Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1812/08.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FATURAS FALSAS
IRC
FUNDAMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA
Sumário:I - Cabe à AT o ónus da prova da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.
II - A fundamentação do ato de liquidação, emitido na sequência de ação inspetiva que lançou mão de correções técnicas, a considerar na apreciação dos respetivos pressupostos, é a constante do RIT, não sendo de atentar em fundamentos que não foram na mesma valorados.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 12.02.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A…, Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2002.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, em consequência, anulou a liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2012, com as legais consequências.

b. Como questão prévia, importa ter presente que a contabilidade deve apresentar-se organizada de acordo com a normalização contabilística vigente, por forma a refletir de forma clara e inequívoca todos os movimentos resultantes da atividade comercial desenvolvida pelos contribuintes, com impacto na sua esfera patrimonial bem como o resultado obtido em cada período económico (artigo 75.º, n.º 1 e n.º 2 al. a) e b) da LGT).

c. Em sede de procedimento inspetivo verificou-se que a ora Impugnante considerou como custos as faturas n.°s 95, de 9.05.02 e 104 de 31.08.02, nos montantes respectivamente de € 500,76 e € 18.088,00, emitidas pelo sujeito passivo J... P.....

d. Verificou-se, igualmente, que as referidas faturas n.º 95 (com uma menção impercetível) e 104 (com a menção “serviços prestados”) não permitem aferir quais são os serviços em causa e, consequentemente, se tais custos são indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

e. Acresce ainda, conforme é referido no relatório de inspeção, o sócio-gerente em representação da Sociedade A…, Lda. afirmou em auto de declarações que as faturas registadas na contabilidade da empresa, emitidas pelo sujeito passivo J... P...., correspondem a operações reais, porem, não esclareceu cabalmente que tipo de serviços foram prestados, nomeadamente os serviços prestados designados na fatura n.°104.

f. E como também é salientado no relatório de inspeção, «A referida factura n.° 104, designa apenas “Serviços prestados” não especificando o tipo de serviços que foram prestados, não cumprindo assim o estipulado na alínea b) do n.°5 do art°35° do CIVA.»

g. Face ao exposto, não fica demonstrado que aqueles custos referentes a prestações de serviços, cuja natureza se desconhece, são indispensáveis para o desenvolvimento da atividade da empresa, isto é, os requisitos de dedutibilidade previstos no artigo 23.º, do CIRC, não se verificam, pelo que bem andou a AT ao desconsiderar tais custos.

h. Assim, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida nos autos, pois face à mesma não podia ter considerado que o relatório de inspeção era lacónico, devia antes ter considerado que a ora Impugnante não demonstrou a indispensabilidade dos custos referentes às faturas n.ºs 95 e 104, conforme lhe competia por tal lhe ser exigido, concluindo pela legalidade da correção efetuada pela AT e consequente legalidade da liquidação, pelo que ao decidir em sentido contrário violou as normas previstas no artigo 23.º, n.º 1, al. a) do CIRC e artigo 74.º, n.º 1 e 2, al. a) e b) da LGT.

i. Sobre o pagamento das faturas verificou a inspeção tributária que foi feito um pagamento parcial através de um cheque no valor de € 16.000,00. Aquele cheque, com o n.°4820554604, cuja cópia se encontrava na contabilidade do sujeito passivo com a indicação de se destinar ao pagamento de faturas emitidas pelo J... P.... (anexo III do relatório de inspeção), foi processado em nome da colaboradora da própria empresa M….. J…., conforme consta da cópia frente e verso do mesmo cheque enviado pela Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de Torres Vedras (Anexo IV do relatório de inspeção).

j. Conforme se refere no relatório de inspeção, no auto de declarações não foi dada qualquer justificação para este procedimento.

k. O tribunal a quo refere que «o facto da forma do pagamento dos serviços ser algo inusitada, é certo, por si só, não é suficiente para alterar o ónus da prova», no entanto não pode a Autoridade Tributária aceitar tal entendimento.

l. À luz das regras da experiência comum, o pagamento de uma prestação de serviços não é efetuado através de cheque levantado por uma funcionária da empresa adquirente dos serviços que foi o que sucedeu in casu.

m. Este procedimento configura um indício sério de que tal cheque não visou o pagamento das prestações de serviço em causa, salientando-se, aliás, que se desconhece a natureza de tais prestações de serviços.
n. O facto de ter sido a colaboradora da própria empresa M… J…. a receber o cheque aliado à inexistência de uma adequada estrutura empresarial por parte do sujeito passivo J…. P… comprova a falsidade das faturas em causa conforme foi considerado pela inspeção tributária.

o. A conclusão de que as faturas em análise não consubstanciam operações efetivamente realizadas, levou a AT a considerar as despesas por elas suportadas, como despesas não documentadas e como tal sujeitas a tributação autónoma nos termos do n.°1 do art° 81°.do CIRC.

p. Ora, estando perante faturas falsas, as mesmas não podem ser consideradas um “documento de suporte” válido, pelo que as despesas contabilizadas referentes às faturas n.º 95 e 104 devem ser consideradas despesas não documentadas e, consequentemente, sujeitas a tributação autónoma conforme correção efetuada pela Inspeção Tributária.

q. Assim, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida nos autos, pois face à mesma não podia ter considerado que o relatório de inspeção era lacónico, devia antes ter decidido que existem indícios suficientes para considerar as faturas n.º 95 e 104 falsas e, consequentemente, que tais despesas devem ser consideradas despesas não documentadas e sujeitas a tributação autónoma, concluindo pela legalidade da correção efetuada pela AT e consequente legalidade da liquidação, pelo que decidindo em sentido contrário violou a norma prevista no artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRC.

r. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade da liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, violou as normas previstas nos artigos 23.º, n.º 1, al. a) e artigo 81.º, n.º 1 ambos do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, bem como o artigo 74.º, n.º 1 e 2, al. a) e b) da LGT.

s. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios aqui em causa.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A- Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal a quo que julgou totalmente procedente a impugnação da ora Recorrida, determinando a anulação da liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios.

B- Ora, lida a sentença, diga-se muito objectiva e clara, conclui-se que a impugnação foi julgada procedente porquanto o relatório não contém a fundamentação para as correcções, mais, é lacónico!

C- Isto é, a AT não cumpriu o dever de fundamentação substancial do acto que sobre si impendia.

D-Confrontando agora as conclusões apresentadas pela Fazenda Pública, verificamos que não se discute a referida questão, mas sim questões que nem chegaram a ser apreciadas, ou seja, os factos que motivaram a impugnação.

E- Pelo exposto, terá que se concluir que o recurso aqui em apreciação deverá ser julgado improcedente.

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deverão V. Exas. julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a costumada justiça”.O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, por não ter sido demonstrada a indispensabilidade dos custos em causa?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a administração tributária (AT) ter reunido indícios suficientes de se estar perante uma situação de utilização de faturas falsas?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante era uma sociedade por quotas constituída em 7/06/1991, que tem por objecto social “a exploração agrícola e pecuniária e a comercialização de produtos provenientes de suas propriedades, bem como a assistência à agricultura e à pecuária através de aluguer de máquinas agrícolas,” e inscrita fiscalmente a exercer a actividade “Culturas Agrícolas, NE”, com o CAE 0112 e estava enquadrado em sede de IVA no regime normal com periodicidade trimestral e em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – cfr. Certidão do Registo Comercial de Alenquer constante fls. 7 do PA apenso aos Autos e fls. 54 do PA apenso dos Autos;

B) Em 9/05/2002, foi emitida por J…. P…. em nome da Impugnante, a factura n.º 76 no valor de 500,76€, constante a fls. 10 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

C) Em 15/05/2002, foi emitida pela Impugnante em nome de “B… S….”, a factura n.º 04.000012 no valor de 6.325,69€, constante a fls. 16 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

D) Em 1/08/2002, foi emitida pela Impugnante em nome de “Sociedade A….Q… M… A…”, a factura n.º 04.000014 no valor de 21.265,30€, constante a fls. 17 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

E) Em 7/08/2002, foi emitida pela Impugnante em nome de “S… C… P…”, a factura n.º 04.000015 no valor de 37.988,45€, constante a fls. 18 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

F) Em 31/08/2002, foi emitida por J... P.... em nome da Impugnante, a factura n.º 104 no valor de 18.088,00€, constante a fls. 11 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde se refere “Serviços Prestados”;

G) Em 25/09/2002, a Impugnante emitiu à ordem de J... P.... o Cheque da Caxa de Crédito Agrícola de Torres Vedras n.º 20554604, no valor de 16.000,00€ - cfr. fls. 12 dos Autos;

H) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200607274, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente ao exercício de 2002, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável através de correcções de natureza meramente aritméticas no valor de 15.628,00€ e detectaram imposto em falta no valor de 7.814,00€ - cfr. fls. 53 do PA apenso aos Autos;

I) Em 4/12/2006, foi elaborado o Relatório de Fiscalização junto a fls. 51 a 58 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções ao ano de 2002, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes:

(…)

I.1-Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção

Na sequência da acção de inspecção ao sujeito passivo A…., Lda., relativamente ao exercício de 2002 detectaram-se diversas irregularidades descritas ao longo deste relatório, nomeadamente nos seus pontos II e III, que levaram à apresentação de propostas de correcções meramente aritméticas ao lucro tributável de IRC no montante de € 15 628,00 e à liquidação autónoma de despesas não documentadas nos termos do n.1 do art.81° do CIRC no montante de € 7 814,00

Em sede de IVA e em resultado destas anomalias foram propostas correcções ás deduções do IVA no valor total de € 2 960,76

II - Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva

(…)

II. 2 - Motivo, âmbito e incidência temporal

A inspecção, foi realizada de acordo com a proposta de abertura de ordem de serviço elaborada em 25/10/2006, alicerçada em indícios de existência no exercício de 2002 de facturas falsas registadas na contabilidade do sujeito passivo. ( Anexos I e II)

Foram detectadas na contabilidade as facturas n.°s 95, de 9.05.02 e 104 de 31.08.02, nos montantes respectivamente de € 500,76 e € 18 088,00, emitidas pelo sujeito passivo J... P...., que pelas suas características foram consideradas falsas.

II.3- Análise das Situações Especificas

No âmbito do procedimento de inspecção tributária realizado pela ordem de serviço n.°0120050430 ao referido sujeito passivo J... P...., adiante apenas designado por J... P...., detectaram-se diversas irregularidades, que dado a sua natureza, indiciam tratar-se de um sujeito passivo emitente de facturas falsas. Nestes termos procedeu-se à circularização de todos os utilizadores de facturas conhecidos, entre eles o sujeito passivo ora fiscalizado.

O sócio-gerente em representação da Sociedade A…., Lda. afirmou em auto de declarações que as facturas registadas na contabilidade da empresa, emitidas pelo sujeito passivo J… P…, correspondem a operações reais, porem, não esclareceu cabalmente que tipo de serviços foram prestados, nomeadamente os serviços prestados designados na factura n.°104.

A referida factura n.° 104, designa apenas “Serviços prestados” não especificando o tipo de serviços que foram prestados, não cumprindo assim o estipulado na alínea b) do n.°5 do art°35° do CIVA.

Foi paga parcialmente através de um cheque no valor de € 16 000,00. Este cheque com o n.°. 4820554604, cuja cópia se encontrava na contabilidade do sujeito passivo com a indicação de se destinar ao pagamento de facturas emitidas pelo J… P…. ( anexo III), foi processado em nome da colaboradora da própria empresa M… J…., conforme consta da cópia frente e verso do mesmo cheque enviado pela Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de Torres Vedras . ( Anexo IV).No já referido auto de declarações não foi dado qualquer justificação para este procedimento.

A inexistência de uma adequada estrutura empresarial por parte do sujeito passivo J... P...., conjugado com o facto do cheque ter sido levantado por um funcionário da empresa, comprova a nosso ver a falsidade das facturas.

III - Descrições dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável


ANO DE 2002

III.1

IRC

(Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas)


Como atrás já foi referido o sujeito passivo registou na sua contabilidade facturas falsas emitidas pelo sujeito passivo J... P...., no montante total de € 18 588,76. Os custos titulados por facturas falsas não poderão ser considerados custos fiscais por não concorrerem para a obtenção de proveitos, como tal, será o valor liquido das facturas acrescido à matéria colectável de IRC nos termos do art.23° do CIRC, no montante de €15.628,00.

III.2


Tributação autónoma

A conclusão de que as facturas em análise não consubstanciam operações efectivamente realizadas, leva-nos a considerar as despesas por elas suportadas, como despesas não documentadas e como tal sujeitas a tributação autónoma nos termos do n.° 1 do art°81°.do CIRC.

E assim teremos:

Valor total líquido das facturas contabilizadas - € 15 628,00 X 50% = € 7 814,00

Valor a considerar para a tributação autónoma - € 7 814,00 (…)»;

J) Em 13/12/2006, foi emitida pela AF a liquidação de IRC n.º 20068310040527 em nome da Impugnante, referente ao exercício de 2002, no valor de 10.131,05€ - cfr. fls. 24 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

K) Em 21/03/2007, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Alenquer a Reclamação Graciosa contra a liquidação do IRC de 2002, a qual correu termos sob o nº 1243/07 – cfr. fls. 2 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

L) Em 7/2/2008, o Director de Finanças de Lisboa indeferiu a Reclamação Graciosa n.º 1465200704000226 – cfr. fls. 59 do PA apenso aos Autos;

M) A PI deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa a 4/11/2008 - cfr. fls. 2 dos Autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto à indispensabilidade dos custos e quanto aos indícios de se tratar de faturas falsas

Considera, desde logo, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por não ter ficado demonstrada a indispensabilidade dos custos. Entende, ademais, que foram reunidos indícios suficientes de que se estava perante faturação falsa.

Apreciando.

Nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.
É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais (1) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).. Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Como tal, cumpre verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa, legitimando a desconsideração dos custos, por não se enquadrarem no âmbito do art.º 23.º do CIRC.

Antes de mais, refira-se que a correção em causa se centrou exclusivamente no facto de se estar perante uma situação reputada como sendo de faturação falsa.

Com efeito, apesar de no relatório de inspeção tributária (RIT) ser feita uma menção aos requisitos das faturas, não é extraída qualquer conclusão a esse propósito.

Concretizando, refere-se no RIT:

“Foram detectadas na contabilidade as facturas n.°s 95, de 9.05.02 e 104 de 31.08.02, nos montantes respectivamente de € 500,76 e € 18 088,00, emitidas pelo sujeito passivo J... P...., que pelas suas características foram consideradas falsas.

(…) Como atrás já foi referido o sujeito passivo registou na sua contabilidade facturas falsas emitidas pelo sujeito passivo J... P...., no montante total de € 18 588,76. Os custos titulados por facturas falsas não poderão ser considerados custos fiscais por não concorrerem para a obtenção de proveitos”.

Como tal, carece de materialidade o alegado pela Recorrente a este propósito e, bem assim, quanto à prova da indispensabilidade do custo, que não é sequer abordada no RIT.

Vejamos, então, quanto ao alegado, no tocante à reunião de indícios de existência de faturação falsa.

Cumpre verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa.

In casu, em sede de RIT, a AT elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiram pôr em causa a presunção de veracidade.

A este propósito, o Tribunal a quo considerou que não foram reunidos indícios suficientes.

Vejamos.

Compulsado o RIT, foi no mesmo salientado o seguinte:i. Foram emitidas duas faturas pelo sujeito passivo J... P.... em nome da Impugnante;

ii. J... P.... não tem adequada estrutura empresarial;

iii. A fatura n.º 104, com a designação “serviços prestados”, foi parcialmente paga através de cheque processado em nome de colaboradora da própria empresa.

Refira-se, desde já, que se acompanha o entendimento do Tribunal a quo.

Com efeito, a referência feita à falta de estrutura empresarial do emitente das faturas é meramente conclusiva, inexistindo qualquer densificação factual que permita valorar tal afirmação.

Por outro lado, o modo de pagamento parcial de uma das duas faturas emitidas trata-se de indício que, isolado, não é de molde a pôr em causa a presunção de veracidade a que já nos referimos.

Caberia, pois, à AT ter ido mais longe e ter densificado com maior detalhe quer a factualidade inerente às conclusões extraídas, quer todo o circuito de pagamentos, que se quedou por um pagamento parcial e cuja sequência se desconhece – sendo certo que o Impugnante sempre alegou, designadamente em sede de reclamação graciosa, que tal procedimento foi a pedido do fornecedor.

Logo, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)