Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05517/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/18/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
NULIDADE DA SENTENÇA.
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO.
IVA.
ISENÇÃO.
Sumário:I) A sentença é nula quando ocorra “oposição dos fundamentos com a decisão”, sendo que tal nulidade opera quando a fundamentação contida na sentença deveria conduzir a um determinado resultado ou aponta em determinado sentido e a decisão acaba por seguir uma direcção ou expressar um resultado oposto ou diferente.

II) A circunstância do CPPT se não reportar à possibilidade de ampliação do pedido e da causa de pedir, não constitui qualquer lacuna legal, mas, antes, a regulamentação fechada do procedimento adjectivo tributário querida pelo legislador que, pela sua especificidade própria, entendeu não serem admissíveis as referidas modificações da instância.

III) Assim sendo, a revogação da norma descrita ( art. 19º nº 9 do CIVA aprovado pelo D.L. nº 394-B/84, de 26-12 pelo art. 3º do D.L. nº 199/96, de 18-10 ) implicou uma opção clara no sentido de retirar a aludida aos sujeitos passivos anteriormente abrangidos pela mesma, não podendo os mesmos procurar abrigo na norma apontada pelo Recorrente ( art. 9º nº 15 al. a) do CIVA, na versão republicada pelo D.L. nº 102/2008, de 20-06, rectificada pela Declaração de Rectificação nº 44-A/2008, de 13-08 ), dado que, existe uma diferença clara no âmbito da actividade desenvolvida pelos sujeitos aí apontados, o que significa que não merece censura todo o procedimento da AT e a decisão recorrida quando ponderou que não pode acolher-se a tese do impugnante no sentido de beneficiar daquela outra norma de isenção que não se refere à transmissão de objecto de arte produzidas pelo respectivo Autor, mas as prestações de serviços aos respectivos promotores, impondo-se ainda aqui ter presente que as isenções previstas são de interpretação restritiva, dado que constituem excepções ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada operação efectuada a título oneroso por um sujeito passivo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. RELATÓRIO
Rui …………………….., identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 30-11-2011, que julgou improcedente a pretensão pelo mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação de IVA dos anos de 2004 a 2007.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 157-163 ) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1.ª
A sentença recorrida viola o disposto no artigo 15º, nº 9 do Código do IVA, ao não reconhecer o direito do impugnante à isenção de IVA, na medida em que este desenvolve a actividade de criação e venda de obras de arte;
2.ª
A sentença recorrida não faz uma correcta e escorreita aplicação da lei, porquanto, apesar de reconhecer que é manifesta a violação da disposição contida no artigo 18º, n.º 2 do Código do IVA, ainda assim não declara procedente o pedido do impugnante, de se declararem nulos os actos de liquidação e as certidões de dívida objecto dos presentes autos, incorrendo assim em insanável contradição;
3.ª
A sentença recorrida invoca, aliás, a estabilidade da instância para não decidir pela procedência do pedido, por estabelecer erroneamente como consequência das alegações produzidas pelo impugnante a modificação da instância, mais concretamente, identificando a formulação do pedido como um novo pedido subsidiário, sendo que, de facto, o impugnante mantém o seu pedido e causa de pedir, nomeadamente, a anulação das certidões de dívida objecto dos presentes autos com fundamento na natureza da actividade do impugnante, de criação e venda de obras de arte;
4.ª
Admitindo-se, por mera cautela, que o impugnante tenha formulado uma ampliação do pedido, a sentença recorrida viola o disposto no artigo 63.º do CPTA quando não admite como relevante para a decisão da causa o facto instrumental que resulta do documento junto aos autos com as alegações do impugnante, de enquadramento fiscal da actividade do impugnante, por tal enquadramento se referir a um exercício diferente, sendo que é pressuposto claro e incontroverso dos presentes autos que se verifica uma estabilidade na natureza da actividade do impugnante, merecendo assim tal enquadramento a relevância de tornar clara a violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Código do IVA, em que incorrem os actos de liquidação objecto dos presentes autos.
Termos em que deve ser declarado procedente o pedido de anulação das certidões de dívida objecto dos presentes autos.”

A recorrida não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
As questões suscitadas pelo Recorrente resumem-se, em suma, em verificar se a decisão recorrida está ferida de nulidade por insanável contradição, na medida em que apesar de reconhecer que é manifesta a violação da disposição contida no artigo 18º, n.º 2 do Código do IVA, ainda assim não declara procedente o pedido do impugnante, de se declararem nulos os actos de liquidação e as certidões de dívida objecto dos presentes autos e bem assim indagar da situação relativa à alteração ou não da causa de pedir/pedido nos autos e sua admissibilidade e ainda apreciar viabilidade do invocado direito do impugnante à isenção de IVA, na medida em que este desenvolve a actividade de criação e venda de obras de arte.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:

A) Desde a declaração de início de actividade e até à data de 28-02-1997, o impte encontrava-se enquadrado para efeitos de IVA no regime de isenção do artº 9º do CIVA, tendo sido oficiosamente incluído, a partir de 01-03-1998, no regime especial de isenção do artº 53º do mesmo Código – cfr. “Prints Informáticos” de fls 71-b e 71-C e 72, do P.A. apenso.

B) No ano de 2003, impte declarou para efeitos de IRS, um volume de negócios superior a € 10.000,00, não tendo apresentado declaração de alterações e as declarações periódicas de IVA em falta, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 e nº 5, ambos do artº 58º do CIVA, ainda que instado para o efeito pela Adm. Fiscal – cfr. Declaração Modelo 3, de fls 62 a 67 e notificação de fls 75 a 78, do P.A. apenso.

C) Os serviços da I.T. procederam à alteração oficiosa do enquadramento em IVA do impte para o regime normal de periodicidade trimestral e determinaram o imposto devido dos anos de 2004 a 2007, face ao volume de negócios declarados para efeitos de IRS – cfr. Relatório da I.T. de fls 51 a 61, do P.A. apenso.

D) Em resultado das correcções referidas em c), foi efectuado a liquidação de imposto e de juros compensatórios, em 06.12.2008, com data limite de pagamento em 28.02.09 – cfr. “Prints Informáticos” de fls 70 e de fls 71, dos autos.


x

Factos Não Provados


Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

x

Motivação da decisão de facto


A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:

E) O Oponente dedica-se à pintura de quadros que vende a galerias.

«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, indagar da pertinência do exposto pelo Recorrente quando defende que a decisão recorrida está ferida de nulidade por insanável contradição, na medida em que apesar de reconhecer que é manifesta a violação da disposição contida no artigo 18º, n.º 2 do Código do IVA, ainda assim não declara procedente o pedido do impugnante, de se declararem nulos os actos de liquidação e as certidões de dívida objecto dos presentes autos.
Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “oposição dos fundamentos com a decisão”, sendo que tal nulidade opera quando a fundamentação contida na sentença deveria conduzir a um determinado resultado ou aponta em determinado sentido e a decisão acaba por seguir uma direcção ou expressar um resultado oposto ou diferente.
Sobre a realidade em apreço, a sentença recorrida ponderou que “… Aqui chegados impõe-se por outro lado, que se mencione a orientação no mesmo sentido conferida pelo Ofício - Circulado nº 7 945, de 22-01-97, quanto à sujeição a essa taxa reduzida daquelas transmissões, nos termos do ponto 5, do mesmo ofício, pelo que independentemente da inviabilidade processual da análise da sujeição àquela taxa das operações ora controvertidas, cabe à Adm Fiscal proceder por sua iniciativa, à correcção da referida liquidação efectuada à taxa normal ( cfr alínea d), do probatório). – vd alínea b), do nº 4 do artº 68º da LGT”.

A partir daqui, é manifesto que o Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, dado que, na sequência do exposto em sede de saneador, em que se entendeu não considerar o pedido subsidiário formulado pelo ora Recorrente no âmbito das alegações escritas, foi decidido não conhecer da questão, o que significa que a decisão é consequente com a apreciação da questão em apreço, independentemente da observação feita quanto à conduta a adoptar pela AT, matéria que supõe a bondade do exposto nesse domínio pelo ora Recorrente, mas que terá de ser considerado noutra sede, de modo que, não pode proceder a invocada nulidade da sentença, sendo que a opção do Tribunal recorrido terá de ser apreciado em sede de eventual erro de julgamento.


Neste domínio, o Recorrente aponta que manteve o seu pedido e causa de pedir, nomeadamente, a anulação das certidões de dívida objecto dos presentes autos com fundamento na natureza da actividade do impugnante, de criação e venda de obras de arte, sendo que, admitindo-se, por mera cautela, que o impugnante tenha formulado uma ampliação do pedido, a sentença recorrida viola o disposto no artigo 63.º do CPTA quando não admite como relevante para a decisão da causa o facto instrumental que resulta do documento junto aos autos com as alegações do impugnante, de enquadramento fiscal da actividade do impugnante, por tal enquadramento se referir a um exercício diferente, sendo que é pressuposto claro e incontroverso dos presentes autos que se verifica uma estabilidade na natureza da actividade do impugnante, merecendo assim tal enquadramento a relevância de tornar clara a violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Código do IVA, em que incorrem os actos de liquidação objecto dos presentes autos.

Ora, neste domínio, como se aponta no Ac. deste T.C.A. Sul de 25-05-2010, Proc. nº 03822/10, www.dgsi.pt, “crê-se que a circunstância do CPPT se não reportar à possibilidade de ampliação do pedido e da causa de pedir, não constitui qualquer lacuna legal, mas, antes, a regulamentação fechada do procedimento adjectivo tributário querida pelo legislador que, pela sua especificidade própria, entendeu não serem admissíveis as referidas modificações da instância, pelo que, por força do princípio da igualdade de armas e do contraditório, com guarida constitucional, o que se tem de admitir é, tão só, a possibilidade da parte processual activa contestar qualquer excepção peremptória suscitada, no processo, pela FP demandada …

Em apoio do que se vem de referir socorremo-nos do discurso fundamentador do douto e recente acórdão do STA, citado pelo EMMP, junto deste Tribunal, no seu parecer de fls. 191, tirado no proc. 0761/09 e datado de 2009NOV25, designadamente do excerto que, sendo aplicável ao caso dos autos, de seguida se transcreve;

«Tal como decorre do preceituado na parte final n.º 1 do art. 108.º do CPPT, é na petição que o impugnante tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido. É, portanto, aí que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e delineado o pedido que daquele decorre.

E tendo em conta que a causa de pedir no contencioso de anulação de actos tributários consiste no comportamento concreto da Administração Tributária violador das normas jurídicas, isto é, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado, tem de concluir-se que quem deduz impugnação judicial deve invocar na petição inicial todos os factos integradores do vício ou vícios que imputa ao acto impugnado, salvo se superveniente ou de conhecimento oficioso.

Deste modo, era necessário que o Impugnante tivesse invocado, logo na petição, a violação pela Administração Tributária do disposto no art.º 45.º da LGT, isto é, os factos integradores do vício da caducidade do direito à liquidação. O que, nitidamente não fez.

Pelo que a ulterior invocação do vício, na resposta à contestação da Fazenda Pública, só poderia ser aceite caso se encontrasse preenchido o condicionalismos previsto no art.º 273.º do CPC (ampliação da causa de pedir) ou no art.º 506.º do Código de Processo Civil (articulados supervenientes), face à aplicação subsidiária deste diploma legal (alínea e) do art. 2.º do CPPT).

Na verdade, o art.º 273.º do CPC dispõe, no seu n.º 1, que «Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo Réu e aceita pelo Autor». E sobre a admissibilidade da réplica, o CPC preceitua, no n.º 1 do art.º 502.º, que «À contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção, e somente quanto à matéria desta; a réplica serve também para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, mas a esta não pode ele opor nova reconvenção.»

Neste contexto, e visto que no presente caso não houve acordo sobre a ampliação da causa de pedir, importa saber se o processo de impugnação judicial admite o articulado de réplica, pois só nesse caso seria admissível tal ampliação.

O artigo 113º do CPPT dispõe do seguinte modo:

ARTIGO 113.°

Conhecimento imediato do pedido

1 – Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, se o representante da Fazenda Pública suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, será ouvido o impugnante.

Donde resulta que a resposta à contestação, prevista no CPPT, não se destina, ao contrário do que acontece com a réplica prevista no art.º 502.º do CPC, à defesa de todas as excepções (peremptórias e dilatórias) arguidas na contestação. Este preceito do CPPT regula apenas, e de forma expressa, o modo de assegurar o contraditório relativamente às questões que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido (excepções dilatórias – art.º 493.º, n.º 2 do CPC).

Por outras palavras, a resposta à contestação, prevista no art.º 113º, n.º 2 do CPPT, destina-se exclusivamente a assegurar o contraditório relativamente a questões que a Fazenda Pública tenha suscitado e que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido, viabilizando a defesa material do impugnante contra tais questões, em consonância, aliás, como o preceituado no n.º 3 do art.º 3.º do CPC.

E essa audição do impugnante deve ser cumprida através da prolação de despacho do juiz, dispondo o impugnante do prazo geral de 10 dias contado sobre a data dessa notificação, face ao disposto no art.º 153º, n.º 1 do CPC.

Já a réplica constitui mais um articulado previsto para o processo ordinário de declaração, que se destina a dar resposta a todas as excepções arguidas na contestação (sejam elas dilatórias, sejam peremptórias - consistindo estas na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, não obstando, assim, a que o tribunal conheça do mérito – art.º 493.º do CPC) e que tem de ser apresentada, como articulado que é, no prazo de 15 dias a contar da notificação da contestação.

Estamos, pois, perante regimes processuais distintos, com um campo de aplicação também distinto.

E mesmo para quem defenda que o impugnante deve ser igualmente ouvido sobre as excepções peremptórias invocadas pela Fazenda Pública, face ao princípio do contraditório ínsito no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, nunca a resposta que apresente na sequência dessa audição pode ser vista como um articulado de réplica nos moldes em que este se encontra previsto no CPC, pois que essa audição é feita, necessariamente, por determinação do juiz, sendo apresentada no prazo de 10 dias previsto na parte final do n.º 1 do art.º 153.º do CPC (e não a partir da notificação da contestação), não constituindo, assim, um articulado do processo judicial tributário.

Razão por que entendemos que, não prevendo a lei, para o processo judicial tributário, a apresentação de réplica nos moldes em que tal articulado está previsto no CPC para o processo ordinário de declaração, fica afastada a possibilidade de modificação/ampliação da causa de pedir ao abrigo do disposto no art.º 273º do CPC.». …”.

Na linha do exposto, que representa melhor leitura da realidade em apreço, tem de entender-se que no domínio em que nos movemos, o impugnante, por princípio e em casos como o vertente, apenas pode suscitar questões para apreciação do tribunal recorrido, no seu articulado inicial, sendo, pois e inexoravelmente, por referência a ele que cabe averiguar das questões suscitadas nos autos.

Assim sendo, lida a petição inicial, resulta claro que o Recorrente não tem razão quando refere que manteve o pedido e a causa de pedir, na medida em que, em sede de petição inicial, discutiu sempre e só o facto de estar sujeito ao imposto em causa (IVA), surgindo apenas em sede de alegações a discutir a taxa a aplicar, realidade que não se prende com a sujeição a imposto, mas com o alcance do tributo em apreço, formulando depois duas conclusões (a) e b)) com referência aos dois tipos de análise descritos, mantendo sempre a pretensão de não estar sujeito a imposto, aludindo depois à violação do disposto no art. 18º nº 2 do CIVA, o que levou o Tribunal recorrido a enquadrar esta situação como pedido subsidiário, estando em causa matéria nova que, como vimos, não tem acolhimento legal em sede de processo de impugnação judicial.

De qualquer modo, deve dizer-se que a situação em apreço nunca poderia ser enquadrada nos termos do art. 63º do CPTA como pretende agora o Recorrente, dado que, não existe qualquer novo elemento relativamente ao procedimento em causa relacionado com as liquidações referidas nos autos, não podendo conferir-se tal relevância a matéria apurada noutra sede e que se apresenta apenas como elemento que o Recorrente reputa como relevante para a sua tese, mas que deveria ter sido suscitado em tempo útil nos termos descrito, o que significa que não pode acolher-se o exposto pelo Recorrente neste âmbito.


Quanto à questão central suscitada nos autos, o Recorrente refere que a sentença recorrida viola o disposto no artigo 15º, nº 9 do Código do IVA, ao não reconhecer o direito do impugnante à isenção de IVA, na medida em que este desenvolve a actividade de criação e venda de obras de arte, sendo que o Oponente dedica-se à pintura de quadros que vende a galerias.

O probatório permite apreender a seguinte factualidade:

A) Desde a declaração de início de actividade e até à data de 28-02-1997, o impte encontrava-se enquadrado para efeitos de IVA no regime de isenção do artº 9º do CIVA, tendo sido oficiosamente incluído, a partir de 01-03-1998, no regime especial de isenção do artº 53º do mesmo Código – cfr. “Prints Informáticos” de fls 71-b e 71-C e 72, do P.A. apenso.

B) No ano de 2003, impte declarou para efeitos de IRS, um volume de negócios superior a € 10.000,00, não tendo apresentado declaração de alterações e as declarações periódicas de IVA em falta, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 e nº 5, ambos do artº 58º do CIVA, ainda que instado para o efeito pela Adm. Fiscal – cfr. Declaração Modelo 3, de fls 62 a 67 e notificação de fls 75 a 78, do P.A. apenso.

C) Os serviços da I.T. procederam à alteração oficiosa do enquadramento em IVA do impte para o regime normal de periodicidade trimestral e determinaram o imposto devido dos anos de 2004 a 2007, face ao volume de negócios declarados para efeitos de IRS – cfr. Relatório da I.T. de fls 51 a 61, do P.A. apenso.

D) Em resultado das correcções referidas em c), foi efectuado a liquidação de imposto e de juros compensatórios, em 06.12.2008, com data limite de pagamento em 28.02.09.

Neste domínio, cabe notar que o IVA é comummente caracterizado como um imposto sobre o consumo, plurifásico, de valor acrescentado, e que opera através do método subtractivo indirecto.
É, desde logo, um imposto geral sobre o consumo, uma vez que tributa tendencialmente a generalidade dos actos de consumo ou de despesa. Na acepção do artigo 1.º n.º 1 do CIVA, estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as aquisições intracomunitárias de bens.
É, também, um imposto plurifásico, que incide sobre as diversas fases de um circuito económico, desde o momento da sua produção até à venda ao seu consumidor final.
Por outro lado, a sua característica de valor acrescentado, que opera através do método subtractivo indirecto (das facturas, do crédito de imposto ou dos pagamentos fraccionados), dita que, em cada fase do circuito económico, apenas se tribute o valor que resulta da diferença entre o IVA suportado nas operações realizadas a montante (inputs) e o IVA liquidado nas operações realizadas a jusante (outputs). Por outras palavras, a tributação incide exclusivamente no valor acrescentado obtido por cada agente económico até ao último estádio do processo económico, que é a apropriação por parte do consumidor final que, enquanto elemento sobre o qual o ónus do IVA incidirá, não poderá proceder à dedução do imposto suportado a montante.
A incidência efectiva do IVA, diferentemente do que acontece nos restantes impostos, é determinada não pela natureza formal do imposto, mas pelas características do mercado (v.g. a elasticidade da procura e a concorrência entre fornecedores), uma vez que sem consumo, não haverá IVA. Por outro lado, contanto que o IVA incida sobre o consumo e não sobre as transacções realizadas entre os diferentes operadores económicos, tem como objectivo fomentar a neutralidade e evitar a distorção de preços que poderia existir pelo facto de os produtores e outros agentes adquirirem produtos uns aos outros, visto que não é sobre estes que incide a tributação mas sobre os consumidores finais.
Diga-se ainda que um imposto é considerado neutro quando não tem impacto nas decisões dos agentes económicos, quer no plano interno quer no plano internacional.
De facto, o IVA, enquanto imposto que incide sobre as diversas fases do circuito económico e às quais é aplicada a mesma carga fiscal, consegue cumprir o objectivo da neutralidade uma vez que os operadores – independentemente da fase do circuito em que se encontrem – nunca são movidos por motivações fiscais, diferentemente do que se verifica com os impostos cumulativos sobre as transacções, que variam consoante a fase do processo ou o tipo de bens em causa.
Assim, e em cumprimento deste princípio da neutralidade, os bens e serviços semelhantes deverão ser sujeitos ao mesmo enquadramento fiscal e às mesmas taxas, independentemente do número de transacções ocorridas no processo de produção e distribuição.
Considerando ainda a matéria em equação nos autos, crê-se pertinente ter em consideração o exposto no Ac. deste Tribunal de 22-05-2012, Proc. nº 05235/11, www.dgsi.pt, onde se aponta que “Como dá apontamento Clotilde Celorico Palma (1), no IVA, considerando a possibilidade do exercício do direito à dedução (2), encontramos duas modalidades de isenções; por um lado, as completas, totais, plenas ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado e, por outro, as isenções incompletas, simples, parciais, entre as quais se encontram todas as do art. 9.º CIVA, onde o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações ativas e não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização. …”.
Pois bem, é sabido que o CIVA aprovado pelo D.L. nº 394-B/84, de 26-12 dispunha no seu art. 9º nº 19 que estava isenta de imposto “a transmissão, feita pelos próprios artistas, seus herdeiros ou legatários, dos seguintes objectos de arte, de sua autoria:
a) Quadros, pinturas e desenhos originais, com exclusão dos desenhos industriais;
b) Gravuras, estampas e litografias de tiragem limitada, com exclusão das obtidas por processos mecânicos ou fotomecânicos;
c) Objectos de arte no domínio da escultura e estatuária, desde que produzidos pelo próprio artista, com exclusão dos artigos de ourivesaria e joalharia;
d) Exemplares únicos de cerâmica, executados e assinados pelo artista.”.

Nesta medida, tem de entender-se que a actividade do Recorrente estava perfeitamente enquadrada neste domínio, sendo de notar que esta norma foi revogada pelo art. 3º do D.L. nº 199/96, de 18-10 que procedeu à transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 94/5/CE, do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994, relativa à tributação, em imposto sobre o valor acrescentado, das transmissões de bens em segunda mão, objectos de arte, de colecção e antiguidades.

Naturalmente, a situação em apreço teve natural repercussão sobre os sujeitos passivos anteriormente abrangidos pela isenção descrita, sendo que, “in casu”, o ora Recorrente foi oficiosamente incluído, a partir de 01-03-1998, no regime especial de isenção do artº 53º do mesmo Código, sendo que no ano de 2003, o ora Recorrente declarou para efeitos de IRS, um volume de negócios superior a € 10.000,00, não tendo apresentado declaração de alterações e as declarações periódicas de IVA em falta, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 e nº 5, ambos do artº 58º do CIVA, ainda que instado para o efeito pela Adm. Fiscal, verificando-se que os serviços da I.T. procederam à alteração oficiosa do enquadramento em IVA do impte para o regime normal de periodicidade trimestral e determinaram o imposto devido dos anos de 2004 a 2007, face ao volume de negócios declarados para efeitos de IRS, o que deu depois origem às liquidações apontadas nos autos.

No entanto, para o Recorrente, a sua situação esteve sempre enquadrada no âmbito do art. 9º nº 15 al. a) do CIVA, na versão republicada pelo D.L. nº 102/2008, de 20-06, rectificada pela Declaração de Rectificação nº 44-A/2008, de 13-08, o qual prevê que “as 15) As prestações de serviços efectuadas aos respectivos promotores: a) Por actores, chefes de orquestra, músicos e outros artistas, actuando quer individualmente quer integrados em conjuntos, para a execução de espectáculos teatrais, cinematográficos, coreográficos, musicais, de music-hall, de circo e outros, para a realização de filmes, e para a edição de discos e de outros suportes de som ou imagem”.

Tal norma correspondia em momento anterior ao art. 9º nº 16 do CIVA e coexistiu nestes termos com o apontado art. 9º nº 19 do CIVA.

Ora, o cotejo das normas em apreço permite dizer que se trata de realidades distintas, que não podem ser confundidas, pois que, na primeira situação alude-se a transmissão de bens e na segunda situação a prestações de serviços.

Assim sendo, a revogação da norma descrita implicou uma opção clara no sentido de retirar a aludida aos sujeitos passivos anteriormente abrangidos pela mesma, não podendo os mesmos procurar abrigo na norma apontada pelo Recorrente, dado que, existe uma diferença clara no âmbito da actividade desenvolvida pelos sujeitos aí apontados, o que significa que não merece censura todo o procedimento da AT e a decisão recorrida quando ponderou que não pode acolher-se a tese do impugnante no sentido de beneficiar daquela outra norma de isenção que não se refere à transmissão de objecto de arte produzidas pelo respectivo Autor, mas as prestações de serviços aos respectivos promotores, impondo-se ainda aqui ter presente que as isenções previstas são de interpretação restritiva, dado que constituem excepções ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada operação efectuada a título oneroso por um sujeito passivo
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..

Lisboa, 18 de Setembro de 2012
Pedro Vergueiro
Pereira Gameiro
Joaquim Condesso

(1) Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º I - 2.ª Edição, Almedina, pág. 122 segs.
(2)Este direito consubstancia uma das principais características do IVA, íntima e intrinsecamente, ligado ao chamado “método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados”, pelo qual se assegura e concretiza a incidência do imposto sobre todas as fases do processo produtivo.