Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:368/11.3 BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:IMI
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
NULIDADE DE TODO O PROCESSADO SUBSEQUENTE À PETIÇÃO INICIAL
REPRESENTAÇÃO DO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Sumário:I - O erro na forma de processo implica, verificados os pressupostos de tempestividade e do pedido, a convolação na forma do processo considerada adequada, importando unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, designadamente porque do seu aproveitamento resultaria uma diminuição de garantias para o demandado ou os demandados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei;
II – A convolação de acção de impugnação judicial em acção administrativa determina a nulidade de todo o processado subsequente à petição inicial, porquanto se impunha que fosse citado o Ministério das Finanças para contestar a pretensão da Autora, nos termos do aludido artigo 10.º do CPTA por não deter a Fazenda Pública da competência legal para representar o Ministério das Finanças.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A. M. M. G., melhor identificada nos autos, veio apresentar impugnação contra o acto praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Évora que indeferiu o pedido de isenção de pagamento do Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI) datado de 28/06/2011 relativamente à fracção autónoma designada pela Letra “..” do prédio urbano inscrito na matriz predial da Freguesia de S. A. sob o artigo …. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o artigo ..3.
Na petição inicial atribuiu o valor à causa de 5.000 Euros, o qual foi contestado e a fls. 229 dos autos foi fixado judicialmente na sentença sob escrutínio em 325,72 Euros.
Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja de fls. 167 a 169 dos autos foi decidida a convolação da impugnação em acção administrativa especial e, conhecendo do mérito, o Tribunal a quo julgou totalmente procedente a acção.
Reagiu a Autora da acção a fls. 251 a 254 requerendo aclaração da sentença.
Também a Fazenda Pública reagiu, a fls. 260 a 267, arguindo a nulidade da sentença requerendo a anulação de todo o processado por não ter sido citada para a acção a Entidade Demandada – o Ministério das Finanças - nem ter sido assegurada a intervenção do M° P°.
Tal requerimento foi objecto de despacho a fls. 271 que decidiu: (...) «Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa, pelo que nada há a apreciar ou decidir. Notifique»
Reagiu, também, o Ministério Público interpondo recurso a fls. 277, para o STA, pedindo a anulação de todo o processado desde a verificação da nulidade do não cumprimento do disposto no artigo 85.° do CPTA e não sendo atendida tal pretensão pugnou pelo conhecimento da invocada «nulidade de excesso ou indevida pronúncia, devendo ser substituída por outra devidamente sanada».
Para o efeito, concluiu nos seguintes termos:
« 1º - Recorre-se, com o devido respeito, da douta sentença proferida referenciados em 6/02/2017, que determinou a procedência da presente Ação, por mera cautela, estando em causa, para apreciação, matéria exclusivamente de direito, relativa à arguição de nulidades, por se entender que a mesma padece de vício de violação de normas jurídicas e errada aplicação do direito, justificando-se o presente recurso necessário para uma melhor aplicação do direito por estar em causa questão de relevância jurídica e ainda decorrerem neste Tribunal outras Ações em que se poderão colocar as mesmas questões e se mostrarem preenchidos os pressupostos do art. 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
2º - Não obstante o valor da Ação, estamos em crer verificarem-se os respetivos requisitos do recurso, no entanto, caso seja superiormente decidido não admitir o mesmo requer-se seja convolado em requerimento para arguição de nulidades, a ser apreciado e decidido pelo Mmº Juiz na 1ª instância.
3º - Desde que foi determinada a convolação de impugnação judicial em Ação Administrativa Especial o Ministério Público apenas veio a ser notificado da douta sentença ora recorrida, resultando dos autos a falta de notificação do mesmo nos termos e para os efeitos do disposto no art. 85º do CPTA.
4º - Resulta da conjugação das normas constantes dos arts. 97º, nº 3 da Lei Geral Tributária (LGT) e 98º, nº 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que a sanação na convolação para a forma de processo correta importa, unicamente, a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, o mais possível, da forma legal, o que não sucedeu no caso prejudicando a possibilidade da intervenção processual do Ministério Público – este na anterior espécie processual apenas se pronunciou acerca da invocada exceção de erro na forma de processo.
5º - Pelo que se verifica uma nulidade que importa sanar e que é de conhecimento oficioso, determinando a anulação de todo o processado desde a sua verificação.
6º - Por outro lado, entendemos verificar-se na douta sentença excesso ou indevida pronúncia.
7º - Efetivamente, Constituem causas de nulidade da sentença a pronúncia sobre questões que o juiz não deva conhecer nem condenar em objeto diverso do que for pedido (arts. 94º e 95º do CPTA e art. 613º, nº 2 do CPC), relacionando-se com o disposto sobre as questões a resolver na sentença em conformidade com o disposto nos art.s 608º, nº 2 e 609º, nº 1, ambos do CPC.
8º - Tal como consta na douta decisão/sentença que determinou a convolação de impugnação judicial em Ação Administrativa Especial, proferida em 31/10/2012, refere-se “Ao impugnar-se a decisão em causa não se está a reagir contra o acto de liquidação de IMI propriamente dito, mas contra a decisão administrativa que indeferiu o pedido de isenção do IMI”. O que se pretende é que o Tribunal conheça da legalidade e do conteúdo da decisão que indeferiu o pedido de isenção e, em caso de procedência, ordene o reembolso do imposto indevidamente pago.
9º - Porém, a douta sentença determina a procedência da Ação e no seu segmento decisório condena:
- a) Anula o ato de indeferimento praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Évora em 28/06/2016 no âmbito do procedimento de reclamação graciosa apresentado pela Autora relativamente à liquidação de IMI referente ao ano de 2010 …
- b) Anula a liquidação de IMI referente a esse ano …
- c) Condena a Entidade Demandada a restituir à Autora a importância de € 325.72, acrescida de juros indemnizatórios … correspondente ao pagamento indevido do IMI daquele ano.
10º - Ao determinar a anulação da liquidação de IMI, a douta sentença condena por excesso de pronúncia, em nosso entender, no que à conformação da instância respeita, não considerando os limites (da condenação) impostos pelos arts. 95º, nº 1 do CPTA e 609º do CPC, indo para além do pedido - perante a anulação do ato de indeferimento competirá à Entidade Demandada praticar novo ato, sob pena de se tratar de uma decisão como se em sede de impugnação judicial em matéria tributária se estivesse (meio próprio para a anulação da liquidação).
11º - Por outro lado, ao determinar na douta sentença a condenação da Entidade Demandada a restituir à Autora a importância de € 325.72, acrescida de juros indemnizatórios, correspondente ao pagamento indevido do IMI daquele ano, também neste segmento decisório e pelos mesmos motivos se entende ter ocorrido excesso de pronúncia.
12º - Dado que da decorrência da anulação do ato de indeferimento e eventual anulação da liquidação, competirá à Entidade Demandada, se lhe for requerido, proceder à devolução do imposto pago e acrescidos, devendo, nesta parte, ter sido improcedente o pedido de restituição da quantia peticionada.
13 – Pelo exposto e em respeito por opinião contrária, deverá o presente recurso merecer provimento e serem ser determinada a anulação de todo o processado desde a verificação da nulidade do não cumprimento do art. 85º do CPTA e a não ser atendida tal pretensão entendemos dever ser a douta sentença declarada nula pelo conhecimento da invocada nulidade de excesso ou indevida pronúncia, devendo ser substituída por outra devidamente sanada da mesma.
14º- Julgando-se o presente recurso procedente, será feita a superiormente costumada, JUSTIÇA»
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A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja também interpôs recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto contra o Despacho de 15.02.2017, proferido no âmbito da Acção Administrativa Especial que correu termos junto do Tribunal administrativo e Fiscal de Beja sob o N.º 268/11.3 BEBJA, do qual o ora recorrente foi notificado a 17.02.2017;
Resulta pois da presente motivação de recurso, art.ºs 1.º a 20.º:
B. Que se encontram preenchidos os pressupostos e requisitos de que o nº 1 do artigo 150º do CPTA faz depender a admissão do recurso de revista;
C. Assim, sendo deverá ser admitido o presente recurso;
D. Caso contrário, estaríamos perante a violação do Princípio do Acesso ao Direito e aos Tribunais e mesmo por violação do Princípio da Proibição da Indefesa, estes consagrados no art. 20º da Constituição;
Dos artigos 21.º a 29.º:
E. Dúvidas não sobram, na nossa perspectiva, que a Douta sentença, violou os artigos 3.º n.3 do CPC; art.º 6.º do CPA e art.º 85.º do CPTA e art.º 51.º do ETAF; e consequentemente violou os princípios do: Do contraditório; da Igualdade das partes; e do Controlo da legalidade;
F. A violação de tais princípios tem como consequência a prevista no art.º 195.º do CPC;
G. A doutrina e a jurisprudência têm perfilhado posições que vão desde a nulidade da sentença, à sua ineficácia ou à sua inexistência.
H. Estamos assim perante uma clara e evidente nulidade absoluta;
I. O que impede que a sentença possa transitar em julgado;
Dos artigos 30.º a 57.º, concluímos que:
J. No despacho, ora colocado em crise, o Senhor Juiz a quo, violou o disposto no n.º2 do art.º 613º do CPC e faz uma errada interpretação e aplicação do n.1 do mesmo preceito legal.
Na verdade,
K. Para certos defeitos da sentença a lei admite que o juiz possa corrigir o que de imperfeito ela contenha;
L. O texto do n.º 1 e 2 do art.º 613.º do CPC, não impõe, de modo algum, a extinção do poder jurisdicional;
M. O aperfeiçoamento das decisões judiciais a efectuar pelo próprio julgador concretiza-se, através dos remédios indicados nos art.ºs 613º, n.º 2 a 616º, do Cód. Proc. Civil: rectificação de erros materiais, suprimento de nulidades, esclarecimento de dúvidas existentes e reforma ;
N. Tinha assim, o Senhor Juiz a quo, o poder dever, de conhecer das nulidades invocadas, nulidades essas, porque absolutas, até são se conhecimento oficioso;
O. Tanto mais, que no caso dos autos, em razão da alçada, o Senhor Juiz a quo, está a decidir em última instância;
P. E, ao assim ser, nunca poderia deixar ficar na ordem jurídica uma decisão nula, que padece dos vícios de violação do contraditório e do controlo de legalidade;
Q. Sabendo é certo, que tal decisão nunca poderia transitar em julgado, pois tais nulidades, porque absolutas, a todo o tempo podem ser invocadas;
R. Resultou assim, que o Douto despacho violou o art.º 613.º n.2 do CPC, devendo consequentemente ser revogado.
Termos em que, em face dos fundamentos expostos, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
- Ser revogado o despacho sob sindicância, e substituído por outro que conheça das nulidades invocadas e de que padecem a Douta sentença;
-Tendo em consideração que estamos perante nulidades de conhecimento oficioso, também das mesmas pode esse Venerando Tribunal, desde já conhecer;
E,
- Consequentemente, determinar que anulado todo o processado posterior ao despacho/sentença, que convolou os autos de impugnação judicial em acção administrativa especial, incluído a própria sentença.»
*
A fls. 335 a 364 dos autos veio a Autora juntar alegações e conclusões dirigidas ao STA nas quais sustenta em primeiro lugar a inadmissibilidade de recurso atento o valor da acção (325,72 euros) e em segundo a inadmissibilidade legal de recurso “per saltum” para o STA.
Subsidiariamente, a entender-se de modo diferente sustenta que devem ser julgadas totalmente improcedentes as nulidades arguidas por inexistirem ou por se mostrarem totalmente sanadas.
Rematou as suas contra-alegações, com as seguintes conclusões:
«1. Quer o Representante da Fazenda Pública, quer o Ministério Público, vêm interpor recurso para esse Supremo Tribunal de decisões proferidas pelo Tribunal de primeira instância, numa causa à qual foi atribuído o valor de € 325,72 (trezentos e vinte e cinco euros e setenta e dois cêntimos).
2. Nem o despacho de 15.2.2017, nem a sentença de 6.2.2017, proferidos nos presentes autos, admitem recurso, nos termos do disposto no art. 142, n.º 1 do CPTA.
3. O recurso para o Tribunal de 2.ª instância (no caso, o TCAS) só seria possível se o valor da causa fosse superior à alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância, isto é, € 5.000,00, ou, havendo fundamento para tal, com base numa das alíneas do art. 142, n.º 3 do CPTA - arts.142, n.º 1 e 3 do CPTA, art 6, n.º 3 do ETAF e art. 44, n.º 1 da Lei 62/2013, de 26 de agosto.
4. O recurso direto para esse STA só seria possível se o valor da causa fosse superior a € 3.000.000,00 (três milhões de euros), e mesmo após as alterações introduzidas ao CPTA pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que aqui não é aplicável, superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros) – art. 151 do CPTA.
5. Um decisão proferida pelo Tribunal de 2.ª instância (TCAS), se a tivesse havido – que não houve – também ela não admitiria recurso para esse STA, a não ser nos termos do art. 150 do CPTA.
6. O recurso excecional de revista, previsto no n.º 1 do art. 150 do CPTA, apenas é admissível relativamente às decisões proferidas em 2.ª instância, pelo Tribunal Central Administrativo, e, ainda assim, só quando “esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
7. O STA não é uma instância de recurso, devendo, aliás, a norma do art. 150 do CPTA ser interpretada, como é jurisprudência assente, nos seus estritos limites, sendo o conteúdo dos seus possíveis fundamentos (relevância jurídica ou social fundamentais e melhor aplicação do Direito), eles próprios, objeto de interpretação cuidada e restrita.
8. Para efeitos de admissibilidade deste recurso de revista, só haveria relevância jurídica fundamental se a questão a apreciar fosse de extrema complexidade, ou se o quadro normativo fosse, ele próprio complexo e desde que, em qualquer dos casos, tivesse relevância prática e utilidade objetiva.
9. Interpretando aquela norma, em recursos de decisões de 2.ª instância, tem esse Supremo Tribunal entendido que uma questão assume uma importância jurídica ou social fundamental pela capacidade de expansão da controvérsia para além dos limites da situação singular e ainda nos casos em que a questão possa contender com interesses especialmente importantes da comunidade.
10. São as conclusões das alegações dos Recorrentes que delimitam o objeto do recurso (art. 635 e 639 do CPC, aplicável ex vi art. 1 do CPTA) e, nas suas conclusões, os aqui Recorrentes cingem o recurso à apreciação de várias nulidades, entendendo, sem demonstrar, que a apreciação desta matéria por esse Supremo Tribunal se enquadraria numa, ou em todas, as previsões da norma excecional do n.º 1, do art. 150 do CPTA.
11. Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atendo o seu carácter excecional, não pode o recurso de revista ser utilizado para arguir nulidades processuais ou da sentença (vejam-se, a título meramente exemplificativo, entre outros, os acórdãos desse STA de 11 de maio de 2016 (rec. 0831/15), de 29 de abril de 2015 (rec. n.º 01363/14), de 8 de janeiro de 2014 (rec. n.º 01522/13) de 9 de janeiro de 2013 (proc. 01426/12), de 13 de setembro de 2012 (proc. 0461/12), de 12 de janeiro de 2012 (rec. n.º 0899/11) e de 26 de maio de 2010 (rec. n.º 097/10), disponíveis em www.dgsi.pt).
12. Não deveria, assim, em caso algum, ser admitido o presente recurso, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos de que depende a sua admissibilidade (arts. 150 e 151 a contrario do CPTA).
13. Em qualquer caso, quanto à alegada falta de citação do Ministério das Finanças e do Representante da Fazenda Pública, devem as mesmas ser declaradas improcedentes, porque a Entidade Demandada foi devidamente citada (não sendo legalmente exigível a citação do Ministério das Finanças, nem obrigatória a constituição de mandatário, nos termos dos arts. 10, n.º 2, 11, n.ºs 1 e 2 do CPTA e 40, n.º 1, alínea a) do CPC), tendo sido assegurados todos os seus direitos de defesa (o Representante da Fazenda Pública apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação, foi notificado de todos os demais atos produzidos no processo, que acompanhou até hoje).
14. Mesmo que tivessem existido tais nulidades, sempre estariam as mesmas sanadas quando foi proferida a decisão de mérito, nos termos do disposto no art. 189 do CPC, já que, se não antes, pelo menos desde que o Representante da Fazenda Pública foi notificado do douto despacho de 21/3/2013 (para, querendo, alegar por escrito), teve conhecimento de que o Tribunal pretendia apreciar o pedido e conhecer do mérito da causa, sem necessidade de quaisquer outras diligências.
15. Quanto à alegada falta de notificação do Ministério Público, deve a mesma ser declarada improcedente, não só porque o Ministério Público teve conhecimento da petição inicial e sobre ela se pronunciou, nos exatos termos que entendeu convenientes, mas também porque, sendo a sua intervenção acessória (art. 5, n.º 4, alínea a) da Lei 47/86, de 15 de outubro) a falta de vista ou exame sempre estaria sanada, a partir do momento em que a pessoa coletiva de direito público, a quem, nos termos da lei, presta assistência, fez valer os seus direitos no processo por intermédio do seu representante (art. 194, n.º 1 do CPC aplicável ex vi art. 1 do CPTA).
16. O facto de a Entidade Demandada não ter sido novamente citada, nos exatos termos previstos no art. 81 do CPTA (tendo sido nos termos e para os efeitos previstos no art. 110 do CPPT), em nada colide com as suas garantias de defesa, que aqui foram asseguradas, não havendo qualquer violação do princípio do contraditório, ou da igualdade das partes, nem de nenhum direito constitucional de defesa ou qualquer outro.
17. O facto de o Ministério Público não ter sido novamente notificado, nos exatos termos previstos no art. 85 do CPTA (tendo sido nos termos e para os efeitos previstos no art. 113, n.º 2 do CPPT), em nada colide com a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes e da aplicação da Lei, como sendo certo que o Ministério Público teve a oportunidade de se pronunciar, não só sobre a invocada exceção de erro na forma de processo, mas sobre o mérito da causa.
18. Do aproveitamento dos atos praticados no processo (nomeadamente da contestação e do parecer apresentados em data anterior ao despacho que determinou a convolação dos autos) não resulta uma qualquer diminuição das garantias de defesa da Entidade Demandada, pelo que todos os atos praticados nos autos de impugnação judicial podiam – como foram – ser aproveitados nos autos de ação administrativa especial, devendo, assim, manter-se todo o processado após a petição inicial (arts. arts. 97, n.º 3 da LGT, 98, n.º 4 do CPPT, 193, n.º 1 e 2 e 187, alínea a) a contrario do CPC, aplicáveis ex vi art. 1 do CPTA).
19. Quanto ao alegado vício de excesso de pronúncia, deve o mesmo também ser julgado improcedente, por não ter havido qualquer condenação em objeto diverso do pedido, nos termos do disposto no art. 615, n.º 1, alínea e) do CPC, sendo certo que todas as questões sobre as quais se debruçou a sentença – nomeadamente a restituição do imposto indevidamente pago e anulação da liquidação correspondente – se encontram naturalmente implícitas na apreciação da (i)legalidade da decisão que indeferiu o pedido de isenção.
20. Bem decidiu, pois, o Tribunal de 1.ª instância, que fez uma correta apreciação dos factos e não menos correta aplicação do Direito, não merecendo, pois, tal decisão qualquer reparo, por não ter violado nenhuma norma, de direito substantivo ou adjetivo.

Nestes termos, e nos mais de Direito:
(i) Deve ser rejeitado, de imediato, o presente recurso, por ter ser interposto de duas decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância, numa ação à qual foi atribuído o valor de € 325,72 (arts.142, n.º 1 e 3 do CPTA, art 6, n.º 3 do ETAF e art. 44, n.º 1 da Lei 62/2013, de 26 de agosto)
(ii) Em qualquer caso, não deve ser admitido o presente recurso excecional (per saltum) de revista, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legais de que depende a sua admissibilidade (art. 150, n.º 1 e 151 a contrario do CPTA), ou, caso assim não se entenda,
(iii) A ser admitido, deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser julgadas totalmente improcedentes as nulidades arguidas, por inexistirem, ou se mostrarem totalmente sanadas, mantendo-se todo o processado posterior ao despacho que convolou os autos de impugnação judicial em ação administrativa especial, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

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Por decisão sumária foi julgada verificada a excepção de incompetência absoluta em razão da hierarquia, da Secção de Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do presente recurso e competente para o seu conhecimento liminar e, eventualmente subsequente, a Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo tendo em consideração o valor da acção.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Importa assim, conhecer em primeiro lugar da excepção deduzida pela Autora da inadmissibilidade do presente recurso tendo em conta o valor da acção.
Na hipótese de improcedência da questão prévia, importa apreciar:
i) se se verifica a nulidade processual por falta de notificação do Ministério Público, para intervir nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85.º do CPTA;
ii) se a sentença é nula por excesso de pronuncia sobre a questão que não integra o pedido ao determinar a anulação da liquidação de IMI atendendo a que o pedido formulado era o de condenação à prática de acto consubstanciado no deferimento do pedido de isenção de IMI e restituição oficiosa do imposto indevidamente pago pela A;
iii) Se se verifica a nulidade do despacho de 17/02/2017 (de fls. 271) ao julgar extinto o poder jurisdicional sem conhecer das nulidades ali arguidas por violação dos princípios da indefesa, do contraditório, da igualdade e do controlo da legalidade.

III - FUNDAMENTAÇÃO
III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
« a) Em 13.08.2010, a Autora adquiriu o direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra .., correspondente ao 1.º, 2.º, e 3.º andares, do prédio urbano sito na P. G., n.º 1.., 1.. e 1.. na R. A. C. n.º 1..e 1.. A, inscrito na Freguesia de (S. A.), Concelho de Évora sob o art.º ...º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º ..3; cfr doc 2 junto com a petição inicial, a fls 24 a 30 dos presentes autos;
b) Em 14.06.2010, aquele prédio fazia parte integrante do conjunto denominado Évora Património Mundial, classificado como Monumento Nacional; cfr doc 3 junto com a petição inicial, constituído por certidão pela Direcção Regional de Cultura do Alentejo, a fls 31 a 34 dos presentes autos, admitido
c) Em 14.06.2010, aquele prédio não estava classificado individualmente; cfr doc 3 junto com a petição inicial, constituído por certidão pela Direcção Regional de Cultura do Alentejo, a fls 31 a 34 dos presentes autos, admitido
d) Em 24.11.2010, pelo Director de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, foi reconhecida à Autora isenção de IMT, pela aquisição onerosa da fracção autónoma designada pela letra … do prédio urbano inscrito sob o art.º ...º na matriz predial urbana da Freguesia de S. A., Concelho de Évora;; (cfr doc de fls 39 e 40 dos presentes autos)
e) Em 17.08.2010, a Autora requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Évora a comunicação ao Serviço de Finanças de Évora de que a fracção autónoma designada pela letra .. do prédio urbano situado em Évora, na P. G., com os n.ºs 1.., 1.. e 1.., e na A. C., n.º 1.., 1.., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de S. A. sob o art.º .. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o art.º ..3, beneficiava de isenção de pagamento de IMI; cfr doc 5 junto com a petição inicial, a fls 41 e 42 dos autos
f) A Autora foi notificada para pagar, durante o mês de Abril de 2011, a 1.ª prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2010, no valor total de € 310,76, dos quais € 162,86 referentes ao imóvel em questão nos presentes autos, através de documento de identificado sob o n.º 2010 328737003, com o seguinte teor:
Original nos autos
cfr doc 6 junto com a petição inicial, a fls 43 dos presentes autos
g) Em 22.03.2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Évora requerimento da Autora, cujo teor integral consta do documento 7 junto com a petição inicial, o qual aqui se dá por reproduzido, dele constando, além do mais, o seguinte:

1. Por escritura de 13 de Agosto de 2010, lavrada no Cartório Notarial da Dra. A. P. U., a ora Reclamante adquiriu a S. L. S. G. a fracção autónoma designada pela letra “..”, do prédio urbano, sito em Évora, na P. G.l com os nºs 1..,1.. e 1.. e na A. C., n.º 1.., 1.., inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de S. A., sob o artigo .e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Évora, sob o n.º ..3.
(...)
9. No caso em apreço – a fracção autónoma é no n.º 1.. do prédio urbano, sito na P. G., em Évora – justamente o “coração” do Conjunto Histórico Patrimonial Mundial) - tais pressupostos verificam-se na íntegra.
(...)
14. Apesar do quanto antecede foi a Reclamante, porém, notificada para proceder ao pagamento de € 325,72, relativo a IMI, conforme cópia que se junta e se dá por integralmente reproduzida como doc. N.º 4.
(...)
Nestes termos, requer-se a V. Exa. que mande proceder à anulação imediata de liquidação do IMI sobre a fracção autónoma aqui em causa, por a mesma não ser devida.
Atento o valor diminuto em causa requer-se, igualmente, a dispensas de prestação de caução.
Cfr doc de fls 44 a 47 dos presentes autos
h) Em 14.04.2011, foi feito o pagamento da importância indicada no documento 2010 328737003, melhor descrito na alínea f) do probatório; cfr documento de fls 48 dos presentes autos
i) Em 18.05.2011, o serviço de finanças de Évora prestou informação com o teor que consta de fls 53 a 55 dos presentes autos, o qual aqui se dá por reproduzido, e da qual consta, além do mais, o seguinte:

1 – ACTO RECLAMADO
1.1 – O contribuinte A. M. M. G., NIF 166…., apresentou requerimento a solicitar o averbamento de isenção de IMI no prédio inscrito sob o artigo ..º fracção .. da freguesia de S. A., no exercício de 2010.
1.2 – O reclamante tem legitimidade para o acto nos termos do artigo 68.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
1.3 – A reclamação graciosa é o processo próprio nos termos dos artigos 70º e 99º do CPPT;
1.4 – A presente reclamação é tempestiva nos termos do artº(s) 70 do CPPT.
(...)
4.5 – O IGESPAR, apenas tem certificado, na supra citada lista, enviada em 07.09.2010, que os prédios que se situam no Centro Histórico de Évora, são parte integrante do conjunto denominado “Évora Património Mundial”, este sim, como um todo, classificado como monumento nacional, nos termos do nº. 7 do artº. 15º. da Lei nº. 107/2001, de 06 de Setembro.
4.6 – Os bens imóveis que fazem parte deste conjunto, porque não foram objecto de quaisquer acto administrativo especificamente dirigido para a sua classificação, não preenchem a previsão da alínea n) do nº. 1 do artº. 44º. do EBF, pelo que não podem beneficiar de isenção de IMI aí consagrada.
(...)
Nestes termos, tendo presente a análise constante desta Informação, proponho o indeferimento da presente reclamação.

Cfr doc de fls 52 a 55 dos presentes autos
j) Com data de 19.05.2011, sobre aquela informação, foi proferido o seguinte despacho:
Cfr doc de fls 52 dos presentes autos
k) A Autora pronunciou-se sobre aquele projecto de indeferimento em termos que constam do documento 11 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido; Cfr doc de fls 56 e 57 dos autos
l) Com data de 27.07.2011, o serviço de finanças de Évora prestou informação cujo teor consta de fls 68 do PA n.º 2, cujo teor aqui se dá por reproduzido, concluindo pela manutenção do projecto de indeferimento da reclamação apresentada pela ora Autora; cfr doc de fls 68 do PA n.º 2 apenso aos apresentes autos
m) Sobre esta informação, e com data de 28.05.2011, foi proferido despacho pelo chefe de finanças de Évora com o seguinte teor:
“Concordo com a informação prestada.
Indefiro o pedido.” (acto impugnado)
Cfr doc de fls 66 do PA n.º 2 apenso aos presentes autos
n) A Autora foi notificada para pagar, durante o mês de Setembro de 2011, a 2.ª prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2010, no valor total de € 310,75, dos quais € 162,86 referentes ao imóvel em questão nos presentes autos, através de documento de identificado sob o n.º 2010 328737103, com o seguinte teor:
Original nos autos
Cfr doc de fls 59 dos presentes autos
o) Em 26.09.2011, foi feito o pagamento da importância indicada no documento 2010 328737103, melhor descrito na alínea l) do probatório; cfr documento de fls 48 dos presentes autos
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Consta ainda da mesma sentença que « Inexistem outros factos sobre os quais o tribunal se deva pronunciar já que as demais asserções constituem meras considerações ou conclusões, não resultando provados outros factos com interesse para a decisão da causa» e, em matéria de motivação, que « A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto fundou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes, e dos documentos que integram os processos administrativos apensos aos autos, não impugnados, tal como se fez referência a propósito de cada uma das alíneas antecedentes.».
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III – 2. Da apreciação do recurso

Importa antes de mais, apreciar e decidir a questão prévia da admissibilidade do recurso.
Para o efeito, impõe-se ter presente a pronúncia do Supremo Tribunal Administrativo na decisão sumária proferida a fls. 377, cujo segmento aqui se reproduz para facilitar a compreensão da questão que se impõe apreciar e decidir de seguida.
Decidiu o STA o seguinte: «No caso, o valor da acção a considerar agora, e na falta de trânsito da decisão que fixou à acção um valor inferior, é de € 5000, que foi o indicado na petição inicial ( vide fls. 17° ) e o que se pretende em concreto com a acção consiste na obtenção de um benefício económico relacionado com a isenção do pagamento do IMI, perfeitamente determinado e determinável.
Assim sendo, atento o disposto no art. 31.°, n.° 2 do CPTA, deve atender-se ao valor da causa para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e que tipo de recurso»
Vejamos então da admissibilidade do recurso.
A acção administrativa constitui um dos meios processuais previstos no artigo 97.º, nº 1 alínea p) do CPPT.
Com efeito, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 97.° do CPPT, na redacção vigente à data dos factos, o recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
Por força do disposto no artigo 191.° do CPTA, a partir da data da entrada em vigor do CPTA a referência feita ao regime do recurso contencioso de anulação de actos administrativos consideram-se feitas para o regime da acção administrativa especial
Nos termos estatuídos no n.° 2 do artigo 279.° do CPPT, os recurso jurisdicional dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, sendo entendimento jurisprudencial que neste regime se inserem também as normas referentes aos respectivos recursos jurisdicionais.
Assim sendo, nos termos do n.º 4 do artigo 151.º do CPTA, impõe-se apreciar a admissibilidade do presente como de apelação.
Antes de mais, importa ter presente que as normas constantes dos artigo 97.º, n.º 2 e 279.º, n.º 2 do CPPT constituem normas de remissão para o processo nos tribunais administrativos quer nas acções administrativas quer quanto aos recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessório e têm o seu âmbito de estatuição circunscrito à aplicação das normas de processo, não abrangendo as normas sobre competência para o conhecimento dos recursos, que se regem pelas normas previstas no ETAF para os tribunais da jurisdição fiscal.
Assim, decorre do disposto no n.º 6 do artigo 6.º do ETAF que a admissibilidade do recurso por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção.
Tendo presente que a acção foi instaurada em 2011, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do ETAF, na redacção vigente naquele ano, a alçada dos tribunais tributários correspondia a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.
Por sua vez, a alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância estava fixada em € 5 000, ao tempo, por força do disposto no artigo 31.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.
Atendendo a que a alçada dos Tribunais judiciais de 1ª instância era, em 2011 de € 5 000,00, correspondendo a alçada dos Tribunais tributários a um quarto daquele valor, à data da instauração da acção a alçada estava fixada em € 1 250,00.
No caso dos autos, o valor da causa indicado pela Autora foi de 5.000 Euros, pelo que, o recurso é admissível.
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Impõe-se agora conhecer do recurso apresentado pelo Ministério Público.
Vejamos.
Por despacho de 31/10/2012 (fls. 167) o TAF de Beja apreciou a questão da impropriedade do meio suscitada pela Fazenda Pública na sua contestação, julgando verificado o erro na forma de processo e procedeu à convolação da acção de impugnação em acção administrativa especial.
Bem ou mal, tal despacho não foi impugnado e assim sendo, transitou em julgado, não constituindo objecto do presente recurso.
Convolados os autos em acção administrativa especial foram as partes notificadas para apresentar alegações, nos termos do disposto no artigo 91.º, n.º 4 do CPTA, após o que foi proferida a sentença.
O recorrente vem arguir a nulidade da sentença alegando que «Resulta da conjugação das normas constantes dos arts. 97º, nº 3 da Lei Geral Tributária (LGT) e 98º, nº 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que a sanação na convolação para a forma de processo correta importa, unicamente, a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, o mais possível, da forma legal, o que não sucedeu no caso prejudicando a possibilidade da intervenção processual do Ministério Público – este na anterior espécie processual apenas se pronunciou acerca da invocada exceção de erro na forma de processo.»
Conclui o recorrente que se encontra «verifica uma nulidade que importa sanar e que é de conhecimento oficioso, determinando a anulação de todo o processado desde a sua verificação.»
A recorrida contra-alega que a falta de citação da Entidade Demandada e de notificação do Ministério Público devem ser julgados improcedentes, na medida em que, o primeiro foi citado, não sendo exigível que o Ministério das Finanças seja citado, nem sendo obrigatória a constituição de mandatário. Mais alega que o Demandado já apresentou contestação assegurando os seus direitos através de defesa por impugnação e por excepção.
O segundo porque teve conhecimento da petição inicial e teve oportunidade de se pronunciar, não só sobre a invocada excepção, como também sobre o mérito da acção mostrando-se assim sanadas as eventuais nulidades.
Vejamos, começando por apreciar o regime do erro na forma de processo.
A verificação de erro na forma de processo constitui nulidade de conhecimento oficioso conforme resulta do disposto no artigo 196.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
O erro na forma de processo implica, nos termos do disposto no artigo 98.º n.º 4 do CPPT, a convolação na forma do processo considerada adequada, nos termos da lei, isto é, nos termos do artigo 193.º n.º 1 do CPC, importando «unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.»
No âmbito de aplicação do CPTA dispõe o n.º 3 do artigo 88.º sobre o suprimento de excepções dilatórias e aperfeiçoamento dos articulados «[n]os casos previstos nos números anteriores, são anulados os actos do processo entretanto praticados que não possam ser aproveitados, designadamente porque do seu aproveitamento resultaria uma diminuição de garantias para o demandado ou os demandados.» Os casos previstos nos números anteriores constituem os casos em que o juiz pode providenciar pela correcção oficiosa das deficiências ou irregularidades formais das peças processuais (cf. n.º 1) e não sendo possível, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento destinado aa providenciar o suprimento ou correcção do vício.
Aqui chegados, uma vez que o erro na forma de processo implica a convolação efectuada, importa determinar que actos podem ou não ser aproveitados, começando pela questão da notificação do Ministério Público.
O regime processual de tramitação da acção administrativa prevê a intervenção do Ministério Público havendo lugar à sua notificação em dois momentos distintos, tendo presente que se aplica aos autos o CPTA, na sua redacção anterior à redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.
Num primeiro momento aquando da citação dos demandados é remetida a petição e os documentos que a instruem ao Ministério Público, salvo nos processos em que este figure como autor ou como representante de alguma das partes, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 85.º.
A notificação do Ministério Público tem ainda lugar numa segunda fase do processo, nos termos do n.º 5 do artigo 85.º do CPPT, comunicando-lhe a junção do processo administrativo.
Resultando do n.º 2 da citada disposição legal que, em função dos elementos que possa coligir e daqueles que venham a ser carreados para o processo, o Ministério Público pode pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do mesmo CPTA.
Nos processos impugnatórios, pode invocar causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petição inicial e suscitar quaisquer questões que determinem a nulidade ou inexistência do acto impugnado independentemente da natureza dos valores em causa (cf. n.ºs 3 e 4 do artigo 85.º do CPTA), inferindo-se de tais poderes, também a faculdade de solicitar a realização de diligências instrutórias para a respectiva prova (poder que veio a ser expressamente consagrado no n.º 3 na actual redacção da norma).
A intervenção do Ministério Público previsto na mencionada norma tem a configuração de uma intervenção em defesa da legalidade, nos termos consagrados no artigo 219.º, n.º 1 da CRP e nos processos impugnatórios, tem a configuração de interveniente processual coadjuvante da justiça.
Como assinalam Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, Almedina, pag 428 «A finalidade da previsão constante do n.º 2 – sempre que a acção não seja intentada pelo MP, deve ser-lhe dado imediato conhecimento da sua instauração mediante a entrega, pela secretaria, da cópia a petição e dos documentos que a instruem – é a de permitir que o MP avalie, em termos perfunctórios, a relevância dos interesses envolvidos, para efeito de decidir se se justifica ou não a sua intervenção no processo.
(…) Deve notar-se que o princípio de legitimidade processual aqui definido surge essencialmente como um critério de oportunidade de intervenção que é ao MP, enquanto órgão titular da função de defesa da legalidade, que cabe fazer actuar em termos que não poderão ser objeto de controlo jurisdicional.
(…)Para além disso, no âmbito dos processos impugnatórios, o MP “Pode ainda suscitar quaisquer questões que determinem a nulidade ou inexistência do acto impugnado” (n.º 4). Visto que o exercício desta faculdade não está condicionada à ocorrência dos pressupostos definidos no n.º 2 (…) deve entender-se que o MP pode invocar quaisquer causas de invalidade que impliquem a nulidade ou inexistência jurídica do acto impugnado, independentemente da natureza dos valores em causa no processo.»
No processo de impugnação judicial a intervenção do Ministério Público constitui uma intervenção pré sentencial, destinada a permitir-lhe que se pronuncie sobre questões de legalidade objecto dos autos, a suscitar questões que possam obstar ao conhecimento do pedido, ou a suscitar novos vícios do acto.
Considerando que o despacho que determinou a remessa dos autos aos vistos do Ministério Público especificava a matéria de excepção, a que acresce o facto de estarmos em presença, nas duas formas de processo, de contencioso de natureza diferente: na acção de impugnação estamos em presença de um contencioso de mera anulação e na acção administrativa o contencioso é de plena jurisdição, é em função dessa diferente natureza que a actuação do Ministério Público é conduzida.
Do que se acaba de referir, resulta a inexorável conclusão de que a falta de notificação do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 85.º do CPTA, não pode dar-se por sanada com a sua intervenção no processo de impugnação judicial, uma vez que a perspectiva de intervenção é diferente, impondo-se concluir que a notificação efectuada ao Ministério Público não pode ser aproveitada.
Aqui chegados, uma vez que o erro na forma de processo e a convolação efectuada, implicam para além da «anulação dos actos que não possam ser aproveitados», também o dever de «praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei» a sanação da nulidade em referência importará também a anulação da citação da Fazenda Pública, por não ser quem detém a legitimidade passiva para estar em juízo, de acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 2 do CPTA, «[q]uando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.»
No caso dos autos, na forma de processo determinada – a acção administrativa especial – quem detém a legitimidade para estar em juízo como demandada é o Ministério das Finanças.
Implicando o erro na forma de processo a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, bem como a prática dos necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida na lei, deveria ter sido determinada a anulação de todos os actos posteriores à petição, inclusive da contestação apresentada por quem não detinha competência para representar em juízo o demandado. Com efeito, citando o Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 0122/12 datado de 12/04/2012 em que, apesar de estar em causa a convolação de acção administrativa na forma de processo de impugnação, neste particular aspecto é inteiramente aplicável ao caso dos autos pelo que, aqui acolhemos a sua fundamentação: «no processo de impugnação judicial o sujeito que pode assegurar a legitimidade passiva não é o Recorrente (Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, a intervir nos autos na sequência da dedução da acção administrativa especial em que foi indicado como Réu o Ministro das Finanças – Direcção de Finanças de Coimbra) mas, antes a própria Fazenda Pública, enquanto entidade a quem é atribuída genericamente a representação dos interesses da AT (art. 15º do CPPT e arts. 53º e 54º do ETAF).
Como a propósito do disposto do disposto no nº 3 do art 88º do CPTA também ponderam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, (Loc. cit., p. 589.) esse normativo “ao admitir que, para efeito do suprimento ou correcção de excepções dilatórias ou irregularidades, sejam «anulados os actos do processo entretanto praticados que não possam ser aproveitados, designadamente porque do seu aproveitamento resultaria uma diminuição de garantias para o demandado ou os demandados (…) E a omissão dessa formalidade determina a nulidade de todo o processo, incluindo a sentença recorrida, salvando-se apenas a dita petição inicial (al. a) do art. 187º do Novo CPC).»
Tal como no caso relatado no citado acórdão, a falta de citação do Ministério das Finanças determina a nulidade de todo o processado subsequente à petição inicial, impunha-se que fosse citado o Ministério das Finanças para contestar a pretensão da Autora, nos termos do aludido artigo 10.º do CPTA.
Nesta perspectiva, impõe-se conceder provimento ao recurso do Ministério Público e determinar não só a anulação dos termos subsequentes ao despacho de fls. 167, como também de todos os actos posteriores à petição, inclusive da citação e da contestação, para que o processo prossiga os ulteriores termos do processo, com a citação do Ministério das Finanças, de acordo com a tramitação legalmente prevista para a acção administrativa especial.
Face ao decidido fica prejudicada a apreciação do recurso apresentado pela Fazenda Pública uma vez que ficou sem objecto.


IV – CONCLUSÕES

I - O erro na forma de processo implica, verificados os pressupostos de tempestividade e do pedido, a convolação na forma do processo considerada adequada, importando unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, designadamente porque do seu aproveitamento resultaria uma diminuição de garantias para o demandado ou os demandados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei;
II – A convolação de acção de impugnação judicial em acção administrativa determina a nulidade de todo o processado subsequente à petição inicial, porquanto se impunha que fosse citado o Ministério das Finanças para contestar a pretensão da Autora, nos termos do aludido artigo 10.º do CPTA por não deter a Fazenda Pública da competência legal para representar o Ministério das Finanças.

V - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e em anular os termos subsequentes à petição, para que o processo prossiga os seus ulteriores termos de acordo com a tramitação legalmente prevista para a acção administrativa especial, com a citação do Ministério das Finanças.


Sem custas.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta