Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10965/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/02/2014
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL
ELEMENTOS CONTABILÍSTICOS
Sumário:I - Nas providências cautelares qualquer meio de prova deve ser admissível, desde que adequado ao que se pretende comprovar.

II - Mostrando-se controvertidos os factos alegados, por força do princípio do direito à prova, incumbe ao juiz abrir um momento de instrução do processo, antes de proferir a decisão final.

III - Os elementos relativos à situação financeira ou contabilística não são factos cuja prova só se possa fazer documentalmente, pois a lei assim não estabelece. Consequentemente, tais factos poderiam ser sujeitos a prova testemunhal, a ser livremente apreciada pelo tribunal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Ana ……………………
Recorrido: Município de Almada e Outra
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAF de Almada que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto que procedeu à notificação da Requerente para, em 15 dias, proceder à retirada dos artigos de vestuário, edredons, roupa de cama, toalhas e adereços de casa de banho, da montra da loja que explora e para fazer cessar a sua comercialização. É também recorrido o despacho antecedente, que indeferiu a produção de prova.
Em alegações são formuladas pela Recorrente as seguintes conclusões: «a. A douta decisão que incorpora o indeferimento da produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente deve ser declarada nula e de nenhum efeito.
b. Não pode concordar-se com tal decisão, na medida em que a discricionariedade conferida pelo legislador ao julgador não pode alhear-se dos princípios legais e constitucionais da tutela jurisdicional efetiva e da real promoção de acesso à justiça, da verdade material e do inquisitório e da já mencionada tutela jurisdicional efetiva.
c. O legislador não refere a total ausência de prova, ainda que meramente indiciária, em sede cautelar.
d, o conhecimento perfuntório exigível em processo de natureza urgente não impede a produção de prova, nem com esta se incompatibiliza, sendo certo que nos presentes autos, e em especial no que tange ao periculum in mora, a produção de prova testemunhal se afigura por demais indispensável à boa decisão da causa.
e. A Recorrente não se limitou a alegar generalidades e a proferir juízos eminentemente conclusivos sobre a situação de facto consumado por certo gerada com o não decretamento da providência de suspensão de eficácia do ato administrativo sobre que versam os autos e os prejuízos de impossível ou difícil reparação, densificando essa asserção com factos que se propunha provar. Entre outros, para esse efeito referiu que se perspetiva uma situação de impossibilidade de reintegração específica da esfera jurídica da Recorrente no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, por não poder depois recuperar a sua capacidade de subsistência, para si e para o seu agregado familiar, e a obtenção de lucros emergentes da sua ativídade, amortizando e rentabilizando o investimento já realizado na aquisição da mercadoria cuja comercialização a Entidade Recorrida pretende ver cessada, mais referindo que a não suspensão do ato administrativo origina, inevitavelmente, lucros cessantes de montante substancial, e em parte indeterminável com rigor, desencadeando outras consequências de difícil, senão impossível, quantificação porque caso a Recorrente seja compelida a retirar da loja, cuja ocupação lhe foi confiada, os artigos indicados na notificação que lhe foi dirigida, não podendo proceder à sua comercialização, a sua atividade económica jamais permitirá auferir receitas que lhe concedam um grau mínimo de subsistência (pois que é dessa atividade que, em exclusivo, retira meios para o seu sustento e de seu marido), por certo eclodindo na sua irremediável insolvência. Mais alegou a Recorrente que tem um investimento de cerca de € 40.000,00 (quarenta mil euros) de mercadoria, em loja e em stock, tendo, também por isso, imperativa necessidade de a comercializar a fim de garantir a amortização desse investimento e a obtenção da margem de lucro que lhe está associada, corresponde a generalidade dessa mercadoria aos lavores que agora foi intimada a retirar da montra da loja e impedida de comercializar.
f. A Recorrente arrolou, em primeiro lugar, o técnico oficial de contas, que tem sob sua confiança a documentação contabilística necessária ao apuramento dos factos alegados pela Recorrente no seu requerimento, sendo que o depoimento desta testemunha seria mais do que hábil e eficiente á comprovação da situação de facto consumado, à existência inequívoca de prejuízos de muito dificil ou impossível reparação, ou seja, para prova de uma concreta e insofismável impossibilidade objetiva de reintegração na situação jurídica anterior à execução em caso de deferimento da pretensão impugnatória a sindicar no processo principal, provando os factos materializados pela Recorrente e explanando percentagens, valores, ratios e as inexistentes perspetivas económico-financeiras sem a comercialização em causa, assim como os rendimentos da Recorrente e a sua inevitável incapacidade para prover a compromissos básicos de subsistência em caso de execução do ato administrativo.
g. Do mesmo modo, as demais testemunhas dispõem de conhecimento direto sobre todos os factos alegados no requerimento inicial para prova do requisito periculum in mora.
h. A descoberta da verdade material e a boa decisão da causa cautelar, ainda que em moldes indiciários e com nota de prova sumária, não pode deixar de exigir a produção de prova testemunhal sobre os factos constitutivos do direito e pedido veiculados pela Recorrente no seu requerimento inicial.
i. Ao inviabilizar a produção de prova testemunhal, o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 118.°, n." 3, do CPTA, devendo ser anulada a sentença sindicada.
j. Em simultâneo, a conclusão pela desnecessidade da prova testemunhal, porque efetivamente impede a Recorrente de comprovar o que alega no que concerne aos prejuízos e à situação de facto consumado, como um dos pressupostos de que depende o decretamento da providência requerida, incorre na preterição dos principios tutela jurisdicional efetiva, da real promoção de acesso à justiça, da verdade material e do inquisitório, preconizados pelos artigos 2.°, n." 1, e 7.° do CPTA, e pelos artigos 2.°, 20.° e 268.°, n," 4, da CRP.
a. Sem prescindir, e por mera cautela:
k. Mesmo que se entendesse persistir no juízo quanto à desnecessidade da prova testemunhal (o que se admite por mera e exclusiva cautela, sem nisso se conceder), ainda assim seria de prefigurar uma inequívoca, e notória, situação de existência de prejuízos de dificil, senão ímpossível, reparação e numa situação de facto consumado que implicaria a impossibilidade de reintegração da Recorrente na situação anterior à execução do ato administrativo.
l. O perigo de inutilidade da lide principal afigura-se translúcido, face ao sumariamente alegado pela Recorrente.
m. Ao juízo sumário exigível ao Tribunal corresponde uma alegação sumária dos prejuízos, não se podendo exigir que o requerente em lide cautelar produza uma prova especificada e minuciosa dos factos que alega.
n. A mera enunciação dos factos essenciais à ponderação dos prejuízos tem que considerar-se como suficiente e apta para a verificação perfuntória dos pressupostos de que depende o decretamento da providência.
o. A Recorrente alegou, e propôs-se provar por testemunhas (em complemento da prova documental existente), a existência do requisito do periculum in mora.
p. Os factos alegados pela Recorrente não se subsumem a juízos conclusivos, antes se compartimentando em questões práticas passíveis de prova por testemunhas, mas que, na sua essência, e até independentemente de qualquer prova, não deixam de ser factos que resultam de juízos de verosimilhança e da experiência comum, pois que a interdição de comercialização dos produtos adquiridos e em venda geram, para quem deles subsiste com o seu agregado familiar, uma incontornável incapacidade de subsistência económica, vetada ao irreversível fracasso.
q, A matéria alegada afigura-se mais do que suficiente para ajuizar sobre a verificação in casu do pressuposto cominado na alínea b) do 0.° 1 do artigo 120.° do CPTA, ao contrário do que se propugna na decisão recorrida.
r. A factualidade inscrita no requerimento inicial conforma-se com a necessidade de uma summaria cognitio,
s, A Recorrente expressou os elementos e diretrizes essenciais para se aquiescer quanto ao perigo de inutilidade, aditando factos referentes aos prejuízos (v.g. stock de 40.000 € sem possibilidade de venda para perceção de receitas e impossibilidade de subsistência económico-financeira com a retirada de comercialização dos produtos visados pelo ato administrativo) e às irremediáveis e irreversíveis consequências (v.g. incapacidade de sobrevivência e insolvência) da execução do ato suspendendo.
t. Não sendo manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal nem existindo circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito, não poderia o Tribunal a quo deixar de formular um juízo de prognose aferindo a gravíssima lesão mais do que previsível decorrente da execução do ato administrativo para a esfera jurídica da Recorrente, envolvendo prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
u. Sublinha-se que, por regra, a natureza urgente dos processos cautelares associada à sumaridade da apreciação cognitiva, postula um juízo de probabilidade ou de verosimilhança relativamente à existência do direito que se pretende acautelar. Assim, para o decretamento da providência cautelar basta que sumariamente se conclua pela séria probabilidade do direito invocado e pelo justificado receio de que a demora na resolução definitiva do litígio - perigo de inutilidade - cause uma situação de facto consumado ou produza prejuízo de difícil reparação (periculum in mora).
v. Os elementos, objetivos e valorativos, para se almejar tal decretamento encontram- se, reitere-se, plasmados no requerimento inicial, pelo que, ao não entender assim, o Tribunal a quo incorreu numa errada interpretação e aplicação da alínea b) do n," 1 do artigo 120.° do CPTA. urgindo anular a decisão recorrida ».
O Recorrido e a Contra interessada não apresentaram contra alegações.
Sem vistos, vem o processo à conferência.
Os Factos
Pela 1º instância foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos:
a) A requerente é titular do direito de ocupação da Loja n.º6 do Mercado ……… [documento de fls. 71 dos autos].
b) Na sequência de pedido da requerente, por despacho da Presidente da Câmara Municipal de Almada, de 20/05/2010, foi autorizada a transferência da actividade de charcutaria para retrosaria/lavores [documento de fls. 93 dos autos].
c) Em 01/01/2013, foi emitido o alvará de autorização de ocupação n.o165J13, assinado pela Presidente da Câmara Municipal de Almada, nos termos do qual a requerente está autorizada a ocupar a loja de venda n. °11-9-6 para venda de retrosaria/lavores [documento de fls. 35 dos autos].
d) O alvará referido em c) tem o seguinte teor:
«(…)»
Município de Almada, 1 de. Janeiro de 2013 [documento de fls. 35 dos autos].
e) Na montra e fachada da Loja n.º6, encontram-se afixadas placas com a menção "Retrosaria - Têxteis e Acessórios" [acordo].
f) No cadastro fiscal da requerente, consta que a mesma exerce a actividade correspondente ao CAE 47510, com a designação Comércio a Retalho de Têxteis, Estabelecimento Especializado [documento de fls. 72 dos autos].
g) «(…)»
[documento de fls. 32 dos autos].
h) A contra-interessada é titular do direito de ocupação da Loja n.º7 do Mercado ……………. [documento de fls. 92 dos autos].
i) Nos termos do alvará de autorização de ocupação n.o164/13, a contrainteressada está autorizada a ocupar a loja de venda n.°11-9-7 para venda de roupas [documento de fls. 92 dos autos).
j) Pela ocupação da Loja n.º6 e do ………….. é devida uma taxa anual no valor de €1.056.00 [documento de fls. 94 dos autos).
O Direito
Pela sentença recorrida foi julgado improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo, veiculado pelo Ofício 411/2D13/FIS, datado de 11.06.2013, subscrito pelo Chefe de Divisão de Fiscalização Municipal do Requerido, Município de Almada, Norberto ………….., nos termos do qual foi a Recorrente notificada para, no prazo de 15 dias, proceder à retirada dos artigos de vestuário, edredons, roupa de cama, toalhas e adereços de casa de banho da montra da Loja nº 6 do Mercado …………, bem como para fazer cessar a comercialização de tais artigos, sob pena de levantamento do auto de contra ordenação, por infracção do disposto na alínea m) do artigo 44.º do Regulamento dos Mercados Retalhistas Municipais.
Alega a Recorrente, que o despacho antecedente à sentença recorrida, que indeferiu a produção de prova, é nulo, porque para a aferição dos factos que alegou para o preenchimento do requisito periculum in mora teria que abrir-se um momento de produção de prova, o que não foi feito.
