Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9757/16.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC;
MÉTODOS INDICIÁRIOS.
Sumário:I. Não se verificam os pressupostos para determinação do lucro tributável por “métodos indiciários” em sede de IRC, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 51.º do CIRC, na redacção vigente à época, quando a AT não demonstra a existência de erros ou inexactidões na contabilização das operações em causa, ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido;
II. A aplicação de “métodos indiciários” em consequência de anomalias ou incorrecções da contabilidade só se poderá verificar quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta da situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido (cfr. n.º 2 do art. 51.º do CIRC na redacção vigente à data dos factos).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por O……. – S……. da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1994, no valor de Esc. 18.324.004$00

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências ar sufragadas, porquanto decidiu que não estavam contemplados os pressupostos para aplicação de métodos indiciários e que havia erro na quantificação.

II - Neste âmbito, o thema decidendum, consiste em saber se estavam ou não contemplados os pressupostos para aplicação de métodos indiciários e se havia erro na quantificação.

III - A Fazenda Pública considera que no RIT foram elencados os motivos justificativos do porquê de se aplicar os métodos indiciários, nos termos o art.º 51.º n.º 1 al. d) do CIRC, aos datados factos, quando se refere a erros e inexactidões, sendo estes os constantes do RIT quando é mencionado que faltam 55.053 cassetes contendo o campeonato de futebol de 93/94, em que a impugnante tinha adquirido 150.000 cassetes e, que o critério usado em 1994 foi diferente nos anos subsequentes.
IV - Na verdade, face aos indícios para aplicação de métodos indiciários e, se constatarmos o laudo da Fazenda e o laudo da impugnante, neste existem contradições pois tanto é oferta aos clientes que adquirissem o jornal "O Jogo", como é cedência das cassetes a custo de aquisição.
Ora, se é cedência a custo de aquisição, há uma prestação de serviços de venda que não foi contabilizada, havendo lugar à tributação de IVA.

Ora, esta situação não foi explicada para se perceber se se trata de ofertas ou uma cedência a custo de aquisição.
V - Por outro lado, a impugnante não demonstrou o destino dado às cassetes em falta bem como não provou que os cálculos e os dados apurados e relevados pelos serviços de inspecção estavam incorrectos.
VI - Nos termos expostos, a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o art.º 51.º do CIRC e 80.º do CIVA, sendo a liquidação ora emitida legítima, devendo a sentença ser revogada.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação Improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

A Recorrida, apresentou as suas contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«III. CONCLUSÕES

