Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2000/21.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ESTATUTO DO PESSOAL DO SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
TRANSPORTE PAGO
COMISSÃO DE SERVIÇO
Sumário:Decorre do disposto no artigo 14.º, n.º 1, al. e), do Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de novembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que o respetivo pessoal tem direito a transporte pago, quando deslocado para a realização de concurso relacionado com o exercício da função, ainda que em comissão de serviço.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
M....... intentou ação de procedimentos de massa contra o Ministério da Administração Interna, visando o despacho do Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 12/10/2021, que, não se pronunciando sobre a autorização requerida pela autora para a prestação de prova de conhecimentos para o Concurso Interno de acesso limitado para o preenchimento de 20 postos de trabalho na Categoria de Inspetor Coordenador de Nível 3, indeferiu o pedido feito para que o Serviço suportasse as despesas inerentes à deslocação da autora, por se encontrar desde 07/09/2021 e até 04/11/2021 nomeada como Advanced Level Document Officer da Joint Operation Focal Points Land na Lituânia. Pede a condenação da entidade demandada a proceder a nova marcação de data para realização da prova de conhecimentos e que a mesma seja realizada na localidade da sua colocação.
Por sentença de 12/01/2022, o TAC de Lisboa julgou a ação parcialmente procedente e condenou a entidade demandada a proceder à marcação de nova data para a autora realizar a prova de conhecimentos específicos relativa ao referido concurso.
Inconformada, a entidade demandada interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“A. Remetendo para tudo quanto foi dito em sede de contestação, a qual se considera parte integrante do presente recurso, não pode a entidade demandada, ora recorrente, concordar com a linha de argumentação desenvolvida pela douta sentença.
B. Com efeito, afigura-se à Recorrente que, no presente caso, o busílis da questão centra-se na interpretação da norma vertida no art.º 14º nº 1 al. e) do estatuto de pessoal do SEF.
C. O art.º 14.º nº 1 al. e) do Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de novembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, epigrafado Transporte dos funcionários, dispõe o seguinte: ‘1 - O pessoal do SEF tem direito a transporte pago pelo Serviço nas seguintes situações: (…) Quando deslocado para frequência de cursos de formação ou para a realização de concursos ou estágios relacionados com o exercício da função (…)’.
D. Afigura-se evidente estarmos perante um erro de julgamento como infra demonstraremos. Vejamos,
E. Auscultado o art.º 14º do Decreto-Lei nº 290-A/2001, de 17 de novembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, constata-se ser evidente a ratio que esteve na base da criação do mesmo, o suporte do ónus das despesas de deslocação por parte do SEF, sempre que um funcionário seja, por conveniência ou determinação do Serviço, deslocado ou transferido para local diferente daquele que é o seu local originário de colocação, o qual naturalmente se circunscreve às áreas de jurisdição do SEF, facto que exclui deslocações internacionais, as quais a acontecer obedecem a um regime próprio.
F. Explicitando, se um funcionário do SEF for designado para participar num evento internacional (Reuniões, Conferências, Colóquios, etc.) em representação do SEF, naturalmente caberá ao SEF custar as despesas com a deslocação desse funcionário.
G. No entanto as despesas com deslocações internacionais para cumprimento de comissão de Serviço em Organismos internacionais, por regra são custeados pelos próprios organismos onde o funcionário irá prestar a comissão.
H. No caso sub judicie, tratando-se de deslocação de funcionário que já se encontra em comissão de serviço no exterior e ao serviço de uma organização internacional, naturalmente não se encontra abrangida pelo art.º 14º do DecretoLei nº 290-A/2001, de 17 de novembro, uma vez que este só se aplica às deslocações internas, efetuadas no território português onde o SEF tem jurisdição.
I. Explicitando, as alíneas que compõem o art.º 14º têm um único propósito, minorar junto do funcionário os efeitos causados quer com a sua deslocação para exercício de funções na fase de admissão, pois não raras vezes o local de residência do novo funcionário não coincide com o local onde é originariamente colocado para iniciar o exercício de funções ao Serviço do SEF; quer com posteriores deslocações ou transferências (temporárias ou definitivas) já depois de estar definido o seu local de colocação originária.
J. Assim, sempre que, por conveniência ou determinação do Serviço, o funcionário for deslocado do seu local de colocação originária, o Serviço assume as despesas de transporte que tiverem que ser feitas para instalação do funcionário no seu novo local de trabalho. sendo que, sempre que essa deslocação for para as ilhas (Açores e Madeira), encontra-se estabelecido no nº 2 da norma que, as despesas pagas reportam-se penas à viagem de ida e à viagem de regresso ao local de colação originária.
K. Em rigor, sempre se dirá que a assunção da responsabilidade pelo pagamento coma as despesas de deslocação do funcionário e até dos seus familiares, conforme legalmente previsto, apenas respeita ao momento da deslocação para exercício de funções em local diferente do da sua colocação originária, cessando aí as responsabilidades do Serviço quanto a eventuais viagens que o funcionário queira realizar.
L. No caso sub judice a questão coloca-se quanto à situação de, estando já em comissão de Serviço, ou seja, estando temporariamente a desempenhar funções em Organismo Internacional, externo ao SEF, para o qual se candidatou, claramente não se tratada de uma situação de deslocação por determinação ou conveniência do Serviço, mas tão-somente de realizar uma viagem para livre candidatura a concurso do seu exclusivo interesse.
M. A aqui A. quando se deslocou em comissão de serviço para Polónia, foi desempenhar funções junto de um organismo internacional, externo ao SEF, sendo que lhe ter-lhe terão sido pagas as despesas com voo e estadia.
N. A A.. quer vir agora beneficiar de um direito que apenas abrange situações de funcionários que são deslocados para frequentarem curso de formação ou para realização de concursos ou estágios relacionados com o exercício da função.
O. Ora, não é esta a situação da A., uma vez que o Serviço em momento algum a deslocou para frequentar curso de formação ou para realização de concursos ou estágios relacionados com o exercício da função.
P. O que sucede é um claro aproveitamento da letra da lei, quando utiliza o vocábulo concurso, sendo que do espirito da mesma não se retira que estando um funcionário em Comissão de Serviço, a quem já foram pagas as despesas de deslocação para cumprimento da Comissão de Serviço, possa também exigir que lhe sejam pagas despesas de viagem sempre que o mesmo resolva candidatar-se a concursos de progressão na Carreira, ainda que seja indubitavelmente legitimo que o mesmo se candidate.
Q. Não esta aqui em causa qualquer beliscão ao seu direito de concorrer, e realizar as respetivas provas, pois que sempre o pôde fazer.
R. No caso concreto, a ora A. nunca pôs a hipótese de a prova ser realizada no consulado do país da Comissão, tendo sempre insistido na sua deslocação a Portugal, sabendo de antemão que não lhe assistia qualquer direito nesse sentido.
S. De notar que tendo o Réu largas dezenas de funcionários, em regime de Comissão de Serviço, junto de organismos internacionais que naturalmente são externos ao SEF (não se encontram na sua jurisdição) teria então, sem base legal, que custear as despesas de deslocação dos mesmos sempre que decidissem candidatar-se aos concursos que periodicamente são publicados a nível interno.
T. Não se afigura que tenha sido este o espírito do legislador, o qual apenas quis garantir que o funcionário deslocado de algum modo fosse ressarcido com as despesas atinentes àquela deslocação, e nunca com despesas posteriores.
U. Afigura-se deste modo que o cumprimento da sentença de que ora se recorre, redundaria em ilegalidade por não ter sustentação legal e bem colocaria a ora A. em situação de privilégio relativamente aos candidatos que já prestaram provas e cumpriram todas as determinações do concurso.
V. Mais, constava no aviso de convocatória que a não comparência para a realização das provas na data/hora e local designados teria como consequência a reprovação no método de seleção para que estavam a ser convocados e, por consequência, a exclusão do procedimento concursal, por todos os métodos de seleção serem eliminatórios per se.
W. Atente-se que o procedimento concursal em causa não padece de qualquer tipo de vicio, estando a correr os seus trâmites normais, estando já em fase avançada.
X. Infere-se de todo o exposto que em momento algum foi beliscado o princípio da igualdade, sendo que em momento algum solicitou que a prova se realizasse no local de destacamento.
Y. Relativamente aos factos considerados provados, mormente, os constantes dos pontos Q e R da sentença, refira-se que os mesmos não devem ser objeto de ponderação na presente Ação, e ou Recurso, tendo em conta que se reportam a um outro concurso, sendo que no caso a ora A. encontrava-se em território nacional.
Z. Todo o exposto demonstra a obrigatoriedade da Administração em assumir o comportamento adotado e a evidência indiscutível da respetiva legalidade, e bem assim, a manifesta improcedência da pretensão do Autor, que a ser viabilizada violaria o princípio da legalidade dos actos administrativos.
AA. Não pode deste modo, a Entidade Demandada, concordar com a douta sentença, por considerar que procedeu num incorreto enquadramento e interpretação dos factos e do direito.”
A autora não apresentou contra-alegações.

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- do erro de julgamento da decisão da matéria de facto;
- do erro de julgamento da decisão da matéria de direito ao considerar-se que ocorreu violação do artigo 14.º, n.º 1, al. e), do Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo a autora direito a nova marcação da prova de conhecimentos específicos.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em 7-04-2021, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei nº 204/98, de 11 de julho, foi publicado o aviso de abertura do concurso interno de acesso limitado para o provimento de 20 postos de trabalho na categoria de Inspetor Coordenador de Nível 3 da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do qual resulta, designadamente, o seguinte:
«(...)
8. Métodos de seleção a utilizar: Sem prejuízo da aplicação do n.º 4 do artigo 25º
do Decreto-Lei nº 290-A/2001, de 17 de novembro, com as alterações subsequentes,
os métodos de seleção a utilizar no concurso são os seguintes:
- Prova de conhecimentos específicos, com caráter eliminatório;
- Exame psicológico de seleção, com carácter eliminatório;
- Avaliação curricular.
8.1. Prova escrita de conhecimentos específicos:
A prova de conhecimentos específicos tem natureza teórica, será escrita, em suporte
de papel e com consulta da legislação indicada no ponto 8.3 do presente aviso. A prova de conhecimentos específicos incluirá as matérias que se enquadram no
Programa de provas de conhecimentos específicos, aprovada pelo Despacho
conjunto nº 108/2004 de 09 de fevereiro.
Não será autorizada a utilização de telemóveis, computadores portáteis, tablets,
smartwacthes ou qualquer outro aparelho eletrónico ou computorizado.
A prova vai ser realizada numa só fase e terá a duração de 2 horas.
8.2. A prova escrita de conhecimentos específicos será valorada numa escala de 0 a
20 valores e terá caráter eliminatório, considerando-se não aprovados os
candidatos que nela obtenham classificação inferior a 9,50 valores ou que desistam
da mesma.
(...)» (Cfr. documento n.º 1 da PI)
B) A Autora candidatou-se ao procedimento referido na alínea anterior e a sua candidatura foi admitida. (Acordo)
C) Por correio eletrónico de 25-08-2021, a Autora tomou conhecimento que, por despacho do Diretor Nacional, foi autorizada a participar, em comissão de serviço, como ALDO (Advanced Level Document Officer) na Joint Operation Focal Points Land na Lituânia de 7-09-2021 a 4-11-2021. (Cfr. documento n.º 6 da PI)
D) Em 7-09-2021, o júri do procedimento referido na al. A) reuniu-se, por via eletrónica, constando da respetiva ata, designadamente, o seguinte: «O júri acordou solicitar ao Exmº Sr. Diretor Nacional, que a prova de Conhecimentos Específicos dos candidatos da Madeira e dos Açores, seja realizada nas respetivas Direções Regionais, com a supervisão do respetivo Diretor Regional». (Cfr. documento n.º 1 da Contestação)
E) Em 24-09-2021, foi publicada a seguinte informação do júri do procedimento referido na al. A):
«Informam-se os candidatos admitidos ao concurso em apreço que a prova de Conhecimentos Específicos está marcada para as 15h00 do próximo dia 23 de outubro de 2021, na Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro, Barreiro. A prova, a ser realizada numa só fase, terá a duração de 2 horas e será constituída por um conjunto de 80 questões, sendo 40 de escolha múltipla, e 40 de escolha verdadeiro ou falso. A prova será realizada em modelo próprio, sendo permitida a consulta. Não será autorizada a utilização de telemóveis, smartphones, computadores portáteis, tablets, smartwacthes ou qualquer outro aparelho eletrónico ou computorizado.
No dia acima referido, os candidatos deverão comparecer na sala para a qual estarão designados 30 minutos antes da hora agendada para o início da prova, não sendo concedida qualquer tolerância por atraso após a hora de início da mesma. Os candidatos que desistam só poderão sair da sala 20 minutos após a prova se ter iniciado. (...) Os candidatos admitidos que prestam serviço nos Açores e na Madeira realizarão a prova nas sedes das respetivas Direções Regionais, nos termos seguintes: - Nos Açores, a prova será realizada em Ponta Delgada, na Direção Regional do SEF, às 14h00 locais do dia 23 de outubro de 2021. - Na Madeira, a prova será realizada no Funchal, na Direção Regional do SEF, às 15h00 do dia 23 de outubro de 2021. Em data mais próxima do dia 23 de outubro, o júri divulgará as salas em que os candidatos realizarão a prova de conhecimentos específicos. Tendo presente que a realização da prova de conhecimentos específicos, por natureza, exige que seja prestada em simultâneo por todos os candidatos, não serão deferidos eventuais pedidos de antecipação ou adiamento da mesma. A não comparência no dia/hora supra indicados resultará na exclusão do procedimento concursal.
(...)» (Cfr. documentos n.ºs 4 e 5 da PI)
F) Em 4-10-2021, a Autora dirigiu a seguinte mensagem de correio eletrónico a NFPOC-CAT2 e Portugal-NFPOC:
«Assunto: Prova de acesso a IC
Exmos. Srs.
Conforme publicitado na ordem de servico 93, no dia 29 de setembro, foi finalizada
a lista de candidatos admitidos e fornecidas instrucoes para o concurso interno de
acesso limitado para provimento de 20 postos de trabalho na categoria de Inspetor
Coordenador de nivel 3.
Nesse sentido, e por estar na lista de candidatos admitidos, solicito que o NFPOC
informe a Frontex que a signataria pretende deslocar-se a Portugal para a
realizacao da prova entre os dias 22 e 24 de outubro (data sera comunicada
aquando da marcacao das viagens).
Gostaria tambem de saber como faco para a marcacao das viagens, contacto
diretamente o SEF Viagens?
Grata pela atencao
M……
Cat.3 Lituania».
(Cfr. documento n.º 8 da PI)
G) Em 6-10-2021, Portugal-NFPOC enviou a seguinte mensagem de correio eletrónico ao Gabinete do Diretor Nacional:
«Ao Gabinete do Exmo Senhor Director Nacional,
Tenente-General B.......,
Em cumprimento de determinação superior, junto se reencaminha pedido efectuado pela I M....... para deslocação a Portugal, para realização da prova de conhecimentos no âmbito do concurso para provimento de 20 postos de trabalho na categoria de Inspetor Coordenador de nivel 3, a ter lugar a 23.10.2021. A I M....... encontra-se actualmente destacada em Lavoriskes, tendo a Frontex, mediante solicitação do NFPOC (e-mail em anexo), autorizado a saída da área operacional, no período de 22.10 a 24.10.2021. Pelo que se solicita a necessária autorização do Exmo Senhor Director Nacional para este efeito, bem como para a aquisição dos bilhetes, caso assim o entenda, a suportar pelo SEF». (Cfr. documento n.º 8 da PI)
H) Em 8-10-2021, o Gabinete do Diretor Nacional enviou a seguinte mensagem de correio eletrónico, tendo sido dado conhecimento à Autora:
«Exmos Senhores, Em cumprimento do Despacho do Exmo Senhor Diretor Nacional, Tenente General, B......., junto se remete o mesmo a V. Exas, para informação pelo Júri do Concurso e sustentação na legislação em vigor, relativamente ao solicitado pela I M......., actualmente destacada em Lavoriskes, a deslocação a Portugal a fim de realizar a prova de conhecimentos no âmbito do concurso para provimento de 20 postos de trabalho na categoria de Inspetor Coordenador de nivel 3, a ter lugar a 23.10.2021». (Cfr. documento n.º 8 da PI)
I) Em 11-10-2021, Técnica Superior do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras emitiu a informação n.º 80…../GRH/2021, com o seguinte teor:
«Assunto: Pedido de pagamento de viagem para Portugal e regresso à Proc Lituânia/ FRONTEX para a realização de prova de conhecimentos do concurso para inspetor coordenador, apresentado pela Inspetora M.......1. Por comunicação remetida a 04.10.2021 que se anexa, a inspetora da CIF do SEF M....... atualmente em exercício de funções na FRONTEX, em Lavoriskes, solicitou, na sequência da notificação para a prestação da prova de conhecimentos específicos no dia 23.10.2021, no âmbito do Concurso para a categoria de Inspetor Coordenador, autorização para se deslocar a Portugal para a realização da prova, bem como o pagamento das viagens para o efeito, nos termos do n° 1 do artigo 14° do Decreto-Lei n° 290-A/2001, de 17.11 (Estatuto do Pessoal do SEF). 2. Compulsado o Decreto-Lei n° 204/98, de 11.06, diploma que regula a tramitação do concurso em questão, por força do artigo 41.°, da Lei n.° 35/2014, de 20.06, na sua atual redação, constata-se, por um lado, que o concurso obedece ao princípio da liberdade de candidatura, ou seja não impende sobre os candidatos a obrigatoriedade de concorrer, são livres de concorrer ou não e, por outro lado, não se vislumbra norma que determine o pagamento de viagens para realização da prova de conhecimentos ou de qualquer outro método de seleção.
3. Acresce que, prevê o artigo 14.°, n.° 1, al. c), do Estatuto do Pessoal do SEF, que “O pessoal do SEF tem direito a transporte pago pelo Serviço nas seguintes situações: Quando deslocado para frequência de cursos de formação ou para a realização de concursos ou estágios relacionados com o exercício da função;" Na verdade, 4 Esta norma aponta para o pagamento do transporte para efeitos de concurso, contudo tem de ser interpretada dentro do sistema, donde se afigura não ser possível enquadrar aqui o pagamento de viagens de qualquer ponto do mundo, mas tão somente da localidade onde o candidato tenha a sua colocação, pois, nos termos do n.° 1 do artigo 5.°, do Estatuto do Pessoal do SEF, a colocação do pessoal é feita por localidades, encontrando-se o SEF no país todo, inclusive nas Regiões Autónomas, e desenrolando-se os concursos, por regra, em Lisboa. 5. Nestes termos e atento o quadro legal acima descrito, submete-se o assunto à consideração superior com a proposta de, caso assim se entenda, seja indeferido o presente pedido de pagamento de viagens para realização da prova de conhecimentos no âmbito concursal, face à inexistência de enquadramento legal». (Cfr. documento n.º 7 da PI)
J) Em 12-10-2021, o Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferiu o seguinte despacho na informação referida na alínea anterior:
«Concordo.
Notifique-se nos termos dos artigos 121.º e 122.º do CPA». (Cfr. documento n.º 7 da
PI)
K) Em 13-10-2021, o Gabinete de Recursos Humanos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dirigiu a seguinte mensagem de correio eletrónico à Autora:
«Exmo. Senhor
Inspetora M.......,
Notifica-se V. Exa. para em sede de audiência prévia, vir apresentar, querendo, pronuncia por escrito sobre o assunto, no prazo de 10 dias úteis, contados a partir da data em que tomar conhecimento do projeto de indeferimento, conforme disposto nos artigos 121º e 122º do Código do Procedimento Administrativo. Remete-se para o efeito cópia da informação nº 80…./GRH/2021 de 11/10/2021, sobre a qual foi exarado despacho em 12/10/2021 do Exmo. Diretor Nacional, Tenente-General, B......., em que se alcançam os fundamentos de facto e direito da posição assumida». (Cfr. pág. 1 do processo administrativo -pa-)
L) A Autora não se pronunciou em audiência prévia. (Admitido no ponto 15.º da PI)
M) Em 18-10-2021, o júri do procedimento referido na al. A) reuniu-se, por via eletrónica, constando da respetiva ata, designadamente, o seguinte:
«No que respeita ao Ponto dois, a Presidente informou os restantes membros do Júri da decisão verbal do Exmº Sr. Diretor Nacional, transmitida no dia 14 de outubro, de acolher, a título excecional, o pedido de realização da prova de "Conhecimentos Específicos", por parte dos dois candidatos em missões de serviço, fora da Europa, Inspetor chefe A....... e Inspetor R......., nas instalações das Embaixadas de Portugal, respetivamente em Timor (Díli) e Paquistão (Islamabad); Foi determinante para tal decisão a relevante e considerável distância dos locais onde os dois candidatos se encontram a exercer funções públicas, conjugado com o facto da missão para a qual o Inspetor R....... foi designado, se ter iniciado muito recentemente, e revestir extraordinário interesse público; Assim, os dois candidatos realizarão a prova de "Conhecimentos Específicos" nas instalações das respetivas Embaixadas, sendo a vigilância da mesma assegurada pelo Júri, através da Plataforma Teams ou equivalente. Os dois candidatos realizarão a prova na mesma data/hora que os restantes candidatos, que em Díli será às 23H00 locais, e em Islamabad será às 19H00 locais. Estabelecerão ligação meia hora antes do início da prova. Apenas terão acesso à prova na mesma altura que os restantes candidatos, que a realizarão em território continental e insular, e terão que assegurar as condições técnicas que permitam uma permanente vigilância da prova por parte dos membros do Júri, bem como um apoio de vigilância local. Após o final da prova, deverão remeter ao Júri uma foto da folha de respostas através da aplicação “WhatsApp" e, de seguida, a folha de resposta digitalizada para o e-mail institucional do Júri do Concurso (Concurso.IC21@sef.pt). O original da folha de resposta será remetido pela mala diplomática das respetivas Embaixadas. O Júri entende que, salvaguardados os aspetos acima mencionados, fica garantida a integridade da prova, nas mesmas condições que os restantes candidatos;» (Cfr. documento n.º 2 da Contestação)
N) Em 20-10-2021, a Presidente do júri do procedimento referido na al. A) publicou a seguinte informação:
«INFORMAÇÃO DO JÚRI/ DISTRIBUIÇÃO DE CANDIDATOS POR SALA ESCOLA DOS FUZILEIROS
Pelo presente publica-se a distribuição dos candidatos, admitidos à prova “conhecimentos específicos”, que realizarão a referida prova na “Escola dos Fuzileiros, no próximo dia 23 de outubro. A prova inicia-se ás 15H e terminará ás 17H. Os candidatos estão distribuídos por ordem alfabética, da sala “1” à sala “11”. Anexa-se um conjunto de notas práticas que inclui um croqui para acesso à Escola dos Fuzileiros.
DIREÇÃO REGIONAL DA MADEIRA
Pelo presente publica-se a distribuição dos candidatos, admitidos à prova “conhecimentos específicos”, que realizarão a referida prova na “Direção Regional da Madeira, no Funchal, no próximo dia 23 de outubro. A prova inicia-se ás 15H e terminará ás 17H.
DIREÇÃO REGIONAL DOS AÇORES
Pelo presente publica-se a distribuição dos candidatos, admitidos à prova “conhecimentos específicos”, que realizarão a referida prova na “Direção Regional do SEF, nos Açores, em Ponta Delgada, no próximo dia 23 de outubro. A prova inicia-se ás 15H (hora de Portugal continental) e terminará ás 17H (hora de Portugal Continental).
Embaixada de Portugal em ISLAMABAD
Pelo presente dá-se nota de que o candidato R....... realizará a prova de “conhecimentos específicos”, nas instalações da Embaixada de Portugal em Islamabad. A prova realizar-se-á no próximo dia 23 de outubro. A prova inicia-se ás 15H (hora de Portugal continental) e terminará ás 17H (hora de Portugal Continental). Embaixada de Portugal em DÍLI
Pelo presente dá-se nota de que o candidato A......., realizará a prova de “conhecimentos específicos”, nas instalações da Embaixada de Portugal em Díli. A prova realizar-se-á no próximo dia 23 de outubro. A prova inicia-se ás 15H (hora de Portugal continental) e terminará ás 17H (hora de Portugal Continental)». (Cfr. documento n.º 10 da PI)
O) A Autora não compareceu à prova de conhecimentos específicos do procedimento concursal referido na al. A). (Acordo)
P) De Lavoriskes, Lituânia, não existem voos diretos para Lisboa. (Acordo, por falta de
impugnação)
Q) Em 19-05-2021, a Autora dirigiu a seguinte mensagem de correio eletrónico ao júri do concurso para a categoria de Inspetor Chefe de 2021:
«Exmo. Presidente do Júri, ICS P....... Perante o aditamento, tornado público a 14 de Maio 2021, que determina que os candidatos admitidos e que prestam serviço nos Açores e na Madeira realizarão a prova nas sedes das respetivas direções regionais, venho respeitosamente solicitar igual procedimento. O presente requerimento fundamenta-se no facto da sede da Direção Regional do Norte, onde presto serviço, distar cerca 350 quilómetros do local escolhido para prestação de prova, local sem transportes públicos adequados. Este facto coloca os candidatos que prestam serviço fora da DRLVTA, DRMadeira e DRAçores, numa posição de desigualdade perante os candidatos que prestarão as provas nas respetivas sedes de direção regional. Mais se informa que a signatária requereu, nos termos da alínea e) nº 1 do artigo 14º do Estatuto de Pessoal do SEF, Autorização de Deslocação em Território Nacional, do qual ainda não obteve resposta.» (Cfr. documento n.º 9 da PI)
R) Em 20-05-2021, o Presidente do júri do procedimento referido na alínea anterior enviou a seguinte mensagem de correio eletrónico à Autora:
«Assunto: RE: Concurso para a categoria de Inspetor Chefe Senhora Inspetora M....... A sua comunicação mereceu-nos a melhor atenção. Compreendemos as dificuldades acrescidas face à distância a percorrer para a realização da prova. Contudo, não nos é possível, acrescentar outros locais para o efeito». (Cfr. documento n.º 9 da PI)
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se ocorre:
- erro de julgamento da decisão da matéria de facto;
- erro de julgamento da decisão da matéria de direito ao considerar-se que ocorreu violação do artigo 14.º, n.º 1, al. e), do Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo a autora direito a nova marcação da prova de conhecimentos específicos.
Como questão lateral, afigura-se de dar conta de uma situação processual anómala, relacionada com os poderes de cognição do juiz e a liberdade de conformação da autora / recorrida na delimitação do objeto da ação, com a causa de pedir e pedidos enunciados na petição inicial. E dizemos lateral porquanto, não obstante a circunstância da sentença, no seu discurso fundamentador, aparentemente se afastar da causa de pedir gizada pela autora / recorrida, tal questão não pode ser conhecida nesta fase recursiva. E isto porque, repise-se, o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões da respetiva alegação, conforme decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.os 1, 2 e 3, do CPC, pelo que só podem ser conhecidas as questões ali invocadas, salvo as de conhecimento oficioso. E tal questão não é objeto de qualquer referência no recurso e não é de conhecimento oficioso. Daí que aqui apenas serão objeto de pronúncia as duas questões supra enunciadas.

a) do erro de julgamento de facto

Vem o recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, pretendendo a supressão dos factos considerados provados nos pontos Q e R, que não devem ser objeto de ponderação na presente ação, por se reportarem a um outro concurso.
Dispõe como segue o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de indicar (i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e (ii) os concretos meios probatórios que impõem decisão distinta, mais devendo identificar precisa e separadamente os depoimentos caso se trate de meios probatórios gravados.
E cabe-lhe alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Há que ter ainda em consideração que é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.
E como é consabido, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos.
Outrossim, deve ter-se em consideração que no novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, se optou por reforçar os poderes da 2.ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada, incrementados os respetivos poderes e deveres, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material, conforme consta da exposição dos motivos e se consagra no atual artigo 662.º, n.º 1, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Vejamos então se tem fundamento o invocado.
Conforme já se assinalou, o recorrente pretende a supressão dos factos considerados provados nos pontos Q e R, que não devem ser objeto de ponderação na presente ação, por se reportarem a um outro concurso.
Tal singelo fundamento claramente não sustenta o pretendido.
Está em causa requerimento apresentado pela autora ao presidente do júri de um concurso da entidade ré, ora recorrente, e a resposta daquele, relativa a pretensão de realizar prova em local diferente do escolhido para prestação de prova, a par de ter requerido, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto de Pessoal do SEF, Autorização de Deslocação em Território Nacional, sem que até à data tivesse obtido resposta.
Tais factos contextualizam a pretensão da autora, ainda que não configurando factos essenciais, pelo que inexiste fundamento para a sua supressão da matéria de facto dada como assente.
Em suma, a presente impugnação da decisão da matéria de facto necessariamente claudica.


b) do erro de julgamento de direito

Nesta sede, vem sustentar a recorrente que a sentença padece de erro de julgamento, por ter efetuado incorreta interpretação do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de novembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
Entendeu a Entidade Demandada que, não impendendo sobre a Autora a obrigatoriedade de ser opositora ao procedimento concursal, não tinha qualquer obrigação de pagar as viagens em questão. Na sua perspetiva, a al. c) do n.º 1 do art.º 14.º do Estatuto (correspondente à al. e) citada) deve ser «interpretada dentro do sistema», não sendo possível o pagamento da viagem «de qualquer ponto do mundo, mas tão somente da localidade onde o candidato tenha a sua colocação, pois, nos termos do n.° 1 do artigo 5.°, do Estatuto do Pessoal do SEF, a colocação do pessoal é feita por localidades».
Afigura-se, porém, que a interpretação defendida pela Entidade Demandada não tem suporte na letra da lei, sendo inadmissível face ao elemento literal da norma.
Na realidade, a al. e) confere expressamente o direito a que o transporte seja pago pelo Serviço relativamente a pessoal deslocado. Ora, estando o trabalhador deslocado em serviço, não pode a norma ser interpretada no sentido de o transporte gratuito se reconduzir ao local da colocação do trabalhador, para efeitos do n.º 1 do art.º 5.º do diploma.
Como acontecia com a Autora, o pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras pode estar colocado numa localidade em território nacional, mas encontrar-se deslocado, nomeadamente fora de Portugal, designadamente em comissão de serviço, como era o caso. E é nessas situações que a al. e) confere o direito a transporte pago pelo Serviço para, nomeadamente, a realização de concursos relacionados com o exercício da função.
Acresce que a norma não faz depender o pagamento do transporte da obrigatoriedade da candidatura, bastando que se trate de um concurso relacionado com o exercício da função do requerente de transporte, como era manifestamente o caso.
Por outro lado, não pode a Entidade Demandada pretender que a recusa de pagamento da deslocação seja indiferente para a decisão de se deslocar a Portugal para a realização da prova. Na realidade, tal recusa reflete-se objetivamente na decisão a tomar acerca da comparência à prova, atentos os elevados custos associados a essa comparência. Ou seja, não é legítimo o ónus que pretende imputar à Autora de pagar primeiro as viagens a suas expensas e depois discutir judicialmente o reembolso das viagens, com os encargos também associados a esse contencioso. (…)
Em suma, ao recusar o pagamento das deslocações a Portugal para a realização da prova, a Entidade Demandada violou a al. e) do n.º 1 do art.º 14.º do Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo a Autora direito a nova marcação da prova de conhecimentos específicos.
A essa marcação não obsta a circunstância de não estar prevista na tramitação do procedimento uma segunda chamada ou uma segunda data para a realização da prova, cfr. facto E). De facto, essa marcação surge na decorrência da ilegalidade cometida quanto à realização da prova de conhecimentos pela Autora, sendo obrigatória no âmbito da reconstituição da legalidade do procedimento (artigos 172.º do CPA e 173.º do CPTA).
Em concreto, a Autora peticiona que o «Serviço de Estrangeiros e Fronteiras seja condenado a proceder a nova marcação de data para realização da prova de conhecimentos e que a mesma seja realizada na localidade de colocação da ora autora (que já se encontra em Portugal) ou outra atendendo ao facto de a mesma poder ser nomeada/designada para desempenho de funções fora de Portugal».
Como exposto, a Autora tem direito a marcação de nova data para a realização da prova de conhecimentos específicos. No entanto, já não tem direito a que a mesma seja realizada na localidade de colocação.
Assim, a prova será realizada nos mesmos termos em que se processou a de 23-10-2021, salvo se a Entidade Demandada permitir que venha a ser realizada noutro local. Se a Autora se encontrar em desempenho de funções fora de território nacional, cumprirá à Entidade Demandada dar cumprimento às obrigações legais, designadamente às decorrentes do art.º 14.º do Estatuto do Pessoal.”
Ao que contrapõe o recorrente, em síntese:
- resulta da norma em questão que o SEF deve suportar as despesas de deslocação sempre que um funcionário seja deslocado ou transferido para local diferente daquele que é o seu local originário de colocação, circunscrevendo-se às áreas de jurisdição do SEF e excluindo deslocações internacionais;
- a deslocação de funcionário em comissão de serviço no exterior e ao serviço de organização internacional não se encontra abrangida pela norma, que visa minorar os efeitos causados pela deslocação para exercício de funções na fase de admissão e com posteriores deslocações ou transferências;
- o cumprimento da sentença colocaria a autora em situação de privilégio relativamente aos candidatos que já prestaram provas e cumpriram todas as determinações do concurso.
O artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de novembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sob a epígrafe ‘transporte dos funcionários’, tem a seguinte redação:
“1 - O pessoal do SEF tem direito a transporte pago pelo Serviço nas seguintes situações:
a) Quando, tratando-se de admissão, residir no continente e for colocado nas Regiões Autónomas e vice-versa, ou quando for colocado em Região Autónoma diversa daquela em que residir;
b) Quando colocado em localidade diferente daquela em que exerce funções;
c) Quando em cumprimento de comissão de serviço nas Regiões Autónomas e durante o período desta;
d) Quando deslocado transitoriamente em serviço;
e) Quando deslocado para frequência de cursos de formação ou para a realização de concursos ou estágios relacionados com o exercício da função;
f) Quando em serviço, dentro da área de circunscrição em que exerçam funções.
2 - O direito a que se refere a alínea c) do número anterior reporta-se apenas a uma viagem de ida e volta.
3 - O direito previsto no n.º 1 abrange o agregado familiar que acompanhe os funcionários na sua deslocação, exceto no caso das alíneas d) e e) para deslocações inferiores a 180 dias.
4 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, considera-se agregado familiar do funcionário o cônjuge ou equiparado e ainda os parentes e afins na linha reta que estejam a seu cargo e de si dependentes.”
Como se afigura evidente, da citada alínea e) do n.º 1 expressamente resulta solução legal contrária à sustentada pelo recorrente, aí se prevendo, indistintamente, que os funcionários do SEF têm direito a transporte pago pelo Serviço, aquando da realização de concursos relacionados com o exercício da função.
Ora, dos normativos que norteiam a atividade interpretativa da lei, constantes do artigo 9.º do Código Civil, resulta a regra geral de que onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, non distinguere debemus), sendo certo que, no caso vertente, não se vislumbra qualquer fundamento para disputar o acerto da solução consagrada, cf. n.º 3 do citado artigo.
Ademais, ressalta do artigo 8.º, n.º 2, do referido Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que o pessoal em comissão de serviço no SEF mantém os direitos e regalias que detém nos serviços de origem.
À evidência, carece de suporte o entendimento invocado pelo recorrente.
Em suma, será de negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.


*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 19 de maio de 2022
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)