Pela mesma razão, a Recorrente diz que a decisão recorrida errou, pois na PI não alegou prejuízos de forma conclusiva, como se defende naquele despacho e na decisão sindicada.
Igualmente, alega a Recorrente que é violador do direito à prova e do artigo 118º, n.º 3, do CPTA, exigir prova documental para a prova indiciária e não permitir a prova testemunhal.
Aduz a Recorrente, que arrolou como testemunha o técnico oficial de contas, que tem sob a sua confiança a documentação contabilística necessária ao apuramento dos factos alegados e que tem conhecimento da sua situação financeira, podendo esta testemunha explicar e apresentar os documentos necessários em julgamento.
Diz também a Recorrente, que as demais testemunhas arroladas têm esse conhecimento da sua situação financeira e de vida e sobre o mesmo poderiam testemunhar.
Por essas razões, entende a Recorrente que o despacho e a decisão recorridos violaram os artigos 2º, n.º 1, 7º do CPTA, 2º, 20º e 268º da CRP, os princípios da tutela jurisdicional efectiva, da promoção do acesso à justiça, da verdade material e do inquisitório.
Mais diz a Recorrente, que mesmo sem a prova testemunhal, no caso, está provado o periculum in mora exigido para o decretamento da providência.
No caso em apreço, apesar de a Recorrente imputar ao despacho e à decisão recorridos a nulidade decisória, reconduz o invocado desvalor a um erro de julgamento.
Ora, é jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão, designadamente por omissão de pronúncia, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras.
Na situação em análise, o juiz pronunciou-se sobre as questões trazidas a litígio e julgou, fundamentando, as razões pelas quais dispensava a apresentação de mais prova.
Na decisão recorrida indicou-se os factos provados e os não provados e referiu-se as razões para assim se julgar. Foi dito que a alegação dos factos que suportavam o periculum in mora, ou era conclusiva, ou que não poderia ser alvo de prova testemunhal, mas somente documental.
Quer isto dizer, que não houve aqui falta absoluta de fundamentação, que gerasse a nulidade da decisão, quer no que se refere ao despacho de fls. 164, antecedente à sentença, quer no que se refere a esta última.
Assim, nenhuma das decisões recorridas é nula por ter omitido qualquer pronúncia quanto à prova a produzir.
Mas apesar de não serem nulas, as decisões terão de ser anuladas por erro decisório.
No despacho sindicado indeferiu-se a produção de prova testemunhal por se entender que não existia matéria controvertida com relevo para a decisão cautelar a proferir. Mais se entendeu, que a ora Recorrente alegava na PI de forma meramente conclusiva. Assim como, considerou-se que os invocados prejuízos, nomeadamente os relativos ao investimento realizado, não eram factos susceptíveis de prova testemunhal, mas apenas documental.
Depois, na decisão recorrida, julgou-se verificado o fumus boni iuris exigido na alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, mas não verificado o periculum in mora, pelo que improcedeu a pretensão formulada nos autos.
Na PI a ora Recorrente alegou de forma misturada os factos e o direito. A partir do artigo 82º dessa peça processual a Recorrente alega aquilo que apelida de «periculum in mora», continuando a mesclar as alegações de direito com as alegações fácticas. Neste sub item «periculum in mora», a Recorrente aduz matéria de direito, juízos conclusivos e opiniões pessoais nos artigos 82º a 86º, 89º a 91º, 95º e 99º a 102º da PI. Porém, na mescla confusa de alegações, a Recorrente também aduz elementos fácticos de relevo para a aferição do periculum in mora, nos restantes artigos 87º, 88, 92º, 93º, 94º e 96º a 98º da PI.
Na verdade, a Recorrente alega no artigo 87º da PI o seguinte: «A comercialização de todos os produtos existentes na sua loja e a concomitante exibição dos mesmos em montra por parte da Requerente, permitindo-lhe gerar receitas para a sua subsistência (…) sendo certo que só com a consumação de tal desiderato poderá a Requerente lograr os proveitos materiais que gizou obter …».
No artigo 88º da PI a Recorrente alegou: «Os interesses que poderão ser afetados com a execução do ato suspendendo são os que seriam resultantes da interdição de comercialização, por parte da Requerente, dos produtos correspondentes a vestuário, edredons, roupa de cama, toalhas e adereços de casa de banho, designadamente quanto à perda de rendimento correspondente à sua venda e à perda do investimento realizado.»
No artigo 92º da PI alegou a Recorrente que «Caso a Requerente seja compelida a retirar da loja (…) os artigos indicados na notificação que lhe foi dirigida. não podendo proceder à sua comercialização, a sua atividade económica jamais permitirá auferir receitas que lhe permitam um grau mínimo de subsistência, por certo eclodindo na sua irremediável insolvência. »
Alegou a Recorrente nos artigos 93º e 94º da PI o seguinte: «exerce a sua atividade no Mercado …………..desde 1980, ou seja, há 33 (trinta e três) anos, sendo dessa atividade que, em exclusivo, retira meios para o seu sustento e de seu marido» «desde que ao seu marido foi diagnosticado um problema de foro oncológico, que o impossibilita de fazer esforços e de assumir ocupação a tempo integral, o único rendimento tem sido mesmo o produto das vendas efetuadas, deduzido o seu custo e despesas associadas.»
Nos artigos 96º a 98º da PI, a Recorrente aduz que «a Requerente tem um investimento de cerca de €40.000,00 (quarenta mil euros) de mercadoria, em loja e em stock, tendo, também por isso, imperativa necessidade de a comercializar a fim de garantir a amortização desse investimento e a obtenção da margem de lucro que lhe está associada. », que «A generalidade dessa mercadoria corresponde aos lavores que agora foi intimada a retirar da montra da loja e impedida de comercializar.» e que «Sem que possa proceder à exposição e venda dos artigos em causa, a atividade comercial da Requerente estará, li muito breve trecho, vetada ao fracasso total, pois não poderá subsistir dos rendimentos provenientes apenas dos artigos de retrosaria, nem sequer suportar os encargos de manutenção da loja.»
Por conseguinte, face às alegações insertas nos artigos 87º, 88, 92º, 93º, 94º e 96º a 98º da PI, competiria ao juiz da causa retirar delas os factos que ali estavam entranhados e não considerar, sem mais, que os mesmos estavam conclusivamente e genericamente alegados e, por isso, não eram passíveis de serem sujeitos a prova.
Aceita-se a deficiência da alegação da Recorrente na PI. De acordo com as regras de bem articular incumbia à Recorrente ter separado convenientemente os factos do direito e incumbia-lhe não apresentar um extenso articulado de 116º artigos, pejado de alegações misturadas, onde só com uma operação de depuração se consegue dali retirar as alegações puramente factuais. Mas estando alegada tal factualidade num português perceptível, ainda assim, havia de aceitar-se tais alegações como aproveitáveis para efeitos de puderem ser submetidas à correspondente prova.
Dos citados artigos da PI é possível retirar como alegações meramente factuais, que a subsistência da Recorrente é garantida pelas receitas ou proveitos gerados com a comercialização de todos os produtos existentes na sua loja e com a concomitante exibição dos mesmos em montra.
Dali também se retira como factualidade concreta que «a interdição de comercialização, por parte da Requerente, dos produtos correspondentes a vestuário, edredons, roupa de cama, toalhas e adereços de casa de banho» implicaria a «perda de rendimento correspondente à sua venda e à perda do investimento realizado.»
Igualmente, constituirá uma asserção factual o alegado no artigo 92º da PI, relativo à possibilidade de insolvência da Recorrente «caso (…) seja compelida a retirar da loja (…) os artigos indicados na notificação que lhe foi dirigida, não podendo proceder à sua comercialização».
Tratam-se ainda de alegações factuais as relativas ao exercício da «atividade no Mercado ………………… desde 1980 (…) sendo dessa atividade que, em exclusivo, retira meios para o seu sustento e de seu marido » e que « ao seu marido foi diagnosticado um problema de foro oncológico, que o impossibilita de fazer esforços e de assumir ocupação a tempo integral, o único rendimento tem sido mesmo o produto das vendas efetuadas, deduzido o seu custo e despesas associadas. »
Da mesma forma, as alegações de que «a Requerente tem um investimento de cerca de €40.000,00 (quarenta mil euros) de mercadoria, em loja e em stock, tendo, também por isso, imperativa necessidade de a comercializar a fim de garantir a amortização desse investimento e a obtenção da margem de lucro que lhe está associada», que «A generalidade dessa mercadoria corresponde aos lavores que agora foi intimada a retirar da montra da loja e impedida de comercializar» e que «Sem que possa proceder à exposição e venda dos artigos em causa, a atividade comercial da Requerente estará, a muito breve trecho, vetada ao fracasso total, pois não poderá subsistir dos rendimentos provenientes apenas dos artigos de retrosaria, nem sequer suportar os encargos de manutenção da loja», são alegações factuais que poderiam ser sujeitas a prova.
Portanto, face ao que acima se expôs, quando a decisão recorrida indeferiu a prova por a Recorrente apenas ter alegado de forma conclusiva e de direito, errou, já que algumas das alegações feitas na PI, no sub item «periculum in mora», encerravam elementos factuais, que poderiam ser aproveitáveis e sujeitos a prova.
Se é também certo que aqueles elementos factuais estão alegados em termos um tanto genéricos, já que não se indica os valores concretos das receitas e proventos, das vendas, dos lucros ou das alegadas perdas do negócio, dos específicos rendimentos do agregado da Recorrente ou dos encargos da loja, daí não deriva a impossibilidade de se determinar à parte a concretização desses valores, convidando-a a aperfeiçoar o seu articulado inicial. Assim como não invalida que em resposta à factualidade alegada se delimitasse ou concretizasse a matéria apurada com a indicação daqueles valores concretos, se assim se concluísse ser necessário.
Se a Recorrente alegou deficientemente, o que se aceita, ainda assim, em ordem ao princípio pro accione, competiria ao juiz retirar das alegações produzidas a realidade factual que as mesmas encerravam, para efeitos de a considerar para a aferição do periculum in mora. Essa operação era perfeitamente possível de ser feita pelo juiz e não comprometia a defesa da parte contrária, já que era minimamente perceptível o que se pretendia aduzir como factualidade de suporte na causa de pedir, tal como decorre da transcrição antes feita dos vários artigos da PI que encerram tal factualidade.
Não pode, por isso, manter-se o despacho de fls. 164, antecedente à sentença, que indeferiu a produção de prova, julgando que não estavam alegados factos concretos na PI e que apenas se tinha produzido alegações conclusivas e feito meros juízos de valor em relação à existência de periculum in mora.
Nesse despacho e na decisão recorrida considerou-se, depois, que os alegados prejuízos não poderiam, também, ser atestados por prova testemunhal, competindo à ora Recorrente ter junto prova documental desses factos logo na PI.
Ora, também nesta parte erraram tais decisões.
Na verdade, apesar de se estar aqui frente a uma providência cautelar, com prova perfunctória, daí não deriva que se possa restringir esta a determinados meios de prova. Nas providências cautelares qualquer meio de prova deve ser admissível, desde que adequado ao que se pretende comprovar.
Não podia, por isso, ter-se indeferido a prova testemunhal no despacho de fls. 164, antecedente à decisão recorrida, e concomitantemente, nessa decisão ter-se julgado não provados os factos que preenchiam o periculum in mora alegado pela Recorrente.
Mostrando-se controvertidos os factos alegados, por força do princípio do direito à prova, incumbia ao juiz abrir um momento de instrução do processo, pois mostrava-se necessária a demonstração desses factos – cf. artigo 118º, n.º 3, do CPTA.
Os artigos 118º, ns.º 3 e 4 e 119º, n.º 1, do CPTA, conferem ao juiz uma ampla margem de discricionariedade na condução do processo e na avaliação da prova necessária para o apuramento da pretensão deduzida.
A urgência e a simplicidade que o rito das providências cautelares reclama, associadas às características que aqui se exige da prova – sumária e perfunctória – levaram a que o legislador conferisse ao juiz o poder de recusar os meios de prova oferecidos pelas partes, quando entende que tais meios se mostram prescindíveis. Porém, esse poder de recusa está adstrito à desnecessidade ou à inutilidade do uso de tais meios de prova para a aferição do preenchimento dos requisitos de deferimento das providências requeridas. Esta recusa deve ainda ser fundamentada.
Igualmente, aqueles artigos pressupõem um poder do juiz de ordenar oficiosamente outras diligências probatórias que se mostrem necessárias ao apuramento da questão controvertida.
É em função do caso concreto, das alegações feitas pelas partes e da prova que desde logo seja junta aos articulados, designadamente da prova documental junta, que o juiz decide acerca do indeferimento dos meios de prova que tenham sido apresentados, ou ao invés, que determina, oficiosamente, a prestação de mais prova.
Ou seja, atendendo à factualidade que esteja alegada nos autos e que releve para o preenchimento dos pressupostos exigidos para o deferimento da providência requerida, poderá o juiz indeferir ou requerer mais prova.
Certo é que só deve haver uma decisão final após ser dada a oportunidade às partes de provarem a matéria que alegaram e que se mostrava necessária ao preenchimento dos indicados pressupostos, sob pena de se violar o princípio do direito à prova.
E se as partes não fazem juntar aos seus requerimentos a prova documental necessária à comprovação do que alegam, mas apresentam prova testemunhal, não cabe ao juiz restringir tal meio de prova, com a invocação de que os factos que se querem provar quando relativos a elementos contabilísticos só podem fazer-se mediante prova documental.
No novo contencioso administrativo não há restrição de meios de prova. Todos os meios de prova do processo civil são agora aqui admissíveis.
Os elementos relativos à situação financeira ou contabilística da Recorrente e do seu marido não são factos cuja prova só se possa fazer documentalmente, pois a lei assim não estabelece. Consequentemente, tais factos poderiam ser sujeitos a prova testemunhal, a ser livremente apreciada pelo tribunal (cf. artigos 341º, 362º, 364º, 388º, 389º, 392º, 393º e 396º do CC).
A apresentação dos elementos contabilísticos da Recorrente, das suas declarações fiscais e do seu marido, eventualmente, seriam elementos documentais bastantes para afastar a prova testemunhal, que tornar-se-ia dispensável (cfr. artigo 393º, n.º 2, do CC). Mas na falta da apresentação desses documentos, não poderia o julgador afastar liminarmente a produção de outros meios de prova, tal como se fez no despacho de fls. 164, dizendo-se que tais factos não eram susceptíveis de prova testemunhal, mas apenas documental. Isto porque, com tal entendimento se está a restringir ilegalmente os meios de prova.
Admite-se, que no que concerne à apresentação da prova, a Recorrente terá sido falha no cumprimento dos seus ónus, ao não juntar um único documento para a prova dos prejuízos que alegou e atinentes à sua situação patrimonial ou financeira.
Tal como determina o artigo 114º, n.º 3, alínea g), do CPTA, a A. e Recorrente deveria na PI ter especificado os fundamentos do pedido «oferendo prova sumária da respectiva existência» - cf. também artigo 423º do novo CPC.
Aliás, tratando-se este de um processo urgente, simplificado e célere, a obrigação de indicação com os respectivos articulados da correspondente prova, é não só um ónus processual geral da parte, mas é ainda um ónus decorrente dos princípios da celeridade processual, da colaboração e da boa fé processual.
Contudo, falhando a parte o seu ónus, não pode ter como «sanção» nem a inadmissibilidade da apresentação da prova testemunhal, nem a imediata improcedência da acção, por se dar por não provadas as alegações que tenham sido feitas na PI. Essas consequências não estão legalmente previstas. Não quis o legislador restringir os meios de prova em sede de providências cautelares, nem quis impor às partes, sob pena de se considerar logo não provados os factos que alegavam e se poder proferir a correspondente decisão final, a obrigação (preclusiva) da junção ou da indicação de todas as provas com os respectivos articulados.
Diversamente, o legislador remeteu para o juiz a obrigação de assinalar às partes a falta dessa prova antes da tomada da decisão final e de possibilitar-lhes a junção ou a indicação dos meios de prova que ainda pretendam utilizar, não obstante não os terem indicado nos articulados iniciais.
Esta obrigação do Tribunal de permitir às partes, posteriormente à apresentação dos articulados, a indicação das provas a utilizar, decorre, no caso da presente providência, do estipulado no artigo 118º, n.º 3, do CPTA.
A Recorrente não fez juntar à PI quaisquer documentos de prova, designadamente documentais, que atestassem os prejuízos que alegava. A Recorrente nada juntou à PI para a prova das invocadas receitas ou proventos gerados com a comercialização dos produtos, para a prova do valor do investimento realizado, da sua situação financeira e da sua alegada insolvência, para a prova dos seus rendimentos de subsistência, do seu agregado e do seu marido, dos custos e despesas que diz ter que arcar, ou sequer, para a prova da doença do marido causadora da inibição de exercer uma profissão a tempo inteiro. Limitou-se a Recorrente a final da sua PI a indicar a prova testemunhal, arrolando 4 testemunhas. Mas deveria a Recorrente ter também junto à sua PI toda a prova documental que fosse já possível juntar e que visasse a comprovação do que alegava, pois só assim cumpriria escrupulosamente os seus ónus processuais.
Vem agora a Recorrente dizer, em sede de recurso, que a testemunha que arrolou em 1º lugar tem os documentos contabilísticos que provavam a situação financeira que invocou. Porém, conforme já se disse, era seu ónus, havia a A. e Recorrente de ter entregue os documentos que fossem já do seu conhecimento e lhe estivessem acessíveis, na data em que apresentou a PI, juntamente com esta, v.g, os documentos relativos às suas declarações fiscais e do seu marido e de contabilidade.
Não o tendo feito, todavia, não se podia ter considerado, pura e simplesmente, que não está provada a factualidade alegada. Diversamente, tendo sido alegados pelas partes factos com relevo para o exame e a decisão da causa, mas não tendo sido juntos elementos documentais suficientes para a sua prova, deve o tribunal informar às partes que tais factos permanecem controvertidos, permitindo-lhes produzir a correspondente prova, documental (eventualmente com condenação em multa por apresentação tardia) ou testemunhal (ou outra, por inspecção e pericial, se necessário e adequado).
Teria, neste caso o tribunal que abrir um momento para a instrução da causa, para que se pudessem comprovar os factos ainda controvertidos, relativos ao periculum in mora, que eram relevantes para a decisão a tomar.
Refere-se, ainda, que o R. na contestação apresentou também prova testemunhal, arrolando 4 testemunhas e o mesmo fez a Contra interessada, que arrolou outras 7 testemunhas (sendo certo que ter-se-ia que dar por não escrito este rol na parte em que excede o número máximo legal de testemunhas a indicar num processo cautelar – cf. artigos 294º, n.º 1, 365º, n.º 3, do novo CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Em suma, errou o despacho proferido a fls. 164, quando determinou o indeferimento da prova apresentada e não decidiu, ao invés, a abertura de um período de instrução, para se apurar a matéria que ainda estava controvertida, referente ao periculum in mora, requisito que se considerou, depois, na decisão recorrida, como não preenchido, por falta de prova dos correspondentes factos. Consequentemente errou também esta decisão, porque antes se dispensou a produção de prova, a qual era indispensável para que se procedesse à correcta apreciação dos requisitos da providência cautelar requerida.
Procedem, assim, as conclusões a) a j) do presente recurso, ficando prejudicado o conhecimento dos vícios imputados à sentença recorrida nas conclusões k) a v).
Dispositivo
Pelo exposto, acordam em:
- conceder provimento ao recurso, revogando a decisão de fls. 164 e consequentemente, em anular a sentença recorrida;
- determinar a baixa dos autos para que ali prossigam os seus termos, com a instrução da causa, se a mais nada obstar.
- custas pelos Recorridos.
Lisboa, 2 de Abril de 2014
(Sofia David)

(Cristina Santos)

(Rui Pereira)