Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2324/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
RETENÇÃO NA FONTE
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
Sumário:I-Nas situações de retenção na fonte está, em princípio, afastada a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços, porquanto a determinação da matéria coletável e liquidação do imposto são efetuadas pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pela AT.

II-Nessas situações o erro imputável aos serviços só passa a ser passível de qualificação enquanto tal, ou seja, imputabilidade à AT, no momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez, ou seja, apenas com a competente e atempada impugnação administrativa os serviços da AT ficam em condições de percecionar, ponderar, conhecer, corrigir e sanar uma cometida ilegalidade.

III-Logo, é a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, e justificado o ressarcimento do sujeito passivo, que o erro passa a ser imputável aos serviços.

IV-Assim, existindo ilegalidade de retenções na fonte, por força de violação do direito da União Europeia, e tendo sido apresentada reclamação graciosa com esse desiderato, são devidos juros indemnizatórios a partir da data da sua decisão.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença que julgou integralmente procedente a impugnação deduzida por B... contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao pedido de restituição dos montantes de retenções na fonte suportados em Portugal sobre os dividendos de ações recebidos no ano de 2008 e 2009, a qual decretou o reembolso à Impugnante do imposto indevidamente pago a título de retenção na fonte de dividendos, no montante de € 438.205,99 (relativo a 2008) e de € 178.155,34 (relativo a 2009), acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, contabilizados desde a data de pagamento dos referidos dividendos até à data de processamento da nota de crédito pela Administração Tributária (AT).


***

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida, Impugnante, do indeferimento tácito do Recurso Hierárquico interposto da decisão de indeferimento proferido na reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IRC por retenção na fonte em 2008 e 2009, no valor de €438.205,99 e €178.155,34, respetivamente, restringindo-se o âmbito do mesmo ao segmento decisório que condenou a Recorrente, Fazenda Pública, ao pagamento de juros indemnizatórios “a partir da data do pagamento indevido de imposto até à data do processamento da nota de crédito”;

B) A questão que importa dirimir e o objeto do presente recurso consiste em determinar o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados juros indemnizatórios a favor da Recorrida, Impugnante, nos termos do art. 43º e art. 100º da LGT, resultantes de liquidação e pagamento de imposto operada por substituto tributário através do mecanismo de retenção na fonte, julgada ilegal em sede de impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão proferida em sede de reclamação graciosa;

C) Entende, a Recorrente, Fazenda Pública, que a sentença fez errado julgamento quando condenou a AT ao pagamento dos juros indemnizatórios a partir da data do pagamento indevido de imposto até à data do processamento da nota de crédito desses juros, à Recorrida, Impugnante;

D) Constituem, nos termos do n.º 1 do art. 43º da LGT, requisitos da condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, que haja erro em ato de liquidação de tributo; que esse erro seja imputável aos serviços; que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial; que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido;

E) Se é certo que as liquidações foram anuladas por sentença judicial, não pode falar-se em erro imputável aos serviços aquando da prática daqueles atos, porquanto estamos perante atos tributários de retenção na fonte de IRC que, não tendo sido efetuados pela Recorrente, Fazenda Pública, o foi de acordo com instruções genéricas por si emanadas, mas com violação do princípio da livre circulação de capitais previsto nos arts. 18º e 63º do TFUE;

F) O n.º 3 do art. 43º da LGT, enuncia exceções à regra invocada no n.º 1 do mesmo preceito normativo, importando reter a exceção ínsita na al. c) do n.º 3 do art. 43º da LGT, o qual determina serem devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ao após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”;

G) Como é entendido na nossa doutrina, a al. c) do n.º 3 do art. 43º da LGT, pese embora previsto especificamente para a revisão do ato tributário, tem, igualmente, aplicação aos casos em que foi apresentada reclamação graciosa, ou seja, é aplicável aos casos em que o contribuinte tenha procedido ao pagamento do imposto e posteriormente obtenha a anulação do ato tributário resultante da resolução de reclamação graciosa em prazo superior a um ano e este atraso seja imputável à administração tributária, contando-se, neste caso, os juros, a partir do termo do referido prazo de um ano;

H) Como defende JORGE LOPES DE SOUSA, “nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte [...], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos”;

I) Por conseguinte, estando em causa atos de retenção na fonte e encontrando-se afastadas, desde logo, o erro imputável aos serviços, a Recorrente, Fazenda Pública, louvando-se nos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa, entende que os juros indemnizatórios no caso dos autos, são devidos a partir de um ano após a dedução da reclamação graciosa pela Recorrida, Impugnante;

J) À luz da al. c) do n.º 3 do art. 43º da LGT, nos termos sobreditos, serão devidos juros indemnizatórios contados a partir do dia seguinte ao do termo do prazo legal de um ano para a anulação dos atos de retenção na fonte de IRC e a devolução do imposto indevidamente pago, ano esse contado, por sua vez, desde a data da apresentação da reclamação graciosa, até à data do processamento da nota de crédito;

K) Tendo a Recorrida, Impugnante, deduzido reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte em 22 de dezembro de 2010, conforme decorre do ponto 5) do probatório da sentença ora recorrida, os juros indemnizatórios serão, por conseguinte, devidos a partir de 23 de dezembro de 2011, nos referidos termos, até à data do processamento da nota de crédito;

L) Decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por violação da al. c) do n.º 3 do art. 43º e do art. 100º, ambos da LGT.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, para tanto, a douta sentença ser revogada e substituída por acórdão que declare serem devidos à Recorrida, Impugnante, juros indemnizatórios que deverão ser contados a partir do dia seguinte ao do termo do prazo legal de um ano para a anulação dos atos de retenção na fonte de IRC e a devolução do imposto indevidamente pago, ano esse contado, por sua vez, desde a data da apresentação da reclamação graciosa, até à data do processamento da nota de crédito.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso apresentadas na sequência do recurso interposto pela Fazenda Pública da douta sentença do Meritíssimo Juiz a quo - que julgou integralmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida e condenou a Recorrente ao reembolso à Impugnante do imposto indevidamente pago a título de retenção na fonte de dividendos, no montante de € 438.205,99 (relativo a 2008) e de € 178.155,34 (relativo a 2009) e ao pagamento de juros indemnizatórios, contabilizados desde a data de pagamento dos dividendos até à data de processamento da nota de crédito pela AT – quanto ao segmento decisório que condenou a Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios “a partir da data do pagamento indevido de imposto até à data do processamento da nota de crédito”.

B. A Fazenda Pública diz-se inconformada quanto à parte da decisão que condenou a Recorrente a pagar juros indemnizatórios desde a data de pagamento dos dividendos (i.e. da retenção na fonte sofrida), restringindo o âmbito do recurso, de acordo com as alegações de recurso apresentadas, ao “segmento decisório que condenou a Recorrente, Fazenda Pública, ao pagamento de juros indemnizatórios a partir da data do pagamento indevido de imposto até à data do processamento da nota de crédito” e à seguinte questão a dirimir “determinar o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados juros indemnizatórios a favor da Recorrida”.

C. A Recorrida entende que o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente, na medida em que:

i) a douta Sentença a quo – que determinou serem devidos juros indemnizatórios pela Recorrente sobre o montante indevidamente pago; e serem tais juros contados desde a data do pagamento indevido do imposto - não merece qualquer censura, devendo ser mantida por ser inteiramente conforme à lei nacional em vigor e ao Direito Europeu;

ii) o recurso interposto pela Fazenda Pública deve ser julgado improcedente por manifesta falta de fundamento legal, revelando-se ainda contrário ao Direito Europeu e ao respetivo efeito direto e primado sobre o direito nacional.

D. No que respeita a processo objecto da sentença recorrida considerou o Tribunal a quo que:

i) a Recorrida apresentou, atempadamente, reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte que estiveram na origem do pagamento indevido; e que

ii) existe erro imputável aos serviços da AT, pelo que são devidos juros indemnizatórios, pela Recorrente à Recorrida, sobre o montante indevidamente pago; e devem tais juros contados desde a data do pagamento indevido do imposto.

E. Termos em que se conclui que a referida decisão é a única que respeita os preceitos legais em vigor – nomeadamente o disposto nos artigos 43.º, n.º 1 e 2 e 100.º da LGT e o artigo 61.º, n.º 5 do CPPT -, bem como a ratio subjacente ao pagamento de juros indemnizatórios pela AT aos contribuintes – a de reconstituir a situação em que os mesmos se encontrariam caso a ilegalidade em causa não se tivesse verificado – e as normas de direito europeu subjacentes.

F. De facto, em conformidade com o disposto no artigo 100.º da LGT, a Autoridade Tributária está obrigada, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

G. Por outro lado, nos termos do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

Finalmente, de acordo com o disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

H. Estando verificados no presente caso todos os requisitos identificados para aplicação das citadas normas e sendo claro o objetivo dos juros indemnizatórios, o de ressarcir o contribuinte relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido, não pode deixar de concluir-se que a decisão a quo não merece qualquer censura, porquanto é imperativo que o pagamento de juros indemnizatórios à ora Recorrida seja calculado tendo por momento inicial as datas de pagamento dos dividendos ou seja, as datas de pagamento indevido do imposto mediante retenções na fonte que se concluiu serem ilegais por violação do TFUE.

I. Acresce que esta posição se encontra estribada em jurisprudência anterior dos Tribunais Superiores, como seja o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 07 de julho de 2017, referente ao Processo 0279/17.

J. Termos em que se conclui, necessariamente, pelo mérito da decisão recorrida.

K. Por outro lado, considerando que:

i) os argumentos aduzidos pela Fazenda Publica no sentido de que não se verifica erro imputável aos serviços não podem proceder, por falta de fundamento legal; e

ii) a norma invocada pela Fazenda Pública para considerar que os juros indemnizatórios devidos só são calculados a partir de um ano após a data de apresentação da reclamação graciosa – i.e. o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) – não é aplicável ao presente caso,

Conclui-se pela total improcedência do recurso, por falta de fundamento legal.

L. De facto, considera a Fazenda Pública ser aplicável ao caso sub judice a norma prevista no artigo 43.º, n.º 3 alínea c) da LGT (ao invés do disposto no n.º 1 ou 2 desse mesmo preceito).

M. No entanto, a Fazenda Pública não contesta que a Recorrida apresentou, atempadamente, reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte que estiveram na origem do pagamento indevido (não tendo apresentado qualquer revisão oficiosa desses atos de retenção na fonte).

N. Nestes termos, e considerando que o disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT só é aplicável aos casos em que, não tendo o contribuinte, nos termos e prazos previstos na lei, procedido à reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato tributário em causa vem, mais tarde e em sede de revisão oficiosa, pôr em causa a legalidade desses atos, conclui-se necessariamente pela impossibilidade de aplicação do disposto na referida norma ao caso sub judice (em que foi tempestivamente apresentada reclamação graciosa).

O. Uma vez que o artigo 43.º, n,º 3, alínea c) da LGT se aplica exclusivamente aos casos de revisão oficiosa, em que a diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento dos juros indemnizatórios decorre do facto de o contribuinte não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor, conclui-se igualmente pela impossibilidade de considerar, face à aludida norma, que os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após a dedução da reclamação graciosa pela ora Recorrida.

P. Esta posição encontra-se amplamente estribada em inúmeros acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo dos quais, a título de exemplo, se referem as decisões proferidas nos seguintes processos: i) Processo n.º 051/19.1BALSB, de 11/12/2019; e ii) Processo n.º 0890/16, de 18-01-17.

Q. Acresce que a própria Recorrente admite, no parágrafo 13 das alegações de recurso, que os atos de retenção na fonte sub judice foram efectuados de acordo com orientações emanadas pela própria,

R. Pelo que, em qualquer caso, sempre seria necessário concluir que o erro decorrente do pagamento indevido do imposto, através das retenções na fonte é imputável aos serviços.

S. A este respeito refere Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado, pág. 536, 6ª edição, em anotação ao artigo 61.º que “Porém, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, considerar-se-á existir erro imputável aos serviços e não ao contribuinte, nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do sujeito passivo, este tenha seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária […]”.

T. Ou seja, conforme decidiu a douta Decisão recorrida, o contribuinte é ressarcido – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido–por via dos juros indemnizatórios.

U. É, portanto, legalmente insustentável a pretensão da Fazenda Pública no presente recurso de que os juros indemnizatórios são devidos à ora Recorrida apenas a partir de 23 de dezembro de 2011, quando o pagamento do imposto indevido ocorreu em 2008 e 2009.

V. Face ao exposto, conclui-se que o entendimento da Recorrente explanado no presente recurso não tem qualquer sustentação na lei nacional, revelando-se ainda contrário ao Direito Europeu e ao respetivo efeito direto e primado sobre o direito nacional, pelo que deve manter-se o disposto na douta Decisão recorrida, nos termos da qual a Fazenda Pública é condenada no pagamento à ora Recorrida de juros indemnizatórios “que se contabilizarão desde as datas de pagamento dos dividendos [constantes dos documentos 6 a 56 juntos com o Recurso Hierárquico] até à data de processamento da respetiva nota de crédito”.

Em face de todo o exposto, deve considerar-se manifestamente improcedente o Recurso interposto pela Recorrente, considerando-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura no segmento decisório objecto de recurso, devendo a mesma manter-se, com todas as consequências legais.”


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Na sequência da prolação de despacho ao abrigo do artigo 665.º, nº2, do CPC, veio a Recorrida apresentar alegações complementares, onde arguiu a incompetência em razão da hierarquia.


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Devidamente notificada a DRFP para, querendo, se pronunciar sobre a arguida incompetência em razão da hierarquia, manteve-se a mesma silente.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1) Entre 11 de Abril e 22 de Outubro de 2008 foram efectuadas transferências financeiras para contas da Impugnante no banco “J... BANK”, provenientes de acções em várias empresas portuguesas, às quais foi aplicada “Taxa De Retenção” de 20% e que totalizou €584.274,65 – cfr. documentos 6 a 31 e 57, juntos com o recurso hierárquico, a fls. 71 a 96 e 122 do PA apenso ao suporte físico dos autos;

2) Entre 26 de Março e 22 de Outubro de 2009 foram efectuadas transferências financeiras para contas da Impugnante no banco “J... BANK”, provenientes de acções em várias empresas portuguesas, às quais foi aplicada “Taxa De Retenção” de 20% e que totalizou €178.155,34 – cfr. documentos 32 a 56 e 58, juntos com o recurso hierárquico, a fls. 97 a 121 e 123 do PA apenso ao suporte físico dos autos;

3) Dos valores referidos em 1) e 2), foram devolvidos à Impugnante, respectivamente, 146.068,66 e €57.186,38;

4) No dia 21 de Outubro de 2010 foram emitidos, pelo “H...”, “CERTIFICATE OF RESIDENCE IN THE UNITED KINGDOM” referentes à sociedade “B...” e aos anos de 2008 e 2009 – cfr. certificados, a fls. 68 e 69 do PA apenso ao suporte físico dos autos;

5) No dia 22 de Dezembro de 2010 foi carimbado, no Serviço de Finanças de Lisboa 4, o original de “Reclamação Graciosa” apresentado pela Impugnante contra “retenção na fonte suportada em Portugal sobre os dividendos de acções recebidos no ano de 2008 e 2009”, e que recebeu o número 330120100... – cfr. carimbo, a fls. 3 do Procedimento de Reclamação Graciosa [PRG] apenso ao suporte físico dos autos;

6) No dia 31 de Maio de 2011 foi proferido despacho no processo 330120100... de “Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e, com os fundamentos constantes daquele, bem como a presente informação e respectivo parecer, indeferido o pedido.”, sobre a informação de 27 de Maio de 2011, onde consta que “não estando estes Serviços autorizados ou capacitados a questionar, a colocar interrogações à Lei Interna Vigente, inexequível se torna conceder provimento à matéria peticionada” – cfr. despacho e informação, a fls. 41 a 50 do PA apenso ao suporte físico dos autos;

7) Pelo registo postal RM6993...5PT, de 06 de Julho de 2011, foi enviada à Direcção de Finanças de Lisboa requerimento de “Recurso Hierárquico” que recebeu o número 29/2011 – cfr. envelope e informação, a fls. 124 e 125 do PA apenso ao suporte físico dos autos;

8) No dia 05 de Dezembro de 2011 foi carimbado, no Tribunal Tributário de Lisboa, o original da petição inicial que deu origem ao presente processo – cfr. carimbo, a fls. 2 do suporte físico dos autos;

9) Pelo ofício 065520 da Direcção de Finanças de Lisboa, de 23 de Agosto de 2012, foi a Impugnante informada que “o Recurso Hierárquico acima identificado foi INDEFERIDO por despacho de 2012.07.10, da Subdirectora-Geral do IRC […] conforme fundamentação que se junta” – cfr. ofício, despacho e informação, de fls. 137 a 143 do PA apenso ao suporte físico dos autos;


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada, o seguinte:

“Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da lide.”


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A motivação da decisão sobre a matéria de facto assentou no seguinte:

“Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como o do PAT apenso aos autos.

O facto 3) decorre da admissão da Impugnante, não posta em causa pela Fazenda Pública em qualquer das decisões de indeferimento ou na contestação. “


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no segmento decisório que condenou a Recorrente, Fazenda Pública, no pagamento de juros indemnizatórios “a partir da data do pagamento indevido de imposto até à data do processamento da nota de crédito”.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento, competindo, para o efeito, determinar o dies a quo do pagamento de juros indemnizatórios a favor da Recorrida.

Com efeito, importa aquilatar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que o cômputo inicial do pagamento dos juros indemnizatórios se concretiza na data da data do pagamento dos dividendos.

Antes, porém, importa decidir da exceção da incompetência em razão da hierarquia suscitada pela Recorrida e que precede as demais, uma vez que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)).

A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.

Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.

Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, quer, ainda, por o Tribunal, no âmbito dos seus poderes cognição, ter entendido fixar matéria de facto que reputou relevante para a apreciação da lide (1).

In casu, não obstante a Recorrente não ter procedido à impugnação da matéria de facto, não se discernindo qualquer aditamento seja por substituição, seja por complementação, a verdade é que atentando nas suas conclusões, aquiesce-se a necessidade de juízo de valor sobre a matéria de facto.

Em bom rigor, sempre que para a apreciação do erro sobre os pressupostos de direito o Tribunal ad quem tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, independentemente da bondade ou da possibilidade de êxito da mesma, a questão envolve, necessariamente, matéria de facto (2).

No caso vertente, analisadas as conclusões das alegações da Recorrente, coadjuvadas com o teor das mesmas, constata-se que o objeto do recurso não se limita à questão de direito, defendendo que existe uma deficiente apreciação do direito aos factos, importando, assim, juízo de valor sobre a realidade contemplada no acervo probatório, mormente, da interposição da competente reclamação graciosa, inerente tramitação e decisão final.

E por assim ser, sem necessidade de outros considerandos, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, aduzida pela Recorrida.

Vejamos, ora, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado.

Apreciando.

A Recorrente defende que a decisão recorrida fez errado julgamento quando condenou a AT no pagamento dos juros indemnizatórios a partir da data do pagamento indevido de imposto até à data do processamento da nota de crédito, porquanto é pressuposto basilar da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios que haja erro em ato de liquidação de tributo imputável aos serviços, determinado em reclamação graciosa ou impugnação judicial e do qual tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.

Razão pela qual, sustenta que encontrando-nos, in casu, perante atos tributários de retenção na fonte de IRC que, não foram efetuados pela Recorrente, inexiste o apontado erro imputável aos serviços, porquanto o erro só passa a ser imputável à AT após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez toma posição sobre a situação do contribuinte, logo os juros indemnizatórios no caso dos autos, são devidos a partir de um ano após a dedução da reclamação graciosa pela Recorrida, Impugnante, subsumindo-se a questão no n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Densifica, para o efeito, que tendo a Recorrida deduzido reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte em 22 de dezembro de 2010, os juros indemnizatórios serão, por conseguinte, devidos a partir de 23 de dezembro de 2011, até à data do processamento da nota de crédito.

Termina sublinhando que a manutenção da decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito por violação da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º e do artigo 100.º, ambos da LGT.

Dissente a Recorrida contra-alegando que a decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, devendo ser mantida por ser inteiramente conforme à lei nacional em vigor e ao Direito Europeu.

Mais aduz, neste particular, que a norma invocada pela Recorrente para considerar que os juros indemnizatórios devidos só são calculados a partir de um ano após a data de apresentação da reclamação graciosa, ou seja, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) é inaplicável ao caso vertente, visto que a Recorrida apresentou a reclamação graciosa tempestivamente, não tendo adotado o expediente de revisão do ato tributário.

O Tribunal a quo fundamentou o cômputo dos juros indemnizatórios relevando, designadamente, o seguinte:

“[a]reconstituição justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido [nesse sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Setembro de 2015, proferido no processo 08862/15].

Assim sendo, “o contribuinte é ressarcido – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido- por via dos juros indemnizatórios ou moratórios, a administração tributária é ressarcida – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossada do imposto devido- por via dos juros compensatórios, cfr. artigo 35º, n.º 1 (são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária) e por via dos juros moratórios, cfr. artigo 44º, n.º 1 (são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal), ambos da LGT, sendo que os juros compensatórios se integram na dívida de imposto, cfr. artigo 35º, n.º 8 e, portanto, sobre os mesmos incidirão os respectivos juros moratórios quando devidos.” [Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 07 de Julho de 2017, referente ao processo 0279/17].

Nos termos do número 5 do artigo 61.º do CPPT, os juros “são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.

Tendo em conta o exposto, e a já determinada anulação das retenções na fonte, tem a Impugnante direito a juros indemnizatórios, que se contabilizarão desde as datas de pagamento dos dividendos [constantes dos documentos 6 a 56 juntos com o Recurso Hierárquico] até à data de processamento da respectiva nota de crédito, pelo que fica a Fazenda Pública condenada no seu pagamento.”

Apreciando.

Comecemos por convocar o regime jurídico e tecer os considerandos de direito que se afiguram relevantes neste e para este efeito.


Dispõe o artigo 43.º, da LGT, com a redação à data aplicável, que:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.”

Mais importa chamar à colação o disposto no artigo 61.º do CPPT, o qual dispunha, à data, que:

“1 - O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades:

a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;

b) Pela entidade que determina a restituição oficiosa dos tributos, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição;

c) Pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento;

d) Pela entidade competente para a decisão sobre o pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, quando não seja cumprido o prazo legal de revisão do ato tributário.

2 - Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

3 – Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respetivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.

4 – Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.

5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, pode o interessado reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no n.º 1, no prazo de 120 dias contados da data do conhecimento da nota de crédito ou, na sua falta, do termo do prazo para a sua emissão.

7 - O interessado pode ainda, no prazo de 30 dias contados do termo do prazo de execução espontânea da decisão, reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios no caso da execução de uma decisão judicial de que resulte esse direito.”

Com efeito, o direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no citado artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.


Em geral, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo resultante do pagamento indevido de uma dívida tributária.


Este tipo de juros tem natureza indemnizatória, sendo que o dever do seu pagamento radica da responsabilidade civil da Administração pela prática de atos ilícitos –artigo 483.º do CC-, designadamente da privação indevida de capital por período ou o atraso na restituição de reembolsos. E, constitucionalmente consagrada no artigo 22.º da CRP.


No atinente à definição de erro imputável aos serviços, cumpre, desde já, relevar que o “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à AT, vindo a Jurisprudência entendendo que a expressão “erros”, abrange não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro (3).


Ainda neste âmbito, e por revestir particular relevância atenta a natureza dos atos em contenda-retenção na fonte-, convoque-se o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0601/09, que, neste particular, esclarece que:

“[o] erro de direito imputável aos serviços há-de ser o decorrente de errónea qualificação ou quantificação do imposto, ainda que praticado por terceiro a quem a AT haja porventura delegado aquelas funções, desde que, nestes casos, no mesmo sentido se tenha pronunciado também em sede de reclamação ou recurso hierárquico onde se tenha questionado a legalidade da liquidação ou, como aqui, a legalidade da retenção na fonte.

No mesmo sentido se pronunciou já esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no invocado aresto e em situação subjacente em tudo idêntica à dos presentes autos, dando inequívoca guarida ao entendimento de que eram devidos os reclamados juros indemnizatórios desde a data do indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo contribuinte contra a indevida retenção na fonte, constituindo o erro de direito imputável aos serviços precisamente o anterior e indevido indeferimento da reclamação graciosa apresentada.”

Feitos estes considerandos de direito, cumpre, então, aquilatar qual o dies a quo a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, sublinhando, desde já, que não se afigura que o Tribunal a quo tenha feito a melhor interpretação, mormente, no atinente à própria densificação do conceito de erro imputável aos serviços.


Com efeito, nas situações de retenção, como in casu, entendemos, conforme propugna a Recorrente -ainda que, como veremos, sem total atendibilidade no cômputo inicial por si requerido e sua subsunção normativa- que só é passível de qualificação enquanto tal, ou seja, imputabilidade à AT no momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez. Efetivamente, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de percecionar, ponderar, conhecer, corrigir e sanar uma cometida ilegalidade. Logo, é a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, que o erro passa a ser imputável aos serviços.


Este é também o entendimento que se extrai do doutrinado por Jorge Lopes de Sousa (4), no sentido de que: “[n]as situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos" (sublinhados nossos).


E é, também, o entendimento perfilhado pela mais recente Jurisprudência do STA, convocando-se, para o efeito, o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0360/11, de 07 de abril de 2021, o qual esclarece, de forma cristalina, no seu sumário que:

“I - A regra do cômputo (dos juros indemnizatórios) desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, além da limitação decorrente de exceções nominadas (e outras detentoras dessa qualidade), tem de ser temperada, calibrada, quando o resultado a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a autoridade tributária e aduaneira (AT).

II - A indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroage ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando-se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo.

III - É justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar, nestes casos, o dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa / recurso hierárquico, isto é, os períodos, na atualidade, de 4 meses e 60 dias, respetivamente.”

Concretizando, ulteriormente, na sua fundamentação jurídica, a qual se perfilha, na integra e se transcreve nos trechos que se reputam relevantes para o caso sub judice:

“Assim, com grande acutilância, é incontornável, quando se labora nesta matéria, considerar e retirar todas as consequências do estatuído nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 43.º da LGT, no sentido de que estas positivam exceções, concretas, nominadas, à supra mencionada regra geral do art. 61.º n.º 5 do CPPT, bem como, dão ao operador judiciário (e/ou administrativo) algum sentido de orientação, para as situações, hipóteses, atípicas, no sentido de não expressamente delimitadas pela lei.

Por outras palavras, queremos significar que a regra do cômputo desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, além da limitação decorrente das aludidas exceções (e outras detentoras dessa qualidade), tem de ser temperada, calibrada, quando o resultado a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a AT.

Deste modo e com tal objetivo, o STA tem entendido (Entre outros, acórdão de 6 de dezembro de 2017 (0926/17).), com persistência, que no “caso de
actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora esteja, em princípio, afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços (na medida em que tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação do imposto são levadas a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços), o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”. Ora, neste enquadramento, afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando-se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.

Neste ponto, apenas, resta problematizar se, na situação versada (ou equiparáveis), o dies a quo deve corresponder ao da data da apresentação da impugnação administrativa (reclamação graciosa e/ou recurso hierárquico) ou ao do momento em que os competentes serviços da AT se pronunciam/comunicam o resultado da pronúncia ao contribuinte.

Entendemos que esta segunda via, em tese, seria a que melhor asseguraria um equilíbrio entre os relevantes interesses (bilaterais) em jogo, dado a opção primeira implicar um ónus acrescido, para a AT, decorrente de a vir a responsabilizar desde um tempo em que não tinha tido oportunidade de conhecer, ponderar, avaliar e relevar, os argumentos, as razões, esgrimidas pelo reclamante/recorrente; não se olvide que à AT, de início, não é imputável o (potencial) erro, perpetrado pelo contribuinte ou pelo seu substituto.
Contudo,
a opção pela data da notificação ao contribuinte da decisão proferida sobre a sua impugnação administrativa (solução, aqui, proposta pela rte) debate-se com a fraqueza decorrente de, não raramente, os intervenientes serviços da AT demorarem períodos temporais, objetivamente, excessivos, para a emissão de uma pronúncia expressa, circunstância que, como é óbvio, redunda (pode redundar) em prejuízo para o contribuinte afetado, ao introduzir uma dilação injustificada no tempo de contagem de devidos juros indemnizatórios. Por exemplo, in casu, para emitir uma decisão, no sentido da intempestividade da reclamação graciosa, a AT demorou 2 anos, 5 meses e 2 dias, com o acréscimo de 14 dias para notificação à reclamante!...
Confrontados, portanto, com óbices, não despiciendos, em ambas as propostas de solução,
julgamos, justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar o disputado dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa (Em caso de recurso hierárquico, 60 dias - art. 66.º n.º 5 do CPPT.), isto é, o período, atualmente, de 4 meses (mas, que era de 6 meses, nos anos de 2008 a 2011) - cf. art. 57.º n.º 1 da LGT, respetivamente, nas redações da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro e original.” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido de o erro imputável só poder ser assumido a partir do momento em que existe reação administrativa, veja-se o Aresto, também, recente do STA prolatado no âmbito do processo nº 016/10, de 28 de abril de 2021 (5), cujo sumário se transcreve:

“I - Os elementos constitutivos do direito a juros indemnizatórios, nos termos do no art.º 43º, nº 1, da LGT, são: (i) a existência de erro em acto de liquidação de tributo; (ii) que esse erro seja imputável aos serviços; (iii) que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial, e (iv) que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.
II - No caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, está, em princípio, afastada a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços, visto que tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação do imposto são efectuadas pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços.
III – Todavia, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte.
IV - Tendo a Recorrida dado entrada, em 15.07.2009, de reclamação graciosa do acto tributário de retenção na fonte de 10% sobre os dividendos distribuídos e tendo a mesma sido objecto de indeferimento em 16.12.2009, os juros indemnizatórios são devidos desde essa data.”

E também este Tribunal já preconizou o entendimento que, ora, sufragamos, nos processos nºs 1844/09, de 22.10.2020, 06193/12, de 19.02.2013, 05148/13 de 17.10.2013, 678/08.7, de 05.03.2020, doutrinando no seu sumário o primeiro dos Arestos citados de forma clara que:

“No caso de ilegalidade de retenções na fonte, por força de violação do direito da União Europeia, tendo sido apresentada reclamação graciosa, são devidos juros indemnizatórios a partir da data da sua decisão, pois o erro passou a ser imputável à AT a partir daquele momento (momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez).”

Ora, face ao supra expendido, dimana inequívoco que o dies a quo tomado em conta pelo Tribunal a quo, não se afigura correto, porquanto, no sentido propugnado pela Recorrente inexiste erro imputável aos serviços aquando do pagamento dos dividendos. É certo que, não perfilhamos, na íntegra, o cômputo preconizado pela Recorrente, no entanto, como é consabido, tal em nada baliza o Tribunal ad quem visto que não está vinculado à alegação das partes quanto à concreta enunciação e qualificação jurídica.

Não logrando, nessa medida, provimento o expendido pela Recorrida no sentido de que “[a] referida decisão é a única que respeita os preceitos legais em vigor – nomeadamente o disposto nos artigos 43.º, n.º 1 e 2 e 100.º da LGT e o artigo 61.º, n.º 5 do CPPT -, bem como a ratio subjacente ao pagamento de juros indemnizatórios pela AT aos contribuintes – a de reconstituir a situação em que os mesmos se encontrariam caso a ilegalidade em causa não se tivesse verificado – e as normas de direito europeu subjacentes”, pois, como expendido, a regra do cômputo desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, além das limitações decorrentes das tipificadas exceções tem de ser sopesada e, devidamente, ponderada quando o resultado, como in casu, a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a AT.

Logo, contrariamente ao aduzido pela Recorrida, tal entendimento em nada subverte, o plasmado no artigo 100.º da LGT, e bem assim a ratio dos juros indemnizatórios.

Mais importa evidenciar que, carece de qualquer relevância a alegada, assunção de que existiram orientações genéricas, não só porque a alusão da Recorrente, é, absolutamente, conclusiva, como, em rigor, se depreende de todo o contexto das alegações recursivas que a mesma não reconhece qualquer erro imputável aos serviços, bem pelo contrário.

De sublinhar, igualmente, que não se vislumbra -nem tão-pouco, a Recorrida o densifica e substancia, enquanto tal- de que forma o aludido o cômputo de pagamento dos juros indemnizatórios não coincidente com o pagamento dos dividendos, possa revelar-se contrário ao Direito Europeu e ao respetivo efeito direto e primado sobre o direito nacional. Ademais, in casu, não se discute a ilegalidade ajuizada pelo Tribunal a quo, a qual ficou firmada no sentido de que as retenções na fonte impugnadas violam o princípio da livre circulação de capitais previsto nos artigos 18.º e 63.º do TFUE, no entanto, a mesma, naturalmente, não acarreta qualquer consequência em termos de apuramento do dies a quo e no sentido propugnado pela Recorrida.

Como tal, resultando do probatório que foi apresentada reclamação graciosa em 22 de dezembro de 2010, a qual foi indeferida por despacho de 31 de maio de 2011, o erro passou a ser imputável à AT a partir daquele momento, isto é, do momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez.

Nessa sequência, são devidos juros indemnizatórios não desde a data em que foi feita a retenção, mas sim desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data em que vier a ser emitida nota de crédito respeitante ao imposto em causa.

Destarte, não tendo resultado prejudicado o conhecimento de quaisquer questões no âmbito do pagamento dos juros indemnizatórios-única questão, como visto, a dirimir nos presentes autos- conclui-se que ocorre um erro de julgamento, resultante da circunstância de se ter fixado como data de início de juros indemnizatórios a data de pagamento do ato tributário de retenção na fonte, e não a data do indeferimento da reclamação graciosa, em violação do disposto no art.º 43.º n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, logo, a sentença recorrida, não pode manter-se, pois que os mesmos são devidos apenas a partir de 31 de maio de 2011, data da prolação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, atempadamente, interposta.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- Conceder provimento ao recurso, e em consequência revogar a sentença recorrida, quanto ao segmento relativo ao dies a quo do reconhecimento a juros indemnizatórios o qual se fixa em 31 de maio de 2011.
Custas pela Recorrida.
Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de setembro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha]

Patrícia Manuel Pires


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(1) Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 0161/14, de 09.04.2014 e demais jurisprudência nele citada.
(2) Vide, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0762/16, de 01.07.2020.
(3) Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos do STA: 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11
(4) Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 52.
(5) No mesmo sentido, vide, designadamente, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0890/16, de 18.01.2017 – cuja situação fática se prende justamente com reação a retenção na fonte, aquando da colocação à disposição dos dividendos –, que “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.