 (953.000 contos) a título de variação patrimonial negativa, valor este previsto no Plano do B... para Responsabilidades por Reformas Antecipadas para 2008 (Anexo 3.1, fls. 2/3) e não os € 9.007.839,25 inscritos pela C.... no campo alusivo a variações patrimoniais negativas, correspondentes aos valores pagos pelo Fundo de Pensões aos trabalhadores do ex-B... reformados antecipadamente. Aquele valor de € 4.753.543,96 foi contabilizado em Reservas (como se verifica no Anexo 3.2, fls. 1/2) e corresponde à parcela de custos com responsabilidades por reformas antecipadas relativa ao exercício de 2008 no plano de diferimento destes custos do ex-B... (vide Anexo 3.1 – fls. 2/3).
Efetivamente, não existe correspondência direta entre os montantes entregues pelo ex-B... ao Fundo (dotações) e os valores pagos por este aos beneficiários do mesmo, uma vez que, ao rececionar estas verbas o Fundo, património autónomo, irá aplicá-las da forma que considerar mais rentável, originando proveitos e ganhos na sua esfera patrimonial, utilizando posteriormente o seu património para fazer face às responsabilidades assumidas.
Aceitar como componente negativa do resultado tributável da C.... (que, como antes referido, sucedeu ao B... em todos os direitos e obrigações) os montantes pagos pelo Fundo em cada exercício seria considerar verbas para as quais esta entidade não contribuiu, correspondentes ao rendimento percecionado pelo Fundo com a aplicação das dotações efetivas.
Do anteriormente exposto se conclui que, não tendo a Caixa cumprido o critério adotado pelo B... até à data da fusão, e que tem sido seguido e aceite pela DGCI, será de acrescer o valor de € 4.254.295,29, correspondente à diferença entre o montante efetivamente pago e aquele que estava previsto no plano e contabilizado em Reservas, em respeito ao disposto nos artigo 18º, 23º e 68.º do CIRC.
- € 125.352,18 –
No decorrer da ação inspetiva, a C.... foi notificada, em 2011-04-20 (ponto 7), para apresentar o suporte documental do movimento datado de 2008-06-09, com o n.º de documento 053863, no montante de € 41.441,57, registado na conta PCSB # “741699 – Outros Seguros”, do balancete da Sede, de forma a validar o seu correto enquadramento fiscal.
Em resposta ao solicitado, foi apresentado recibo de prémio n.º 398549 no valor de € 125.352,18 emitido pela Companhia de ………..-………., SA (Anexo 3.3). Este documento evidencia como ramo/modalidade do seguro contratado “R.C.G./Profissional” e como pessoas seguras os “administradores e diretores”…..
Apurou-se então que o encargo selecionado, por amostragem, para análise correspondia à periodificação daquele prémio, relativa a 4 meses (Janeiro a Abril).
Complementarmente em 2011-06-20 a Caixa disponibilizou cópia da apólice de seguro n.º 9251619 e respetivos anexos e esclareceu que o respetivo prémio está contabilizado/periodificado na rubrica # “7416990000 – Outros seguros”.
Mais informou que se estava “perante um contrato de seguro de responsabilidade civil coletivo de administradores e diretores da C.... (portanto não individualizado e, consequentemente não sendo objeto de tributação em sede de IRS no âmbito dos administradores/diretores) que proporciona a cobertura de riscos decorrentes do exercício de funções de gestão empresarial.”
Decorre da apólice (Anexo 3.4), mais propriamente das suas Condições Particulares, que o tomador do seguro é o sujeito passivo (ponto 1) e os segurados e pessoas seguras (ponto 2) são:
a) administradores da C.... e/ou sociedades coligadas identificados no Anexo 1 das Condições particulares;
b) colaboradores que de facto ou na prática exerçam funções de gestão da sociedade;
c) qualquer colaborador da Caixa e/ou sociedade coligada (apenas quanto à garantia de “violação de regras de conduta laborais”);
d) administradores e gerentes que se encontrem em situação de reforma.
Do Anexo 1 já citado constam efetivamente os nomes dos administradores do sujeito passivo, bem como nomes de administradores/diretores de participadas do grupo Caixa, a desempenhar, portanto, aquelas funções em outras empresas, quer em Portugal, quer no estrangeiro.
No ponto 6 das condições particulares encontra-se definido o âmbito de cobertura em conformidade com as Condições Gerais daquele seguro, o qual inclui o reembolso de diversas despesas tais como indemnizações, perdas e danos de crise de gestão da sociedade, reclamações, despesas judiciais ou honorários de advogados e solicitadores.
O art.º 3.º das Condições Gerais do seguro contratado estabelece que este garante “o pagamento de indemnizações que sejam legalmente devidas pelo segurado a título de responsabilidade civil por danos causados a terceiros, em consequência de erro ou falta profissional praticados no exercício da sua atividade profissional…”
Sobre esta matéria, estatuem os n.ºs 1 e 2 do art.º 396.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) o seguinte:
“1 - A responsabilidade de cada administrador deve ser caucionada por alguma das formas admitidas na lei, na importância que seja fixada no contrato, mas não podendo ser inferior a € 250000 para as sociedades emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado nem para as sociedades que cumpram os critérios da alínea a) do n.º 2 do artigo 413.º e a € 50000 para as restantes sociedades.
2 - A caução pode ser substituída por um contrato de seguro, a favor dos titulares de indemnizações, cujos encargos não podem ser suportados pela sociedade, salvo na parte em que a indemnização exceda o mínimo fixado no número anterior.”
Esta redação foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março. Segundo o documento “Governo das Sociedades Anónimas: propostas de alteração ao Código das Sociedades Comerciais - Processo de consulta pública n.º 1/2006” emitido pela CMVM (página 20), esta alteração legislativa visou estimular os seguros de responsabilidade de administradores (D & O Insurance) já de intensa utilização noutros países, acrescentando ainda que estes “oferecem a vantagem de mitigar o risco pessoal do património do administrador”.
Decorre então da lei que a caução deve ser prestada individualmente por cada administrador, constituindo, nesta medida, um dever pessoal. Mesmo admitindo a substituição da caução por um contrato de seguro o respetivo prémio não pode ser custeado pela sociedade, a não ser no valor em que a cobertura exceder o valor mínimo legalmente estipulado.
Na perspetiva tributária são suscetíveis de enformar o lucro tributável (art.º 23.º do CIRC) os prémios de seguros constituídos com vista ao ressarcimento de verbas que a Caixa seja chamada a pagar a terceiros por danos patrimoniais, decorrentes diretamente da atuação dos seus colaboradores, no exercício das suas funções. Questão diferente, é considerar como fiscalmente relevante os prémios de seguros contratados cuja cobertura consiste no reembolso desses colaboradores em caso de ocorrência de perdas ou danos que derivem do seu desempenho na empresa e pelos quais são os efetivos responsáveis. É que neste caso, a contratação do seguro visa mitigar o risco pessoal do património do administrador/diretor e não o da C.....
Acresce que a maioria das pessoas seguras nem sequer desempenham funções na Caixa (ver Anexo 1 das condições particulares do contrato no Anexo 3.4), mas sim noutras sociedades do grupo que são sujeitos passivos autónomos, com personalidade e capacidade jurídica e tributária distintos, não afetadas por relações de domínio entre si, pelo que só os custos que a cada um respeitem poderão contribuir para a determinação do seu lucro tributável. E porque se trata de um seguro coletivo, a C.... declarou não lhe ser possível individualizar o prémio pago.
O teste fundamental, por que todos os encargos devem passar com vista à sua consideração para efeitos fiscais, é o da indispensabilidade para a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora, enunciado no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.
Em consonância com o teor sancionado no Acórdão datado de 2002-07-10, do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no recurso n.º 0246/05, os custos previstos no artigo 23.º do CIRC têm de respeitar à atividade da própria sociedade contribuinte, a se. A fonte produtora aqui em causa é a da C...., não a das sociedades participadas, e de uma perspetiva fiscal o resultado de todas estas sociedades deve ser apurado separadamente. Mesmo que o seguro visasse o reembolso de verbas à sociedade e não aos seus colaboradores, haveria sempre parcela do prémio não aceite para efeitos fiscais porquanto o património em risco seria o da participada e não o da sociedade dominante.
Acresce que parte do prémio por si pago, por via da aplicação do n.º 2 do art.º 396.º do CSC, constituiu encargo que incide sobre terceiros e que a Caixa não está legalmente autorizada a suportar, pelo que também não se considera dedutível face ao teor da al c) do n.º 1 do art.º 42.º do CIRC.
Em face do exposto, não se verificando um nexo direto entre os custos incorridos e o exercício de uma atividade geradora de proveitos na esfera da C...., não se encontram reunidos os requisitos indispensáveis à dedutibilidade fiscal destes encargos, tal como previsto no art.º 23.º do CIRC.

III.1.4 - Reintegrações e amortizações não aceites com os custos (art.º 33.º, n.º 1 do CIRC) - € 123.732,60 -
(…)
III.1.6 - Provisões para risco país não dedutíveis (Art.º 35.º-A do CIRC) - € 1.243.561,31 –
(…)
III.1.7 - Provisões para menos valias de outras aplicações não dedutíveis (Artigo 35.º-A do CIRC) - € 20.350,94 -
(…)
III.1.8 – Indemnizações por eventos seguráveis (art.º 42.º, n.º 1, alínea e), do CIRC)
- € 76.000,00 –
No decorrer da ação inspetiva, a C.... foi notificada, em 2011-04-20 (ponto 7), para apresentar o suporte documental do movimento datado de 2008-08-29, com o n.º de documento 943756, no montante de € 99.913,81, registado na conta PCSB # “7799 – Outros Custos e Prejuízos Diversos”, no balancete da Sede, de forma a validar o seu correto enquadramento fiscal.
Dos documentos apresentados em resposta ao solicitado, retirou-se que o encargo dizia respeito a pagamento, datado de 2008-08-27, resultante de condenação da Caixa em tribunal (processo n.º 1526/05.5TVLSB da 3.ª Secção 14.ª Vara Cível de Lisboa).
Assim, de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008-03-07 (processo 08B1850) cuja cópia foi facultada, um cliente do sujeito passivo veio pedir para ser ressarcido de € 76.000,00, acrescidos de juros vencidos e vincendos, uma vez considerar que a C.... pagou indevidamente 3 cheques que totalizavam aquele valor, relativos a conta de que era titular, nos quais foi aposta assinatura falsificada grosseiramente.
Apesar de a Caixa ter defendido que foi o comportamento negligente do seu cliente que possibilitou o pagamento dos cheques, a decisão que impendeu sobre o processo foi no sentido contrário: não foi efetuada prova de que o sujeito passivo, enquanto devedor, “usou toda a diligência que um qualquer banqueiro usaria nas circunstâncias a que os presentes se reportam”, uma vez que através de relatório pericial mencionado se concluiu que “a simples comparação das assinaturas em questão, a olho nu sem a utilização de qualquer equipamento específico, logo revelava estar-se na presença de traçados bem distintos”.
Ou seja, a C.... não procedeu com toda a cautela antes do pagamento dos cheques.
O valor pago compreendia então € 76.000,00 referentes a indemnização, € 20.355,51 de juros de mora e € 3.558,30 de custas.
O CIRC estabelece, através do artigo 23.º, que só são aceites para efeitos fiscais as componentes negativas do lucro tributável que comprovadamente forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E particulariza na alínea j) do n.º 1 a situação das indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Em primeiro lugar tem que se reconhecer que há sectores de atividade económica onde a probabilidade do pagamento de indemnizações por ocorrência de fraudes não é desprezível sendo de destacar, neste domínio, o sector bancário.
Perante essa probabilidade a entidade bancária deverá, portanto, munir-se dos meios que impeçam ou minimizem os efeitos de atitudes fraudulentas.
De entre esses meios, destaca-se a criação de um sistema de controlo interno que seja o mais eficaz possível de modo a dissuadir a prática de fraude ou detetá-la no mais curto espaço de tempo.
Por outro lado, permanecendo ainda o risco de ocorrência de fraude, mesmo após a adoção de medidas referidas no parágrafo anterior, então, no quadro duma gestão diligente, deve ser acautelada a cobertura do risco através da contratação do respetivo seguro. O Dec.-Lei 94-B/98 de 17 de Abril que regula as condições de acesso e de exercício da atividade seguradora e resseguradora no território da União Europeia, permite a constituição de seguros no ramo “Perdas pecuniárias diversas” nos termos do n.º 16) do seu art.º 123.º. É claro que o valor do prémio a pagar dependerá do risco estimado e este será tanto maior quanto menor for o grau de confiança atribuído ao sistema existente de controlo interno.
É que, estando coberto o risco, o valor respeitante aos prejuízos resultantes de factos daquela natureza nunca seriam suscetíveis de serem considerados custos, perdas ou encargos da entidade ora examinada.
Assim, a perda resultante da reposição de verbas na conta do cliente (assumindo tal reposição a natureza de uma indemnização) não poderá ser considerada como custo fiscal em virtude do estipulado na al. e) do n.º 1 do art.º 42.º do CIRC, que, confirmando o teor da al j) do n.º 1 do art.º 23.º, dispõe não serem dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, as indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável.
Segundo a referida alínea, o legislador fiscal, de maneira a condicionar eventuais práticas fiscais abusivas por parte dos sujeitos passivo impediu de forma taxativa a dedução fiscal de todos os encargos qualificados como “ (…) indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável”, o que, por outras palavras equivale a dizer que, pela razão da existência in casu de suscetibilidade de segurar o risco de ocorrência deste tipo de situações, não será fiscalmente permitida a dedução dos valores em causa.
Estamos, assim, perante uma perda de € 76.000,00 não aceite como componente negativa do lucro tributável por não se enquadrar no estabelecido no art.º 23.º e por estar abrangida pelo disposto na al. e) do n.º 1 do art.º 42.º, ambos do CIRC.

III.1.9 - Despesas não devidamente documentadas [art.º 42.º n.º 1 alínea g) do CIRC]
- € 134.654,67 –
(…)
III.1.10 - Mais-valias Fiscais (artigos 43.º e 44.º do CIRC) - € 6.068.780,19 -
(…)
III.1.11 – Correções relativas a preços de transferência (artigo 58º do CIRC) - €16.198.401,68 –
A C.... detém uma participação de 100% na Caixa ………. e Saúde SGPS SA (NIF 504 622 510), adiante também designada por Caixa ………., sociedade esta que é acionista única da Companhia ………………… SA.
No início de 2008 a Caixa ………. era titular de suprimentos concedidos pela sua acionista C...., nos anos de 2000 e 2001, no valor global de € 326.524.920,16. No decurso deste exercício os suprimentos foram convertidos num empréstimo subordinado, sem remuneração e com duração indeterminada (cfr. contrato constante do Anexo 9).
Acerca desta operação refere o Relatório e Contas reportado a 2009-12-31 que “os empréstimos subordinados concedidos à Caixa ………… e Saúde, SGPS, SA não vencem juros e têm duração indeterminada, tendo-se destinado a financiar a aquisição da Companhia de ………………., SA em 2000.”
Tendo sido solicitada a justificação para a inexistência de remuneração nesta cedência de fundos a uma entidade relacionada, o sujeito passivo veio esclarecer que o empréstimo subordinado existente no exercício auditado teve origem numa concessão de suprimentos não remunerados efetuados com o objetivo de melhorar a solidez financeira da Caixa ……………….
Ainda de acordo com os esclarecimentos prestados a reclassificação de tal financiamento, que assumiu características de capital quase-próprio, conduziu à melhoria dos rácios prudenciais da sua participada. O sujeito passivo defende que a não exigência de remuneração decorreu da finalidade e respetivo enquadramento prudencial do empréstimo subordinado, quase capital próprio, que por natureza não é remunerado, além de que o empréstimo que lhe deu origem já não o era.
Considerando as características deste tipo de empréstimo, e, em particular, o objetivo por este prosseguido, o sujeito passivo entendeu que, e seguindo uma política consistente nesta matéria, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista jurídico, não se afigurava adequado estabelecer qualquer remuneração a título de juros, relativamente a estas cedências de fundos.
Em face da existência de relações especiais enquadráveis na alínea a) do n.º 4 do art. 58.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), haverá que avaliar os termos e condições praticados nestas operações à luz do Princípio de Plena Concorrência.

1. Análise
1.1. Da subordinação das operações ao Princípio de Plena Concorrência pela existência de relações especiais entre as entidades intervenientes
O Princípio de Plena Concorrência consagrado no ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do art.º 58.º do CIRC, define que nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Em conformidade com a al. a) do n.º 4 do art.º 58.º do CIRC, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto.
De acordo com a informação coligida, a C.... detém, por via direta, a totalidade do capital da Caixa …………., e por via indireta, a totalidade do capital da Companhia ………………. SA, pelo que, consequentemente, a C.... e as sociedades suas participadas a que ante se aludiu, qualificam-se como entidades relacionadas na aceção prevista na al. a) do n.º 4 do art.º 58.º do CIRC, estando subordinadas à aplicação do Princípio de Plena Concorrência preconizado no n.º 1 do mesmo normativo legal, nas operações comerciais e financeiras entre si realizadas.
Nesta conformidade, e enquanto operação financeira, a concessão de financiamentos, quer sob a forma de suprimentos, quer sob a forma de empréstimos subordinados, pela C.... às suas afiliadas, qualifica-se como operação vinculada, estando assim sujeita ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, estatuído no n.º 1 do art.º 58.º do CIRC.

1.2. Da determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes
Considerando a complexidade técnica das questões relacionadas com a temática dos Preços de Transferência, o preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, aconselha a consulta dos relatórios da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que desenvolvem esta matéria, e cuja adoção pelos países membros é objeto de recomendações aprovadas pelo Conselho desta organização internacional.
O Relatório da OCDE de 1995, subordinado à temática dos Princípios Aplicáveis em Matéria de Preços de Transferência destinados às Empresas Multinacionais e às Administrações Fiscais (adiante designado por Relatório de 1995 ou Guidelines da OCDE), defende que a aplicação do Princípio de Plena Concorrência assenta, de um modo geral, numa comparação entre as condições praticadas numa operação vinculada, e as condições praticadas numa operação similar realizada entre entidades independentes.
De acordo com o ponto 192 do Relatório da OCDE de 1979, o princípio geral que convém acolher é o de que o empréstimo deverá suportar juros desde que os tivesse suportado em circunstâncias análogas entre partes independentes.
Neste relatório foram analisadas as particularidades de 3 situações específicas (cfr. §194 e segs. do Relatório de 1979), a seguir enumeradas:
· Créditos Comerciais (juros resultantes de atrasos nos pagamentos)
· Dificuldades financeiras iniciais
· Outras dificuldades financeiras
O ponto 193 desse relatório estipula que nestes casos, o ónus da prova incumbirá, em regra, ao contribuinte.
No primeiro caso (créditos comerciais) dever-se-á adotar a noção de práticas comerciais normais, ou seja, possibilidade de não aplicação de juros no caso de um credor independente em situação análoga não aplicar juros. No entanto, alerta-se para o facto de no preço dos bens ou serviços poder estar incluído um elemento de juro implícito.
No segundo caso há que considerar serem sempre devidos juros (ainda que o seu pagamento se encontre diferido definitivamente), salvo se, em circunstâncias idênticas, um mutuante independente consentisse em renunciar a esses juros.
No terceiro caso o mutuante pode renunciar à, ou diferir a cobrança de juros sobre um empréstimo pendente quando a mutuária se debata com dificuldades financeiras.
No entanto, caso estivéssemos perante uma destas três situações, o ónus da prova caberia ao contribuinte, pelo que o Dossiê de Preços de Transferência teria que conter a demonstração de enquadramento da situação em apreço numa dessas três situações, o que não sucede no referido Dossiê reportado ao exercício em análise, relativamente ao financiamento concedido à Caixa Seguros.
Mais acresce que, em conformidade com os Relatórios e Contas das afiliadas relativos ao período compreendido entre os exercícios de 2005 a 2009, se verifica que ambas as sociedades se encontram numa situação financeira sólida, estável e geradora de resultados líquidos positivos:

«Quadro no original».


Refira-se ainda que, no caso particular da Caixa ….., a sua estabilidade financeira é reiterada pela existência de distribuição de dividendos ao acionista, quer em 2008, quer em 2009, pelos montantes evidenciados na sua Demonstração de Variações de Capital Próprio Individual, que consta do Anexo 10.
Pelo exposto, constata-se não existir evidência de que o financiamento concedido pela C.... à sua afiliada se possa enquadrar em alguma das três hipóteses de concessão de financiamentos cuja inexistência de uma remuneração associada se poderia encontrar legitimada à luz do Princípio de Plena Concorrência, em conformidade com as orientações da OCDE internacionalmente aceites.
Mais acresce que, considerando a situação financeira da Caixa ……. patente nas respetivas demonstrações financeiras, as suas capacidades de endividamento não se encontram comprometidas, razão pela qual se poderiam financiar autonomamente nos mercados financeiros, em condições regulares de mercado e em termos consentâneos com o Princípio de Plena Concorrência.
E não obstante a supressão das necessidades de financiamento da sua participada se poder operar junto da C...., será de aplicar o princípio geral de que este empréstimo entre entidades relacionadas deverá suportar juros desde que os tivesse suportado entre entidades independentes em circunstâncias análogas.
O parágrafo 1.15 do Relatório de 1995 refere que as empresas independentes tomam geralmente em linha de conta todas as diferenças economicamente significativas entre as opções que se lhes oferecem em termos realísticos, quando ponderem essas opções.
Mais defende que, no âmbito do parágrafo 1.37, a avaliação da conformidade de operações vinculadas com o Princípio de Plena Concorrência deverá envolver a análise crítica de se, as operações vistas na sua globalidade, são diferentes das que seriam adotadas por empresas independentes, agindo de um modo comercialmente racional.
Ora a Caixa, desenvolvendo uma atividade de natureza eminentemente bancária, tem acesso à colocação dos fundos de que dispõe, em condições diversas de investimento, consoante a combinação do binómio rentabilidade / risco que esteja disposta a assumir, sendo-lhe possível aplicar os fundos cedidos às suas afiliadas auferindo uma remuneração de mercado, pelo que nenhuma entidade independente, agindo de um modo comercialmente racional, abdicaria de auferir tal remuneração.
Aliás, o sujeito passivo, na resposta prestada, em 2011-05-18, no âmbito do pedido de elementos efetuado, vem suscitar alguns fundamentos suplementares para a inexistência de remuneração associada a estas operações, que, em nosso entendimento, não deverem ter acolhimento.
Com efeito, a C.... refere que a inexistência de remuneração nos financiamentos efetuados sob a forma de empréstimos, decorre da finalidade e respetivo enquadramento prudencial do empréstimo subordinado, quase capital próprio que por natureza é não remunerado, além de que o empréstimo que lhe deu origem já não o era. Mais defende, que atentas as características deste tipo de empréstimos (cfr. o disposto no Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril) e, em particular, o objetivo por estes prosseguido, se entendeu que, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista jurídico, não se afigurava adequado estabelecer qualquer remuneração a título de juros.
Ora, somos conduzidos a concluir que o sujeito passivo está a efetuar uma leitura extensiva do disposto no diploma que estabelece o Regime Jurídico do Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora em Portugal, extraindo daí ilações entre as normas prudenciais e as normas tributárias lesivas do Princípio de Plena Concorrência.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 94-B/98 define, entre outros, as garantias financeiras de que as empresas sujeitas à sua supervisão devem dispor para fazer face aos riscos inerentes à sua atividade, a saber, as provisões técnicas, a margem de solvência e o fundo de garantia (vide n.º 1 do art.º 68.º). O art.º 93.º daquele normativo legal vem explicitar o conceito de margem de solvência, que corresponderá ao património da seguradora, livre de qualquer obrigação previsível e deduzido dos seus elementos incorpóreos.
Por sua vez, os artigos 96.º e 97.º do mesmo diploma legal definem os elementos do património das seguradoras que contribuem para a determinação da margem de solvência, estabelecendo-se quanto, aos empréstimos subordinados, a percentagem da margem de solvência que os mesmos podem assumir, bem como as condições que os mesmos devem preencher para serem elegíveis para integrar a margem de solvência de uma seguradora, a saber:
a) Consideração, apenas, dos fundos efetivamente recebidos;
b) Fixação do prazo inicial para os empréstimos a prazo fixo em, pelo menos, cinco anos, devendo a empresa de seguros apresentar ao Instituto de Seguros de Portugal, para aprovação, o mais tardar um ano antes do termo do prazo, um plano indicando a forma como a margem de solvência será mantida ou colocada ao nível desejado no termo do prazo, a menos que o montante até ao qual o empréstimo pode ser incluído nos elementos da mencionada margem seja progressivamente reduzido durante, pelo menos, os cinco últimos anos anteriores à data do vencimento, podendo o Instituto de Seguros de Portugal autorizar o reembolso antecipado desses fundos, desde que o pedido tenha sido feito pela empresa de seguros emitente e que a sua margem de solvência não desça abaixo do nível exigido;
c) Reembolso, não estando fixada data de vencimento da dívida para os empréstimos, mediante um pré-aviso de cinco anos, a menos que tenham deixado de ser considerados elementos da margem de solvência ou que haja acordo prévio do Instituto de Seguros de Portugal para o reembolso antecipado, caso em que a empresa de seguros informará este Instituto, pelo menos seis meses antes da data do reembolso, indicando a margem de solvência efetiva e exigida antes e depois do reembolso, só devendo o referido Instituto autorizá-lo se a mencionada margem não descer abaixo do nível exigido;
d) Não inclusão, no contrato de empréstimo, de cláusulas que estabeleçam, em circunstâncias determinadas, o reembolso da dívida antes da data acordada para o seu vencimento, exceto em caso de liquidação da empresa de seguros;
e) Alteração do contrato de empréstimo apenas com autorização do Instituto de Seguros de Portugal.
Ora, nada se impõe neste diploma legal quanto à inexistência de remuneração associada aos empréstimos subordinados que venham a integrar a margem de solvência de uma instituição seguradora, nem numa óptica legal extra-prudencial tal requisito existe ou é aplicável às operações controvertidas.
Mais acresce que, não obstante os empréstimos subordinados, a par dos capitais próprios de uma entidade sujeita à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal, poderem contribuir para a composição da sua margem de solvência, podendo assim servir de garantia face aos riscos decorrentes da sua atividade, não existe qualquer imperativo legal que os assimile a capitais próprios para quaisquer efeitos que não sejam os da sua integração na margem de solvência, mantendo a sua substância enquanto instrumentos de financiamento de longo prazo, e como tal suscetíveis de serem remunerados em condições normais de mercado.
Ainda que a existência de empréstimos subordinados possa desonerar uma entidade sujeita à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal, da necessidade de reforçar os seus fundos próprios em virtude da existência de uma margem de solvência inferior à que constitui o limite mínimo exigível pelas normas prudenciais aplicáveis, tal não implicará também a sua conversão ou assimilação a capitais próprios para os demais fins.
E tanto assim é que contabilisticamente esta assimilação não é corroborada, o que se encontra explícito no Balanço Individual da Caixa ……….., que constitui o Anexo 11 da presente Informação, no qual tais fundos se encontram evidenciados numa rubrica de capitais alheios, i.e., no passivo da sociedade.
Assim, o sujeito passivo, a coberto do facto de os empréstimos subordinados poderem contribuir para a margem de solvência da Caixa ………., a par dos Capitais Próprios desta sociedade, pretende que os mesmos sejam assimiláveis a estes para efeitos do seu enquadramento à luz do Princípio de Plena Concorrência, pretensão esta que não tem qualquer suporte legal (do ponto de vista prudencial, tributário ou estritamente legal), e que, como tal não poderá ter acolhimento.
Refira-se ainda que, para efeitos do enquadramento destas operações à luz do Princípio de Plena Concorrência, é indiferente a qualificação jurídica destes financiamentos, quer como suprimentos, quer como empréstimos subordinados, dado que em ambos os casos impera a subordinação ao princípio de que qualquer financiamento deverá suportar juros desde que os tivesse suportado em circunstâncias análogas entre partes independentes, excluída que esteja qualquer um das situações particulares identificadas nos parágrafos 194 e seguintes do Relatório da OCDE de 1979.
Em síntese, poder-se-á dizer que, se a operação fosse realizada entre entidades independentes:
· Na perspetiva do mutuante (C....), esta apenas estaria disposta a conceder um financiamento se obtivesse uma remuneração;
· Na perspetiva dos mutuários (Caixa . e ……………..), estes para obterem os fundos de que necessitariam, aceitariam pagar uma remuneração de mercado.
Face ao exposto temos que a não remuneração dos financiamentos concedidos pela C.... às suas afiliadas apenas ocorreu porque estamos em presença de operações realizadas entre entidades relacionadas, pois se estivéssemos perante operações realizadas entre entidades independentes, o mutuante apenas entraria na operação se obtivesse uma remuneração, pelo que se conclui pela existência de uma violação do Princípio de Plena Concorrência, previsto no n.º 1 do art.º 58.º do Código do IRC.

1.3. Da seleção do método mais apropriado de fixação do preço de transferência
De acordo com o n.º 2 do artigo 58.º do CIRC “O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais (…) ”
No mesmo sentido estipula o n.º 1 do artigo 4.º da Portaria 1446-C/2001, que “O sujeito passivo deve adotar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações (…) ”
Segundo o n.º 2 do citado normativo “Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas (…)”.
O n.º 3 do artigo 58.º do CIRC, identifica os métodos que podem ser utilizados na determinação do preço de transferência, a saber, o Método do Preço Comparável de Mercado, o Método do Preço de Revenda Minorado, o Método do Custo Majorado, o Método do Fracionamento do Lucro e o Método da Margem Líquida da Operação.
O Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) consiste em comparar o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação vinculada com o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação comparável não vinculada. Este método pode ser utilizado, designadamente, quando o sujeito passivo em análise, ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo, realiza uma operação da mesma natureza, que tenha por objeto um serviço idêntico, com uma entidade independente. Desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o MPCM constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência. Por consequência, neste caso deve ser dada preferência a este método sobre todos os demais.
De igual forma, o número 1 do art.º 6.º da Portaria 1446-C/2001 refere que “a adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes”, o que significa que, podendo ser aplicado, satisfaz a condição prevista no n.º 2 do art.º 4.º da mesma portaria sendo por isso considerado o método mais apropriado.
Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes condições:
a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;
b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.
O Método do Preço Comparável de Mercado assume-se, assim, como o método mais adequado a aplicar, sendo que a sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais direta de determinar se as condições acordadas entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência. Deste modo, uma vez que, conforme se referiu, se encontram reunidas as condições de aplicação deste método às operações financeiras em análise, encontra-se perfeitamente justificada a escolha deste método em detrimento dos demais.

1.4. Da pesquisa de uma operação comparável
Em conformidade com a explanação já efetuada, o Método do Preço Comparável de Mercado pode ser utilizado comparando as condições ocorridas numa operação vinculada com as condições praticadas numa operação realizada com uma entidade independente.
De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º da Portaria “duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas, ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”
Em conformidade com o parágrafo 199 do Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979 “Preços de Transferência e Empresas Multinacionais”, quando se pretende determinar o que se entende por empréstimo comparável ou similar, será necessário atender aos seguintes fatores: o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objetivo, a divisa em que se encontra especificado, e a situação financeira do mutuário.
Ora, tal como já referido, a C.... desenvolvendo uma atividade de natureza eminentemente bancária, e dada a sua importância no mercado bancário nacional e internacional, é uma das instituições financeiras que integram o painel de instituições que contribuem para a fixação da taxa Euribor, que corresponde à taxa de juro média à qual os Bancos Europeus da zona Euro emprestam fundos entre si.
Esta taxa de remuneração é uma das taxas de referência para os agentes económicos na Europa, e é considerada uma taxa de remuneração isenta de risco, dado o perfil das instituições que contribuem para a sua cotação, e que a suportam na qualidade de mutuários, sendo correntemente utilizada para estabelecer a remuneração a pagar no quadro de operações de cedências de fundos, contexto no qual é adicionada de um spread, cujo objetivo é remunerar o risco de crédito associado à entidade tomadora dos fundos.
Neste sentido, e no quadro de uma operação firmada entre entidades independentes, mais especificamente instituições de crédito da zona Euro, seria possível à C.... ceder fundos remunerados a uma taxa mínima correspondente à taxa Euribor aplicável à maturidade do empréstimo concedido, pelo que se nos afigura encontrar-se legitimado o recurso a este referencial do mercado monetário interbancário como taxa de remuneração mínima comparável para o enquadramento das operações controvertidas à luz do Princípio de Plena Concorrência, considerando que nenhuma entidade independente, agindo de um modo comercialmente racional, abdicaria de auferir tal remuneração, mediante a aplicação de tais fundos a título gratuito no financiamento das suas afiliadas.
Concretizando, se na concessão do financiamento pela Caixa à sua afiliada, tivessem sido contratados, aceites e praticados os mesmos termos contratados, aceites e praticados na operação comparável entre entidades independentes, esta teria auferido uma remuneração de mercado pelo financiamento concedido, no mínimo, equivalente à taxa Euribor a 12 meses, em conformidade com o Princípio de Plena Concorrência consagrado no n.º 1 do art.º 58.º do CIRC.
Com efeito, dado estarmos perante um financiamento de longo prazo, na medida em que, nos termos do contrato que o formaliza, lhe é definido um prazo de concessão indeterminado, carecendo o respetivo reembolso de um aviso prévio de 5 anos, considera-se que a Euribor a 12 meses constitui o referencial do mercado interbancário mais apropriado para a remuneração destas operações.

1.5. Do impacto da violação do Princípio de Plena Concorrência na determinação do lucro tributável
A operação identificada configura operação vinculada realizada entre entidades residentes em território nacional, pelo que se impõe, em paralelo, que seja analisada a economia potencial de imposto associada a esta operação, de forma a avaliar o prejuízo para o Estado inerente ao incumprimento do Princípio de Plena Concorrência, legitimando assim o ajustamento previsto no n.º 2 do art.º 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21de Dezembro.
Ora, não obstante ambas as sociedades serem tributadas segundo o regime geral do IRC, tratando-se a Caixa Seguros de uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), aproveita do benefício fiscal preconizado no n.º 2 do art.º 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), segundo o qual os encargos financeiros suportados por SGPS com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Da não dedutibilidade destes encargos financeiros na esfera tributária da Caixa Seguros, a par do incumprimento do Princípio de Plena Concorrência nesta operação materializado numa omissão de proveitos na esfera tributária da C...., resulta uma economia de imposto lesiva para o Estado em montante equivalente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas exigível sobre o quantitativo dos proveitos omissos.
Em face de tudo o ante exposto, a quantificação da remuneração de plena concorrência, exigível no exercício em apreciação, associada ao financiamento concedido pelo sujeito passivo à Caixa Seguros será efetuada considerando o montante financiado, a data de conversão dos suprimentos em empréstimo subordinado e a taxa Euribor a 12 meses.
Como os suprimentos foram transformados em empréstimo subordinado através de contrato celebrado em 2008-10-14, com efeitos reportados a 2008-09-01, será esta a data de referência, a do aniversário do empréstimo.

2. Conclusões
Atendendo ao que foi dito, estando cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no n.º 3 do artigo 77.º LGT, na medida em que:
• A Caixa Geral de Depósitos e a Caixa Seguros SGPS, qualificam-se como entidades relacionadas nos termos preconizados no n.º 4 do art.º 58.º do CIRC, pelo que as operações entre elas realizadas estão subordinadas ao Princípio de Plena Concorrência, previsto no n.º 1 daquele normativo legal;
• Na concessão do financiamento efetuado pela C.... à sua afiliada foram praticados termos e condições distintos dos que seriam contratados, aceites ou praticados, entre entidades independentes em circunstâncias comparáveis;
• Da violação do Princípio de Plena Concorrência resulta uma subquantificação do resultado tributável da C.... em montante equivalente à remuneração de plena concorrência não cobrada à Caixa Seguros, quantificável nos termos descritos nos pontos 1.4. e 1.5. do presente ponto de relatório,
Será de efetuar um ajustamento ao lucro tributável, em cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, preconizado no n.º 1 do artigo 58.º do CIRC, e do disposto no n.º 2 do art.º 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, no montante de € 16.198.401,68 no apuramento do qual se considerou como:
• datas de referência 2007-09-01 e 2008-09-01;
• remuneração de plena concorrência a Euribor a 12 meses;
• Atual/Atual a convenção de contagem de dias, na fórmula de cálculo dos juros.

«Quadro no original».

III.1.12 - Diferença positiva entre o valor patrimonial definitivo do imóvel e o valor constante do contrato (art. 58º-A do CIRC) - € 104.408,55 –
(…)
- € 45.600,00 –
(…)
- € 58.808,55 – // (…)
III.1.13 - Imputação de lucros de sociedades residentes em países com regime fiscal privilegiado (art.º 60.º do CIRC) - € 1.399.767,50 -
O sujeito passivo acresceu ao lucro tributável o montante de € 43.537.359,42 inscrito no campo 253 do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, a título de imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, de acordo com o estatuído no art.º 60.º do CIRC.
Da análise ao processo de documentação fiscal previsto no art.º 121.º do CIRC, verificou-se que aquele montante se traduzia num acréscimo de € 44.937.126,92 e numa dedução de € 1.399.767,50 nos termos dos n.ºs 1 e 5, ambos do art.º 60.º do Código.
No decorrer da ação inspetiva, a Caixa foi notificada, em 2011-03-21 (ponto 11), para apresentar os suportes documentais do recebimento dos dividendos deduzidos, com indicação dos exercícios a que se referiam, rubrica contabilística onde se encontravam registados os proveitos e para comprovar a tributação daquela importância em anos anteriores.
Da análise dos elementos fornecidos em 2011-04-11, verificou-se que a totalidade da verba deduzida diria respeito a lucros distribuídos referentes ao ano de 2007 por parte da sua filial com sede em Cabo Verde, Banco ……., SARL, detida em 47,53% e que foi registada na conta de proveitos PCSB ”8140110 – Rendimento de ações em partes de capital em IC’s no estrangeiro” do balancete da sede. Constatou-se porém, para efeitos do apuramento do lucro tributável da C.... em 2007, através dos dados apresentados para aquele exercício, não ter havido qualquer imputação dos lucros obtidos pela filial em questão, nos termos do n.º 1 do art.º 60.º do CIRC.
Pelo que se inferiu da informação disponibilizada, a interpretação que o sujeito passivo faz do nº 5 do art. 60º do CIRC é a de que o saldo corresponde à diferença entre as imputações anuais efetuadas entre 2000 e 2005 e a dedução dos lucros efetivamente distribuídos por deliberação da Assembleia da sociedade pode ser deduzido até se esgotar, i.e., basta ter havido imputação nos termos do n.º1 do art.º 60.º do CIRC para que, independentemente do ano em que os lucros foram originados, o seu valor possa ser deduzido, até à sua concorrência, aquando da distribuição efetiva.
A Administração Tributária não perfilha do mesmo entendimento, pelas razões que se passam a expor:
Em primeiro lugar, convém recordar os motivos que levaram à inclusão do art.º 60.º do CIRC no normativo legal nacional.
O Decreto-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro, que introduziu o art.º 57.º-B (atual art.º 60.º) no CIRC, veio consagrar na ordem jurídica nacional uma medida anti-abuso, com vista a contrariar a deslocalização dos rendimentos para territórios que assegurem um regime fiscal privilegiado, através da acumulação, por residentes, de resultados em sociedades por eles controladas naqueles territórios.
A implementação desta medida visou assim, impedir o deferimento do pagamento de impostos através da interposição de sociedades instrumentais localizadas em zonas de tributação privilegiada para as quais são desviados os rendimentos com o objetivo de evitar a sua tributação até ao momento em que a dita sociedade não residente proceda à distribuição dos seus lucros aos seus sócios residentes em Portugal. É pois condição essencial para a aplicação do regime que a sociedade não residente beneficie de um regime de tributação privilegiada.
Com efeito, segundo o preâmbulo daquele diploma, esta medida “visa contrariar a acumulação, por residentes, de resultados em sociedades por ele controladas, situadas em território que lhes concede um regime fiscal privilegiado, e decorre diretamente do princípio da tributação numa base ilimitada dos rendimentos obtidos por residentes. Consiste, assim, dado o carácter presumidamente instrumental da sociedade controlada, num simples regime de antecipação da consideração para efeitos de tributação em Portugal dos lucros que cabem à participação do sócio residente. Isso traduz-se na imputação a este independentemente de distribuição, da parte dos lucros – após impostos – que lhe cabe, tendo em conta o capital social detido, mas com aplicação de um regime semelhante ao dos lucros distribuídos”.
A sua operacionalização traduz-se na imputação “aos sócios residentes em território português, na proporção da sua participação social e independentemente de distribuição, dos lucros obtidos por sociedades residentes fora desse território e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável, desde que o sócio detenha, direta ou indiretamente, uma participação social de, pelo menos, 25%, ou, no caso de a sociedade não residente ser detida, direta ou indiretamente, em mais de 50%, por sócios residentes, uma participação social de, pelo menos, 10%”, conforme dispõe o n.º 1 do art.º 60.º do CIRC.
Nos termos do n.º 2 do citado artigo, a imputação “é feita na base tributável relativa ao exercício que integrar o termo do período de tributação da sociedade não residente e corresponde ao lucro obtido por esta, depois de deduzido o imposto sobre o rendimento incidente sobre esses lucros, a que houver lugar de acordo com o regime fiscal aplicável no Estado de residência dessa sociedade”.
Por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito legal considera que “uma sociedade está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRC ou ainda quando o imposto efetivamente pago seja igual ou inferior a 60% do IRC que seria devido se a sociedade fosse residente em território português”.
O lucro de exercício, ou o lucro obtido no exercício consiste na “expressão monetária do resultado positivo da atividade desenvolvida pela empresa social durante o mesmo exercício”
Dispõe o nº 5 do art. 60º do CIRC que no exercício em que haja a efetiva distribuição dos lucros já imputados anteriormente (no dizer do artigo “a que tenha sido aplicável o disposto no nº 1”), estes serão deduzidos à base tributável, havendo ainda, se for caso disso, lugar ao crédito de imposto por dupla tributação internacional. Com esta regra o legislador pretendeu eliminar a dupla tributação que ocorreria com a relevação contabilística em proveitos da efetiva distribuição dos dividendos ao sócio.
Entre os exercícios de 2000 e 2005 o Banco ………………….. foi considerado como estando sujeito a um regime fiscal privilegiado nos termos do n.º 3 do art.º 60.º do CIRC. Consequentemente a C.... acresceu ao lucro tributável, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, a diferença entre o património social líquido no final de cada um daqueles anos fiscais e o património social líquido no início daqueles mesmos anos da empresa participada. A tributação destes rendimentos, que ocorreria apenas no momento da sua distribuição, foi antecipada para aqueles anos por via do mecanismo em apreço.
Conforme anteriormente referido, no ano fiscal de 2007 o Banco ………….. não foi considerado como estando sujeito a um regime fiscal privilegiado nos termos do n.º 3 do art.º 60.º do CIRC. Por esse facto, a C.... não acresceu ao lucro tributável, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, por tal lhe ser inaplicável, a diferença entre o património social líquido a 2007-12-31 e o património social líquido a 2007-01-01 da empresa participada. O valor de € 43.848.076,88 que a C.... ofereceu à tributação no ano anterior, nos termos daquele normativo, compreendia tão-somente os lucros das suas duas participadas por via direta, Banco …………….., S.A. (€ 36.290.416,16) e C.... Subsidiária Offshore de Macau (€ 1.356.181,55) e da sua participada por via indireta, através da P…………, SGPS, S.A., Banco ……………….., SARL (€ 6.201.479,17).
Em 2008, a C.... recebeu os dividendos gerados pela atividade que a participada desenvolveu em 2007, os quais foram registados em proveitos. Contudo, estes lucros não podem ser deduzidos com base n.º 5 do art.º 60.º do CIRC, na medida em que a estes não foi aplicável o disposto no n.º 1 desta norma, requisito essencial para o direito à dedução plasmada na parte inicial daquele normativo.
Face aos argumentos ante-expostos, foi revertida a dedução ao lucro tributável no montante de € 1.399.767,50 operada pelo sujeito passivo.

III.1.14 - Majoração de Donativos (artigo 62.º do EBF) - € 88.168,86
A C.... registou como custo do exercício, na conta NCA # “721 – Quotizações e donativos” do balancete da sede, o montante de € 6.015.687,00, tendo sido apresentada uma listagem discriminativa desse valor como parte integrante do processo de documentação fiscal previsto no art.º 121.º do CIRC.
No campo 234 da declaração de rendimentos modelo 22 procedeu à dedução do montante de € 1.886.339,88, correspondente à majoração de quotizações pagas e donativos concedidos, tendo por base o disposto no art. 41º do CIRC e os benefícios fiscais relativos ao mecenato contemplados no Capítulo X do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que prevêm a consideração como custo do exercício não só do montante despendido como também de uma percentagem sobre o mesmo, desde que verificados os requisitos aí enunciados.
Dada a dimensão da listagem, foi selecionada uma amostra relativamente à qual foram solicitados os correspondentes documentos de suporte.
Da análise aos elementos fornecidos verificou-se que o sujeito passivo procedeu à majoração das verbas entregues às seguintes entidades:
a) Lisboa E-nova Agência Municipal de Energia e Ambiente, em 50%
b) Associação Museu da Imprensa, em 40%
c) Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, em 30%
d) Instituto Superior de Economia e Gestão, em 30%
Dada a especificidade destas instituições e das medidas que as contribuições efetuadas pretendem custear, proceder-se-á a uma abordagem individual com vista ao seu enquadramento fiscal:

a) Lisboa E-nova - Agência Municipal de Energia e Ambiente - € 5.000,00 -
(…)
b) Associação Museu da Imprensa - € 24.000,00 -
Foi apresentada a Fatura n.º 2008010, de 2008-01-15, no valor de € 120.000,00, com o descritivo de “Apoio mecenático” (cfr. Anexo 16).
A C.... contabilizou a referida prestação na subconta PCSB # “770102000 – donativos ao Estado Regiões autónomas e autarquias locais”, enquadrando-a na alínea a) do nº 1 do art. 62.º do EBF e majorando o custo em 40%, percentagem prevista no nº 2 do mesmo artigo, se o valor se destinar exclusivamente a fins de carácter social.
Conforme informação residente no site “www.museudaimprensa.pt”, “o Museu Nacional da Imprensa/Jornais e Artes Gráficas é propriedade de uma entidade cultural privada, sem fins lucrativos, a AMI Associação Museu da Imprensa, reconhecida pelo Estado como instituição de Utilidade Pública, com manifesto interesse cultural e abrangida pela lei do Mecenato Cultural”.
Assim, e porque o referido museu é pertença de uma entidade privada e não pública, a aceitabilidade fiscal do donativo encontra-se patente na alínea b) do n.º 6 do art.º 62.º do EBF.
A majoração a aplicar será então de 20% (al. a) do n.º 7 do art.º 62.º do EBF), porquanto a Caixa não ter demonstrado a existência de qualquer contrato plurianual celebrado para fins específicos, fixando os objetivos a prosseguir pela entidade beneficiária e os montantes a atribuir pelo sujeito passivo, condição que lhe permitiria usufruir de uma taxa de 30%.
Destarte, em face dos normativos aplicáveis e já citados, será acrescido ao lucro tributável o montante de € 24.000,00, correspondente ao excesso de majoração aplicada pelo sujeito passivo ao donativo efetuado à Associação Museu da Imprensa.

c) Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra - € 33.668,86 -
(…)
d) Instituto Superior de Economia e Gestão - € 25.500,00 -
(…)
III.2 – Imposto em falta
III.2.1 – Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas - IRC
III.2.1.1 - Dupla tributação Internacional (art.º 85.º do CIRC) - € 267.407,90 -
(…)
III.2.2 - Imposto sobre o valor acrescentado - IVA
III.2.2.1 - Dedução indevida de IVA (art.º 23.º, n.º 1, al. b) do CIVA) - € 26.892,01 -
(…)
III.3 – Montantes sujeitos a juros
III.3.1 - Provisões para imparidade em ativos financeiros disponíveis para venda não dedutíveis (art.º 34.º do CIRC) - € 835.921,00
(…)
IV. MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

Não aplicável.

V. CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Não aplicável.

VI. REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO S.P. NO DECURSO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
Não aplicável.

VII. INFRACÇÕES VERIFICADAS

(…)
VIII. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

Não aplicável

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
Através do ofício n.º 2483, de 2011-09-02, o sujeito passivo foi notificado para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia, por escrito ou oralmente, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT.
O direito de audição foi exercido pelo sujeito passivo, conforme articulado escrito que deu entrada nestes serviços em 2011-09-20 (ao qual foi atribuído o número de entrada n.º 2831), tendo manifestado discordância relativamente aos pontos III.1.3, III.1.11 III.1.13 e III.2.1.2 do Projecto de Relatório de Inspeção Tributária.
Relativamente ao exposto no mesmo, cumpre-nos informar o seguinte:

IX.1 - Correções à Matéria Tributável - IRC
IX.1.1 – Regime transitório (Art.º 57.º, n.º 2, al. j) da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)
- € 264.141,44
(…)
IX.1.2 – Proveitos não incluídos na Base Tributável (art.º 20.º do CIRC) - € 656.716,79 -
(…)
IX.1.3 – Encargos não dedutíveis (art.ºs 23.º e 18.º do CIRC) - € 4.379.647,47 –
Quanto à correção proposta no ponto III.1.3 do projeto, o sujeito passivo só contestou o montante de € 125.352,18, respeitante a encargos suportados no âmbito de uma apólice de seguro de responsabilidade civil em que a C.... figura como tomador que não lograram passar o teste de indispensabilidade dos custos patente no art.º 23.º do CIRC.
A Caixa alega que a inspeção tributária na sua fundamentação partiu de pressupostos de facto errados.
Neste sentido, afirma que o seguro em causa não respeita, nem pretende assegurar qualquer dever legal de prestação de caução ou de contratação de um seguro nos termos do artigo 396.º do CSC; antes cobre a responsabilidade da C.... decorrente da prática de atos ilícitos pelos seus administradores e colaboradores. Constituindo um custo que apenas poderá ser a si imputado, este deverá relevar para efeitos fiscais.
Efetivamente através da leitura dos documentos 1 e 2 que junta no seu direito de audição constata-se que o encargo em apreço não é relativo contrato de seguro que figura na primeira parte do n.º 2 do art.º 396.º do CSC. O sujeito passivo logrou assim comprovar que, com vista ao cumprimento daquela obrigação, os administradores contrataram seguros em que figuram como tomadores e segurados e que os mesmos pagaram o prémio relativo ao mínimo legal (€ 250.000,00).
Assim, considera-se agora ser inaplicável a al. c) do n.º 1 do art.º 42.º do CIRC, normativo referido no ponto III.1.3, porquanto a verba em apreço não conter parcela correspondente a encargo que incide sobre terceiros e que a Caixa não está legalmente autorizada a suportar, por via da aplicação do n.º 2 do art.º 396.º do CSC.
Porém considera-se que o sujeito passivo não comprovou que o seguro cujo prémio se encontra em debate pretende cobrir a responsabilidade da C.... decorrente da prática de ilícitos pelos seus administradores e colaboradores, conforme declarado no ponto 11.º da sua exposição.
É que a apólice apresentada pela Caixa (Anexo 3.4) contradiz esta afirmação. Tal como já foi dito, naquele documento os segurados e pessoas seguras são:
a) Administradores da C.... e/ou sociedades coligadas identificados no Anexo 1 das Condições particulares;
b) colaboradores que de facto ou na prática exerçam funções de gestão da sociedade;
c) qualquer colaborador da Caixa e/ou sociedade coligada (apenas quanto à garantia de “violação de regras de conduta laborais”);
d) administradores e gerentes que se encontrem em situação de reforma.
Destarte, o sujeito passivo não suportou documentalmente a alegação de que é a sociedade a beneficiária do seguro.
E, também como já foi dito, de acordo com o art.º 2.º das Condições Gerais, o objeto do contrato constitui a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, seja imputável aos segurados por erros ou faltas profissionais cometidas no exercício das suas atividades profissionais. Ora, a maioria dos segurados não exerce a sua atividade profissional na esfera do sujeito passivo, mas nas suas participadas, sujeitos passivos autónomos de imposto, pelo que não foi possível, também por esta via, encontrar um nexo de causalidade entre os custos suportados e os proveitos sujeitos a imposto.
Mantém-se deste modo a correção proposta no valor de € 125.352,18 por se considerar que não se encontram reunidos os requisitos indispensáveis à dedutibilidade fiscal destes encargos, tal como estatuído no art.º 23.º do CIRC.

IX.1.4 – Reintegrações e amortizações não aceites como custos (art.º 33.º, n.º 1 do CIRC) - € 123.732,60 –
Não foi exercido o direito de audição prévia no alusivo a esta correção proposta, pelo que a mesma será mantida com os fundamentos descritos no ponto III.1.4.

IX.1.5 – Provisões para imparidade em participações financeiras não dedutíveis (art.º 34.º do CIRC) - € 22.312,65 -
O sujeito passivo não exerceu o direito do contraditório no que se refere a esta correção proposta pelos Serviços de Inspeção no ponto III.1.5, pelo que a mesma deverá ser mantida com os fundamentos aí descritos.

IX.1.6 - Provisões para risco país não dedutíveis (Art. 35.º-A do CIRC) - € 1.243.561,31 –

Notificado para o efeito, não exerceu o sujeito passivo o direito de audição prévia no que respeita a este acréscimo ao lucro tributável, pelo que a correção proposta será mantida, com os fundamentos patentes no ponto III.1.6 do presente relatório de inspeção.

IX.1.7 – Provisões para menos valias de outras aplicações não dedutíveis (Art. 35.º-A do CIRC) - € 20.350,94 –
O sujeito passivo não se pronunciou quanto à correção efetuada no ponto III.1.7 do Projeto de relatório, pelo que aquela se mantém.

IX.1.8 - Indemnizações por eventos seguráveis (art.º 42.º, n.º 1, alínea e), do CIRC) - € 76.000,00 -
O sujeito passivo não apresentou qualquer argumento no que toca à correção proposta, pelo que a mesma será mantida com os fundamentos descritos no ponto III.1.8.

IX.1.9 - Despesas não devidamente documentadas (art.º 42.º n.º 1 alínea g) do CIRC) - € 134.654,67 –
Em sede de audição prévia, a C.... não se manifestou quanto a esta correção proposta, pelo que a mesma será mantida com os fundamentos descritos no ponto III.1.9.

IX.1.10 - Mais-valias fiscais (artºs 43.º e 44.º do CIRC) - € 6.068.780,19 -
O sujeito passivo não exerceu o direito do contraditório relativamente a esta correção ao lucro tributável proposta pelos Serviços de Inspeção no ponto III.1.10, pelo que a mesma será mantida com os fundamentos aí descritos.

IX.1.11 - Correções relativas a preços de transferência (art. 58º do CIRC) - € 16.198.401,68 –
No decurso do procedimento inspetivo, constatou-se que os suprimentos concedidos em 2000 e 2001, no valor de 326 525 m€, pela C.... à Caixa Seguros e Saúde SGPS, S.A. (NIPC 504 622 510), doravante Caixa Seguros SGPS, foram convertidos em empréstimo subordinado não remunerado.
Considerando que as contrapartes daquela operação se encontram numa situação de relação especial, nos termos preconizados na alínea a) do número 4 do artigo 58.º do CIRC, atendendo aos factos e circunstâncias daquela operação em concreto, a inspeção tributária procedeu à averiguação se os termos e condições definidos na mesma se encontram em conformidade com os termos e condições que teriam sido praticados se esta tivesse sido realizada entre entidades independentes, em circunstâncias comparáveis. Em resultado do trabalho desenvolvido, foi incluída no projeto de relatório de inspeção uma proposta de correção ao lucro tributável no montante de € 16 198 401,68, valor correspondente ao montante de violação do Princípio de Plena Concorrência na operação vinculada identificada.
Não se conformando com os argumentos advogados pela inspeção tributária (ponto III.1.11 do projeto de relatório), a C.... apresentou nos pontos 13 a 91 do direito de audição, um conjunto de argumentos que suportam a sua não concordância.
E não obstante todos eles estarem interligados, procedemos, por razões de sistematização, ao seu agrupamento por assunto, para efeitos de análise.
Assim, temos que:

i) Inexistência de ganho potencial de imposto nas datas em que foram contratualizadas e concretizadas as operações relevantes
No ponto 27 do direito de audição é referido que “(…) não existia nas datas em que foram contratualizadas e concretizadas as operações relevantes, qualquer intuito de ganho potencial de imposto, porquanto não era aplicável qualquer limitação à dedução fiscal dos juros suportados pela Caixa …………….. SGPS.”, nomeadamente a limitação constante do disposto no número 2 do artigo 32.º do EBF, a qual apenas foi introduzida com a Lei do Orçamento de Estado para 2003.
Relativamente a este argumento, é de salientar que a manipulação dos Preços de Transferência poderá ter motivações de natureza comercial e/ou fiscal ou relacionadas com a gestão do grupo, ou com o país de estabelecimento. No entanto, em todas as situações, a aplicação do Princípio de Plena Concorrência consubstancia-se no apuramento das consequências fiscais resultantes da definição de condições contrárias às normais de mercado.
Logo, a aplicação do Princípio de Plena Concorrência não se limita às operações em que se demonstre que, subjacente à sua ocorrência exista uma motivação fiscal, mas a todas as operações em que sejam definidos termos e condições que não correspondam aos que teriam sido fixados se as mesmas tivessem sido realizadas por entidades independentes, em circunstâncias comparáveis. Acresce que, o que foi referido na página 68 do projeto de correções e que se reitera é que “Da não dedutibilidade destes encargos financeiros na esfera tributária da Caixa …., a par do incumprimento do Princípio de Plena Concorrência nesta operação materializado numa omissão de proveitos na esfera tributária da C...., resulta uma economia de imposto lesiva para o Estado, em montante equivalente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas exigível sobre o quantitativo dos proveitos omissos.”, ou seja, por não ter sido reconhecido no exercício de 2008 (ano da inspeção) um proveito na esfera da Caixa, cuja contrapartida seria um custo não dedutível para efeitos fiscais na esfera da Caixa ….. SGPS, resultou uma economia de imposto lesiva para o Estado.

ii) Quanto à pretensa vontade da C.... em considerar os fundos concedidos como uma dotação de capital
No parágrafo 28 do direito de audição, o sujeito passivo refere que o facto de ter convertido parte dos suprimentos em capital social “demonstra a vontade das partes, e, em específico da C...., em considerar os fundos concedidos como uma dotação de capital.”
A este respeito cumpre-nos referir que, contrariamente ao referido pela C...., a vontade manifestada por esta, respeitou tão-somente ao montante de suprimentos convertido em capital nos exercícios de 2001 e 2002, o qual não faz parte das operações vinculadas em apreço, pois em relação ao montante dos suprimentos que foi posteriormente convertido em empréstimo subordinado não remunerado, a vontade da partes deverá ser aferida pelo destino que foi dado a esses fundos, ou seja, não foram convertidos em capital mas em empréstimo subordinado não remunerado.

iii) Quanto à boa-fé do sujeito passivo nos atos de gestão e ao princípio de liberdade de gestão
No ponto 29 do direito de audição a Caixa reivindica a sua boa-fé nos atos de gestão por si tomados e conduzidos. Adicionalmente, no ponto 61 desse documento, conclui da seguinte forma “Entende-se nesta matéria não ser de admitir que esta questione meras decisões de gestão e intervenha nas opções de investimento dos sujeitos passivos.” E acrescenta, “Em última instância, a concessão desse poder discricionário à Administração Tributária poderia levá-la a imputar muitas outras receitas aos contribuintes, e em particular à C...., decorrentes de outros negócios jurídicos que, na sua mente, esta devesse ter realizado com as muitas sociedades que consigo estão em relação de controlo comum.”
Em primeiro lugar, importa esclarecer que a Administração Tributária, em fase alguma deste processo, procedeu à tributação de negócios jurídicos que não ocorreram. O procedimento adotado consubstanciou-se na análise dos termos e condições definidos numa operação vinculada que as partes decidiram contratualizar, tendo demonstrado que se a mesma tivesse sido realizada por entidades independentes em circunstâncias comparáveis, teria sido definido um montante de juros que foi devidamente quantificado.
Por conseguinte, não se tributaram quaisquer outras operações que não as que efetivamente ocorreram.
Por outro lado, o facto de estarmos perante um ato de gestão legítimo em face do Direito Comercial não implica que em sede de Direito Fiscal, e nomeadamente em matéria de preços de transferência, se aceitem, sem mais, as suas consequências.
Paralelamente, não podemos ignorar o princípio subjacente à existência do artigo 58.º do CIRC no quadro normativo nacional, nomeadamente o facto desta norma ter tido como fonte inspiradora o artigo 9.º da CMOCDE, e de se tratar de uma norma que visa a determinação do “arm´s lenght pricing”, mas que para o cálculo desse preço de plena concorrência, socorre-se do “arm’s lenght behaviour”, sem se concluir pela exigência de que os sujeitos passivos deveriam ter-se comportado daquela forma, pois apenas se procede à extração das consequências fiscais, tendo por base o resultado que seria alcançado se as partes se tivessem comportado de acordo com as condições normais de mercado (ou seja, se tivessem tido um “arm’s lenght behaviour”).
No mesmo sentido, Alexandra Coelho Martins realça que “(…) parece inquestionável que à teologia do regime de preços de transferência subjaz a finalidade anti-abuso, apesar de os sistemas tributários prescindirem da verificação e comprovação da natureza elisiva da fixação dos valores das operações, desde logo, com vista a facilitarem o preenchimento das condições de aplicação do regime e conferir-lhe maior abrangência. Está, com efeito, implícito na normalização de preços de transferência, interna e internacional, o objetivo de prevenir que a visão agregada dos grupos empresariais se materialize em níveis de tributação inferiores aos que resultariam do funcionamento incondicionado das regras de mercado, nas entidades localizadas nos países de tributação mais elevada (por desvio correlativo dos lucros para entidades que registem prejuízos fiscais ou que se situem em países com regimes fiscais privilegiados).”
Quanto à definição da fronteira entre a liberdade de gestão empresarial e o alcance destas específicas medidas de combate à elisão fiscal (onde se insere obviamente o artigo 58.º do CIRC), António Moura Portugal refere que “Tratando-se de especiais casos ou limites à dedutibilidade, previstos em norma expressa, a solução é óbvia e decorre da lei, pois que esta limitação traduz a forma de combate à evasão fiscal eleita pelo legislador. Contudo, estas medidas específicas esgotam-se nas situações nelas previstas, daí advindo um limite para a Administração Fiscal, que não pode alargar ou estender as normas de incidência tributária, sob pena de violação do princípio da legalidade fiscal.” Continuando “Se é certo que tanto nas normas anti-abuso, como na cláusula geral do artigo 23.º estamos perante um mesmo fim informador – prevenir abusos de dedutibilidade ou evitar fugas ao Fisco – este desiderato é procurado por vias distintas: no primeiro caso, trata-se de prescindir dos valores fornecidos pelo contribuinte, limitando-os ou substituindo-os por valores normais, de mercado. No segundo caso, não há uma alteração do valor, mas apenas e tão só uma negação dos seus efeitos por via do comando legal e das exigências de comprovação e indispensabilidade.” E acrescenta, que “existem custos que, perfeitamente admissíveis do ponto de vista do Direito Comercial, não são dedutíveis para efeitos fiscais.”
Em suma, a correção em questão não coloca em causa a boa-fé das contrapartes da operação vinculada nem teve por base qualquer intromissão nas decisões da gestão, mas apenas a extração das consequências fiscais resultantes do incumprimento do princípio de plena concorrência, postura que tem acolhimento no disposto do artigo 58.º do CIRC.

iv) Quanto à necessidade de demonstrar todas as “options realistically available”
Ainda a respeito desta problemática da liberdade de gestão dos contribuintes e dos poderes da Administração Tributária, o sujeito passivo (ponto 64 do direito de audição), defendendo uma posição bastante extremista de aplicação do Princípio de Plena Concorrência, refere que “No limite, não bastaria provar a efetiva realização das operações e identificar comparáveis para os termos e condições praticados; As empresas teriam ainda de efetuar um levantamento demonstrativo de todas as operações alternativas, que, na teoria, se lhes poderiam colocar, contraditório ao preconizado pelas regras de preços de transferência nos diversos países e ao custo benefício enunciado no Preâmbulo da Portaria.”
Relativamente a este argumento, é de frisar que o número 6 do artigo 58.º do estipula que “O sujeito passivo deve manter organizada, (…) a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, (...) a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.”; pelo que incumbe sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar que nas operações vinculadas realizadas foram definidos termos e condições de plena concorrência. Daqui resulta que, de acordo com o quadro normativo nacional, o ónus de demonstração da aderência ao Princípio de Plena Concorrência encontra-se tipificado.
Por outro lado, o preâmbulo da Portaria 1446-C/2001, de 21/12, refere que “(…) nos casos de maior complexidade técnica, é aconselhável a consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria, e cuja adoção pelos países membros é objeto de recomendações aprovadas pelo Conselho desta organização internacional.”
E tal como relembrado pela C...., no ponto 68 do direito de audição, o parágrafo 1.15 das Guidelines da OCDE de 1995 refere que “(…) Na ponderação das condições de uma eventual operação, as sociedades independentes vão comparar essa operação com outras opções que realisticamente se lhes oferecem e só concluem a operação se não tiverem outra alternativa claramente mais vantajosa.”
A premissa de que a aplicação do Princípio de Plena Concorrência se baseia na noção de que as entidades independentes ponderam as “other options realistically available”, foi reforçado em 2010 com a revisão das Guidelines da OCDE, com a inclusão no capítulo IX das Guidelines da secção B.3 intitulada “Other options realistically available to the parties”

v) Quanto ao facto dos fundos não se assemelharem à figura de “quási-capital”
Nos pontos 30 e 47 do direito de audição, o sujeito passivo vem referir que os fundos cedidos à Caixa Seguros SGPS mais se assimilam a capital do que a dívida, pelo que o empréstimo subordinado assemelha-se a uma figura de quási-capital. Para o efeito, invoca como argumentos:
1. O facto de ter reclassificado o passivo existente para uma rubrica de capital próprio, que, em substância já o era, numa figura de quási-capital, i. é, um empréstimo subordinado, sem remuneração e com duração indeterminada;
2. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/1, as operações de redução de capital passam a ser operações mais céleres e, desde que cumpridos requisitos de rácios de capital, dependem apenas de deliberação em Assembleia Geral;
3. Não tendo sido alterado o contrato de sociedade, a conversão dos suprimentos em eventuais prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares não se afigurava uma opção;
4. O reembolso do empréstimo subordinado com carácter de perpetuidade, afigura-se mais limitativa do que o reembolso do capital, por este último estar condicionado a uma série de requisitos impostos pelo Instituto de Seguros de Portugal.
Relativamente ao primeiro argumento, é de salientar que, tal como já referido na página 63 do projeto de relatório, para efeitos de enquadramento destas operações à luz do Princípio de Plena Concorrência, é indiferente a qualificação jurídica destes financiamentos. Paralelamente, o facto dos empréstimos subordinados poderem ser classificados para efeitos de apresentação nas demonstrações financeiras como fundos próprios não é impeditivo da remuneração dessas cedências de fundos.
No que respeita ao segundo e quarto argumentos, convém relembrar que de acordo com o número 3 do artigo 4.º do Contrato de Empréstimo Subordinado “O reembolso antecipado, sem dependência do pré-aviso referido no n.º 1 da presente cláusula, poderá ainda ser efetuado no caso de o presente empréstimo subordinado ter deixado de ser considerado como elemento de margem de solvência da Segunda Contratante.” Daqui resulta que, contrariamente ao arguido pela C...., o reembolso dos empréstimos subordinados não passou a ser mais simples que a redução de capital, na medida em que o diploma invocado veio dispensar as operações de redução de capital de escritura pública. Por outro lado, dado que os empréstimos subordinados, a par dos capitais próprios, podem contribuir para a composição da sua margem de solvência, não colhe o argumento de que o reembolso do empréstimo subordinado com carácter de perpetuidade se afigura mais limitativo do que a redução do capital.
Relativamente ao terceiro argumento, importa referir que, tal como reconhecido pela C.... no ponto 37 do direito de audição, o contrato de sociedade da Caixa …………. SGPS para os exercícios de 2000 a 2002 “não previa a imposição aos seus acionistas de efetuarem prestações acessórias.”,
Ainda a este respeito, a Caixa, no ponto 31 do direito de audição, invoca que, no final de 2002, “poderia converter os suprimentos ainda “vivos” em capital social ou prestação acessória sob a forma de prestação suplementar (…) obtendo, no exercício de 2008, um resultado fiscal equivalente ao que hoje encontramos.” E acrescenta que a não concretização de tal conversão é explicada pelo facto do aumento de capital se afigurar como uma “figura demasiado rígida para o contexto dos negócios desenvolvidos por estas entidades, já que, a título de exemplo, uma potencial redução do mesmo apenas seria possível mediante autorização judicial.”
Neste particular, é de salientar, por um lado, que a C.... invoca que poderia obter a mesma tributação com uma operação que não realizou (a do aumento de capital). Depois para justificar a escolha da operação realizada com a que não efetuou, realçou a diferença entre ambas, pelo que não pode o sujeito passivo pretender que a Administração Tributária avalie as condições de mercado de uma operação efetivamente ocorrida com base noutra que nunca chegou a acontecer.
A C.... (ponto 37 do direito de audição) refere ainda que o contrato de sociedade da Caixa ……….. SGPS (à data P …………., SGPS, SA) não previa a imposição aos seus acionistas a possibilidade de efetuarem prestações acessórias, pelo que, nesse contexto, “tomou a opção que se afigurava mais adequada aos seus propósitos e da sua participada, e a tempestividade da conclusão desses atos, sem qualquer intuito de ganho fiscal associado.”
No que respeita às características das prestações acessórias, cumpre-nos referir que estamos perante uma questão meramente teórica na medida em que essa operação não ocorreu, dado que a opção recaiu sobre a conversão dos suprimentos em empréstimos subordinados não remunerados.
Em suma, apesar de estarmos a analisar uma operação virtual (porque a que efetivamente aconteceu foi o empréstimo subordinado não remunerado), se a opção tivesse recaído pela concessão de prestações acessórias, tal não significaria que teria que se concluir que essas cedências de fundos não pudessem ter um juro associado.
vi) Quanto à possibilidade de existência de compensações intencionais entre operações
A C...., nos parágrafos 50.º e seguintes do direito de audição, vem enumerar o montante de dividendos recebidos em resultado da sua participação na Caixa …………. SGPS, concluindo que estes constituem a remuneração pelos capitais investidos nessa participada.
Ao concluir desta forma, a Caixa está a reconhecer a existência de, por um lado, a violação do Princípio de Plena Concorrência nos empréstimos subordinados (taxa de juro inferior à de mercado), acompanhado de um possível aumento dos lucros da sua participada em virtude de ter obtido fundos sem qualquer custo associado, ou seja, o sócio deixa de receber uma remuneração de mercado no financiamento que efetuou, mas, na óptica do sujeito passivo, não ficará prejudicado, pois será compensado com um aumento de valor da sua participada em resultado do não pagamento de juros por parte desta em relação aos fundos que obteve junto do seu acionista e que configuram financiamentos obtidos.
A questão da existência de compensações intencionais é tratada no ponto 1.60 e segs das Guidelines da OCDE. Estaremos perante uma situação de compensações intencionais quando uma prestação é compensada em certa medida por contraprestações diferentes recebidas em troca dessa entidade.
No ponto 1.60 das Guidelines da OCDE, é reconhecido que acordos deste tipo são também por vezes celebrados entre empresas independentes, pelo que convém verificar a sua conformidade com o Princípio de Plena Concorrência na determinação do valor das diferentes contraprestações que são objeto de compensação.
O reconhecimento da existência de compensações intencionais entre entidades relacionadas por parte de algum dos intervenientes, não obsta ao requisito de cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, nas operações individualmente consideradas.
Por último, resta transcrever o ponto 71 do direito de audição “Não poderá, nesta matéria ainda ser ignorado que a exponente detém uma participação de 100% na Caixa ………….SGPS, sendo, por conseguinte, a única beneficiária de dividendos distribuídos e futuras mais-valias.” Na nossa opinião esta afirmação constitui uma evidência do vício de raciocino de que padecem alguns dos argumentos utilizados pelo sujeito passivo em sede do direito de audição, pois as operações vinculadas e a verificação do cumprimento do Princípio de Plena Concorrência nas mesmas, deverá ser efetuada numa perspetiva individualizada de cada umas das entidades intervenientes, não colhendo argumentos no sentido de que do ponto de vista do grupo é irrelevante se as condições definidas num determinado financiamento estão de acordo com as condições normais de mercado, pois, caso a remuneração auferida pelo acionista no financiamento que faz à sua participada seja inferior ao que cobraria se cedesse aqueles fundos a uma entidade independente, essa subvalorização de proveitos será compensada com maiores dividendos ou mais-valias superiores (se no futuro alienar essa participada). Dado que, por vezes a lógica empresarial dos grupos de sociedades faz com que nas operações intra-grupo possam ser definidas condições que não acautelem o interesse das diversas entidades que compõem esse grupo, o legislador fiscal introduziu no quadro normativo nacional o Princípio de Plena Concorrência por forma a que a tributação que recai sobre cada uma das sociedades que compõem o grupo, seja a que recairia se as mesmas agissem com total independência.
Por outro lado, esta afirmação vem realçar outro aspeto: a C.... só aceitou não remunerar os empréstimos subordinados à Caixa …….. SGPS porque detinha 100% dessa entidade, pelo que a não cobrança de juros seria compensada com eventuais distribuições de dividendos e futuras mais-valias. O Princípio de Plena Concorrência procura evitar que ao atender-se aos interesses do grupo como um todo, ignorando-se que cada uma das pessoas coletivas que constitui um contribuinte distinto, tenha que se estipular que cada uma das entidades tenha que ser tributada pelos resultados que reconheceria se nas operações que realiza fossem definidos termos e condições de mercado.

vii) Quanto à remissão efetuada para legislação australiana
No parágrafo 69 do direito de audição, o sujeito passive refere o que considera ser o “entendimento de países com larga experiência nestas matérias, nomeadamente a Austrália que, na sua Taxation Ruling 92/11 do Australian Taxation Office, designadamente o seu parágrafo 12, refere, em matéria de quási-capital, “The essential character of a loan is the lender’s entitlement to repayment, at some time in the future, of the property lent” e a alínea c) do parágrafo 51 onde se diz “An example of a circumstance in which Division 13 would not be applied to impute interest income would be the case where the Commissioner is satisfied that the contribution of funds should be treated as equivalent to an equity investment.”
Em primeiro lugar, cumpre-nos referir que a Taxation Ruling invocada em sede de direito de audição respeita a orientações ao nível das circunstâncias em que Division 13 of the Income Tax Assessment Act 1936 (ITAA) may be applied to impute interest income or to deny deductions for excessive interest expense in relation to loans. Ou seja, nas situações em que as partes qualificaram como empréstimo, quais os fatores a considerar para se avaliar se os juros dessa cedência/obtenção de fundos serão dedutíveis para efeitos fiscais. Ou seja, a questão neste documento é analisada na perspetiva inversa da operação vinculada em apreço.
Para melhor compreendermos a alínea c) transcrita pela C.... no ponto 69.º do direito de audição, convém analisar também as duas alíneas anteriores [alínea a) e b)] e que a seguir se transcrevem:
(a) The starting point in determining whether the Commissioner would exercise the discretion to apply Division 13 to a particular contribution of funds would be the legal relationship that is established by the transaction.
(b) Where the legal relationship established in a transaction is that between creditor and debtor, it could generally be expected that the transaction would be regarded as a loan to which Division 13 would be applied to impute interest income.
Da leitura às restantes alíneas cumpre-nos salientar que em primeiro lugar deve-se atender à relação contratual (legal) que é criada entre as contrapartes em resultado da operação vinculada em questão. Sempre que a relação criada seja uma relação de credor e devedor, então essa operação deverá ser considerada como um empréstimo, ou seja, aceita-se a dedutibilidade fiscal dos juros associados a essa cedência/obtenção de fundos.
A regra geral é elencada nas alíneas a) e b), sendo que a exceção constante da alínea c), encontra-se explanada nos parágrafos 52 e seguintes daquele documento. A este respeito, o parágrafo 60 daquele documento contém uma série de fatores que deverão ser ponderados para efeitos de qualificação de uma cedência de fundos como empréstimo (e consequentemente, os juros associados a esse financiamento serem dedutíveis para efeitos fiscais) ou como contribuição de capital (os juros associados a essa obtenção de fundos não são dedutíveis para efeitos fiscais, o quais a seguir se enumeram:
(a) The legal effect of the transaction;
(b) Repayment of principal;
(c) Purpose of the contribution;
(d) Debt equity ratio;
(e) Factors affecting the form of investment in a particular country;
(f) Written loan agreement;
(g) Ability to obtain finance from an unrelated third party.
Dado que estamos perante uma orientação emitida pela Administração Fiscal Australiana, a qual não é aplicável em território nacional, afigura-se com um interesse relativo a análise aprofundada cada um destes fatores. No entanto, cumpre-nos referir que o primeiro fator elencado é a relação legal decorrente da operação e, que a este respeito não restam dúvidas que a relação criada pelo contrato de empréstimo subordinado celebrado entre a C.... e a Caixa ……….. SGPS é uma relação de devedor/credor, não derivando do mesmo quaisquer direitos/obrigações associados à condição de acionista, por exemplo, não resultam do mesmo quaisquer direitos de voto.
Em suma, apesar da Caixa ter remetido para a legislação Australiana, a qual não é aplicável em território nacional, esta à semelhança das Guidelines da OCDE, acolhe o princípio genérico de que os financiamentos deverão ter um juro associado. A qualificação de um empréstimo como tal deverá ter em atenção a relação legal que deriva para as partes em resultado da operação vinculada em questão, sendo que como regra, se essa relação for uma relação de devedor/credor, então a operação em causa deve considerar-se como um empréstimo, ou seja, os juros associados a estas operações serão dedutíveis para efeitos fiscais. Adicionalmente, dado que a norma tem por objetivo delimitar as situações em que os juros associados às operações qualificadas pelas partes como empréstimos deverão ser aceites para efeitos fiscais, esta contém a indicação de um conjunto de fatores que poderão ser considerados para fundamentar que uma cedência de fundos qualificado pelas partes como empréstimo deverá se qualificado como quási-capital. Se pretendêssemos apurar se esses fatores ao caso concreto, concluiríamos que não estamos perante uma operação de quási-capital, porque, exemplificativamente:
· A obrigação legal que decorre para as contrapartes é uma relação de devedor/credor;
· Não estamos perante uma situação excecional em que a beneficiária dos fundos (a Caixa ……….. SGPS) não detinha capacidade para se financiar junto de terceiros. Pois tal como referido na página 60 do projeto de relatório de inspeção tributária “considerando a situação financeira da Caixa ………. patente nas respetivas demonstrações financeiras, as suas capacidades de endividamento não se encontram comprometidas, razão pela qual se poderiam financiar autonomamente nos mercados financeiros, em condições regulares de mercado e em termos consentâneos com o Princípio de Plena Concorrência.” Refira-se que a capacidade da entidade beneficiária dos fundos para se financiar junto de terceiros em condições normais de mercado, de acordo com o parágrafo 12 da Taxation Ruling 92/11 do Australian Taxation Office, o qual refere “The essential character of a loan is the lender’s entitlement to repayment, at some time in the future, of the property lent” e que foi mencionado pelo sujeito passivo no ponto 69 do direito de audição, constitui a principal característica para a qualificação de uma cedência de fundos como empréstimo.
viii) Quanto à determinação do montante de violação do Princípio de Plena Concorrência
A inspeção tributária, para efeitos de cálculo do montante de violação do Princípio de Plena Concorrência, considerou que a C.... teria auferido uma remuneração de mercado pelo financiamento concedido, no mínimo, equivalente à taxa Euribor a 12 meses, dado estarmos perante um financiamento de longo prazo (o prazo do contrato do empréstimo subordinado é indeterminado), pelo que “considera-se que a Euribor a 12 meses constitui o referencial de mercado interbancário mais apropriado para a remuneração destas operações.”
No ponto 80 e seguintes do direito de audição, o sujeito passivo, realçando a idoneidade que lhe é reconhecida nestas matérias, vem arguir que “a taxa adotada não se revelaria o melhor referencial de mercado” dado que considera que “o referencial mais utilizado, independentemente do prazo da operação, seria a Euribor a 1 mês ou, indiferentemente a 3 meses”, concluindo que estes dois últimos referenciais são mais representativos das práticas do mercado.
Em face deste argumento, invoca que caso tivessem sido considerados esses referenciais, a correção proposta no projeto de relatório de inspeção montante de € 16 198 401,68 reduzir-se-ia aos valores abaixo apresentados:

Referencial Euribor 1M Euribor 3M
Montante de juros (Ano de 2008) € 14.290.118 € 15 365 510

Relativamente ao argumento aduzido no sentido de que o referencial Euribor a 12 meses não é normalmente utilizado neste tipo de operações, cumpre-nos referir que na página 185 do Relatório e Contas da C.... relativo ao exercício de 2008 (nota 16 do Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais) é referido que “Os empréstimos subordinados concedidos ao Banco Caixa Geral têm vencimento a partir de 2024 e são remunerados a uma taxa indexada à Euribor a 12 meses.”
Apesar de em outras operações mencionadas na referida nota do ABDR terem sido utilizados outros indexantes (nomeadamente a Euribor a 3 e a 6 meses), é de salientar que no empréstimo subordinado concedido ao Banco ………….. (participada em 99,75% do seu capital social) foi utilizado este indexante, ou seja, é o próprio sujeito passivo a adotar um indexante que em sede de direito de audição considera não se revelar o melhor referencial de mercado.

ix) Se a opção recaísse sobre o custo médio de financiamento da C....
No parágrafo 85 do direito de audição, advoga-se que “a efetivar-se a proposta de correção da DSIT, no sentido de equiparar a operação em análise a um financiamento, então, tal correção deveria antes passar pela presunção de um juro, equivalente ao seu custo médio de financiamento.”
Relativamente a este argumento, cumpre-nos salientar que o raciocínio utilizado prende-se com uma ótica da desconsideração de custos. No entanto, a metodologia adotada pela inspeção tributária, a qual tem acolhimento no quadro legal aplicável (n.º 1 do artigo 58.º do CIRC) consubstanciou-se na comparação dos termos e condições fixados naquela operação vinculada com os termos e condições que teriam sido definidos por entidades independentes em circunstâncias similares. Daqui resulta, que o que importaria apurar, e foi convenientemente determinado pela Administração Tributária era a taxa de juro que a Caixa emprestaria a entidades independentes, e a este respeito, não restam dúvidas que esta entidade nos financiamentos que concede não se limita a repercutir o custo de obtenção dos fundos cedidos, pois caso contrário, não apuraria qualquer resultado com o exercício da sua atividade.
Em suma, o custo médio de obtenção de fundos da C.... não constitui um comparável mais adequado às circunstâncias concretas que possa ser considerado para efeitos de determinação das condições de plena concorrência num financiamento concedido por uma instituição bancária, na medida em que estas não praticam tais condições junto de entidades independentes, o que se compreende pelo facto desse preço não refletir as funções que normalmente são executadas por essas entidades de intermediação financeira (ex: essa taxa reflete também o custo associado à captação de depósitos).
Em face de tudo o que foi expendido, será mantida a correção ao lucro tributável no montante de € 16.198.401,68, em cumprimento do preconizado no art.º 58.º do CIRC
IX.1.12 - Diferença positiva entre o valor patrimonial definitivo do imóvel e o valor constante do contrato (artigo 58º-A do CIRC) - € 104.408,55 –
(…).
IX.1.13 - Imputação de lucros de sociedades residentes em países com regime fiscal privilegiado (art.º 60.º do CIRC) - € 1.399.767,50 -
A C.... discorda da reposição na base tributável, efetuada pela inspeção tributária, dos lucros distribuídos por uma sociedade participada – Banco ……………. sedeado em Cabo Verde – em cumprimento do disposto no nº 5 do artigo 60º do IRC, por entender que “a correção proposta parte de uma análise apenas parcelar dos factos relevantes”.
Basicamente expende que:
- A norma em questão estabelece um “mecanismo de desimputação, que permite à sociedade residente, que detém uma participação numa sociedade não residente, relativamente à qual aquela haja anteriormente imputados dividendos, que esta deduza à sua matéria coletável tais montantes, ilíquidos dos impostos sobre eles incidentes no estrangeiro, até ao limite das imputações anteriormente feitas” (ponto 97.º).
- O mecanismo de “desimputação” contido na norma em questão é “justificado pelo facto de os dividendos, efetivamente distribuídos em determinado exercício, resultarem de reservas constituídas com os lucros não distribuídos em anos anteriores, e que, como tal, terão já sido, antes da sua efetiva distribuição, tributados na esfera do sócio residente, nos termos do art.º 60.º do CIRC” (ponto 98º).
- “Tendo em conta a ratio legis que se lhe encontra subjacente, tal “desimputação, prevista no n.º 5 do artigo 60.º do Código do IRC, poderá ser efetuada a qualquer momento, apenas se exigindo, para o efeito, que o sócio prove que os dividendos distribuídos já foram anteriormente imputados e tributados em IRC” (ponto 99.º).
E com vista à melhor ilustração dos factos, diga-se, da interpretação por si defendida no que respeita à aplicação da norma em causa, junta um quadro resumo das imputações/desimputações e distribuições de dividendos efetuadas no período de 2000 a 2008 apurando os lucros imputados e ainda não deduzidos ao lucro tributável.
Com efeito, se dúvidas restassem quanto ao entendimento perfilhado pelo sujeito passivo o quadro revela claramente que aquele aponta no sentido de a norma permitir uma distributação na esfera do sócio de lucros obtidos por uma participada não residente e imputados nos termos do nº1 do artigo 60º, apesar de não haver lugar à distribuição dos mesmos, até à concorrência dos lucros distribuídos pela participada que não foram sujeitos à regra da imputação ao sócio residente por não se verificarem os pressupostos estabelecidos para a sua aplicação. (através da não inclusão na base tributável do sócio dos lucros distribuídos pela participada e não imputados ao sócio no ano em que foram obtidos por não se terem verificado os pressupostos que implicam a imputação). Vejamos, então, o alcance da norma que suscita divergências interpretativas.
O aditamento do artigo 60º ao CIRC pelo Dec-Lei nº 37/95, de 14 de Fevereiro, visou, como se refere no seu preâmbulo, “contrariar a acumulação, por residentes, de resultados em sociedades por ele controladas, situadas em território que lhes concede um regime fiscal privilegiado, e decorre diretamente do princípio da tributação numa base ilimitada dos rendimentos obtidos por residentes. Consiste, assim, dado o carácter presumidamente instrumental da sociedade controlada, num simples regime de antecipação da consideração para efeitos de tributação em Portugal dos lucros que cabem à participação do sócio residente. Isso traduz-se na imputação a este independentemente de distribuição, da parte dos lucros – após impostos – que lhe cabe, tendo em conta o capital social detido, mas com aplicação de um regime semelhante ao dos lucros distribuídos”
Ou seja, pretendeu-se tributar na esfera do sócio residente os lucros das sociedades participadas não residentes no ano em que são obtidos, independentemente de se vir a verificar a distribuição efetiva em períodos posteriores, embora a tributação esteja condicionada à verificação de algumas condições, conforme dispõe o nº 1do normativo legal.
E a tributação incidente no ano em que os lucros foram obtidos não é reversível. Porém havendo distribuição efetiva os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável do sócio residente desse período, pois, caso contrário seriam duplamente tributados.
E é este o mecanismo de “desimputação” que está previsto no nº 5. Só se pode desimputar o que foi imputado e, por conseguinte, se os lucros distribuídos num dado exercício não foram imputados ao sócio residente no ano da sua obtenção, então não podem ser excluídos de tributação.
Outro entendimento conduziria à reversão da tributação no ano em que os lucros foram obtidos pela associada e à consequente perda da eficácia fiscal da medida corporizada no nº 1 do artigo 60º do CIRC.
Em face do expendido e como os lucros distribuídos à C.... foram obtidos pelo Banco Comercial do Atlântico no exercício de 2007, conforme consta dos documentos de contabilização recolhidos no decurso da ação inspetiva, bem como do Relatório e Contas do BC (pág. 46), e não lhes foi aplicável o mecanismo de imputação previsto no nº 1, por nesse exercício não se verificar a condição do regime fiscal claramente mais favorável, não lhes pode ser aplicado o mecanismo de “desimputação” plasmado no nº 5 do preceito controvertido.
Assim, manter-se-á a correção inicialmente proposta no montante de € 1.399.767,50.
IX.1.14 - Majoração de Donativos (artigo 62.º do EBF) - € 88.168,86 –
Em sede de audição prévia, não contesta a C.... a correção proposta, pelo que a mesma será mantida com os fundamentos descritos no ponto III.1.14.
IX.2 – Imposto em falta
IX.2.1 - Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas - IRC
(…).
IX.2.1.2 - Pagamentos a não residentes (artigo 88º do CIRC) - € 283.330,74 –
(…)
IX.2.2 - Imposto sobre o valor acrescentado - IVA
(…)
IX.3 – Montantes sujeitos a juros
(…)
IX.4 – Correções ao lucro tributável solicitadas pela C.... em sede de audição prévia
IX.4.1 – Perdas relativas ao resgate de Unidades de Participação (art.º 23.º do CIRC) - (€ 2.358.710,56) -
(…)
IX.4.2 – Variações patrimoniais negativas (artigo 24º do CIRC) - (€ 200.000,00) -
(…)
G) Do Anexo 3.1 do relatório identificado na alínea anterior, contante de fls. 155 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. Responsabilidades (valores em milhares de contos)
b. Nº de Reformas
i. 1996 – 100
ii. 1997 – 158
iii. 1998 – 116
iv. 1999 – 117
v. 2000 – 368
vi. 2001 – 103
c. (…);
d. 1996 – 950
e. 1997 – 614
f. 1998 – 929
g. 1999 – 1 297
h. 2000 – 2 948
i. 2001 – 3 050
j. 2002 – 2 768
k. 2003 – 2 412
l. 2004 – 2 251
m. 2005 – 2 114
n. 2006 – 1 915
o. 2007 – 1 507
p. 2008 – 1164
q. 2009 – 833
r. 2010 – 330
H) Do Anexo 3.1 do relatório identificado na alínea anterior, contante de fls. 156 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. Plano do B... para Responsabilidade por Reformas Antecipadas
b. (…)
c. 2008
i. Milhares de contos 953;
ii. Euros – 4 753 543,96;
iii. Saldo Anual por diferir em milhares de contos – 503;
iv. Saldo Anual por diferir em euros – 2 508 953,42;
d. (…);
I) Da apólice de seguro de responsabilidade civil de administradores e diretores, constante de fls. 166 a 228 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. (…);
b. Tomador de Seguro / Segurado: Caixa ………………., SA;
c. Segurados e Pessoas Seguras:
i. Administradores da Sociedade Caixa ………….., SA e/ou das Sociedades Coligadas, conforme listagem sob anexo 1;
ii. Administradores de facto, entendidos estes como qualquer empregado da Sociedade e/ou Sociedades Coligadas que, de facto ou na prática, exercer funções de gestão da Sociedade, ou qualquer empregado cuja responsabilidade fique estabelecida por sentença transitada em julgado, na qualidade de Administrador da Sociedade;
iii. Em relação à garantia de «violação de regras de conduta laborais» é considerada pessoa segura qualquer empregado da Sociedade e/ou Sociedades Coligadas;
iv. Administradores e/ou gerentes que se encontrem em situação de reforma;
d. (…);
e. Período do Seguro: 1 ano com início às zero horas do dia 01 de Janeiro de 2008 e termo às vinte e quatro horas do dia 31 de Dezembro de 2008;
f. (…);
J) Do contrato de empréstimo subordinado outorgado em 2008.10.14, entre a impugnante Caixa …………, SA e Caixa …………., SGPS, SA, constante de fls. 297 a 289 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. (…);
b. Cláusula 1ª (Objeto): o presente contrato tem por objeto os empréstimos concedidos, em 2000 e 2001, pela [C...., SA] à [Caixa ……., SGPS, SA], no montante global de € 326 524 920,16, adiante designado por crédito;
c. Cláusula 2ª (Duração): o crédito tem duração indeterminada;
d. Cláusula 3ª (Subordinação do Empréstimo): o crédito, em caso de falência ou liquidação da [Caixa …………, SGPS, SA], ocupa uma categoria inferior relativamente aos créditos de todos os outros credores, ficando o pagamento de juros e o reembolso do mesmo subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, condição que se estipula a favor de todos e cada um dos credores não subordinados que a devedora ao tempo tiver sendo a obrigação de reembolso da devedora condicionada à prévia satisfação daqueles credores;
e. Cláusula 4ª (Reembolso):
i. O reembolso da dívida será feito de uma só vez, mediante um pré-aviso de cinco anos por parte da [C...., SA] à [Caixa ………., SGPS, SA];
ii. Mediante acordo prévio do Instituto de Seguros de Portugal, a [Caixa ………., SGPS, SA] poderá efetuar reembolso antecipado sem de pendência do pré-aviso referido no nº 1 da presente cláusula, devendo nesse caso a [Caixa ……….., SGPS, SA] informar o Instituto de Seguros de Portugal, pelo menos seis meses antes da data de reembolso prevista;
iii. O reembolso antecipado, sem dependência do pré-aviso referido no nº 1 da presente cláusula, poderá ainda ser efetuado no caso de o presente empréstimo subordinado ter deixado de ser considerado elemento de margem de solvência da [Caixa ………., SGPS, SA];
f. (…);
g. Cláusula 7ª (Produção de Efeitos): o presente contrato produz efeitos a partir de 01 de Setembro de 2008;
h. (…);
K) Em 2007.03.15, entre a impugnante Caixa ………………., SA e a Associação Museu da Imprensa, foi outorgado o protocolo de cooperação, constante de fls. 336 a 338 do processo em papel que aqui se dá com integralmente reproduzido, do qual se transcreve:
a. (…);
b. Pelo presente instrumento, a C.... compromete-se perante [Associação Museu da Imprensa], a constituir-se como Mecenas do Museu Nacional da Imprensa nos anos de 2007, 2008 e 2009, através do apoio financeiro da atividade global a ser desenvolvida por este Museu, no âmbito das Exposições Permanentes e do Porto Cartoon World Festival;
c. O apoio financeiro a que se refere o ponto 1 consistirá num donativo no valor global de € 360 000,00 (…);
d. A primeira prestação, no valor de €120.000,00 (…), será entregue à [Associação Museu da Imprensa] na data de assinatura deste Protocolo; a segunda e terceira prestações, também no valor de € 120 000,00 cada, serão entregues à [Associação Museu da Imprensa] no fim de Janeiro dos anos de 2008 e 2009;
e. O presente protocolo vigorará até 31 de Dezembro de 2009;
f. (…);
L) Em 2008.01.15, a Associação Museu da Imprensa emitiu a fatura nº ………., constante de fls. 328 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida, relativa a apoio mecenático, no montante de € 120 000,00;
M) Em 2011.10.31, foi emitida a liquidação adicional de IRC do exercício de 2008 nº ……….126, com valor a pagar de € 8 626 134,42 (cf. fls. 307 do processo em papel);
N) Com data de compensação de 2011.11.04, foi emitida a demonstração de liquidação de juros constante de fls. 308 do processo em papel e que aqui se dá como integralmente reproduzida, no montante total de € 9 715,30;
O) Com data de compensação de 2011.11.04, foi emitida a demonstração de acerto de contas, documento nº ……………451, constante de fls. 310 do processo em papel e que aqui se dá como integralmente reproduzida, com saldo a pagar de € 8 626 134,42 e data limite de pagamento de 2011.12.14;
P) Em 2011.12.14, a Impugnante satisfez na Tesouraria da Fazenda Pública € 8 626 134,42 relativo à demonstração de acerto de contas, documento nº 2…………451 (cf. fls. 310 do processo em papel);
Q) Em 2012.03.13, no Tribunal Tributário de Lisboa, deu entrada a presente impugnação (cf. fls. 2 do processo em papel);
R) Em 2012.03.13, a Companhia ……………, SA, declarou que a apólice de seguro nº 9251619 – responsabilidade civil dos administradores, gerentes e diretores, cujo tomador do seguro é a Caixa …………., SA, se encontra em vigor e que nas anuidades 2008 a 2011, a parte do prémio respeitante à impugnante Caixa ………….., SA é de 93%, sendo o remanescente respeitante às outras empresas do Grupo (cf. fls. 312 do processo em papel).

X
Factos não provados: //Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.”
X
“Motivação da decisão de facto // decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos, informações e pareceres constantes do processo e no depoimento das testemunhas que os confirmaram, ouvidas no âmbito do processo de impugnação nº 2016/12.5BELRS, F ……..………., A ………………….., António ……………… e Andréa ………………. e no depoimento de A……… Manuel ……………., ouvido novamente no âmbito dos presentes autos que tinham conhecimento direto dos factos a que depuseram, de forma serena, tranquila e pormenorizada. //A 1ª Testemunha, F ………………………, é economista e trabalha para a Impugnante, descreveu detalhadamente o financiamento da Caixa ……………através de suprimentos e as condições de concessão do empréstimo subordinado concedido, emitindo opinião sobre o seu enquadramento contabilístico. //A 2ª Testemunha, A………….…………….., é empregado bancário e trabalha para a Impugnante desde 1980; e falou sobre as condições em que o contrato de seguro de responsabilidade civil foi celebrado. //A 3ª Testemunha, ouvida no âmbito do processo que correu termos sob o nº 2016/12.5BELRS, A……… Manuel ……………., trabalha para a C...., SA, desde 1992, e depôs também sobre o contrato seguro de responsabilidade civil celebrado. //Foi ainda ouvida Andréa …………….., Inspetora Tributária, que confirmou os factos constantes do Relatório de Inspeção e que relativamente ao contrato de seguro reiterou não ser possível individualizar a percentagem do prémio imputável aos segurados e à impugnante C...., SA.// No âmbito dos presentes autos, foi novamente ouvido, A……….. Manuel …………….., economista, que trabalha para a C.... desde 1992, exercendo funções como Coordenador da Unidade Fiscal, tendo acompanhado, nessa qualidade, a ação de fiscalização; descreveu a situação das participadas sediadas em países com regime fiscal privilegiado, nomeadamente o Banco ……………, sediado em Cabo Verde, e sobre a distribuição de dividendos; no ano de 2008, a C...., SA, recebeu os dividendos relativos a exercícios anteriores, pelo que em seu entender, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 66º CIRC, tratando-se de empresa participada, naquele valor estão incluídos dividendos relativos a outros exercícios, nomeadamente anteriores a 2007. Confrontado com os documentos juntos pela Fazenda Pública confirmou que os mesmos se referem a dividendos do ano de 2007.”
X
Na conclusão a), a recorrente/C.... pretende o aditamento ao probatório de elementos que identifica. A recorrente não indica os concretos meios de prova, nem os quesitos do probatório que pretende reverter (artigo 640.º do CPC). Mais se refere que a indicação genérica da prova testemunhal para certificar alegados fluxos financeiros e invocados registos contabilísticos, sem o cruzamento com outros elementos de prova, não se oferece adequada.
Motivo porque se rejeita a presente imputação.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. São interpostos dois recursos. A impugnante recorre contra a sentença na parte em que lhe é desfavorável. A Fazenda Pública recorre contra a sentença na parte em que lhe é desfavorável.
2.2.2. Do recurso da impugnante.
A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento na determinação da matéria de facto [apreciado supra].
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, por referência à correcção relativa a Dos encargos não dedutíveis com reformas antecipadas dos trabalhadores do ex-B..., no montante de € 4 254 295,29
iii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, por referência à correcção relativa a Das correções relativas a preços de transferência, no montante de € 16 198 401,68
iv) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, por referência à correcção relativa a Da imputação de lucros de sociedades residentes em países com regime fiscal privilegiado no montante de € 1 399 767,50.
2.2.2.1. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente alega nos termos seguintes: «[n]ão se pode deixar de entender que o valor a considerar como custo deve ser sempre o valor efetivamente suportado, seja este inferior ou superior ao que resultaria da imputação de um décimo dos encargos contabilizados, ao abrigo das regras impostas pelo Banco de Portugal»; «A Autoridade Tributária, ao aceitar, no âmbito do procedimento inspetivo levado a cabo ao exercício de 2008 da ora Recorrente, como custo fiscal da C...., apenas um custo contabilístico - ou seja, o valor da dedução prevista, para o ano de 2008, no âmbito do plano de amortização do ex-B... -, sem considerar o custo efetivo, ignorou o disposto nos art. 18º e 23º do Código do IRC, o que a sentença Recorrente, embora indevidamente, sancionou»; «A ora Recorrente deverá, assim, ser reconhecido o direito a deduzir ao seu lucro tributável, relativo ao exercício de 2008, uma variação patrimonial negativa, no montante de € 9.007.839,25, correspondente aos valores pagos, em tal exercício, pelo Fundo de Pensões aos reformados antecipadamente do ex-B..., anulando-se, assim, nesta parte, a douta sentença recorrida e, consequentemente, a correção determinada pelas Autoridades Fiscais no montante de € 4.254.295,29».
Por seu turno, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

«Nos exercícios de 2002 e 2003, a Impugnante não deduziu qualquer valor a título de custos com reformas antecipadas e nos anos subsequentes 2004 e 2005, deduziu ao seu lucro tributável, a título de variação patrimonial negativa, o montante das reformas antecipadas efetivamente pagas pelo Fundo de Pensões aos trabalhadores do ex-B..., de € 12 349 418,62 e € 11 754 155,29, respetivamente. // No exercício de 2008, os SIT entenderam, porém, que a Impugnante apenas poderia considerar uma dedução de € 4 753 543,96, a título de variação patrimonial negativa, correspondente à parcela de custos com responsabilidades por reformas antecipadas, inscritas no plano de diferimento destes trabalhadores do ex-B.... // (…) // Todavia, para o exercício de 2008, a Impugnante defende o abandono do plano de amortizações acordado, sustentando que nos termos dos artigos 18º e 23º CIRC, o custo associado com as responsabilidades com as reformas antecipadas deve ser reconhecido, para efeitos fiscais e em obediência ao princípio da especialização de exercícios, quando ocorra o efetivo dispêndio. // Por seu turno a Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que o valor a considerar como custo pela Impugnante será antes o valor das dotações efetuadas pelo ex-B... e repercutidas no plano de diferimento de custos aprovado. (…) // Assim, e pese embora a sujeição de todos os entes, públicos e privados, às normas tributárias a verdade é que a Impugnante é uma instituição bancária e como tal encontra-se abrangida pelas diretivas emanadas do Banco de Portugal, nomeadamente no que concerne às opções contabilísticas a adotar, sendo que lhe é aplicável a regra ao artigo 3º do Aviso nº 12/2001 do Banco de Portugal. // Ora, sem prejuízo de o princípio da especialização dos exercícios, postulado no artigo 18/1 do CIRC, impor o reconhecimento dos proveitos e dos custos no exercício em que são obtidos ou gerados, de acordo com o regime da periodização económica, no caso dos autos, porém, há que conjugar este princípio com o princípio da proporcionalidade, por forma a garantir que os encargos do exercício tenham uma efetiva conexão com os montantes transferidos para o fundo de pensões nos exercícios anteriores. // Na verdade, a imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efetuadas afetam o respetivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respetivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos ou recebimentos [ MORAIS, Rui Duarte, APONTAMENTOS AO IRC, Almedina, 2007, pág. 64 ] // Temos assim que o plano de amortização das reformas submetido e aprovado visa a imputação dos custos a cada exercício, respeitando, pois, o princípio da especialização de exercícios, ajustado em função das necessidades de amortização dos encargos com as pré-reformas dos trabalhadores, tal como foi definido no plano de dotação do Fundo de Pensões. Logo, a imputação de custo superior ao previsto viola o plano colidindo, nessa exata medida, com o princípio da especialização de exercícios. // Ora, o que violaria o princípio da especialização dos exercícios seria precisamente a imputação no exercício em causa dos encargos incorridos em 2008, quando os mesmos não são proporcionais à dotação do Fundo de Pensões e ao plano de amortização, apresentado pela Impugnante, quando sucedeu na posição do ex-B..., pois que a imputação dos débitos em causa é regulada, no caso, por tal instrumento, assegurando-se assim a observância do critério económico».

Apreciação. A este propósito, escreveu-se no Acórdão do TCAS, 23-04-2015, P. 08149/14 (1), «que a aplicação do plano de amortização das reformas em causa tem em vista a imputação dos custos a cada exercício, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, ajustado em função das necessidades de amortização dos encargos com mencionadas reformas, tal como foi definido no plano de dotação do Fundo de Pensões, donde decorre que a imputação de custo superior ao previsto, viola o referido plano e colide com o próprio princípio da especialização dos exercícios. Motivo porque se afigura improcedente a presente linha de argumentação. Por outras palavras, o que viola o princípio da especialização dos exercícios é a imputação no exercício em causa dos encargos incorridos em 2005, quando os mesmos não são proporcionados à dotação do Fundo de Pensões e ao plano de amortização, subscrito pela impugnante, quando sucedeu na posição do ex-B..., pois que a imputação dos débitos em causa é regulada, no caso, por tal instrumento normativo, assegurando a observância do critério económico».
No mesmo sentido, pronunciou-se o STA, através de Acórdão do Pleno da Secção Tributária, de 19-10-2022, p. 0915/11.0BELRS 0738/16. No mesmo consigna-se que há que conjugar o princípio da especialização dos exercícios com o princípio da proporcionalidade, de modo a garantir que os encargos do exercício tenham uma relação efectiva com os montantes anteriormente entregues ao fundo de pensões nos exercícios anteriores. Considera-se aí que “decisivo para o sentido decisório foi a ponderação entre o princípio da especialização dos exercícios, que imporia a adopção do critério sustentado pela Recorrente, e o princípio da proporcionalidade, que justificaria que continuasse a ser utilizado o critério que foi proposto pelo B. à AT e por esta aceite e que foi o utilizado em exercícios anteriores, em ordem a garantir a uniformidade de práticas ao longo do período da vigência do plano de amortizações submetido pelo B. e, assim, a «garantir que os encargos do presente exercício tenham uma efectiva conexão com os montantes anteriormente entregues ao fundo de pensões nos exercícios antecedentes»”. Refere-se ainda «que, independentemente da validade do critério utilizado, a sua alteração durante o período de vigência do plano de amortização, depois de o mesmo ter sido utilizado (a pedido do sujeito passivo e com a anuência da AT) ao longo de exercícios anteriores, poria em causa a requerida harmonia da tributação ao longo dos exercícios em que vigora o referido plano.» Invoca ainda que a fundamentação da AT «não se afasta como critério de aplicação geral o da relevância dos valores efectivamente pagos pelo Fundo de pensões; ao invés, a AT põe a tónica da justificação da correcção na circunstância, a que confere decisiva relevância, de a ora Recorrente ter alterado a prática anteriormente seguida, afirmando textualmente que não tem sido esse o critério que «tem sido seguido e aceite pela DGCI» e que a correcção é efectuada por a ora Recorrente não ter seguido esse critério». (2) De onde resulta que a correcção em exame não merece a censura que lhe foi dirigida, pelo que deve ser mantida.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso deve ser confirmada.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), referente a correções relativas a preços de transferência, no montante de € 16 198 401,68, a recorrente sustenta que o método de comparação aplicado não é o adequado, propondo o método do custo majorado.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«Como referido no relatório o que, aliás, é confirmado pela Impugnante, a Caixa ……….. e Saúde, SGPS, SA, não atravessava uma situação de dificuldades financeiras, tendo inclusivamente distribuído dividendos à acionista no exercício em causa, reforçando a conclusão a que se chega de que a operação em causa tem mais caraterísticas de financiamento do que de reforço do capital social e de solvibilidade da seguradora. // Anote-se que se trata de uma operação vinculada [cf. artigo 1/3.b) da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro], e que se considera como método mais apropriado para cada operação aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequação justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis (cf. artigo 4/2 – Id.). // De todo o modo, incumbe ao sujeito passivo a confirmação dos valores que seriam obtidos mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada no caso de existirem dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método (cf. artigo 4/4 da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro). // Trouxe apenas os cálculos efetuados caso fosse adotado o Método do Custo Majorado e no âmbito do referido método, o preço de plena concorrência partindo do custo médio de funding da C...., acrescido de um spread de 0%. Mas não convenceu».

Apreciação. A fundamentação da correcção em exame consta do ponto III.1.1. do Relatório Inspectivo.
Da análise da fundamentação da correcção em exame resulta o seguinte:
Análise
1.1. Da subordinação das operações ao Princípio de Plena Concorrência pela existência de relações especiais entre as entidades intervenientes (…) //
De acordo com a informação coligida, a C.... detém, por via direta, a totalidade do capital da Caixa ………., e por via indireta, a totalidade do capital da Companhia ……………….. SA, pelo que, consequentemente, a C.... e as sociedades suas participadas a que ante se aludiu, qualificam-se como entidades relacionadas na aceção prevista na al. a) do n.º 4 do art.º 58.º do CIRC, estando subordinadas à aplicação do Princípio de Plena Concorrência preconizado no n.º 1 do mesmo normativo legal, nas operações comerciais e financeiras entre si realizadas.
Nesta conformidade, e enquanto operação financeira, a concessão de financiamentos, quer sob a forma de suprimentos, quer sob a forma de empréstimos subordinados, pela C.... às suas afiliadas, qualifica-se como operação vinculada, estando assim sujeita ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, estatuído no n.º 1 do art.º 58.º do CIRC.

1.2. Da determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes (…) //
Mais acresce que, em conformidade com os Relatórios e Contas das afiliadas relativos ao período compreendido entre os exercícios de 2005 a 2009, se verifica que ambas as sociedades se encontram numa situação financeira sólida, estável e geradora de resultados líquidos positivos:

« Quadro no original»

Refira-se ainda que, no caso particular da Caixa Seguros, a sua estabilidade financeira é reiterada pela existência de distribuição de dividendos ao acionista, quer em 2008, quer em 2009, pelos montantes evidenciados na sua Demonstração de Variações de Capital Próprio Individual, que consta do Anexo 10.
Pelo exposto, constata-se não existir evidência de que o financiamento concedido pela C.... à sua afiliada se possa enquadrar em alguma das três hipóteses de concessão de financiamentos cuja inexistência de uma remuneração associada se poderia encontrar legitimada à luz do Princípio de Plena Concorrência, em conformidade com as orientações da OCDE internacionalmente aceites.
Mais acresce que, considerando a situação financeira da Caixa …….patente nas respetivas demonstrações financeiras, as suas capacidades de endividamento não se encontram comprometidas, razão pela qual se poderiam financiar autonomamente nos mercados financeiros, em condições regulares de mercado e em termos consentâneos com o Princípio de Plena Concorrência.
E não obstante a supressão das necessidades de financiamento da sua participada se poder operar junto da C...., será de aplicar o princípio geral de que este empréstimo entre entidades relacionadas deverá suportar juros desde que os tivesse suportado entre entidades independentes em circunstâncias análogas. (…) //
Ora a Caixa, desenvolvendo uma atividade de natureza eminentemente bancária, tem acesso à colocação dos fundos de que dispõe, em condições diversas de investimento, consoante a combinação do binómio rentabilidade / risco que esteja disposta a assumir, sendo-lhe possível aplicar os fundos cedidos às suas afiliadas auferindo uma remuneração de mercado, pelo que nenhuma entidade independente, agindo de um modo comercialmente racional, abdicaria de auferir tal remuneração.
Aliás, o sujeito passivo, na resposta prestada, em 2011-05-18, no âmbito do pedido de elementos efetuado, vem suscitar alguns fundamentos suplementares para a inexistência de remuneração associada a estas operações, que, em nosso entendimento, não deverem ter acolhimento.
Com efeito, a C.... refere que a inexistência de remuneração nos financiamentos efetuados sob a forma de empréstimos, decorre da finalidade e respetivo enquadramento prudencial do empréstimo subordinado, quase capital próprio que por natureza é não remunerado, além de que o empréstimo que lhe deu origem já não o era. Mais defende, que atentas as características deste tipo de empréstimos (cfr. o disposto no Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril) e, em particular, o objetivo por estes prosseguido, se entendeu que, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista jurídico, não se afigurava adequado estabelecer qualquer remuneração a título de juros.
Ora, somos conduzidos a concluir que o sujeito passivo está a efetuar uma leitura extensiva do disposto no diploma que estabelece o Regime Jurídico do Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora em Portugal, extraindo daí ilações entre as normas prudenciais e as normas tributárias lesivas do Princípio de Plena Concorrência.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 94-B/98 define, entre outros, as garantias financeiras de que as empresas sujeitas à sua supervisão devem dispor para fazer face aos riscos inerentes à sua atividade, a saber, as provisões técnicas, a margem de solvência e o fundo de garantia (vide n.º 1 do art.º 68.º). O art.º 93.º daquele normativo legal vem explicitar o conceito de margem de solvência, que corresponderá ao património da seguradora, livre de qualquer obrigação previsível e deduzido dos seus elementos incorpóreos.
Por sua vez, os artigos 96.º e 97.º do mesmo diploma legal definem os elementos do património das seguradoras que contribuem para a determinação da margem de solvência, estabelecendo-se quanto, aos empréstimos subordinados, a percentagem da margem de solvência que os mesmos podem assumir, bem como as condições que os mesmos devem preencher para serem elegíveis para integrar a margem de solvência de uma seguradora, a saber:
a) Consideração, apenas, dos fundos efetivamente recebidos;
b) Fixação do prazo inicial para os empréstimos a prazo fixo em, pelo menos, cinco anos, devendo a empresa de seguros apresentar ao Instituto de Seguros de Portugal, para aprovação, o mais tardar um ano antes do termo do prazo, um plano indicando a forma como a margem de solvência será mantida ou colocada ao nível desejado no termo do prazo, a menos que o montante até ao qual o empréstimo pode ser incluído nos elementos da mencionada margem seja progressivamente reduzido durante, pelo menos, os cinco últimos anos anteriores à data do vencimento, podendo o Instituto de Seguros de Portugal autorizar o reembolso antecipado desses fundos, desde que o pedido tenha sido feito pela empresa de seguros emitente e que a sua margem de solvência não desça abaixo do nível exigido;
c) Reembolso, não estando fixada data de vencimento da dívida para os empréstimos, mediante um pré-aviso de cinco anos, a menos que tenham deixado de ser considerados elementos da margem de solvência ou que haja acordo prévio do Instituto de Seguros de Portugal para o reembolso antecipado, caso em que a empresa de seguros informará este Instituto, pelo menos seis meses antes da data do reembolso, indicando a margem de solvência efetiva e exigida antes e depois do reembolso, só devendo o referido Instituto autorizá-lo se a mencionada margem não descer abaixo do nível exigido;
d) Não inclusão, no contrato de empréstimo, de cláusulas que estabeleçam, em circunstâncias determinadas, o reembolso da dívida antes da data acordada para o seu vencimento, exceto em caso de liquidação da empresa de seguros;
e) Alteração do contrato de empréstimo apenas com autorização do Instituto de Seguros de Portugal.
Ora, nada se impõe neste diploma legal quanto à inexistência de remuneração associada aos empréstimos subordinados que venham a integrar a margem de solvência de uma instituição seguradora, nem numa óptica legal extra-prudencial tal requisito existe ou é aplicável às operações controvertidas.
Mais acresce que, não obstante os empréstimos subordinados, a par dos capitais próprios de uma entidade sujeita à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal, poderem contribuir para a composição da sua margem de solvência, podendo assim servir de garantia face aos riscos decorrentes da sua atividade, não existe qualquer imperativo legal que os assimile a capitais próprios para quaisquer efeitos que não sejam os da sua integração na margem de solvência, mantendo a sua substância enquanto instrumentos de financiamento de longo prazo, e como tal suscetíveis de serem remunerados em condições normais de mercado.
Ainda que a existência de empréstimos subordinados possa desonerar uma entidade sujeita à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal, da necessidade de reforçar os seus fundos próprios em virtude da existência de uma margem de solvência inferior à que constitui o limite mínimo exigível pelas normas prudenciais aplicáveis, tal não implicará também a sua conversão ou assimilação a capitais próprios para os demais fins.
E tanto assim é que contabilisticamente esta assimilação não é corroborada, o que se encontra explícito no Balanço Individual da Caixa ……, que constitui o Anexo 11 da presente Informação, no qual tais fundos se encontram evidenciados numa rubrica de capitais alheios, i.e., no passivo da sociedade.
Assim, o sujeito passivo, a coberto do facto de os empréstimos subordinados poderem contribuir para a margem de solvência da Caixa …………, a par dos Capitais Próprios desta sociedade, pretende que os mesmos sejam assimiláveis a estes para efeitos do seu enquadramento à luz do Princípio de Plena Concorrência, pretensão esta que não tem qualquer suporte legal (do ponto de vista prudencial, tributário ou estritamente legal), e que, como tal não poderá ter acolhimento.
Refira-se ainda que, para efeitos do enquadramento destas operações à luz do Princípio de Plena Concorrência, é indiferente a qualificação jurídica destes financiamentos, quer como suprimentos, quer como empréstimos subordinados, dado que em ambos os casos impera a subordinação ao princípio de que qualquer financiamento deverá suportar juros desde que os tivesse suportado em circunstâncias análogas entre partes independentes, excluída que esteja qualquer um das situações particulares identificadas nos parágrafos 194 e seguintes do Relatório da OCDE de 1979.
Em síntese, poder-se-á dizer que, se a operação fosse realizada entre entidades independentes:
· Na perspetiva do mutuante (C....), esta apenas estaria disposta a conceder um financiamento se obtivesse uma remuneração;
· Na perspetiva dos mutuários (Caixa ……. e …………), estes para obterem os fundos de que necessitariam, aceitariam pagar uma remuneração de mercado.
Face ao exposto temos que a não remuneração dos financiamentos concedidos pela C.... às suas afiliadas apenas ocorreu porque estamos em presença de operações realizadas entre entidades relacionadas, pois se estivéssemos perante operações realizadas entre entidades independentes, o mutuante apenas entraria na operação se obtivesse uma remuneração, pelo que se conclui pela existência de uma violação do Princípio de Plena Concorrência, previsto no n.º 1 do art.º 58.º do Código do IRC».

No que respeita ao método adoptado para a fixação do preço de transferência, consta do relatório inspectivo o seguinte:
1.3. Da seleção do método mais apropriado de fixação do preço de transferência
(…) //
O Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) consiste em comparar o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação vinculada com o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação comparável não vinculada. Este método pode ser utilizado, designadamente, quando o sujeito passivo em análise, ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo, realiza uma operação da mesma natureza, que tenha por objeto um serviço idêntico, com uma entidade independente. Desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o MPCM constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência. Por consequência, neste caso deve ser dada preferência a este método sobre todos os demais.
De igual forma, o número 1 do art.º 6.º da Portaria 1446-C/2001 refere que “a adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes”, o que significa que, podendo ser aplicado, satisfaz a condição prevista no n.º 2 do art.º 4.º da mesma portaria sendo por isso considerado o método mais apropriado.
Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes condições:
a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;
b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.
O Método do Preço Comparável de Mercado assume-se, assim, como o método mais adequado a aplicar, sendo que a sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais direta de determinar se as condições acordadas entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência. Deste modo, uma vez que, conforme se referiu, se encontram reunidas as condições de aplicação deste método às operações financeiras em análise, encontra-se perfeitamente justificada a escolha deste método em detrimento dos demais.

1.4. Da pesquisa de uma operação comparável
Em conformidade com a explanação já efetuada, o Método do Preço Comparável de Mercado pode ser utilizado comparando as condições ocorridas numa operação vinculada com as condições praticadas numa operação realizada com uma entidade independente.
De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º da Portaria “duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas, ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”
Em conformidade com o parágrafo 199 do Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979 “Preços de Transferência e Empresas Multinacionais”, quando se pretende determinar o que se entende por empréstimo comparável ou similar, será necessário atender aos seguintes fatores: o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objetivo, a divisa em que se encontra especificado, e a situação financeira do mutuário.
Ora, tal como já referido, a C.... desenvolvendo uma atividade de natureza eminentemente bancária, e dada a sua importância no mercado bancário nacional e internacional, é uma das instituições financeiras que integram o painel de instituições que contribuem para a fixação da taxa Euribor, que corresponde à taxa de juro média à qual os Bancos Europeus da zona Euro emprestam fundos entre si.
Esta taxa de remuneração é uma das taxas de referência para os agentes económicos na Europa, e é considerada uma taxa de remuneração isenta de risco, dado o perfil das instituições que contribuem para a sua cotação, e que a suportam na qualidade de mutuários, sendo correntemente utilizada para estabelecer a remuneração a pagar no quadro de operações de cedências de fundos, contexto no qual é adicionada de um spread, cujo objetivo é remunerar o risco de crédito associado à entidade tomadora dos fundos.
Neste sentido, e no quadro de uma operação firmada entre entidades independentes, mais especificamente instituições de crédito da zona Euro, seria possível à C.... ceder fundos remunerados a uma taxa mínima correspondente à taxa Euribor aplicável à maturidade do empréstimo concedido, pelo que se nos afigura encontrar-se legitimado o recurso a este referencial do mercado monetário interbancário como taxa de remuneração mínima comparável para o enquadramento das operações controvertidas à luz do Princípio de Plena Concorrência, considerando que nenhuma entidade independente, agindo de um modo comercialmente racional, abdicaria de auferir tal remuneração, mediante a aplicação de tais fundos a título gratuito no financiamento das suas afiliadas.
Concretizando, se na concessão do financiamento pela Caixa à sua afiliada, tivessem sido contratados, aceites e praticados os mesmos termos contratados, aceites e praticados na operação comparável entre entidades independentes, esta teria auferido uma remuneração de mercado pelo financiamento concedido, no mínimo, equivalente à taxa Euribor a 12 meses, em conformidade com o Princípio de Plena Concorrência consagrado no n.º 1 do art.º 58.º do CIRC.
Com efeito, dado estarmos perante um financiamento de longo prazo, na medida em que, nos termos do contrato que o formaliza, lhe é definido um prazo de concessão indeterminado, carecendo o respetivo reembolso de um aviso prévio de 5 anos, considera-se que a Euribor a 12 meses constitui o referencial do mercado interbancário mais apropriado para a remuneração destas operações.

A recorrente não logra demonstrar o erro ou vício em que terá incorrido a correcção em exame. Dos elementos coligidos no probatório resulta que ocorreu uma operação de financiamento por parte da recorrente em relação a uma sociedade sua participada, sem qualquer remuneração do empréstimo concedido. Não se detectam razões de solvabilidade na beneficiária do aludido empréstimo, como não se detecta qualquer racionalidade económica no empréstimo assim concedido. A alegada existência de dívida subordinada pressupõe a comprovação dos ratios entre entradas de capital e capital próprio, o que não está demonstrado. O que convoca o regime dos preços de transferência.
Recorde-se o quadro normativo relevante sobre a matéria.
i) «Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis»(3).
ii) «O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais…» (4).
iii) O método mais apropriado para cada operação ou série de operações é «aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis»(5).
iv) «Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptívies de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas» (6).
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) A correção pela AT do lucro tributável em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra entidade importa «que tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes e que o lucro apurado na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações»(7).
ii) «A determinação de preços de livre concorrência deve ser efectuada de acordo com uma metodologia específica, cujo critério fundamental é o da comparabilidade, ao mais elevado grau, com operações substancialmente análogas realizadas entre partes independentes» (8).
Mais se refere que a discussão da natureza da operação se releva inócua, no contexto do caso concreto. É que «[s]ão diversas as técnicas, pelas quais podem ser contratadas práticas tendentes a ampliar artificialmente as despesas relativas a juros, de modo a que estes beneficiem de tratamento fiscal, eventualmente mais favorecido quando comparado com o dos lucros distribuídos. Uma primeira, consiste na verificação da “razoabilidade” do montante dos juros, recusando-se a dedutibilidade do excesso face ao critério objectivo de um at arm’s length interest. É a técnica utilizada no artigo 58.º do CIRC e no artigo 9.º da Convenção Modelo da OCDE. Uma segunda técnica opera ao nível da “qualificação” da operação subjacente como crédito ou capital, face às circunstâncias do caso concreto e tem, por exemplo, aplicação nos “instrumentos financeiros híbridos” que apresentam, ora aspetos de crédito, ora aspectos de capital, como sucede com as obrigações remuneradas com participação nos lucros. Nestas circunstâncias, a autoridades podem, no âmbito da sua actividade de interpretação dos tratados, das leis e dos factos, “requalificar” um contrato aparentemente de crédito, como um aporte de capital» [ou vice versa] (9). Como sucedeu no caso em exame, no qual se procedeu, de forma artificial, à afectação de lucros obtidos na impugnante a uma sua participada.
O elemento traço característico de distribuição indirecta de lucro reside na obtenção de uma vantagem anormal. Esta pressupõe, em primeiro lugar, a prática de uma operação de que decorra uma vantagem e, segundo, que a vantagem se possa considerar anormal. «As operações não se traduzem numa distribuição directa, visível, aparente, de lucros, mas sim em operações que concorrem para a formação do lucro da sociedade.» A vantagem pode ser atribuída, quer pela sociedade subsidiária a outra, que participa nos seus lucros, - caso em que ocorre uma distribuição oculta de lucros – quer «ser atribuída, em sentido inverso, pela sociedade-mãe à sua subsidiária, caso em que ocorre uma contribuição oculta, como ainda pode ser atribuída a uma terceira entidade, ligada por vínculo triangular». A vantagem pode assumir duas modalidades: traduzir-se numa despesa ou perda, ou traduzir-se num “ganho não realizado”. A vantagem anormal da distribuição indirecta de lucros é «aquela que não tem contrapartida objectivamente equivalente», a qual se afere pela «comparação com o comportamento hipotético de duas empresas independentes, dealing at arm’s length, ou seja, com o preço de concorrência – o open market price que seria praticado, em transação específica, igual ou semelhante» (10).
A recorrente sustenta que o método adoptado não é adequado para aferir os preços de transferência na situação em exame, dado o risco envolvido e a especificidade do mercado do crédito inter-bancário.
A este propósito, cumpre referir que, «na análise de preços de transferência de um empréstimo intra-grupo é fundamental, num primeiro momento, analisar as características do mutuário a fim de avaliar se esta entidade poderia obter um nível de dívida igual ou similar junto de um credor independente (e.g. banco), nos mesmos termos e condições que uma entidade independente o obteria, atendendo ao desempenho dos seus negócios. Ou seja, pretende-se, aqui, avaliar e sustentar a substância e o racional económico da transacção, bem como o enquadramento da mesma na finalidade empresarial do sujeito passivo. Essencialmente, esta análise incide sobre a avaliação de risco de crédito do mutuário, isto é, do risco de este não cumprir os seus compromissos (dívida) na data acordada e se o incumprimento implica que seja prestada uma garantia. // Dado que o risco de crédito é um dos principais elementos a considerar na determinação do custo de financiamento (quanto maior o risco maior será o custo a suportar), poderá questionar-se em que medida determinada taxa de juro, próxima de referenciais como a Euribor, poderá ser adequada quando exista a expectativa que o devedor não obteria aquela remuneração em operações de mercado. A determinação da remuneração de plena concorrência para a operação em causa deverá atender a todas as suas características específicas. Designadamente, a data (de modo a selecionar operações com contexto semelhante em sede de expectativas e conjuntura financeira), o montante, o prazo de reembolso (prazos mais elevados implicam maior incerteza), o risco de crédito (rating) do mutuário e o seu nível de endividamento, as garantias associadas (influenciam significativamente o risco de crédito), a taxa de juro aplicada (a taxa fixa ou variável), o sector de actividade do devedor (relevante para avaliar a capacidade de gerar cash-flows), a moeda em que a operação foi acertada e os mercados envolvidos…»(11).
No caso, porém, não se demonstra que o relatório inspectivo não tenha atendido aos factores em causa na determinação do método de fixação dos preços de transferência. Aí se refere que:
Em conformidade com o parágrafo 199 do Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979 “Preços de Transferência e Empresas Multinacionais”, quando se pretende determinar o que se entende por empréstimo comparável ou similar, será necessário atender aos seguintes fatores: o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objetivo, a divisa em que se encontra especificado, e a situação financeira do mutuário.
Ora, tal como já referido, a C.... desenvolvendo uma atividade de natureza eminentemente bancária, e dada a sua importância no mercado bancário nacional e internacional, é uma das instituições financeiras que integram o painel de instituições que contribuem para a fixação da taxa Euribor, que corresponde à taxa de juro média à qual os Bancos Europeus da zona Euro emprestam fundos entre si.
Esta taxa de remuneração é uma das taxas de referência para os agentes económicos na Europa, e é considerada uma taxa de remuneração isenta de risco, dado o perfil das instituições que contribuem para a sua cotação, e que a suportam na qualidade de mutuários, sendo correntemente utilizada para estabelecer a remuneração a pagar no quadro de operações de cedências de fundos, contexto no qual é adicionada de um spread, cujo objetivo é remunerar o risco de crédito associado à entidade tomadora dos fundos.
Neste sentido, e no quadro de uma operação firmada entre entidades independentes, mais especificamente instituições de crédito da zona Euro, seria possível à C.... ceder fundos remunerados a uma taxa mínima correspondente à taxa Euribor aplicável à maturidade do empréstimo concedido, pelo que se nos afigura encontrar-se legitimado o recurso a este referencial do mercado monetário interbancário como taxa de remuneração mínima comparável para o enquadramento das operações controvertidas à luz do Princípio de Plena Concorrência, considerando que nenhuma entidade independente, agindo de um modo comercialmente racional, abdicaria de auferir tal remuneração, mediante a aplicação de tais fundos a título gratuito no financiamento das suas afiliadas.
Concretizando, se na concessão do financiamento pela Caixa à sua afiliada, tivessem sido contratados, aceites e praticados os mesmos termos contratados, aceites e praticados na operação comparável entre entidades independentes, esta teria auferido uma remuneração de mercado pelo financiamento concedido, no mínimo, equivalente à taxa Euribor a 12 meses, em conformidade com o Princípio de Plena Concorrência consagrado no n.º 1 do art.º 58.º do CIRC.
Com efeito, dado estarmos perante um financiamento de longo prazo, na medida em que, nos termos do contrato que o formaliza, lhe é definido um prazo de concessão indeterminado, carecendo o respetivo reembolso de um aviso prévio de 5 anos, considera-se que a Euribor a 12 meses constitui o referencial do mercado interbancário mais apropriado para a remuneração destas operações.
Em síntese, a recorrente não logra infirmar os pressupostos em que assenta a correcção em exame, dado que o método do preço comparável de mercado permite ponderar os factores a ter em conta na operação de empréstimo interbancário, a longo prazo, como o previsto (12). Permite também aferir da operação comparável, ocorrida entre entidades independentes em mercado aberto. Pelo que não se apura o alegado desacerto ou preterição do regime de preços de transferência.
Motivo porque se impõe rejeitar a presente linha de argumentação.

2.2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), a recorrente invoca que «procedeu a uma dedução aos lucros imputados em anos anteriores relativos ao Banco ……………. SARL, estando em causa saber se esta imputação de lucros e posterior dedução funciona de forma estanque, ano a ano, ou se os dividendos recebidos podem ser deduzidos aos valores de lucros imputados em exercícios anteriores, até que se mostre consumido o valor global dos lucros já imputados»; «a douta sentença recorrida padece, no que toca à manutenção desta correção, de vício de violação do disposto no art. 60º do Código do IRC, dado que nega ao sujeito passivo a possibilidade de dedução de lucros já tributados; e, ao fazê-lo, viola igualmente o princípio da tributação pelo lucro real, pois os rendimentos foram obtidos uma única vez e tributados por duas vezes: primeiro quando ficcionados e depois quando recebidos».
A este propósito, escreveu-se na sentença sob recurso o seguinte:
«Na declaração de rendimentos (Mod. 22), a título de imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado (Campo 253 do Quadro 07) a Impugnante declarou o montante de € 43 537,42. // Em causa está a dedução de € 1 399 767,50 respeitante a lucros do exercício de 2007 do Banco ……………, SARL (BC), com sede em Cabo Verde, detido em 47,53% pela Impugnante. // O artigo 60/1 CIRC diz-nos que são imputados aos sócios residentes em território português, na proporção da sua participação social e independentemente de distribuição, os lucros obtidos por sociedades residentes fora desse território e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, desde que o sócio detenha, direta ou indiretamente, uma participação social de, pelo menos 25% (…). // A Fazenda Pública defende, todavia, que por consulta aos elementos fornecidos pela Impugnante, não ter havido qualquer imputação dos lucros obtidos pela filial para apuramento do lucro tributável da C.... no exercício de 2007. // Na verdade, nos termos do artigo 60/5 CIRC com a redação coeva, quando sejam distribuídos lucros relativos à participação do sócio residente em território português a que tenha sido aplicado o disposto no nº 1 do artigo 60º do CIRC, são deduzidos na base tributária relativa ao exercício em que esses rendimentos sejam obtidos, até à sua ocorrência, os valores que o sujeito passivo prove que já foram imputados, para efeitos de tributação do lucro tributável de exercícios anteriores, sem prejuízo de aplicação nesse exercício do crédito de imposto por dupla tributação internacional a que houver lugar, nos termos legais. // Ora, é a própria impugnante que reconhece não ter feito imputação de lucros obtidos pelo BC nos anos de 2006, 2007 e 2008».

Apreciação. A fundamentação da correcção consta do ponto III.1.13. do relatório inspectivo.
Aí se consigna, designadamente, o seguinte:
O aditamento do artigo 60º ao CIRC pelo Dec-Lei nº 37/95, de 14 de Fevereiro, visou, como se refere no seu preâmbulo, “contrariar a acumulação, por residentes, de resultados em sociedades por ele controladas, situadas em território que lhes concede um regime fiscal privilegiado, e decorre diretamente do princípio da tributação numa base ilimitada dos rendimentos obtidos por residentes. Consiste, assim, dado o carácter presumidamente instrumental da sociedade controlada, num simples regime de antecipação da consideração para efeitos de tributação em Portugal dos lucros que cabem à participação do sócio residente. Isso traduz-se na imputação a este independentemente de distribuição, da parte dos lucros – após impostos – que lhe cabe, tendo em conta o capital social detido, mas com aplicação de um regime semelhante ao dos lucros distribuídos”
Ou seja, pretendeu-se tributar na esfera do sócio residente os lucros das sociedades participadas não residentes no ano em que são obtidos, independentemente de se vir a verificar a distribuição efetiva em períodos posteriores, embora a tributação esteja condicionada à verificação de algumas condições, conforme dispõe o nº 1do normativo legal.
E a tributação incidente no ano em que os lucros foram obtidos não é reversível. Porém havendo distribuição efetiva os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável do sócio residente desse período, pois, caso contrário seriam duplamente tributados.
E é este o mecanismo de “desimputação” que está previsto no nº 5. Só se pode desimputar o que foi imputado e, por conseguinte, se os lucros distribuídos num dado exercício não foram imputados ao sócio residente no ano da sua obtenção, então não podem ser excluídos de tributação.
Outro entendimento conduziria à reversão da tributação no ano em que os lucros foram obtidos pela associada e à consequente perda da eficácia fiscal da medida corporizada no nº 1 do artigo 60º do CIRC.
Em face do expendido e como os lucros distribuídos à C.... foram obtidos pelo Banco Comercial do Atlântico no exercício de 2007, conforme consta dos documentos de contabilização recolhidos no decurso da ação inspetiva, bem como do Relatório e Contas do BC (pág. 46), e não lhes foi aplicável o mecanismo de imputação previsto no nº 1, por nesse exercício não se verificar a condição do regime fiscal claramente mais favorável, não lhes pode ser aplicado o mecanismo de “desimputação” plasmado no nº 5 do preceito controvertido. // Assim, manter-se-á a correção inicialmente proposta no montante de € 1.399.767,50.
Determina o artigo 60.º do CIRC o seguinte:
«São imputados aos sócios residentes em território português, na proporção da sua participação social e independentemente de distribuição, os lucros obtidos por sociedades residentes fora desse território e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável, desde que o sócio detenha, directa ou indirectamente, uma participação social de, pelo menos, 25%, ou, no caso de a sociedade não residente ser detida, directa ou indi-rectamente, em mais de 50%, por sócios residentes, uma participação social de, pelo menos, 10%.» (n.º 1) // «A imputação a que se refere o número anterior é feita na base tributável relativa ao exercício que integrar o termo do período de tributação da sociedade não residente e corresponde ao lucro obtido por esta, depois de deduzido o imposto sobre o rendimento incidente sobre esses lucros, a que houver lugar de acordo com o regime fiscal aplicável no Estado de residência dessa sociedade» (n.º 2). // «Para efeitos do disposto no nº 1, considera-se que uma sociedade está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRC ou ainda quando o imposto efectivamente pago seja igual ou inferior a 60% do IRC que seria devido se a sociedade fosse residente em território português» (13). «Quando ao sócio residente sejam distribuídos lucros relativos à sua participação em sociedade não residente a que tenha sido aplicável o disposto no nº 1, são deduzidos na base tributável relativa ao exercício em que esses rendimentos sejam obtidos, até à sua concorrência, os valores que o sujeito passivo prove que já foram imputados para efeitos de determinação do lucro tributável de exercícios anteriores…»(14).
A norma em apreço consagra «disposições que possibilitam a tributação no Estado da residência dos rendimentos auferidos por sociedades de base instaladas em paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados, pertinentes a sócios residentes, ainda que não tenha procedido à distribuição dos lucros, consagrando-se a transparência fiscal dessas sociedades (regras CFC – disposições tipo subsecção F ou Subparte F rules). (…) // A imputação é feita na base tributável relativa ao exercício que integrar o termo do período de tributação da sociedade não residente e corresponde ao lucro obtido por esta, depois de deduzido o imposto sobre o rendimento incidente sobre esses lucros, que houver lugar de acordo com o regime fiscal aplicável no Estado da residência dessa sociedade. // Para estes efeitos, considera-se que uma sociedade está submetida a uma regime fiscal claramente mais favorável quando se verifique uma das três condições: (i) o território da residência da mesma constar de uma lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças; (ii) quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC; (iii) quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas supra mencionadas, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido, se a referida entidade fosse considerada residente em território português» (15).
Uma vez que a condição referida em último lugar não se comprovou em relação ao exercício em causa(16), a dedução não foi aceite pela Administração Fiscal. A correcção não merece censura, dado que os seus pressupostos foram deixados intocados pela recorrente. Ou seja, o regime do artigo 60.º/5, do CIRC não é de aplicar quando os pressupostos previstos no preceito do artigo 60.º/1, do CIRC, não se mostram comprovados. Como sucede no caso. A sentença que assim decidiu não merece censura.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.3. Do recurso da Fazenda Pública
A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:

i) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa por referência à correcção relativa a encargos não dedutíveis com prémios de seguros no montante de € 125 352,18

ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa por referência à correcção relativa a indemnizações por eventos seguráveis, no montante de € 76 000,00

iii) Erro de julgamento quanto ao segmento de condenação em custas.

2.2.3.1. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente alega que a sentença incorreu em erro, dado que os encargos incorridos não correspondem a custos indispensáveis ao objecto societário da recorrida.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«A apólice de seguro em que a Impugnante figura como Tomador, cobre as responsabilidades dos administradores e diretores da Impugnante e de outras sociedades do Grupo, que se apresentam como os segurados. // A Impugnante não se conforma com a desconsideração do custo porquanto a apólice também visa cobrir riscos inerentes à responsabilidade da C...., SA, perante terceiros. // E, nessa medida, teria de lhe ser dada razão por se tratar de prémio de seguro que que visa cobrir a responsabilidade por indemnizações pela verificação de eventos cujo risco é segurável. // Entretanto, e já em sede de impugnação foi junta declaração emitida pela companhia de seguros discriminando a percentagem do prémio relativo à responsabilidade da C...., SA, fixado em 93%».

Apreciação. A fundamentação da correcção consta do ponto III.1.1. Encargos não dedutíveis €4.378.647,47, na rubrica €125.352,18.
Aí se consigna o seguinte:
No decorrer da ação inspetiva, a C.... foi notificada, em 2011-04-20 (ponto 7), para apresentar o suporte documental do movimento datado de 2008-06-09, com o n.º de documento 053863, no montante de € 41.441,57, registado na conta PCSB # “741699 – Outros Seguros”, do balancete da Sede, de forma a validar o seu correto enquadramento fiscal.
Em resposta ao solicitado, foi apresentado recibo de prémio n.º 398549 no valor de € 125.352,18 emitido pela Companhia ……………, SA (Anexo 3.3). Este documento evidencia como ramo/modalidade do seguro contratado “R.C.G./Profissional” e como pessoas seguras os “administradores e diretores”.
Apurou-se então que o encargo selecionado, por amostragem, para análise correspondia à periodificação daquele prémio relativa a 4 meses (Janeiro a Abril).
Complementarmente em 2011-06-20 a Caixa disponibilizou cópia da apólice de seguro n.º 9251619 e respetivos anexos e esclareceu que o respetivo prémio está contabilizado/periodificado na rubrica # “7416990000 – Outros seguros”.
Mais informou que se estava “perante um contrato de seguro de responsabilidade civil coletivo de administradores e diretores da C.... (portanto não individualizado e, consequentemente não sendo objeto de tributação em sede de IRS no âmbito dos administradores/diretores) que proporciona a cobertura de riscos decorrentes do exercício de funções de gestão empresarial.”
Decorre da apólice (Anexo 3.4), mais propriamente das suas Condições Particulares, que o tomador do seguro é o sujeito passivo (ponto 1) e os segurados e pessoas seguras (ponto 2) são:
a) administradores da C.... e/ou sociedades coligadas identificados no Anexo 1 das Condições particulares;
b) colaboradores que de facto ou na prática exerçam funções de gestão da sociedade;
c) qualquer colaborador da Caixa e/ou sociedade coligada (apenas quanto à garantia de “violação de regras de conduta laborais”);
d) administradores e gerentes que se encontrem em situação de reforma.
Do Anexo 1 já citado constam efetivamente os nomes dos administradores do sujeito passivo, bem como nomes de administradores/diretores de participadas do grupo Caixa, a desempenhar, portanto, aquelas funções em outras empresas, quer em Portugal, quer no estrangeiro.
No ponto 6 das condições particulares encontra-se definido o âmbito de cobertura em conformidade com as Condições Gerais daquele seguro, o qual inclui o reembolso de diversas despesas tais como indemnizações, perdas e danos de crise de gestão da sociedade, reclamações, despesas judiciais ou honorários de advogados e solicitadores.
O art.º 3.º das Condições Gerais do seguro contratado estabelece que este garante “o pagamento de indemnizações que sejam legalmente devidas pelo segurado a título de responsabilidade civil por danos causados a terceiros, em consequência de erro ou falta profissional praticados no exercício da sua atividade profissional…”
Sobre esta matéria, estatuem os n.ºs 1 e 2 do art.º 396.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) o seguinte:
“1 - A responsabilidade de cada administrador deve ser caucionada por alguma das formas admitidas na lei, na importância que seja fixada no contrato, mas não podendo ser inferior a € 250000 para as sociedades emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado nem para as sociedades que cumpram os critérios da alínea a) do n.º 2 do artigo 413.º e a € 50000 para as restantes sociedades.
2 - A caução pode ser substituída por um contrato de seguro, a favor dos titulares de indemnizações, cujos encargos não podem ser suportados pela sociedade, salvo na parte em que a indemnização exceda o mínimo fixado no número anterior.”
Esta redação foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março. Segundo o documento “Governo das Sociedades Anónimas: propostas de alteração ao Código das Sociedades Comerciais - Processo de consulta pública n.º 1/2006” emitido pela CMVM (página 20), esta alteração legislativa visou estimular os seguros de responsabilidade de administradores (D & O Insurance) já de intensa utilização noutros países, acrescentando ainda que estes “oferecem a vantagem de mitigar o risco pessoal do património do administrador”.
Decorre então da lei que a caução deve ser prestada individualmente por cada administrador, constituindo, nesta medida, um dever pessoal. Mesmo admitindo a substituição da caução por um contrato de seguro o respetivo prémio não pode ser custeado pela sociedade, a não ser no valor em que a cobertura exceder o valor mínimo legalmente estipulado.
Na perspetiva tributária são suscetíveis de enformar o lucro tributável (art.º 23.º do CIRC) os prémios de seguros constituídos com vista ao ressarcimento de verbas que a Caixa seja chamada a pagar a terceiros por danos patrimoniais, decorrentes diretamente da atuação dos seus colaboradores, no exercício das suas funções. Questão diferente, é considerar como fiscalmente relevante os prémios de seguros contratados cuja cobertura consiste no reembolso desses colaboradores em caso de ocorrência de perdas ou danos que derivem do seu desempenho na empresa e pelos quais são os efetivos responsáveis. É que neste caso, a contratação do seguro visa mitigar o risco pessoal do património do administrador/diretor e não o da C.....
Acresce que a maioria das pessoas seguras nem sequer desempenham funções na Caixa (ver Anexo 1 das condições particulares do contrato no Anexo 3.4), mas sim noutras sociedades do grupo que são sujeitos passivos autónomos, com personalidade e capacidade jurídica e tributária distintos, não afetadas por relações de domínio entre si, pelo que só os custos que a cada um respeitem poderão contribuir para a determinação do seu lucro tributável. E porque se trata de um seguro coletivo, a C.... declarou não lhe ser possível individualizar o prémio pago.
O teste fundamental, por que todos os encargos devem passar com vista à sua consideração para efeitos fiscais, é o da indispensabilidade para a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora, enunciado no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.
Em consonância com o teor sancionado no Acórdão datado de 2002-07-10, do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no recurso n.º 0246/05, os custos previstos no artigo 23.º do CIRC têm de respeitar à atividade da própria sociedade contribuinte, a se. A fonte produtora aqui em causa é a da C...., não a das sociedades participadas, e de uma perspetiva fiscal o resultado de todas estas sociedades deve ser apurado separadamente. Mesmo que o seguro visasse o reembolso de verbas à sociedade e não aos seus colaboradores, haveria sempre parcela do prémio não aceite para efeitos fiscais porquanto o património em risco seria o da participada e não o da sociedade dominante.
Acresce que parte do prémio por si pago, por via da aplicação do n.º 2 do art.º 396.º do CSC, constituiu encargo que incide sobre terceiros e que a Caixa não está legalmente autorizada a suportar, pelo que também não se considera dedutível face ao teor da al c) do n.º 1 do art.º 42.º do CIRC.
Em face do exposto, não se verificando um nexo direto entre os custos incorridos e o exercício de uma atividade geradora de proveitos na esfera da C...., não se encontram reunidos os requisitos indispensáveis à dedutibilidade fiscal destes encargos, tal como previsto no art.º 23.º do CIRC.
A questão que se suscita consiste em saber se os prémios de seguro pagos pela recorrida, no âmbito de uma apólice que abrange os riscos associados ao exercício de actividade por parte dos seus administradores e dos administradores de entidades suas participadas(17) pode ser elevado à categoria de custo dedutível, porque indispensável ao objecto societário da impugnante.
A este propósito constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) O requisito de indispensabilidade do “custo” (art. 23.º do CIRC) tem de ser avaliado casuisticamente. Não se pode associar ao êxito de gestão, não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência, não incluindo só «custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim».(18)
ii) Trata-se o custo de «uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. // Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é, ou não, empresarial».(19)
iii) O custo convoca «uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo». (20)
iv) São «custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa».(21)
v) Para «que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2014) impõe-se que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar os custos fiscais por não verificação da indispensabilidade se os mesmos não se inscreverem no âmbito da actividade do sujeito passivo e tiverem sido contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios».(22)
vi) A aferição da indispensabilidade do custo depende do documento justificativo do mesmo (artigo 115.º/3/a) e b), do CIRC, versão vigente). Ou seja, tendo em vista aferir da indispensabilidade do custo incorrido, o documento justificativo, seja interno ou externo, deve identificar o fornecedor, a prestação concreta, o local, a data da mesma e a contrapartida que lhe corresponde.
vii) «O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (…). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. (…). // Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (…). // Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram. (…) // Ou seja, são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, i.e., quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (23).

Dos elementos coligidos nos autos impõe-se concluir no sentido de que assiste razão à recorrente. Os prémios de seguro relativos à actividade profissional dos administradores da recorrida e das suas subsidiárias não mostram uma relação causal ou uma ligação com a geração de proveitos da empresa. A congruência da operação económica em causa com o seu objeto societário não se mostra explicitada. Está em causa a cobertura de riscos associados à actividade de gestão dos segurados, pelo que o seu tratamento fiscal deve ser feito, de forma individual e não de forma colectiva, como pretende a recorrida. Não se vê como imputar a esta os custos derivados da cobertura de riscos associados à actividade profissional de cada um dos seus colaboradores, sem que tal relação de seguro assente na concreta relação ou vínculo que intercede entre a recorrida e o beneficiário do mesmo. O quesito da alínea R) não permite suprir as dificuldades detectadas, dado que não está em causa a eventual responsabilidade da impugnante perante terceiros, mas antes a eventual responsabilidade dos seus colaboradores por ocasião do exercício da sua actividade profissional. O que afasta a ligação com o exercício da actividade económica da recorrida. Pelo que a correcção em apreço não merece censura.
Ao decidir em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente a impugnação, nesta parte.
Termos em que se provê o recurso, nesta parte.

2.2.3.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente sustenta que o risco resultante do evento em apreço é segurável, pelo que a indemnização paga não pode ser elevada a custo da recorrida.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«[A] Fazenda Pública alega que o risco era segurável e convoca a seu favor o artigo 123/16.j) do DL nº 94-B/98, de 17 de Abril, para afirmar que o risco era segurável. // Por seu turno, a Impugnante também baseia a sua argumentação no mesmo artigo 123/16.j) do DL nº 94-B/98, de 17 de Abril, alegando que entre os riscos cobertos pelo ramo Não Vida de “perdas pecuniárias diversas” não se encontra o de fraude perpetrada por terreiros (cf. artigo 104º da pi). // O DL nº 94-B/98, de 17 de Abril, como se pode ler no preâmbulo, regulava a matéria de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora no território da União Europeia, por empresas de seguros com sede social em Portugal, bem como as condições de acesso e de exercício da atividade seguradora e resseguradora em território português, por empresas de seguros sediadas em outros Estados membros. // O artigo 123º, hoje revogado, com a epígrafe Ramos Não Vida, dizia: Os seguros «Não Vida» incluem os seguintes ramos: (…) 16) «Perdas pecuniárias diversas», que abrange os seguintes riscos: a) Emprego; b) Insuficiência de receitas; c) Perda de lucros; d) Persistência de despesas gerais; e) Despesas comerciais imprevisíveis; f) Perda de valor venal; g) Perda de rendas ou de rendimentos; h) Outras perdas comerciais indiretas; i) Perdas pecuniárias não comerciais; j) Outras perdas pecuniárias; (…)». // Todavia, no caso dos autos, cabia à Fazenda Pública o ónus da prova de que o evento era segurável, fosse por consulta à entidade reguladora ou de supervisão de seguros, quer pela junção de um contrato de seguro demonstrativo do que esse risco era segurável. Nada comprovou».

Apreciação. A fundamentação da correcção consta do ponto III1.8 IX.1.8 - Indemnizações por eventos seguráveis (art.º 42.º, n.º 1, alínea e), do CIRC) - € 76.000,00 – do Relatório Inspectivo.
Nos termos do artigo 23.º/1/j), do CIRC, «[c]onsideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (…) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável». Por seu turno, o artigo 42.º/1/e), do CIRC, determina que não são dedutíveis os encargos com indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável.
«O legislador terá pretendido, numa opção legítima, proteger os terceiros, mediante a consagração de estímulos para que o sujeito passivo acautele o risco normal da sua actividade – intenção que só resulta plenamente realizada se o sujeito passivo transferir totalmente a sua responsabilidade para uma seguradora, e não apenas a que resulta do seguro obrigatório –, com a possibilidade de deduzir integralmente as despesas com o pagamento dos prémios de seguro, ao invés de confiar na álea em ordem à obtenção de lucro mais elevado»(24). «A norma encontra-se…construída para penalizar comportamentos de risco, negando a relevância fiscal a despesas com indemnizações a terceiros» (25).
No caso em exame, está em causa indemnização paga pela recorrida, no âmbito de processo judicial intentado por cliente, em que foi condenada, por ter pago três cheques, sobre a conta daquele, nos quais foi aposta assinatura falsificada grosseiramente (26).
A este propósito, o artigo 123.º (Ramos «Não vida») do Decreto-Lei nº 94-B/98, de 17 de Abril (diploma que estabelece o regime de Acesso e Exercício da Actividade Seguradora e Resseguradora), determina que «[o]s seguros «Não vida» incluem os seguintes ramos: (…)16) «Perdas pecuniárias diversas», que abrange os seguintes riscos: (…) i) Perdas pecuniárias não comerciais; j) Outras perdas pecuniárias; 17) «Protecção jurídica», que abrange a cobertura de despesas decorrentes de um processo judicial, bem como formas de cobertura de defesa e representação jurídica dos interesses do segurado».
Do exposto resulta que o risco relativo aos eventos que estão na base a indemnização em causa tem cobertura no regime do seguro da actividade da recorrida, no quadro da protecção jurídica, associada ao exercício da actividade da mesma. Ou seja, o risco em apreço é segurável. A indemnização paga, neste contexto, por corresponder a evento segurável, não pode ser aceite como custo fiscal. O mesmo não é dedutível, como se decidiu na correcção em exame. A mesma deve ser confirmada na ordem jurídica.
A sentença que assim não decidiu não se pode manter. Impõe-se revogar a sentença recorrida, nesta parte.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente coloca sob censura o segmento decisório relativo a custas. Alega que «[o] vencimento da Autoridade Tributária nesta ação foi superior ao da Impugnante, fixando-se em 99,07% (21.681.239,12*100= 2.186.123,91/22.065.816,65=99,07%), visto que do total do valor das correções impugnadas, que ascende a € 22.065.816,65, nos termos do sentenciado, foi julgada improcedente a impugnação no montante de € 21.861.239,12».
Apreciação. Compulsados os autos, verifica-se que por meio de despacho de 28/02/2018, o tribunal recorrido deferiu a pretensão da recorrente, rectificando o segmento decisório quanto a custas, passando do mesmo a constar que o decaimento da impugnante foi de 99,3 % e o da Fazenda Pública foi de 0,97%. Verifica-se, pois, que o presente recurso, nesta parte, não tem objecto, por inutilidade superveniente da lide, pelo que o mesmo não deve ser conhecido.
Termos em que se rejeita a presente alegação.
2.2.4. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (27). «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (28). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €8.626.134,42.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) implica que os custos da prestação do serviço da justiça sejam comportáveis atenta a capacidade contributiva do cidadão médio. «Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o constante no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
i) Negar provimento ao recurso interposto pela impugnante.
ii) Conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, julgando improcedente a impugnação, nesta parte.
iii) Deferir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, em relação a ambas as partes.

Custas pela recorrente, no recurso na impugnante, e pela recorrida, no recurso da Fazenda Pública.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta- Patrícia Manuel Pires)

(2 ª. Adjunta- Ana Cristina Carvalho)


(1) Ainda que por referência a exercício diferente.
(2) Acórdão do Pleno da Secção tributária do STA, de 19-10-2022, P. 0915/11.0BELRS 0738/16.
(3) Artigo 58.º/1, do CIRC (Redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro).
(4) Artigo 58.º, n.º 2 do CIRC, na redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
(5) Artigo 4.º/2, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(6) Artigo 4.º/3, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(7) Acórdão do TCAS, de 17.03.2016, P. 04412/10.
(8) Acórdão do TCAS, de 19.02.2015, P. 07049/13.
(9) Alberto Xavier, Direito Internacional Tributário, Almedina, 2011, p. 469.
(10) Alberto Xavier, Direito Internacional Tributário, cit. p. 445/446.
(11) Sandrina Correia e António Martins, Preços de transferência, litigância e arbitragem fiscal, Petrony, 2018, pp. 100/101.
(12) Alínea J), do probatório.
(13) Artigo 60.º/1, 2 e 3, do CIRC.
(14) Artigo 60.º/5, do CIRC.
(15) Alberto Xavier, Direito Internacional Tributário, cit. p. 417.
(16) V. relatório inspectivo.
(17) Alíneas I) e R), do probatório.
(18) Acórdão do TCAS, de 08-07-2021, P.311/03.3BTLRS
(19) Acórdão do TCAS, de 24-06-2021, P. 7872/14.0BCLSB,
(20) Acórdão do TCAS, de 03-12-2020, P. 418/08.0BEBJA
(21) Acórdão do STA, de 29-03-2006, P. 01236/05
(22) Acórdão do STA, de 08-11-2023, P. 0411/16.0BEPNF. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 15-11-2017, P. 0372/16.
(23) Acórdão do STA, de 08-11-2023, P.0411/16.0BEPNF
(24) Acórdão do STA, de 29-05-2019, P. 01064/14.5BEPRT
(25) Acórdão do STA, de 12-10-2022, P. 0115/12.2BECTB
(26) V. relatório inspectivo.
(27) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(28) Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.