1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença proferida nos autos identificados em epígrafe, a qual considerou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida contra o acto de liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 1994, com o n.º 1999.8310019…. e o valor de PTE 18.324.004.
2. No relatório de inspecção tributária, a AT presume a venda de 55.053 cassetes, adquiridas com propósitos publicitários, por um preço unitário médio equivalente a PTE 494,50.
3. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou, ao invés, que ficou provado nos autos que, em 1994, a Recorrida encetou efectivamente diligências promocionais, que se traduziram, no essencial, na distribuição aos seus clientes, actuais e potenciais, de cassetes de vídeo, contendo -um resumo alargado do campeonato de futebol referente à época desportiva de 1993/ 94. Em concreto, o Tribunal a quo considerou que ficou provado que foram oferecidas 55.053 cassetes a clientes da O............ (clientes actuais e potenciais), na execução dos objectivos da campanha, referida.
4. Contra esta factualidade, demonstrada com recurso a meios de prova documental e testemunhal laudo do vogal e contabilista da impugnante A.......... e depoimento do mesmo como testemunha e ainda das restantes testemunhas A.......... e L.........., que esteve nos locais de distribuição gratuita das cassetes, a orientar a sua entrega-, nunca se insurgiu a Recorrente - que em ponto nenhum das suas alegações se insurge contra o rol de factos dados por provados pelo Tribunal a quo ou contra a respectiva valoração -, posto o que não pode, nesta sede, e tendo por base o exposto, senão assentar-se em que as cassetes em causa foram adquiridas no âmbito de uma campanha publicitária e, nesse contexto, distribuídas gratuitamente a clientes efectivos e potenciais.
5. E, neste sentido, não só não é verdade que as mesmas tenham sido adquiridas com a finalidade de revenda, como não o é que o tenham sido efectivamente.
6. Cristalizados estes factos, não se vê como pode a AT insistir, sem outros fundamentos que, de qualquer forma, nunca poderia utilizar nesta sede -, na ideia de que estes, afinal, não sou como o Tribunal os infere, só porque sim, só porque assim entenderam, em 1999 -pasme-se -, os serviços inspectivos da AT.
7. Simplesmente, se o ponto da Recorrente fosse a inverosimilhança do facto identificado no ponto h) do capítulo 4.1 da sentença recorrida, que contundentemente afirma que as cassetes foram oferecidas a clientes da O............ (clientes actuais e potenciais), na execução dos objectivos da campanha, referida em f), ele teria que ser especificamente atacado, feita a sua contraprova ou demonstradas as razões pelas quais a avaliação da prova documental e testemunhal produzida enferma de erro e as circunstâncias em que tal pode ser notado.
8. Nada disso aconteceu, porém.
9. Por outro lado, as incoerências da fundamentação da AT vêm de longe. Na realidade, compulsado o relatório de inspecção tributária, qualquer leitor médio se interroga sobre o motivo pelo qual os factos ali descritos servem para sustentar a liquidação de imposto aqui em crise. Com efeito, é com muita dificuldade que se percebe como podem as circunstâncias e factos mobilizados unicamente relacionadas com a prática comercial da Recorrida em anos subsequentes àquele aqui em causa -, justificar a carga tributária que se pretende opor à ora Recorrida, não obstante o cumprimento, por parte desta, de todos os procedimentos de documentação e reporte contabilístico das operações e da manifesta adequação da respectiva contabilidade e comportamento em matéria fiscal.
10. É evidente que os argumentos em que a AT entendeu sustentar a liquidação impugnada são manifestamente insuficientes para permitir presumir a transmissão onerosa das cassetes em crise, o que, como bem decidiu o Tribunal a quo, se traduz num inalienável vício de fundamentação imputável aos serviços.
11. Para além disso, ao basear-se no artigo 51.º, n.º 1, al. d), do CIRC para presumir a ocorrência de operações tributáveis, a AT não logrou recorrer, devendo tê-lo feito, aos procedimentos de avaliação indirecta da matéria colectável, e bem assim, à demonstração da falta de veracidade das declarações do contribuinte e de idoneidade da respectiva contabilidade.
12. No caso subjudice, não só não ficou provada a existência do tal facto conhecido que permitia firmar o facto desconhecido, como não ficou provada a necessidade de recorrer a presunções atentos os seguintes factores: (a) a existência de uma contabilidade idónea; (b) a exibição de todas as declarações e informações requeridas; (c) a colocação à disposição de todo o acervo documental susceptível de permitir controlar a classificação das mercadorias impróprias para vendas como quebras; (d) e, finalmente, as diversas evidências da campanha publicitária efectivamente levada a cabo pela Recorrida e, bem assim, no seu âmbito, da distribuição aos seus clientes, actuais e potenciais, das cassetes de vídeo.
13. A utilização de presunções no caso concreto, em clara ofensa dos preceitos legais que lhe reservam um regime excepcional, balizado pelos pressupostos de ordem formal e material próprios do recurso a métodos indirectos, inquina definitivamente os actos impugnados do vício de violação da lei que determina a anulabilidade dos actos postos em crise.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.»

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, por um lado, foram elencados os motivos justificativos do porquê de se aplicar os “métodos indiciários”, nos termos do art. 51.º, n.º 1, alínea d) do CIRC, e por outro lado, a Impugnante não demonstrou o destino dado às cassetes em falta bem como não provou que os cálculos e os dados apurados e relevados pelos serviços de inspecção estavam incorrectos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«4.1 FACTOS PROVADOS
a) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa (Oriental) procederam a exame à escrita da Impugnante, em resultado da qual foi elaborado, em 18/09/1998 o relatório de fiscalização, junto a fls. 20 e segs., do PA, apenso aos autos - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:
"5.1.1.2.- POR MÉTODOS INDICIÁRIOS
I - Cassetes vídeo do campeonato de futebol 93/94
Por se encontrarem em falta 55.053 cassetes, das 150.000 adquiridas para venda, presumiu-se, por força do disposto no artigo 80.º do CIVA e, com observância do referido na alínea d) do n. º1 do artigo 51.º do CIRC, que as mesmas foram transmitidas.
O valor total desta transmissão presumida é de 27.223. 709$00, apurado com base no preço de venda praticado pela empresa nesse ano;
- Quantidades adquiridas, fact. 88... de Setembro
    150.000
- Quantidades vendidas, fact. 58... de Outubro

- Quantidades devolvidas n/c 200176 de Novembro

- 96.860

    +1.913
-Quantidades em falta
    55.053
- Preço unitário de venda s/IVA
    494$50
- Vendas presumidas (55.053 x 494$50)
    22.223. 709$00

Ver anexos VII e VIII deste relatório.
Não obstante ter contabilizado o custo das cassetes para despesas de publicidade, a conclusão de que as referidas cassetes foram adquiridas para venda decorre dos seguintes factos:
a) Durante o ano 96.860 cassetes das 150.000 adquiridas foram vendidas.
b) Nos anos seguintes, esta operação repetiu-se com cassetes referentes a outros campeonatos. Porém, o remanescente das cassetes entretanto adquiridas, foram inventariadas e para as mesmas constituídas provisões, nos termos do artigo 35. º do CIRC.
c) Nos anos seguintes, as cassetes remanescentes, cujo conteúdo não tinha qualquer valor comercial eram reutilizadas com a gravação de novos eventos desportivos.
Em face do exposto, deverá ser acrescido ao lucro tributável em IRC de 1994, a importância de 27.223. 709$00, referente às vendas presumidas. Constitui tal falta infracção ao artigo 17.º do CIRC,· com observância do disposto nos artigos 80.º do CIVA e 51.º do CIRC; sendo punível nos termos do artigo 34. º do RJIFNA ".
b) A Impugnante foi notificada do relatório de fiscalização, tendo reclamado da fixação da matéria tributável em sede de I.RC., no montante de 27.223.709$00, nos termos do artigo 84.º e segs. do CPT, cujos argumentos constam do articulado de fls. 30 e segs. dos autos, os quais reproduzem os fundamentos da presente impugnação - reclamação de fls. 30 e segs. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
c) Não tendo sido possível obter acordo, entre o vogal da Fazenda Pública e o vogal da Impugnante, pelo Presidente da Comissão de Revisão foi mantida a correcção proposta, pela AT, no sentido de se fixar a matéria colectável de IRC, relativa ao ano de 1994 em 99.977.778$00 Confirmação, nos termos do n.º 4 do artigo 87.º do CPT de fls. 45 e Acta de fls. 46 e segs. dos autos, contendo os laudos dos peritos das partes, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
d) Na sequência da decisão, tomada pelo Presidente da Comissão de Revisão, foi efectuada a liquidação adicional de IRC, relativa ao ano de 1994, ora impugnada, no valor de Esc. 18.324.004$00, com data limite de pagamento voluntário até 17/01/2000, que constitui o objecto dos presentes autos - documento de cobrança de fls. 11 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.
e) A Sociedade O............ - S..............,, no ano de 1994 tinha como objecto a organização de espectáculos desportivos, representação e comercialização de artigos de desporto, mediação desportiva, agência de publicidade e edição e comercialização de videogramas - certidão de registo comercial de fls. 59 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
f) Em 1994, a O............ decidiu, na prossecução do seu escopo social, promover uma campanha publicitária que se traduziu, no essencial, na distribuição aos seus clientes, actuais e potenciais de cassetes de vídeo, contendo um resumo alargado do campeonato de futebol referente à época desportiva de 1993/94, com a finalidade de reforçar a sua penetração no mercado e a sua associação aos mais representativos players do desporto profissional, designadamente do futebol nacional - citado laudo do vogal e contabilista da impugnante A.......... e depoimento do mesmo como testemunha e ainda das restantes testemunhas A.......... e L...........
g) Os gastos com as cassetes adquiridas destinadas à campanha publicitária foram inscritos na rubrica contabilística de despesas de publicidade: conta 6223…. e o sujeito passivo não exerceu o direito à dedução do IVA na respectiva aquisição - Diário de contabilidade de fls. 67, factura de fls. 68 dos autos, esclarecimentos prestados pelo contabilista da impugnante, A.........., inquirido como testemunha e facto admitido pela Autoridade Tributária em sede de Relatório de Inspecção.
h) Concretamente foram oferecidas 55.053 cassetes a clientes da O............ (clientes actuais e potenciais), na execução dos objectivos da campanha, referida em f) - depoimento das testemunhas A.........., A.......... e L...........
i) A entrega das referidas cassetes foi efectuada à saída dos jogos de futebol do S……. na época de 1994/1995 e noutros eventos, nomeadamente no final da Taça de Portugal, no P……, no H…… Cars, no S…../B…. Tennis C…. e no Salão Internacional do C….. - depoimento das citadas testemunhas, maxime da testemunha L........ que esteve nos locais de distribuição gratuita das cassetes, a orientar a sua entrega.
j) Nos anos subsequentes a 1994, foram adquiridas cassetes para comercialização, tendo sido distinto o tratamento contabilístico e fiscal dado a essas aquisições - depoimento das testemunhas, máxime do contabilista A.........., bem como de A.........
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4.2.
Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos, supra ids., os quais não foram impugnados pelas partes, sendo que partes dos factos, supra ids., se encontram admitidos por acordo.
Foi ainda determinante, para dar como provados os factos elencados nas alíneas f, g, h, i e j do ponto 4.1., o depoimento das três testemunhas arroladas pela Impugnante, que depuseram com isenção e conhecimento directo dos factos, maxime das testemunhas L........ e A...........
A primeira testemunha: L…….., porque exerceu as funções de Director de Operações e Logística da impugnante, no ano em causa, e coordenou a entrega e distribuição gratuita das cassetes, tendo estado presente em alguns dos eventos a orientar a sua entrega, sabendo identificar os respectivos locais e os festejos e jogos, em que foram distribuídas as cassetes ao público.
A segunda testemunha A.........., porque exerceu as funções de contabilista da impugnante e, da conjugação do seu depoimento com a leitura do laudo, que subscreveu como vogal da Impugnante, em sede de procedimento de revisão, foi explicado, com pormenor que, a aquisição das cassetes foi inscrita na então conta 622… do POC - Publicidade e Propaganda e não na conta ...-Compras, (destinando-se esta última conta a custo de aquisições de matérias primas e bens aprovisionáveis destinados a consumo ou venda).
Esclareceu ainda que, o sujeito passivo não exerceu o direito à dedução do IVA na respectiva aquisição, atento o objectivo que perseguia de ceder as cassetes ao público, no âmbito da sua estratégia de publicidade e o disposto na alínea f) do n. º3 do artigo 3.º do CIVA e da Circular n.º 19/89 de 19/12.
Por último referiu que, nos anos seguintes a estratégia de planeamento e gestão da empresa foi alterada e foi decidida a comercialização de cassetes com conteúdos de campeonatos de futebol daqueles anos, pelo que o tratamento contabilístico e fiscal, conferido à aquisição das cassetes foi outro.
4.3.
FACTOS NÃO PROVADOS
1- Que a O............ vendeu, no ano de 1994, a quantia de 55.053 cassetes.
4.4.
O facto elencado em 4.3.1. foi dado como não provado, por se encontrar em contradição com os factos provados supra, cuja fundamentação se encontra explanada supra.»

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Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou procedente a impugnação entendendo, em síntese, que a AT não fez prova da existência de erros ou inexactidões do registo das operações em causa, sendo certo que a Impugnante fez prova de que não alienou as cassetes em falta, mas antes, que foram oferecidas a clientes.

A Recorrente Fazenda Pública entende que esta decisão enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, por um lado, foram elencados os motivos justificativos do porquê de se aplicar os “métodos indiciários”, nos termos do art. 51.º, n.º 1, alínea d) do CIRC, e por outro lado, a Impugnante não demonstrou o destino dado às cassetes em falta bem como não provou que os cálculos e os dados apurados e relevados pelos serviços de inspecção estavam incorrectos.

Apreciando.

Conforme resulta da matéria de facto dada como provada a liquidação impugnada resultou de uma acção de inspecção à contabilidade da Impugnante, no âmbito da qual apuraram um acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1994, por “métodos indiciários”, tendo a correcção por fundamento o art. 80.º do CIVA e o art. 51.º, n.º 1, alínea d) do CIRC. A Impugnante reclamou da fixação da matéria colectável nos termos do art. 84.º e ss do CPT, porém, os valores foram mantidos, ainda que sem acordo entre os vogais (cfr. alíneas a), b), c) e d) da matéria de facto).

Portanto, está em causa correcções à matéria tributável em sede de IRC do exercício de 1994, por “métodos indiciários” constituindo fundamento destas correcções o disposto no art. 51.º, n.º 1, alínea d) do CIRC, que à época regulava a determinação do lucro tributável por “métodos indiciários”, quando ocorresse erro e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.

Ora, importa de igual modo, ter presente o que dispunha o n.º 2 daquele preceito legal, designadamente que a aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias ou incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta da situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.

Aplicando este quadro jurídico ao caso dos autos resulta que não se encontravam reunidos os pressupostos legais para que a AT efectuasse correcções à matéria tributável com recurso a métodos indiciários.

Com efeito, o primeiro ponto a salientar diz respeito ao facto de a despesa com a aquisição das cassetes em causa se encontravam contabilizadas numa conta de publicidade.

Da fundamentação do relatório de inspecção resulta que a AT quer colocar em causa essa contabilização, entendendo, ao invés, que não estaríamos perante despesas de publicidade, mas antes perante omissões de vendas, sustentando o seu entendimento da seguinte forma:

“Não obstante ter contabilizado o custo das cassetes para despesas de publicidade, a conclusão de que as referidas cassetes foram adquiridas para venda decorre dos seguintes factos:
a) Durante o ano 96.860 cassetes das 150.000 adquiridas foram vendidas.
b) Nos anos seguintes, esta operação repetiu-se com cassetes referentes a outros campeonatos. Porém, o remanescente das cassetes entretanto adquiridas, foram inventariadas e para as mesmas constituídas provisões, nos termos do artigo 35. º do CIRC.
c) Nos anos seguintes, as cassetes remanescentes, cujo conteúdo não tinha qualquer valor comercial eram reutilizadas com a gravação de novos eventos desportivos.

Ora, do facto de terem sido adquiridas 150.000 cassetes no exercício de 1994, das quais 96.860 foram vendidas não descredibiliza a contabilização como despesas de publicidade de parte dessas cassetes. Por um lado, o facto de a maioria das cassetes terem sido vendidas não implica necessariamente que todas tenham de ser vendidas, e por outro lado, ainda que as cassetes tenham sido adquiridas com a finalidade principal de se destinarem à venda, nada impede que ao nível empresarial, e ulteriormente, se possa lhes dar um destino diferente. Ou seja, este facto enunciado pela AT não constitui um facto suficiente para descredibilizar a contabilização efectuada pela impugnante relativamente a estas despesas na conta publicidade.

De igual modo, o facto de nos anos seguintes as cassetes que não foram vendidas tenham sido inventariadas e constituídas provisões ou reutilizadas para gravação, não desqualifica a contabilização das despesas enquanto despesas de publicidade do ano anterior. Com efeito, a opção empresarial de oferecer determinado bem num determinado ano não implica necessariamente que tenha de manter o mesmo procedimento nos anos seguintes. Portanto, também esses factos são manifestamente insuficientes para descredibilizar a contabilização destas despesas na conta publicidade.

Ou seja, considerando a fundamentação das correcções importa concluir que a AT não demonstra a existência de erros ou inexactidões na contabilização das operações em causa, ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pressuposto exigível para a determinação do lucro tributável por “métodos indiciários” em sede de IRC, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 51.º do CIRC na redacção vigente à época, e nessa medida, a sentença recorrida que assim decidiu não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca.

Por outro lado, a aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias ou incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta da situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido (cfr. n.º 2 do art. 51.º do CIRC), o que manifestamente não é o caso dos autos em que ainda que se verificassem as circunstâncias da alínea d) do n.º 1 do art. 51.º do CIRC, ainda assim, sempre seria possível o apuramento do lucro tributável por métodos directos, pois não existe qualquer impossibilidade de comprovação ou quantificação, a AT sabe bem quais são as despesas que pretende corrigir, e estas são perfeitamente identificáveis e quantificáveis. Finalmente refira-se que não se compreende a invocação do disposto no art. 80.º do CIVA pela AT para sustentar a correcção em sede de IRC, pois a AT parte deste preceito legal para “presumir” que as cassetes foram transmitidas. Com efeito, na fundamentação da correcção a AT assume que se encontram em falta 55.053 cassetes, o que não é assim, pois do que se trata é da contabilização dessas cassetes em despesas de publicidade, e não em vendas como pretendia a AT. Portanto, não se encontram cassetes em falta, encontram-se sim contabilizadas numa conta de publicidade. Por outro lado, não se percebe sequer como se parte do art. 80.º do CIVA para se efectuarem correcções por “métodos indiciários” ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 51.º do CIRC, mas de todo o modo, como supra exposto, não se verificam os requisitos legais para a correcção efectuada, e nessa medida, nada mais resta senão anular a liquidação, como bem se decidiu na 1.ª instância.

Em suma, não se verificam os pressupostos do art. 51.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do CIRC para que a AT, in casu, corrigisse a matéria tributável em sede de IRC por métodos indirectos. Pelo exposto, improcedem todas as conclusões de recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2). Nos presentes autos é vencida a Recorrente Fazenda Pública, porém, esta se encontra isenta de custas, nos termos do art. 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, e art. 9.º, do DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que aprovou tal Regulamento, na medida em que a presente impugnação judicial foi proposta em 12/04/2000.
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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
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Sem custas.
D.n.
Lisboa, 28 de Novembro de 2019.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo