Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2636/05.4BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS,
REGIME TRANSITÓTRIO DAS MAIS-VALIAS,
CONTRATO PROMESSA COM TRADIÇÃO E POSSE.
Sumário:Para efeitos de aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11, a data relevante como data de obtenção do ganho, por alienação do prédio relativamente ao qual havia sido outorgado contrato-promessa de compra e venda é a data da tradição ou posse, e não a data da outorga da escritura pública, porque o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é o da tradição ou posse (al. a) do n.º 1 e al. a) do n.º 3, do art. 10.º do CIRS).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

J....., E..... e O....., vieram deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa nº 3158-……..3, que apresentaram contra as liquidações de IRS do ano de 2000 com os nºs 2004 50….. e 2004 50…., de 28.10.2004 e 02.10.2004, respetivamente, nos montantes a pagar de 214.828,68€ e 220.195,13€, também respetivamente.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação.

Inconformados, os impugnantes vieram recorrer contra a referida sentença, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«QUESTÃO PRÉVIA
1. O presente recurso foi interposto per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo por se entender, após a devida ponderação, que a matéria a decidir é exclusivamente de direito.
2. Tanto quanto se pode depreender da sentença, considerou-se provado que, com a assinatura do contrato promessa dos autos, a promitente -compradora entrou de imediato na posse do prédio em causa.
3. Caso assim se não entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, ou seja, caso se entenda que, por omissão, na sentença não se considerou provado que "Com a assinatura do contrato-promessa dos autos, a promitente-compradora entrou de imediato na posse do prédio dos autos" [o que, repita-se, na ausência de referência a esta realidade nos factos não provados, seria contraditório com o que resulta da al. C) dos factos provados e com todo o teor da sentença] desde já se requer, nos termos do nº 2 do artº 18º do CPPT, a remessa do processo para o Tribunal Central Administrativo Sul para que se adite aos factos provados a seguinte factualidade:
"Com a assinatura do contrato-promessa dos autos, a promitente-compradora entrou de imediato na posse do prédio a que se refere a al. C) dos factos assentes".

RESTANTES CONCLUSÕES

4. A propriedade do prédio dos autos foi adquirida pelo promitente-vendedor C....., em data anterior a 1 de Janeiro de 1989.

5. Nos termos do art. 5°, n.01, do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de novembro "os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965 (...) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código" (01/01/1989).

6. De acordo com o corpo do n.º 3 do art. 10º do CIRS os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1 (no caso dos imóveis, na data de alienação onerosa do respetivo direito real).

7. Esta consideração cede (é clara a redação da parte final do corpo do nº 3: "sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes") nos casos previstos nas als. a) e b) do referido n.º 3 do art. 10° do CIRS.

8. A referida al. a) preceitua que, "nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato".

9. No presente caso, como ficou provado, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda e, com ele, verificou-se a tradição e a mudança de posse do prédio objecto do contrato. Logo, o ganho que estaria eventualmente sujeito a imposto tem de considerar-se obtido naquela data.

10. Em princípio, este ganho, obtido em 18 de Dezembro de 1998 por C....., constituiria uma mais valia sujeita a IRS que deveria ser objecto da declaração anual de rendimentos prevista no actual art. 57° do CIRS.

11. No entanto, por força do já mencionado art. 5°, n.º 1 do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, este ganho só ficaria sujeito a IRS se a aquisição do bem em causa tivesse sido efetuada depois de 01/01/1989.

12. Por esta razão, o ganho obtido por C..... em 18 de dezembro de 1998 não estava sujeito a IRS e como tal, não pode, sob pena de grave violação da lei ordinária e da Constituição, ser objeto de tributação.

13. A circunstância de, em execução do contrato promessa, ter sido celebrado o contrato prometido (isto é, a escritura de compra e venda) por aqueles que, nos termos da lei (art. 412º, nº 1 do Código Civil), sucederam nas obrigações do falecido promitente-comprador, é, do ponto de vista da tributação em sede de IRS, totalmente irrelevante.

14. O acto (de venda) realizado por escritura de 1 de Junho de 2000 é, em sede de IRS, irrelevante, uma vez que é a própria lei que o desconsidera, para afirmar que o ganho se considera obtido em 18 de Dezembro de 1998 (data da tradição e mudança de posse em virtude de contrato promessa).

15. Contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, estamos perante uma situação enquadrável no âmbito do artº 5°, nº 1 do Decreto-lei nº 442-A/88, uma vez que o prédio objeto do contrato promessa com tradição celebrado em 1998 foi adquirido antes de 1 989.

16. Ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, tem total aplicação no caso dos autos a presunção estabelecida na al. a) do nº 3 do artº 10° do CIRS, sendo a data relevante de obtenção do ganho para efeitos de tributação da mais-valia a da celebração do contrato promessa com tradição, isto é, 18.12.1998 (data em que o promitente-vendedor, pai e marido dos recorrentes, respetivamente J..... e O....., ainda era vivo).

17. Ao contrário do que concluiu a sentença recorrida, o facto de não se ter provado que a AT teve conhecimento da celebração do contrato-promessa - por o promitente-comprador, alegadamente, não ter procedido ao pagamento da SISA aquando da celebração do contrato-promessa e tradição do bem - não releva para a desconsideração do facto tributário que se constitui, justamente, com essa tradição, independentemente daquilo que o promitente-comprador declarou ou deixou de declarar para efeitos de SISA.

18. Foi assim violado o artº 5º do Decreto-lei nº 442-A/88, em conjugação com a al. a) do nº 3 do artº 10º do CIRS.

19. Tais normas se interpretadas no sentido da sentença recorrida ou seja, sentido de se admitir que, nos casos de celebração de contratos-promessa com tradição, seja a Administração Fiscal a determinar o momento em que se considera verificado o ganho, viola, de forma clara, os princípios da segurança jurídica (ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático previsto no art. 2º da CRP); da legalidade, constante do art. 3º da CRP, nas suas vertentes de legalidade fiscal - art. 103°, n.º 3 e de legalidade da atuação da administração - art. 266°, n.º 2 e ainda o princípio da igualdade, previsto nos art. 13º e 266º, n.º 2 da CRP, na sua modalidade de igualdade de tratamento dos cidadãos perante a administração, sendo por essa razão materialmente inconstitucional.

Termos em que se requer a V. Exas. que considerem o presente recurso como procedente, revogando-se a sentença recorrida, fazendo deste modo a necessária, costumada e, neste caso, imprescindível JUSTIÇA!

Para o caso de se entender, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, que da sentença não resulta provado que "Com a assinatura do contrato promessa dos autos, a promitente-compradora entrou na posse do prédio dos autos" desde já se requer, nos termos do nº 2 do artº 18º do CPPT, a remessa do processo para o Tribunal Central Administrativo Sul para que se adite aos factos provados essa factualidade, sendo aí julgado o presente recurso.»
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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público junto do STA que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Por decisão proferida em 18/09/2019 o Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator nos presentes autos proferiu decisão declarando o STA incompetente em razão da hierárquia, indicando o presente TCAS como o tribunal competente.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS que emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pelo recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porque, no entender da recorrente estamos perante uma situação enquadrável no âmbito do art. 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, sendo aplicável a presunção do art. 10.º, n.º 3, alínea a) do CIRS (conclusões 4 a 18). Mais invoca que a interpretação daquelas normas no sentido adotado pela sentença recorrida viola vários normativos e princípios constitucionais, (conclusão 19).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 11.01.1973, junto do Cartório Notarial de Loures, foi assinado por C..... e L....., como compradores, a escritura de compra e venda, pela qual, entre outros, este adquiriu o prédio rústico denominado “J...”, sito em Junqueira, freguesia de Vialonga, inscrito na matriz cadastral respetiva sob o artigo ...º da secção B... (cfr. fls. 47 a 59 dos autos).

B) Em 13.03.1980, junto do Cartório Notarial de Arruda dos Vinhos, C..... e L..... assinaram a escritura de “Divisão”, pela qual procederam à divisão do prédio identificado na alínea antecedente em lotes e adjudicação de uma parte a cada um deles (cfr. escritura de fls. 60 a 64 dos autos).

C) Em 18.12.1998 foi assinado por procurador de C..... e por representantes da sociedade “C....., Lda”, o escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda” através do qual o primeiro prometeu vender à segunda o prédio rústico sito em Junqueira, na freguesia de Vialonga, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ……º, da Secção B... e descrito na CRP de Vila Franca de Xira, sob o nº 2……., B-…., pelo preço de 380.000.000$00, sendo pago o montante de 15.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento e o remanescente com a escritura definitiva, sendo declarado ainda no artigo 7º do escrito que “Com a assinatura do presente contrato, a segunda entra de imediato na posse do prédio identificado no artigo primeiro” (cfr. doc. de fls. 17 a 21 dos autos).

D) Em 19.03.1999 foi assinado por representantes da sociedade “C....., Lda” e da sociedade “P...., S.A.”, o escrito denominado “Cessão da Posição Contratual, pela qual a primeira sociedade declarou ceder a sua posição no contrato-promessa referido na alínea antecedente à segunda sociedade (cfr. fls. 35 e 36 dos autos).

E) O proprietário do prédio identificado na alínea antecedente e ali referido como promitente vendedor, faleceu em 05.07.1999, sucedendo-lhe os Impugnantes O..... e J..... C....., na qualidade de cônjuge e filho daquele (cfr. assento de óbito nº 6... da C.R.C. de Moscavide, constante a fls. 31 dos autos, e escritura de habilitação de herdeiros de fls. 33 e 34 dos autos).

F) Em 01.06.2000, foi assinada pelos Impugnantes e por representantes da sociedade “P...., S.A.”, a escritura de “Compra e Venda e Hipoteca”, pela qual os Impugnantes venderam o prédio identificado em C) pelo preço de 380.000.000$00 em execução do contrato-promessa também ali referido (cfr. escritura de compra e venda constante de fls. 37 a 43 dos autos).

G) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 3…., de 06.02.2004, foi efetuada ação inspetiva ao Impugnante J..... C....., tendo em 03.05.2004 sido elaborado o relatório final onde consta designadamente o seguinte:
“I - Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva.
Foi emitida a ordem de serviço n.º 3…., de 06/02/2004, com vista ao controlo fiscal interno dos rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis - Categoria G, que o sujeito passivo J……., NIF 18….., com domicílio fiscal em, R J….., PORTELA, auferiu no exercício de 2000, de acordo com o disposto no artigo 10° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

II - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria coletável.

Da verificação tributária efectuada constatamos que o sujeito passivo em causa, tendo auferido no exercício de 2000 rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis Categoria G - cujo valor de realização foi de € 947.716,00, referente à alienação do prédio sito na freguesia de Vialonga concelho de Vila Franca de Xira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … Secção B... (matriz predial rústica), conforme escritura lavrada no 9° CN Lisboa, em 01-06-2000 - não declarou o citado ganho na declaração de IRS de 2000.

De referir que o Imóvel em questão e acima identificado, foi adquirido a título gratuito, na quota hereditária de 1/2 pelo mesmo Sujeito Passivo, por óbito de seu pai falecido em 05-07-1999. Será de relevar que a venda em causa se efectuou por exclusiva vontade dos alienantes e não em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda celebrado por seu pai C..... que previa que o mesmo fosse executado até 31-07-1999, tal não se verificou, tendo a escritura sido lavrada em data posterior (01-06-2000).

Os rendimentos auferidos consubstanciam rendimentos da categoria G, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.° do CIRS e como tal são sujeitos à tributação em sede de IRS, de acordo co as regras estatuídas na alínea a) do n.º 4 do artigo 10.° e atendendo ao preconizado nos art°s 44° e 45° do referido diploma legal. De acordo com os elementos disponíveis neste Serviço não se verificam as condições previstas no n.º 5 do artigo 10.° do CIRS nem do art° 5° do D.L 442-A/88 de 30/11 quanto à exclusão da tributação dos referidos rendimentos.

(…)
IV - Direito de Audição / Fundamentação

O s.p. exerceu o seu direito de audição nos termos da al e) do nº 1 do art° 60 da LGT e do art° 60º do RCPIT, tendo apresentado para o efeito uma exposição por escrito.

1 - Nessa exposição o s.p. não traz elementos novos ao processo, limita-se a alegar que o conceito de transmissão fiscal, não coincide com o conceito de transmissão civil. Ou seja, que nos termos da lei civil os herdeiros adquiriram por sucessão, por morte de C..... e que para efeitos fiscais (IRS) a transmissão se verificou na data da celebração do contrato-promessa em 18/12/98.
2 - Alega o s.p., nos termos do artº 100 n° 3 al a) do CIRS, que o ganho presume-se obtido, nos casos de promessa de compra e venda, logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato, o que teria acontecido em 18-12-1998 data do contrato de promessa de compra e venda.

4 - No que diz respeito à alienação dos prédios objecto do mencionado contrato-promessa de compra e venda há que considerar o seguinte:

- O facto tributário tipificado na al a) do n° 1 do artº 10 do CIRS prende-se com a "alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis ... ", direitos esses que como é óbvio só se podem transmitir se tiverem sido adquiridos. Conforme o propugnado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 21/11/2000 (Proc. 2695/99) " ... a aquisição da propriedade, segundo o art° 1316 do C.C., pode efectuar-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei. Não distinguindo a lei tributária, neste caso do CIRS, entre as várias modalidades de aquisição do direito de propriedade, deve concluir-se que servem de base, como ponto de partida para a determinação da matéria colectável, todos e quaisquer modos de aquisição segundo o direito civil. Distintamente se passam as coisas em sede de sisa, caso em que o conceito de transmissão... não acompanha o regime de direito objectivo civil". " ... Relevam, no caso em apreço de tributação em IRS tanto a escritura de aquisição do direito de propriedade, como a escritura da transmissão do direito" (sublinhado nosso).
- Ainda que de forma não decisiva, por se tratar de normas privativas do ex C.S.I.S.S.D. o facto de relativamente à referida “transmissão”, conforme alegação do sujeito passivo, (de acordo com os elementos compulsados pelos serviços), não ter sido paga sisa por parte dos promitentes compradores, revela que estes promitentes compradores sempre consideraram não ter adquirido a propriedade em causa (conforme nº 2 do § 10 do art° 20 do C.S.I.S.D.).
- Nos termos do art° 875 do c.c., o contrato de compra e venda de bens imóveis está sujeito a forma especial- escritura pública. Formalidade sem a qual a compra e venda é nula. Atente-se no Acórdão de 18/05/1977 do STA (Recurso nº 853) “... O contrato de promessa de compra e venda logo que se verificar a tradição da coisa para o promitente comprador não é o meio legitimo de adquirir ...””... mas simples convenção de prestação de facto ...”.

Conclui-se assim, que nunca os promitentes compradores chegaram a adquirir a propriedade sobre os bens imóveis em causa, facto este, determinante para a Administração Fiscal os não poder considerar sujeitos passivo de imposto relativamente à transmissão dos mesmos.

- Acresce ainda, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem-se pronunciado no sentido de que a posse e a tradição “... são conceitos jurídicos mas a sua existência e verificação resulta da apresentação de diversos elementos materiais, de facto, que atestam o preenchimento daqueles conceitos”, (vide Acordão de 18 de Maio de 1977) .

No caso concreto, não foi apresentada qualquer prova credível que pudesse atestar que o promitente comprador tivesse a posse e tradição dos imóveis. A junção aos autos do contrato de promessa de compra e venda acima identificado em nada altera este entendimento. Neste sentido o Acordão de 05/11/1991 do Tribunal da Relação de Lisboa, propugna que “A posse obtida por via de um contrato promessa é precária...”, ou seja, nos termos do disposto no art° 1253 do C.C. , não existe posse mas sim simples detenção. De acordo com a melhor doutrina, Orlando Carvalho, Introdução à Posse in revista de Legislação e Jurisprudência n° 3786 pago 263, o contrato-promessa não é causa de atribuição ou aquisição da posse. É essa a doutrina que resulta de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/04/2003, assim: “... o contrato-promessa, por si só, não transmite a posse ao promitente comprador e se, em virtude de tal contrato ...” ainda que o imóvel prometido lhe seja “... entregue, antes da celebração do contrato definitivo, adquire aquele o corpus mas não o animus possidendi, ficando, por isso, na situação de mero detentor ou possuidor precário ...” ou seja “... um detentor ou possuidor em nome alheio ou seja em nome do proprietário que lhe prometeu vender a coisa continuando esta na posse deste através do promitente comprador pois que são realidades diversas a posse e a ocupação ou detenção ...” .

Concretizando sobre a necessidade de prova da posse dos bens, dimana deste Acórdão do ST A, a necessidade para além das meras alegações a apresentação de elementos materiais, que de facto, atestem o preenchimento do conceito de posse, para além das meras alegações.

5 - Quanto à matéria quantificada, não oferece qualquer dúvida que os valores constantes neste relatório, são os mencionados na escritura de compra e venda (valor de realização), e o valor que serviu de base à liquidação de processo do Imposto sobre as Sucessões e Doações (valor patrimonial- valor de aquisição).

V - Conclusões/propostas

Pelo exposto, uma vez que nenhum elemento novo foi trazido ao processo, propomos que se proceda à correcção oficiosa do Anexo G da Declaração Modelo 3, como a seguir se discrimina:

Valor de realização Valor de Aquisição
€ 947.716,00 € 1.349,36

Cálculo da Mais Valia Fiscal (MVF):
MVF = (VR- VA x Coef) x 0.5

VR - Valor de realização (Art° 44 do CIRS)
VA - Valor de Aquisição (Art° 45 do CIRS)
Coef - Coeficiente de desvalorização da moeda (Art° 50 do CIRS vidé Portaria 390/2000 de 07/07 0,5 - (nº 2 do Art° 43 do CIRS)

Assim, teremos
(947.716,00 - 1.349,36 x 1) x 0,5 = 473.183,32”

(cfr. fls. 178 a 184 dos autos).

H) Em 02.10.2004 foi emitida em nome da Impugnante O....., a liquidação nº 2004 500…., referente a IRS do ano de 2000, no montante a pagar de 220.195,13€ (cfr. fls. 66 dos autos).

I) Em 28.10.2004 foi emitida em nome dos Impugnantes J..... C..... e E....., a liquidação nº 2004 500…., referente a IRS do ano de 2000 no montante a pagar de 214.828,68€ (cfr. fls. 65 dos autos).

J) Notificados das liquidações mencionadas em H) e I) os ora Impugnantes apresentaram em 09.02.2005 reclamação graciosa contra as mesmas, a qual foi instaurada sob o nº 3….-05/400046.3 do Serviço de Finanças de Loures 3 (cfr. fls. 67 a 76 e 189 e 190 dos autos).

K) A reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente apenas veio a ser decidida em 12.06.2006 por despacho de indeferimento proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 196 a 202 dos autos).

L) A presente Impugnação foi apresentada em 08.11.2005 (cfr. fls. 3 dos autos).
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Factos Não Provados:

1 – Não foi provado que o contrato promessa celebrado em 1998 tenha sido objeto de liquidação de SISA ou de que do mesmo tenha sido dado conhecimento à A.T.
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Não foram provados quaisquer outros factos passíveis de relevarem para a decisão de mérito.
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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo.

A prova testemunhal em nada relevou para o mérito dos presentes autos.

O facto dado como não provado resulta da circunstância de nada ter sido alegado, e muito menos demonstrado, quanto ao cumprimento das obrigações tributárias decorrentes da celebração de um contrato-promessa de compra e venda com tradição do bem, designadamente ao nível do pagamento da SISA devida à data.
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Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»

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Com base na matéria de facto supra transcrita o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial.

A recorrente Impugnante não se conforma com o decidido e invoca, desde logo, erro de julgamento de facto, requerendo o aditamento do facto enunciado no ponto 3 das conclusões de recurso.

Apreciando.

Das conclusões de recurso complementadas pelas alegações infere-se que o recorrente pretende que se dê como provado o seguinte facto: “Com a assinatura do contrato promessa dos autos, a promitente-compradora entrou de imediato na posse do prédio a que se refere a alínea C) dos factos assentes”.

Com efeito, entende que parece resultar provado nos autos tal facto, face ao discurso da sentença recorrida, bem como da alínea C) do probatório, em conjugação com a circunstância de, nos factos provados nada se referir relativamente à tradição do bem. De todo modo, se assim não se entender, salienta que esse facto resulta efetivamente provado, pelos documentos de fls. n.º 22 e 23, e 24 a 30 junto aos autos.

Do facto assente na alínea C) do probatório resulta que as partes acordaram que com a assinatura do contrato promessa de compra e venda o promitente comprador entra de imediato na posse do prédio.

Cumpre, porém, dar como provados os factos que resultam dos documentos indicados pela recorrente para esse efeito, porque relevante para a decisão do presente recurso, e face à efetiva posse imediata do prédio que vem alegada no art. 4.ª da p.i..

Saliente-se que a recorrente cumpriu com o ónus que recai sobre o recorrente que impugne a matéria de facto, nomeadamente, o previsto no art. 640.º, n.º 1, do CPC.

Assim, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 662.º, do CPC, aplicável ex vi, art. 2.º, alínea e) do CPPT dão-se como provados os seguintes factos:

M) no dia 12/05/1999, em carta remetida à sociedade promitente compradora refere-se que, em virtude de um processo de expropriação em curso “deverão (…) V. Exas. ter isso em atenção, dado que se encontram na posse do referido terreno, a abster-se de quaisquer ações que possam prejudicar ou impedir a posse administrativa da parcela de terreno a expropriar (…)” – cf. documento de fls. 22 e 23, junto aos autos, cujo teor aqui se dá como inteiramente reproduzido;

N) No auto de vistoria ao prédio objeto do contrato-promessa referido em C) consta como “representante da entidade expropriada” J..... enquanto representante do proprietário, e P.... representante do “promitente comprador” C…., Lda., e que “A parcela 17.2 está sendo utilizada para Parque de recolha de veículos de mercadorias, com o piso de “tout venant” (foto 2), com vedação de cerca de 100 metros, com 2 metros de altura, com prumos de madeira, e malha “tipo sol”.- cf. documento de fls. 24 a 30, junto aos autos, cujo teor aqui se dá como inteiramente reproduzido.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos, então o direito.

Invoca a recorrente erro de julgamento de direito, porque, no seu entender estamos perante uma situação enquadrável no âmbito do art. 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, uma vez que à transmissão do prédio objeto de contrato promessa com tradição e posse em 18/12/1998, é aplicável a presunção do art. 10.º, n.º 3, alínea a) do CIRS, posto que a propriedade do prédio foi adquirida pelo promitente vendedor em data anterior a 1/01/1989 (conclusões 4 a 18).

Apreciando.

O Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa considerou que releva como data de aquisição para apuramento de eventuais mais valias imobiliárias obtidas por aqueles sucessores, a data da abertura da sucessão com o falecimento de C....., ou seja, o dia 05.07.1999, não se aplicando o regime do disposto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11, considerando que para determinação da data em que ocorreu o facto tributário não há que considerar a alínea a) do nº 3 do artigo 10º do CIRS, e que “ (…) mesmo que assim não fosse, sempre se teria de considerar que, independentemente da questão da tradição do prédio rústico ter ocorrido com a celebração do contrato promessa, tal facto sempre irrelevaria para a consideração da data relevante para efeitos de tributação, porquanto nada foi provado nos autos de que à A.T. havia sido dado conhecimento da celebração daquele contrato, e muito menos se alegou ou demonstrou terem-se cumprido as obrigações tributárias que o mesmo contrato, celebrado nos moldes em que o foi, acarretaria, designadamente ao nível da liquidação de SISA.”

Ora, antes de mais, cumpre sublinhar que nos presentes autos estamos perante uma liquidação adicional de IRS que surge na sequência de correções efetuadas ao rendimento declarado pelo contribuinte no ano de 2000, no âmbito de uma ação de inspeção, e assim sendo, a fundamentação da correção que se encontra sob escrutínio é a que consta do respetivo relatório de inspeção, e deverá ser este o ponto de partida da análise da legalidade da liquidação, segundo as causas de pedir do Impugnante, e as regras do ónus da prova.


Conforme resulta da alínea G) dos factos provados é a seguinte a fundamentação do relatório de inspeção, na parte com maior relevo para a discussão:

“Da verificação tributária efectuada constatamos que o sujeito passivo em causa, tendo auferido no exercício de 2000 rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis Categoria G - cujo valor de realização foi de € 947.716,00, referente à alienação do prédio sito na freguesia de Vialonga concelho de Vila Franca de Xira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …. Secção B... (matriz predial rústica), conforme escritura lavrada no 9° CN Lisboa, em 01-06-2000 - não declarou o citado ganho na declaração de IRS de 2000.
De referir que o Imóvel em questão e acima identificado, foi adquirido a título gratuito, na quota hereditária de 1/2 pelo mesmo Sujeito Passivo, por óbito de seu pai falecido em 05-07-1999. Será de relevar que a venda em causa se efectuou por exclusiva vontade dos alienantes e não em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda celebrado por seu pai C..... que previa que o mesmo fosse executado até 31-07-1999, tal não se verificou, tendo a escritura sido lavrada em data posterior (01-06-2000).
Os rendimentos auferidos consubstanciam rendimentos da categoria G, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.° do CIRS e como tal são sujeitos à tributação em sede de IRS, de acordo co as regras estatuídas na alínea a) do n.º 4 do artigo 10.° e atendendo ao preconizado nos art°s 44° e 45° do referido diploma legal. De acordo com os elementos disponíveis neste Serviço não se verificam as condições previstas no n.º 5 do artigo 10.° do CIRS nem do art° 5° do D.L 442-A/88 de 30/11 quanto à exclusão da tributação dos referidos rendimentos.
(…)
IV - Direito de Audição / Fundamentação

O s.p. exerceu o seu direito de audição nos termos da al e) do nº 1 do art° 60 da LGT e do art° 60º do RCPIT, tendo apresentado para o efeito uma exposição por escrito.

(…)
- Ainda que de forma não decisiva, por se tratar de normas privativas do ex C.S.I.S.S.D. o facto de relativamente à referida “transmissão”, conforme alegação do sujeito passivo, (de acordo com os elementos compulsados pelos serviços), não ter sido paga sisa por parte dos promitentes compradores, revela que estes promitentes compradores sempre consideraram não ter adquirido a propriedade em causa (conforme nº 2 do § 10 do art° 20 do C.S.I.S.D.).
- Nos termos do art° 875 do c.c., o contrato de compra e venda de bens imóveis está sujeito a forma especial- escritura pública. Formalidade sem a qual a compra e venda é nula. Atente-se no Acórdão de 18/05/1977 do STA (Recurso nº 853) “... O contrato de promessa de compra e venda logo que se verificar a tradição da coisa para o promitente comprador não é o meio legitimo de adquirir ...”... mas simples convenção de prestação de facto ...”.
Conclui-se assim, que nunca os promitentes compradores chegaram a adquirir a propriedade sobre os bens imóveis em causa, facto este, determinante para a Administração Fiscal os não poder considerar sujeitos passivo de imposto relativamente à transmissão dos mesmos.
- Acresce ainda, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem-se pronunciado no sentido de que a posse e a tradição “... são conceitos jurídicos mas a sua existência e verificação resulta da apresentação de diversos elementos materiais, de facto, que atestam o preenchimento daqueles conceitos”, (vide Acordão de 18 de Maio de 1977).
No caso concreto, não foi apresentada qualquer prova credível que pudesse atestar que o promitente comprador tivesse a posse e tradição dos imóveis. A junção aos autos do contrato de promessa de compra e venda acima identificado em nada altera este entendimento. Neste sentido o Acordão de 05/11/1991 do Tribunal da Relação de Lisboa, propugna que “A posse obtida por via de um contrato promessa é precária...”, ou seja, nos termos do disposto no art° 1253 do C.C. , não existe posse mas sim simples detenção. De acordo com a melhor doutrina, Orlando Carvalho, Introdução à Posse in revista de Legislação e Jurisprudência n° 3786 pago 263, o contrato-promessa não é causa de atribuição ou aquisição da posse. É essa a doutrina que resulta de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/04/2003, assim: “... o contrato-promessa, por si só, não transmite a posse ao promitente comprador e se, em virtude de tal contrato ...” ainda que o imóvel prometido lhe seja “... entregue, antes da celebração do contrato definitivo, adquire aquele o corpus mas não o animus possidendi, ficando, por isso, na situação de mero detentor ou possuidor precário ...” ou seja “... um detentor ou possuidor em nome alheio ou seja em nome do proprietário que lhe prometeu vender a coisa continuando esta na posse deste através do promitente comprador pois que são realidades diversas a posse e a ocupação ou detenção ...” .
Concretizando sobre a necessidade de prova da posse dos bens, dimana deste Acórdão do ST A, a necessidade para além das meras alegações a apresentação de elementos materiais, que de facto, atestem o preenchimento do conceito de posse, para além das meras alegações.” – sublinhados nossos.

Portanto, conforme resulta da fundamentação do relatório de inspeção a correção assenta no entendimento da AT de que no ano de 2000 o contribuinte não declarou mais valias respeitantes à transmissão de um prédio, cujo facto tributário surge não em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, mas por força de uma escritura posterior (01/06/2000), uma vez que se considerou que aquele contrato-promessa “celebrado por seu pai C..... que previa que o mesmo fosse executado até 31-07-1999, tal não se verificou,”. São estes os fundamentos iniciais da correcção, e com base nos quais se entendeu que não se verificam as condições previstas no n.º 5 do artigo 10.° do CIRS nem do art° 5° do D.L 442-A/88 de 30/11 quanto à exclusão da tributação dos referidos rendimentos.

Mais entendeu a AT em resposta ao direito de audição do contribuinte que a tese deste no sentido de que o facto tributário ocorreu com a celebração do contrato promessa não é de considerar por não ter sido paga sisa por parte dos promitentes compradores. Entende a AT que o não cumprimento dessa obrigação tributária revela que estes promitentes compradores sempre consideraram não ter adquirido a propriedade em causa, e no caso concreto, não foi apresentada qualquer prova credível que pudesse atestar que o promitente comprador tivesse a posse e tradição dos imóveis, sendo que a junção do contrato de promessa de compra e venda acima identificado em nada altera este entendimento.

Portanto, essas são as razões nas quais assenta a correção impugnada e relativamente às quais deverá incidir a análise da legalidade do ato tributário.

Sublinhe-se, desde logo, que de acordo com o art. 75.º, n.º 1 da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei”, e nessa medida a declaração de IRS do ano de 2000 do recorrente beneficia de tal presunção. Assim, pretendendo a AT, no âmbito de uma ação de inspeção, como sucede no caso dos autos, corrigir os rendimentos declarados, cabe-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito (n.º 1, do art. 74.º da LGT).

Ora, como resulta da matéria de facto assente, existe efetivamente um contrato-promessa no qual as partes acordaram que com a assinatura do contrato promessa de compra e venda, o promitente comprador entra de imediato na posse do prédio (cf. alínea C) dos factos provados). É com base neste contrato que o recorrente entende estar abrangido pelo regime transitório de tributação de mais valias, previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/1, conjugado com alínea a), do n.º 3, do art. 10.º do CIRS, e nesse contexto, na declaração de IRS não declarou qualquer mais-valia.


Por outro lado, as alíneas M) e N) dos factos provados aditados reforçam a convicção deste tribunal de que o declarado no contrato-promessa pelas partes efetivou-se, ou seja, verificou-se a tradição e posse do prédio para o promitente comprador. Com efeito, resulta daqueles factos provados que o promitente comprador era informado do processo de expropriação de parte do prédio, referindo-se expressamente nessa correspondência à posse do prédio pelos promitentes compradores. Por outro lado, no auto de vistoria participou o promitente comprador, que esteve presente, e é identificada uma utilização do prédio para parque de recolha de veículos de mercadorias, o que reforça a ideia que a promitente compradora, que é uma sociedade comercial, tinha a posse do terreno. Ou seja, estes factos associados ao contra-promessa no qual as partes declaram que o promitente comprador toma de imediato posse do prédio rústico, conduzem à conclusão de que tal posse se efetivou.

Ora, aquele contrato-promessa não pode ser desconsiderado pela AT, pelo facto de ter sido ultrapassado o prazo previsto no mesmo para que fosse executado (31/07/1999), uma vez que os efeitos que se poderão extrair de tal facto são meramente obrigacionais, não afecta a verificação do facto tributário que ocorreu em momento anterior com a celebração do contrato-promessa com tradição e posse em 18/12/1998.

Acresce ainda que, não colhe o argumento da AT para obstar a esta conclusão de que existe um incumprimento do pagamento do imposto de Sisa de acordo com o n.º 2, do § 1, do art. 2.º do CIMSISSD, porque esta é uma obrigação que recai sobre o promitente comprador, e se não foi cumprida não poderá afetar os direitos do promitente vendedor, até porque a AT sempre poderia ter sido liquidado oficiosamente o imposto em falta, uma vez que dele tomou conhecimento na ação de inspeção.

Portanto, a inexistência de cumprimento por parte do promitente comprador, por si só, não conduz à conclusão de que não ocorreu a tradição ou posse do imóvel tal como se acordou no contrato-promessa celebrado pelas partes, e no caso em apreço, uma vez que estamos perante um elemento considerado pela AT que diz respeito à esfera jurídica do promitente comprador que é manifestamente insuficiente para satisfazer o ónus da prova que recai sobre a AT, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 74.º da LGT, porque, reite-se, a recorrente beneficia da presunção de veracidade do declarado nos termos do n.º 1, do art. 75.º da LGT.

Face ao exposto, não tem sustentação suficiente o entendimento da AT de que o facto tributário surge não em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, mas por força de uma escritura posterior (01/06/2000).

Releva ainda para o caso dos autos o entendimento que veio a ser adotado pelo STA (já depois da prolação da sentença, e portanto não pode ser considerado), nomeadamente no acórdão de 13/07/2016, proc. n.º 01624/15, no qual se sumariou que “Para efeitos de mais-valias originadas por alienação de imóvel relativamente ao qual havia sido outorgado contrato-promessa de compra e venda, com tradição do imóvel, anteriormente a 1/1/1989, na interpretação legal do regime transitório previsto no art. 5º do DL 442-A/88, de 30/11, não pode desconsiderar-se que o momento que a actual norma de incidência presume como sendo aquele em que se verifica o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é, precisamente, o da tradição ou posse (al. a) do nº 1 e al. a) do nº 3, do art. 10º do CIRS).”

Apesar de a situação fática discutida naquele acórdão não coincidir com a dos autos, a verdade é que o entendimento sufragado nesta jurisprudência pode e deve ser aqui aplicado mutatis mutandis.

Deste modo, para efeitos de aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11 (“Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.”), a data relevante como data de obtenção do ganho, por alienação de imóvel relativamente ao qual havia sido outorgado contrato-promessa de compra e venda é a data da tradição ou posse, porque o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é o da tradição ou posse (al. a) do n.º 1 e al. a) do n.º 3, do art. 10.º do CIRS). Sendo certo, que está em causa nos autos a alienação de um prédio rústico que foi adquirido em data anterior a 1/01/1989 (cf. alínea A) dos factos provados).

Para melhor compreensão, é a seguinte a fundamentação do acórdão, na parte com relevo para a decisão dos autos:

“A al. a) do nº 1 do art. 9º do CIRS dispõe que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias. E estas são constituídas (al. a) do nº 1 do art. 10º do CIRS) pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Por sua vez, o art. 5º do DL 442-A/88, de 30/11 (que aprovou o CIRS), prescreve, no seu nº 1, que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo DL 46373, de 9/6/1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado depois da entrada em vigor do CIRS.
E o art. 1º do revogado CIMV (aprovado pelo dito DL 46373, de 9/6/65), dispunha que o imposto de mais-valias incidia sobre os ganhos realizados através de transmissão onerosa de (i) terreno para construção, de (ii) elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição, de (iii) trespasse de locais ocupados por escritórios ou consultórios afectos ao exercício de profissões constantes da tabela anexa ao Código do Imposto Profissional e de (iv) incorporação de reservas no capital das sociedades anónimas, em comandita por acções, ou por quotas e emissão de acções, com reserva de preferência para os accionistas, ou, no caso de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, para os sócios da sociedade na sua forma anterior.
No caso, tratando-se de ganhos não subsumíveis a qualquer destes tipos legais, será aplicável, ou não, o disposto no referido art. 5º do DL 442-A/88, consoante a aquisição do imóvel em questão haja ocorrido antes ou depois da entrada em vigor do CIRS.
Ora, como se disse, na sentença recorrida considerou-se que só as aquisições originárias ou derivadas relevam para efeitos de aplicação do disposto naquele normativo, sendo que, no caso dos autos, os factos provados não são suficientes para se poder entender que os impugnantes adquiriram o direito de propriedade sobre o imóvel antes de 1/1/1989.
Ao invés, os recorrentes/impugnantes sustentam que o conceito de transmissão fiscal é apenas um quando se trate da delimitação material da incidência fiscal (v. g. art. 10º, nº 1, a) e nº 3 do CIRS) ou quando se trate de uma delimitação negativa dessa mesma incidência (art. 5º do DL 442-A/88), pois que na relação de direito fiscal aqui em causa, do que se trata é da transmissão fiscal do bem e, correspectivamente, da substância económica dos factos, e não da sua transmissão civil e, assim sendo, aquele conceito de “aquisição” previsto no art. 5º do citado DL abrange a transmissão fiscal relevante. Pelo que, tendo ficado provada a celebração do contrato promessa de compra e venda e a ocorrência da tradição do imóvel, anteriormente a 1/1/1989, é aplicável a aludida disposição de direito transitório, constante do DL nº 442-A/89.
E no mesmo sentido vai o entendimento do MP.
Com razão, a nosso ver.
Na verdade, ao tempo, a denominada «transmissão fiscal» já relevava para efeitos de sisa (cfr. o art. 2º, § 1º, nº 2 e § 2º do CSisa), como releva, actualmente, para efeitos de IMT (art. 2º, nº 2, al. a) do CIMT).
Mas, por outro lado, na interpretação legal do regime transitório previsto no apontado art. 5º do DL 442-A/88, não pode desconsiderar-se que o momento que, no caso, a actual norma de incidência presume como sendo aquele em que se verifica o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é, precisamente, o da tradição ou posse: de acordo com a al. a) do nº 1 do art. 10º do CIRS consideram-se mais valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo que logo a al. a) do nº 3 do mesmo art. 10º estatui que «Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato». Isto é, «[A] lei prevê que a verificação da tradição da coisa ou da posse dos bens ou direitos objecto do contrato seja equiparada a alienação, determinando-se por essa tradição ou posse o momento da exigibilidade do tributo.» (José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 428).)
Ou seja, esta “transmissão fiscal” relevará como “aquisição” na esfera jurídica daquele para quem é operada a tradição do imóvel, não se vendo, que seja de excluir, para efeitos da questionada disposição transitória, este conceito de transmissão fiscal.
Daí que, vindo provado que anteriormente a 1/1/1989 foi celebrado o contrato promessa de compra e venda e ocorreu a tradição do imóvel, se conclua pela aplicação da aludida disposição de direito transitório, constante do DL nº 442-A/89.
E nem parece dever argumentar-se em contrário, por referência à jurisprudência acolhida no acórdão do STA de 30/1/2012, no proc. nº 01072/12 (é curioso, aliás, que quer a sentença recorrida quer os recorrentes invocam a seu favor o sentido dessa jurisprudência); na verdade, tratava-se, ali, de questão diversa, em que a posse (em nome próprio, apta para a aquisição por usucapião) de um prédio rústico fora invocada como posse iniciada em data anterior a 1989 (daí que se alegasse ser irrelevante, além do mais, que a escritura de justificação notarial dessa aquisição por usucapião tivesse sido celebrada em 1995, pois não serviria de “título aquisitivo” do direito de propriedade), tendo o acórdão concluído que não ficara demonstrado que em 1/1/89 o recorrente já estava legitimado, através da invocada usucapião, a dispor validamente do prédio que alienou em 2004.
Perante o exposto, conclui-se que a liquidação impugnada sofre de ilegalidade por vício de violação de lei, nos termos das disposições legais invocadas pelos recorrentes, e que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que os mesmos lhe imputam, carecendo, por isso, de ser revogada.” (sublinhado nosso)

Portanto, seguindo aquela jurisprudência, in casu, existindo um contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico celebrado em 18/12/1998, no qual se estipula a posse imediata do imóvel para o promitente comprador, que se encontra comprovada nos autos, importa concluir que a transmissão do prédio ocorreu nessa data, porque o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é o da tradição ou posse (al. a) do n.º 1 e al. a) do n.º 3, do art. 10.º do CIRS).

E, considerando que o prédio rústico foi adquirido em data anterior a 01/01/1989 (cf. alínea A) dos factos provados), então, aplica-se o regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11, e consequentemente, os ganhos resultantes da alienação do prédio em causa nos autos, não se encontram sujeitos a IRS.

Sublinhe-se ainda que o óbito do promitente vendedor ocorreu em 05/07/1999 (cfr. alínea E) dos factos provados), ou seja, em momento posterior à da verificação do facto tributário (18/12/1998). Assim sendo, e considerando que a abertura da herança ocorre com a morte do seu autor (art. 2031.º do Código Civil), e que os herdeiros (in casu, o Impugnante ora recorrente) são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido (art. 2032.º do código civil), então importa concluir que a relação jurídica tributária tal como se constituiu em relação ao autor da herança, transmitiu-se para os herdeiros.

Como vimos, a prova da posse imediata do imóvel para o promitente comprador resulta nos autos, e não foi abalada pela recolha, pela AT, de indícios sólidos e consistentes de que tal tradição e posse não ocorreu, sendo insuficiente a argumentação de que o promitente comprador não liquidou a SISA devida, pois o incumprimento das obrigações fiscais do promitente comprador, não afeta o contrato-promessa celebrado, e muito menos os factos tributários que por força do mesmo se verifiquem. De resto, como já referimos, existe um contrato-promessa, cujas assinaturas foram reconhecidas notarialmente, no qual as partes declaram que o promitente comprador toma de imediato posse do prédio rústico, que associados aos factos enunciados nas alíneas M) e N), reforçam a convicação de que tal posse se efetivou.

Para além do mais, o que é certo é que a AT sempre poderia liquidar o imposto de SISA ao promitente comprador em falta com base nos indícios recolhidos nesta ação de inspeção, nomeadamente a existência de um contrato-promessa de compra venda com tradição e posse do prédio.


Em suma, in casu, importa concluir que se aplica ao caso dos autos o regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11, ao contrário do que entendeu a AT no relatório de inspeção, o que conduz à ilegalidade da correção efetuada, e consequentemente, deverá ser anulada a liquidação de IRS do ano de 2000 impugnada.

Pelo exposto, procede este fundamento do recurso, ficando prejudicado o conhecimento dos demais, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrida, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Contudo, a recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – cf. acórdão do STA de 13/12/2017: “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP).
II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).

Por outro lado, considerando que o valor da presente causa é superior a 275.000,00€, e que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP é de conhecimento oficioso (cf. Ac. do STA de 07/05/2014, proc. n.º 01953/13), sempre se dirá que se encontram reunidos os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP. Na verdade, in casu, está o valor da ação é de 435.023,81€. Ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base neste valor, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, verificando-se os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.

Com efeito, no presente recurso apenas foi apreciada uma questão principal, e para além disso, em concreto, esta questão se revelou de complexidade inferior à normal face a existência de jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, e considerando ainda que a conduta processual das partes foi a normal e adequada, verificam-se os pressupostos do art. 6.º, n.º 7 do RCP, para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso.
****

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Para efeitos de aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11, a data relevante como data de obtenção do ganho, por alienação do prédio relativamente ao qual havia sido outorgado contrato-promessa de compra e venda é a data da tradição ou posse, e não a data da outorga da escritura pública, porque o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é o da tradição ou posse (al. a) do n.º 1 e al. a) do n.º 3, do art. 10.º do CIRS).

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, anulando-se a liquidação impugnada.
****
Custas pela Recorrida, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça no recurso, porque não contra-alegou, dispensando-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
D.n.
Lisboa, 8 de outubro de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

António Patkoczy