Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:151/22.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/02/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:TAD
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
PROCESSO SUMÁRIO
ÓNUS IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO
DIREITOS DE AUDIÊNCIA E DE DEFESA DO ARGUIDO
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:


1

Processo n.º 151/22.0BCLSB

6.ª espécie - recursos jurisdicionais de outros processos urgentes

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Clube Desportivo de Celeirós, intentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a Associação de Futebol de Braga, ação de impugnação da decisão proferida pelo seu Conselho de Justiça, de 25.05.2021, que confirmou anterior decisão do Conselho de Disciplina da mesma associação, de 31.12.2020, na qual havia sido condenado nas penas disciplinares de derrota por 3-0 e de multa, no valor de 125 €, assim como no pagamento das despesas de arbitragem, ao abrigo do art. 65.°, n.° 2, do Regulamento Disciplinar.

Por decisão de 03.01.2022, o Tribunal Arbitral do Desporto, julgou procedente a ação, revogando a decisão recorrida.

Por não se conformar com a decisão, a Associação de Futebol de Braga, recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul que, em 19.05.2022, P. 48/22.4BCLSCB, concedeu provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida «por ambiguidade, que a torna ininteligível e, bem assim, por absoluta falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar» e, em consequência, ordenou a baixa dos autos ao Tribunal Arbitral do Desporto, porquanto «inexist[ia] (…) a fixação especificada dos factos provados, sendo que dos autos resulta que foram realizadas diligências de prova, designadamente testemunhal, (…) pelo que se impõe seja o tribunal a quo, perante o qual a prova foi produzida, a julgar a matéria e facto, fundamentando a sua decisão e proferindo nova decisão da causa».

O Tribunal Arbitral do Desporto proferiu nova decisão, em 08.08.2022, de procedência da ação, através da qual revogou «as decisões do Conselho de Disciplina da Associação de Futebol de Braga, datadas de 31/12/2020 e 29/03/2021, que condenaram a Demandante, nos termos do artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento Disciplinar, aplicando-se-lhe as seguintes penas: a) Derrota 3-0; b) Multa 125 euros; c) Pagamento de despesas de arbitragem, porquanto não foram plenamente assegurados os direitos de audiência e de defesa, em violação do disposto na norma vertida no artigo 32.°, n.° 10, da CRP, encontrando-se, assim, ferida do vício de violação de lei, sancionado com nulidade, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 161,°, n.° 2, alínea d) do CPA.» - cfr fls. 4 e ss., do SITAF

Inconformada com a decisão, veio a ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DE BRAGA interpor recurso jurisdicional, concluindo, em sede de alegações de recurso, como se segue - cfr. fls. 19 e ss., do SITAF:

«(…)

1 - Vem o recurso em questão da douta decisão que deu provimento ao recurso interposto pelo Demandante, Clube Desportivo de Celeirós, revogando-se as decisões do Conselho de Disciplina da aqui Recorrente, datadas de 31.12.2020 e 29.03.2021, que condenaram a Demandante, nos termos do artigo 65°, n.° 2 do Regulamento Disciplinar, aplicando-lhe a pena de derrota 3-0; de multa 125,00 euros; e de pagamento de despesas de arbitragem, «(...) porquanto não foram plenamente assegurados os direitos de audiência e de defesa, em violação do disposto na norma vertida no artigo 32.°, n.° 10 da CRP, encontrando-se assim, ferida do vício de violação de lei, sancionado com nulidade, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 161,°, n.° 2, al. d) do CPA.», decisão com a qual a Recorrente não concorda.

2 - No “RELATÓRIO” da douta decisão ora em crise, escreveu-se: «4.5 - Na sequência do recurso apresentado pela aqui Demandada sobre o acórdão proferido pelo TAD, o Tribunal Central Administrativo mandou baixar os autos, novamente ao TAD, para que este decida em conformidade, nomeadamente, que fixe os factos provados e que esclareça a questão de saber se e como foi ouvido o arguido na instrução efectuada após convolação do primeiro recurso interposto da decisão do CD em recurso de revisão.», itálico e sublinhado, nosso.

3 - Porém, com esta “nova decisão” a Recorrente não concorda, por que infundada e, ainda, nula.

4 - A 31.12.2020, no âmbito do processo sumário instaurado ao Demandante pelo Conselho de Disciplina da Recorrente, foi proferida decisão de condenação em pena de derrota 3- 0 e multa de €: 12,500 e pagamento de despesas de arbitragem, pela falta de comparência do Demandante ao jogo que se encontrava marcado com o GDR Esporões, no dia 20.12.2020, para o CD Divisão de Honra Seniores;

5 - Por douto despacho datado de 9 de Fevereiro de 2021 publicado em Comunicado Oficial n.° 102/2020, por entender não serem passíveis de recurso as decisões proferidas em processo sumário, o Conselho de Justiça da Recorrente ordenou baixar o processo ao Conselho de Disciplina «(...) seguindo-se todos os ulteriores termos da sua tramitação regulamentar, nomeadamente quanto à possibilidade de apresentação de audição e prova por parte da Recorrente».

6 - Maís se ordenando nesse douto despacho do Conselho de Justiça da Recorrente remeter o recurso ao Conselho de Disciplina para ser «(...) qualificado como de Revisão, art.° 180.°do RD, sem prejuízo de outras garantias de defesa a concederá Recorrente»,

7 - Aqui deixando claro e inequívoco a salvaguarda das garantias de defesa constitucionalmente consagradas ao Demandante.

8 - Por douto Acórdão datado de 29.03.2021, o Conselho de Disciplina «(...) nos termos do disposto no art.° 1810 do Regulamento Disciplinar, remeteu os autos ao Ex.mo Sr. Instrutor, no sentido de se realizarem as diligências necessárias para instruir os presentes autos, a fim de ser proferido despacho. (...) Pelo exposto, o CD mantém a decisão tomada em processo sumário, confirmando as penas aplicadas.» (itálico, sublinhado e negrito, nossos).

9 - Por não concordar com tal decisão, o Demandante interpôs recurso de anulação para o Conselho de Justiça da Recorrente, que por douta decisão de 25.05.2020, declara improceder o dito recurso, confirmando o Acórdão do Conselho de Disciplina, aí se frisando que: «Este órgão entende que não foi violado o decidido no douto acórdão invocado do TC n.° 742/2020, porque o direito de audição e de defesa do aqui Recorrente foi respeitado, quando o processo baixou ao CD e foi admitido como recurso de revisão.

Ficou aqui salvaguardado que o Recorrente foi ouvido pôde defender-se das imputações que lhe foram feitas antes da aplicação de qualquer tipo de sanção.

O direito do recorrente participar no processo ocorreu quando lhe foi concedida a possibilidade de carrear para os autos prova bastante que demonstrasse a sua pretensão e colocasse em causa os factos que determinaram a sua punição.

Acontece que, o recorrente não apresentou qualquer prova que abalasse a decisão tomada»,

10 - A Recorrente entende que a douta decisão em crise conhece de objecto diverso do pedido no recurso interposto pelo Demandante, pelo que se encontra ferida de nulidade;

11 - 0 pedido do Demandante no recurso interposto para o TAD incidia concreta e especificamente sobre o acórdão promanado pelo Conselho de Justiça da aqui Recorrente, datado de 25 de Maio de 2021. proferido no âmbito do recurso de anulação n.° 1, publicado em Comunicado Oficial n.° 123;

12 - Sendo certo que, o objecto do recurso do Demandado NÃO VISAVA a decisão do Conselho de Disciplina da Recorrente, datada de 30.12.2020, conforme erroneamente decidido pelo Tribunal a quo;

13 - De resto, uma vez que o objecto do Recurso do Demandado estava concretamente delimitado e definido (veja-se, inclusive, o uso pelo Demandante de caps lock para mais o destacar), o Colégio Arbitral deveria ter-se limitado a sobre ele se pronunciar e fazer recair a douta decisão,

14 - Pelo que, incorreu em erro de julgamento;

15 - E, nessa sequência, a decisão Arbitral encontra-se ferida de NULIDADE, uma vez que conheceu e se pronunciou sobre questão que não podia tomar conhecimento, questão essa que não se encontrava delimitada no recurso interposto pelo Demandante;

16 - De igual modo, é NULA a douta decisão ora em crise, uma vez que condenou a Recorrente em objecto diverso do que a Demandante pediu que, como supra se transcreveu, se limitou a pedir a declaração de nulidade do Acórdão do Conselho de Justiça, datado de 25.05.2020;

17 - Nulidade que aqui expressamente se argui, nos termos previstos e conjugados dos artigos 95.n.° 1 e 2,1.a parte do CPTA e 140.° do CPTA com expressa remição para a al. d), 2.a parte, e al. e), 2a parte, do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.

18 - Para além desta nulidade (que a Recorrente crê ainda se manter), uma nova conspurca a douta decisão em crise, nomeadamente a que respeita à clarificação e fundamentação factos não provados, em desrespeito pelo estatuído no artigo 607°, n° 4 do CPC.

19 - Este entendimento da Recorrente é suportado em numerosa doutrina e jurisprudência (a título exemplificativo, veja-se o que se deixou expresso nas alegações deste recurso lançando-se mão de Ilustres Doutrinários como Lebre de Freitas; Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida; Teixeira de Sousa; ou de recente jurisprudência do STJ).

20 - De facto, uma vez mais o Tribunal a quo fez completa TÁBUA RASA dos meios de prova junto aos autos e requeridos pela Recorrente e, como tal, lançou mão de nova decisão infundada e nula, nulidade que aqui expressamente vai arguida, nos termos conjugados dos artigos 607.°, n.°.4, e 615.°, n.°1, ais. c) e d) do CPC e deverá ser declarada por este Tribunal ad quem.

21 - Na verdade, e por um lado, a douta decisão Arbitral em crise diz que o Demandante não foi citado para exercer o direito de defesa - quer em momento posterior ao cometimento da infracção, quer em momento anterior à decisão de condenação -, por outro lado, afirma ter sido dada oportunidade ao Demandante para se defender em sede de recurso de revisão.

22 - Porém, salientar terem sido asseguradas, em toda a plenitude, as garantias quer de audiência, quer de defesa do Demandante, pelo que o referido procedimento disciplinar não se encontra ferido de qualquer nulidade insuprível, nem de qualquer outra irregularidade formal.

23 - Aliás, da leitura e análise do processo disciplinar, o que se retira e prova é o inverso: todas as diligências foram encetadas pela Recorrente de forma a que ao Demandante fossem assegurados os direitos de audição e de defesa.

24 - Nem se diga que foram postergados quaisquer direitos de defesa ao Demandante, pelo facto da primeira decisão do Conselho de Disciplina, datada de 30.12.2020, que o condenou nos exactos termos que a decisão final do mesmo órgão disciplinar, datada de 29.03.2020.,

25 - Pois que, a alegada eventual nulidade da primeira decisão do Conselho de Disciplina sobre o qual recaiu erroneamente o aresto em crise, ficou sanada com a interposição tempestiva do recurso de revisão para aquele órgão disciplinar e a realização - no âmbito desses autos - das diligências necessárias à sua instrução, nomeadamente, de ter sido concedido prazo para apresentação de defesa ao Demandante, o qual não foi exercido.

26 - Aliás, o acervo documental que instrui os presentes autos, mormente o procedimento disciplinar junto, mostram-se objectivamente compreensíveis e demonstram o cuidado e zelo dos órgãos disciplinares da Recorrente no tratamento e na decisão que foi tomada nos autos disciplinares.

27 - De resto, no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, n.° 40/21.6BCLSB, datado de 07.10.2021, disponível em ww.dgsi.pt, é discutida e decidida a questão da violação dos direitos de audiência e defesa do arguido em momento prévio à decisão disciplinar tomada em processo sumário.

28 - De facto, e à semelhança do sucedido no processo sobre que incidiu o douto Acórdão atrás parcialmente transcrito, o Demandante - ainda que não tenha apresentado defesa previamente à decisão disciplinar datada de 30.12.2020 - remeteu à Recorrente, em momento prévio a esta decisão, e-mail tentando justificar a falta de comparência ao jogo; impugnou posteriormente esta decisão disciplinar para o Conselho de Justiça; declinou a apresentação de defesa quando notificado para o efeito pelo Conselho de Disciplina da Recorrente; conheceu da decisão de condenação deste: interpôs recurso hierárquico para o órgão colegial superior da Recorrente; por fim, impugnou a decisão do Conselho de Justiça para o TAD,

29 - 0 que vale por dizer que, no procedimento disciplinar da Recorrente também «(...) não permite vislumbrar postergacão dos direitos deste, constitucionalmente consagrados, em matéria de audiência e defesa».

30 - Pois que, zelosos e cautelosos no cumprimento das formalidades legais a que se encontram adstritos, os órgãos que tutelam o poder disciplinar da Recorrente conferiram ao Demandante: i) oportunidade de ser ouvido antes de serem aplicadas as sanções impugnadas, pois que tal lhe foi conferido; ii) oportunidade de defesa ao remeter e-mail com alegada justificação para a falta de comparência no jogo, porém sem sucesso, pois que insuficiente e débil prova a que aí juntou; iii) o direito fundamental de audiência e defesa, o qual foi plenamente respeitado pela Recorrente que, em sede de recurso de revisão, teve oportunidade de voltar a defender-se, requerendo e juntando toda a prova que entendesse (apesar de não o ter feito); iv) conhecer daquela decisão disciplinar e recorrer internamente para o órgão hierárquico superior e, posteriormente, impugnar/recorrer a decisão deste junto do TAD.

31 - Por tudo quanto ficou exarado, verificada a regularidade e escrupuloso cumprimento de todos os trâmites legais no âmbito do processo disciplinar, assim como verificadas e asseguradas as legítimas e constitucionalmente consagradas garantias de defesa do Demandante nesse procedimento, crê a Recorrente inexistirem fundamentos, fácticos e legais, para o provimento do recurso interposto pelo Demandante,

32 - Encontrando-se a douta decisão disciplinar plenamente válida e eficaz, devendo tal ser declarado pelo douto Tribunal ad quem.

(…)

Recebendo o presente recurso interposto pela Demandada/Recorrente e, a final, julgado totalmente procedente, sendo que, em consequência deverá:

a) Ser declarada a nulidade da douta decisão recorrida promanada pelo TAD e que aqui expressamente se argui no capítulo II - Do Objecto do presente recurso; a Nulidade da Douta decisão Arbitral (A e B), nos termos previstos e conjugados dos artigos 95.°, n.° 1 e 2,1.a parte do CPTA e 140.° do CPTA com expressa remição para a al. d), 2.a parte, e al. e), 2.a parte, do n.° 1 do artigo 615.° do CPC e, ainda, 607 °, n.°4, e 615°, n.°1,als. c) e d) do CPC;

Subsidiariamente, caso assim não se entenda. O que não se concebe senão por mera cautela de patrocínio,

b) Ser revogada a douta decisão proferida pelo TAD por inexistência de fundamentos, fácticos e legais, para o provimento do recurso interposto pelo Demandante/Recorrido, por não se encontrarem feridas do vício de nulidade as decisões disciplinares proferidas pela Recorrente datadas de 31.12.2020 e 29.03.2021;

c) Ser o Demandado/Recorrido condenado nas respectivas custas e procuradoria condignas. (…).»

O Recorrido CLUBE DESPORTIVO DE CELEIRÓS, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, tendo concluído nos seguintes termos - cfr. fls. 47 e ss., ref. SITAF:

«(…)

A- Vem o CLUBE DESPORTIVO DE CELEIRÓS, Recorrido nestes autos, atribuir ao Recurso interposto pela Recorrente ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DE BRAGA, manifesta improcedência de facto e de direito, in totum, porquanto a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 8.8.2022 tanto cumpriu os desígnios da lei, como veio repor a legalidade no ordenamento jurídico, violado por atuação da Recorrente.

B- Sobre a arguição da nulidade da decisão Arbitral por conhecimento de objeto diverso do meio impugnatório apresentado ao tribunal Arbitral do desporto, o Recorrido considera que resulta despiciendo alegar-se que este não veio colocar em crise a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina datada de 31-12-2020 quando recorre ao TAD, para impugnação Judicial da decisão proferida pelo Conselho de Justiça - que se relembre - veio manter a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, pois da normal tramitação processual apenas podia resultar aquela que o Recorrido experimentou, pois tendo esgotado o meio impugnatório junto do Conselho de Disciplina, apenas lhe restaria promover a dedução de Recurso de Anulação junto do Conselho de Justiça, todos sob a jurisdição da Recorrente, e dessa decisão, recorrer ao TAD, como é de lei.

C- A questão da nulidade do processo sumário foi efetivamente projetada, desde que o Recorrente foi notificado da decisão disciplinar, pois, definitivamente o Recorrido NÃO EXERCEU O DIREITO DE DEFESA E AUDIÇÃO ANTES DE SER TOMADA A DECISÃO DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR.

D- E ESSE PONTO CRUCIAL É O ÂMAGO DA QUESTÃO EM DISSÍDIO, como a seguir se reflete pela intervenção processual do Recorrido junto da Recorrente:

E- No dia 9-12-2020, o Recorrido endereçou à AF Braga um correio eletrónico onde solicitou o adiamento do jogo agendado para o dia 13-12-2020, com o ESTE FC, devido ao diagnóstico de positividade à Covid-19 de alguns familiares dos elementos da direção, o que havia obrigado ao confinamento de todo o elenco diretivo do clube.

F- O documento aportado, como consabido, importava um período de isolamento profilático pelo período de 14 dias, ou seja, válido até ao dia 25-12-2020.

G- No mesmo dia 11-12-2020, a AF de Braga posicionou-se quanto ao pedido de adiamento solicitado, deferindo, como se segue: "Vimos por este meio informar que o jogo n° 112.02.009 CD CELEIRÓS / ESTE FC do Campeonato Distrital Divisão Honra Seniores Série "B” agenciado para o dia 13/12/2020 às 10:30 FOI ADIADO por motivo de diagnóstico de infeção pelo Coronavírus SARC CoV-2.

H- Mantendo-se os pressupostos que levavam à continuidade da ordem de isolamento profilático da estrutura do Clube, aqui Recorrido, no dia 14-12-2020, endereçou à AF de Braga, nova comunicação eletrónica onde informou que “Na continuidade do adiamento do Jogo entre o CDCeleirós - EsteFC devido a possível surto no seio da direção deste Clube conforme indicação da Autoridade de Saúde, cujos testes decorrerão até ao fim de semana próximo, o que não nos permite realizar do jogo marcado para o próximo dia 20 dezembro 2020 pelas 10h30 entre o GDR Esporões e o CD Celeirós. Neste contexto solicitamos o adiamento do jogo acima identificado GDR Esporões - CD Celeirós.".

I- No mesmo dia a AF de Braga, respondeu ao solicitado, como se segue: “Pelo motivo invocado, informamos que não haverá adiamento do jogo marcado para o dia 20 de dezembro de 2020.”

J- Ainda no mesmo dia, o Recorrido, endereçou à AF de Braga o documento oficialmente emitido pela Autoridade de Saúde que determinava o isolamento de toda a estrutura do clube, como aqui se replica:

(sic)

De: M… 11 de dezembro de 2020 às 12:20

Para: "c…@gmail.com "

Exmo Sr A…

Dado que aguardamos o resultado do seu teste, e na dúvida, pelo Princípio da Precaução, estão os seus colegas do vosso clube em isolamento profilático. Agradeço que me responda a este e-mail, com nomes, tlm, niss, nif e número de utente, dos visados. Com os meus cumprimentos M…. Médico assistente graduado de Saúde Pública Delegado de Saúde”

K- Inconformado ainda, o Recorrido remeteu à AF de Braga nova comunicação a justificar o adiamento do jogo, onde se indignaram quanto à decisão de não acolher a mesma justificação de saúde já aceite em momento anterior:

(sic) “O motivo que invocamos é o mesmo que serviu à 4 dias para adiar o Jogo entre o CD Celeirós e o Este FC e atendendo a que a situação se mantém porque continuamos à espera de credenciais para testes para alguns dos elementos da direção, esperamos os resultados de testes efetuados de outros, tendo nós confirmação de confinamento (enviada para a AF Braga) de um dos nossos diretores e como não querermos ser responsabilizados por eventualmente provocarmos contágios na equipa adversária GDR Esporões e porque entendermos que a saúde está acima de tudo, reiteramos o nosso pedido para que o jogo seja adiado. Caso persista a vossa decisão, informamos que neste momento o Clube Desportivo de Celeirós não tem condições, pelas razões aqui apontadas, para comparecer ao mesmo. “

L- No dia 15-12-2020, o Recorrido, tendo percecionado o silêncio da AF de Braga, endereçou ainda nova comunicação onde, entre o mais, reiterou que “Ademais, cumpre-nos por fim re-afirmar que o CD Celeirós atendendo aos pressupostos de facto e de direito acima elencados, não reúne imprescritivelmente, qualquer condição para se apresentar no jogo em crise."

M- NO DIA 20-12-2020, O RECORRIDO NÃO SE FEZ APRESENTAR AO JOGO CALENDARIZADO COM O ADVERSÁRIO GDR ESPORÕES.

N- Aconteceu que o Recorrido tomou apenas conhecimento pelo do sítio na Internet da AF de Braga que fora emitido o Comunicado n° 102, datado e publicado em 31-12-2020 onde recolheu através do extrato decisório que referentemente ao Jogo GDR Esporões/ CD Celeirós, do CD Divisão Honra Seniores, do dia 20-12-2020, considerou o mui distinto Conselho de Disciplina que a atuação do C.D. Celeirós se enquadra na norma prevista no n.° 65.2° do Regulamento Disciplinar, aplicando-se-lhe as seguintes penas: “a) Derrota 3- 0; b) Multa 125 euros; c) Pagamento de despesas de arbitragem.”.

O- Inconformado com a decisão proferida, e sem que tivesse tomado conhecimento da sua tramitação ou instauração, apresentou através da aqui Signatária, no dia 4-l-2021 uma RECLAMAÇÃO, onde entre o mais defendeu que se encontrava impedido de apresentar o competente meio de impugnação tendente à revogação do despacho proferido, porque não teve acesso à decisão que vetou a condenação do Clube, assente na matéria factual e de direito, que naturalmente iria impugnar, através do vício de violação de lei, razão pela qual, entendeu ser impreterível conhecer o teor do despacho que deu origem à decisão promanada, pois esteve o C.D. Celeirós impedido de exercer a sua inteira e cabal defesa legal face ao decidido, porquanto desconheceu a matéria controvertida que deu origem aos autos disciplinares e ainda, a base legal que fora concatenada à pretensa factualidade ocorrida e instaurada oficiosamente pelo órgão competente da AFB, tendo requerido a suspensão do prazo de impugnação do despacho condenatório que deu origem à decisão dos autos, até à competente notificação da decisão integral que deu origem à decisão, com todas as consequências legais. A Reclamação apresentada não foi decidida.

P- No dia 25-1-2021, o Recorrido apresentou junto do Conselho de Disciplina da AF de Braga, um Recurso.

Q- No dia 10-2-2021, é a Mandatária notificada do douto Acórdão proferido pelo Conselho de Justiça da Recorrente, o qual veio determinar que o recurso interposto era de Revisão e que o mesmo devia baixar ao Conselho de Disciplina.

R- Em 11-2-2021, a Mandatária é notificada da admissão do Recurso interposto em 25-1-2021.

S- No dia 31-3-2021, a Mandatária foi notificada do teor do Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente, que veio manter a decisão recorrida e suscitar um conflito de competências entre si e o Conselho de Justiça.

T- No dia 15-4-2021, o Recorrido apresentou Recurso de Anulação sobre o Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente,

U- DONDE, não podendo o aqui Recorrido conformar-se com a decisão de condenação na punição aplicada pelo Conselho de Disciplina e confirmada em sede recursiva pelo Conselho de Justiça, que, não fundamentou a sua decisão e incorreu no vício de omissão de pronúncia sobre a questão suscitada pelo Recorrido sobre a impossibilidade legal de aplicação do Regulamento de Disciplina ao sancionamento do incumprimento do Regulamento Especial de Retoma das Atividades promulgado pela Recorrida, do mesmo apresentou em 11-6-2021 junto do TAD, coligindo aos Senhores Árbitros a superior apreciação da atividade impugnatória experimentada pelo Recorrente junto da Recorrida.

V- Donde se extrai necessariamente que não pode nem é legitimo à Recorrente continuar a alegar que foi dado direito de pronúncia e defesa ao Recorrido, antes da interposição dos sucessivos recursos junto do Conselho de Disciplina e do Conselho de Justiça, onde se incluiu uma prévia Reclamação, que nunca foi tramitada em prejuízo do Recorrido, pois como resulta do iter cronológico acima exposto, não houve, antes da tomada de decisão do Conselho de Disciplina, qualquer audiência do Recorrido antes da tomada de decisão disciplinar.

W- Na verdade, descendo ao caso dos autos, e relembrando todas as decisões sequenciais que foram sendo proferidas a nível disciplinar e que sempre foram refutadas pelo Recorrido, como ilegais e nulas por violação do disposto na norma vertida no artigo 32.°. n.° 10. da CRP, independentemente da Jurisprudência que selecionou para certificar a nulidade da decisão, resultou a chamada do TAD para anular a decisão disciplinar tomada, onde foi aportado todo um acervo documental que se deu por provado e inimpupgnado sem sede de audiência de julgamento.

X- Ora resulta manifesto que a petição de impugnação judicial apresentada junto do TAD em 11-6-2021 se debruçou sobre a decisão promanada pelo Conselho de Justiça datada de 25-5-2021, que por sua vez, se debruçara sobre o pedido de anulação da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, como é claro.

Y- Das várias questões apresentadas em recurso pelo Recorrido em sede de apreciação arbitral, - que não foram julgadas porque prejudicadas pela declaração óbvia de nulidade proferida pelo douto Tribunal arbitral - resultou naturalmente a aferição do pedido de declaração de nulidade da decisão do Conselho de Disciplina de 31-12-2020 por violação do direito de audição, já invocado anteriormente,

Z- Sendo de improceder a argumentação da Recorrente quando se refere à douta decisão arbitral, imputando-lhe o vício da nulidade por entender que o Tribunal conheceu de objeto diferente daquele inserto no litigio, olvidando que a declaração de nulidade É DE CONHECIMENTO OFICIOSO.

Sem prescindir,

AA- Ainda que não adviesse claro o pedido de declaração de nulidade da decisão promanada pelo Recorrido dos factos e dos pedidos formulados em sede de recurso, aliás como adveio provado, a nulidade é, de conhecimento oficioso, conforme dita doart. 286° do Código Civil,

BB- O que sempre se alega, para todos os efeitos legais, pois que não é verdade que ante a presença de um facto gerador de nulidade, por contrariedade à boa-fé, de direitos previstos na lei e direitos constitucionalmente protegidos, à luz desta tríplice plataforma, o tribunal estivesse limitado na sua função de administração da justiça e impedido de declarar a nulidade, por a mesma não ter sido suscitada pelos interessados.

CC- Razão pela qual, mal se entende o teor e o alcance legal da alegação da Recorrente no tocante ao impedimento que delata sobre o TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO em declarar nula uma decisão que violou normas e princípios basilares de defesa e contraditório,

DD-Pelo que deve obviamente improceder o recurso interposto pela Recorrente.

EE- Por outro lado, pugna a Recorrente, insistindo no indefensável, que não houve preterição de formalidades essenciais no processo disciplinar que instaurou ao Recorrido, SEM AUDIÇÃO PRÉVIA NEM CONTRADITÓRIO em momento anterior à tomada de decisão de 31-12-2020.

FF- Na verdade, através novamente do iter processual que o Recorrente fez questão de expor no presente recurso é mister concluir que nunca, em tempo algum, o Recorrido foi notificado para exercer audição prévia à tomada de decisão disciplinar datada de 31-12-2020.

GG- Alegar a Recorrente que, a prova e audição do Recorrente foi feita antes da instauração disciplinar, alegando os emails trocados entre a Recorrente e Recorrido, e que depois de condenar o Recorrido na decisão dos autos e ora posta em crise foi dado o direito de audição através do terceiro recurso interposto pelo Recorrido, é de bradar aos céus, pois notoriamente que o âmago da questão é NÃO TER DADO AO RECORRIDO O DIREITO DE DEFESA ANTES DA TOMADA DA DECISÃO DISCIPLINAR,

HH- E aquela que adveio facultar ao Recorrente, em sede de um terceiro Recurso interposto, não tinha como fito sanar uma nulidade pré-existente, porquanto esta consumou-se no ordenamento jurídico em 31-12-2020, com o atropelo do disposto na norma vertida no artigo 32.°, n.° 10, da CRP.

II- Tudo conforme veio a determinar a douta decisão do Tribunal Arbitral de 3-1-2022.

JJ- Deste modo, deve o Recurso interposto pela Recorrente ser considerado totalmente improcedente, quer quanto à verificação da nulidade da decisão Arbitral imputando-lhe vício resultante do conhecimento de objeto diverso da impugnação judicial apresentada pelo Recorrido junto do TAD no processo que deu origem à decisão posta em crise, quer quanto à imputação de errado julgamento e interpretação das garantias e direitos de defesa no âmbito do processo disciplinar regulado pela Recorrida.(…).»

O DMMP junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º e do n.º 2 do artigo 147.º, ambos do CPTA, não emitiu pronúncia.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar e decidir se a decisão recorrida é nula, tendo sido esta nulidade suscitada «nos termos previstos e conjugados dos artigos 95.°, n.° 1 e 2,1.a parte do CPTA e 140.° do CPTA com expressa remição para a al. d), 2.a parte, e al. e), 2.a parte, do n.° 1 do artigo 615.° do CPC e, ainda, 607 °, n.°4, e 615°, n.°1,als. c) e d) do CPC» - cfr. conclusões de recurso n.º 10 a 17 e 18 a 20.

Assim como se impõe conhecer do invocado erro de julgamento «por inexistência de fundamentos, fácticos e legais, para o provimento do recurso interposto pelo Demandante/Recorrido, por não se encontrarem feridas do vício de nulidade as decisões disciplinares proferidas pela Recorrente datadas de 31.12.2020 e 29.03.2021» - cfr. conclusões de recurso n.º 21 e ss.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

A matéria de facto constante da decisão recorrida é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls. 5 e ss., do SITAF:

«(…)

1. O Conselho de Disciplina da Associação de Futebol de Braga proferiu em processo sumário decisão a 31/12/2020 pelo qual condenou a Demandante, nos termos do artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento Disciplinar, aplicando-lhe as seguintes penas: a) Derrota 3-0; b) Multa 125 euros; c) Pagamento de despesas de arbitragem (cfr doc. 4 da contestação);

2. A Demandante não foi notificada para efeitos do exercício do direito de defesa em momento anterior à decisão referida em 1.;

3. No dia 04/01/2021 a Demandante apresentou reclamação sobre a decisão referida em 1. para o próprio Conselho de Disciplina da Demandada (cfr. doc. 11 da Pi);

4. A Demandada não respondeu à reclamação referida em 3;

5. No dia 25/01/2021, a Demandante apresentou Recurso sobre a decisão referida em 1. para o Conselho de Disciplina da Demandada (cfr. doc. 12 da PI);

6. Por despacho de 09/02/2021, o Conselho de Justiça da Demandada convolou o recurso identificado no facto que antecede, em recurso de revisão da decisão do CD de 31.12.2020 e, por esse motivo, ordenou a sua baixa, em virtude de o mesmo ser ainda da competência desse CD, ao abrigo do disposto no art. 180° do Regulamento Disciplinar, tendo concluído que o Recurso interposto pelo CELEIRÓS terá que ser qualificado como de REVISÃO e como tal deverá ser dirigido ao Órgão que emitiu a decisão, seguindo-se todos os ulteriores termos da sua tramitação regulamentar, nomeadamente quanto à possibilidade de apresentação de audição e prova por parte da Recorrente (cfr. doc. 13 da PI e doc. junto 1 do requerimento da Demandada de 19/10/2021);

7. No dia 29.03.2021 foi proferido pelo Conselho de Disciplina da Demandada acórdão, no âmbito do recurso de revisão, que manteve a decisão referida em 1. de 31/12/2020 (cfr. doc. 15 da PI. e doc. junto 2 do requerimento da Demandada de 19/10/2021);

8. A Demandante não foi notificada para efeitos do exercício do direito de defesa em momento posterior ao Despacho do CJ da Demandada referido em 6. e em momento anterior ao acórdão do CD proferido no âmbito do recurso de revisão referido em 7.

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Considera-se que, com interesse para a decisão da causa, não ficou provado que a Demandada tenha respeitado o direito de audição e de defesa do Demandante.

MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos pelas partes, cuja força probatória é de apreciação livre pelo Tribunal.

No fundo, o Tribunal recorreu à análise das várias fontes de prova, a histórica [quando o facto que queremos provar está registado, representado ou reproduzido (através de documentos, por exemplo)] e a prova indiciária (ou crítica). A prova indiciária, enquanto prova crítica ou lógica, sugere uma probabilidade séria da existência do direito. Com efeito, aqui não relevam registos, reproduções, representações, mas sim, indícios, que, mais uma vez, permitem a extração de presunção sobre o acontecimento de um facto. São necessárias operações lógicas realizadas por intermédio do juiz, que, a partir de um facto se consegue chegar ao facto a apurar: é o caso das presunções judiciais (vide artigo 351.° do CC).

Dispõe o artigo 607°, n.° 5, do CPC, sob a epígrafe “Sentença”, que “… o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes...”.

Na verdade, a livre valoração da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou de conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas antes pressupõe uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação.

A livre apreciação da prova exige, pois, um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência, recorrendo a conhecimentos de ordem geral que as pessoas normalmente inseridas na sociedade possuem, bem como a observância das regras da experiência comum, da ciência, dos critérios da lógica e da argumentação.

No caso dos autos, o Tribunal firmou a sua convicção pela prova documental trazida ao processo pelas partes, bem como no depoimento das testemunhas arroladas pelas partes.

Assim, com base nos documentos juntos pelas partes e conforme supra referido (ponto por ponto) deram-se como provados os factos constantes nos números 1, 3, 5, 6 e 7.

Da conjugação da prova documental e testemunhal produzida, bem como com base nas regras da experiência da vida e segundo a regra da livre apreciação da prova, o tribunal ficou convencido que a Demandante nunca foi notificada para o exercício do seu direito de defesa em sede de processo disciplinar, quer antes de decisão proferida pelo CD em 31/12/202, quer mesmo em momento anterior ao acórdão do CD proferido no âmbito do recurso de revisão de 29/03/2021, pelo que se deram como provados os factos vertidos em 2. e 8.

Aliás, apesar de a Demandada alegar em sede de contestação que o direito de defesa da Demandante foi respeitado, a verdade é que não junta qualquer documento nesse sentido.

Da mesma forma, apesar de o Acórdão do CJ de 29/03/2021 referir que a Demandante não carreou para os autos qualquer prova, a verdade é que não foi junto aos autos qualquer documento que demonstre que lhe tenha sido dada tal oportunidade.

Não foi produzida também qualquer prova testemunhal sobre esta matéria de crucial importância no caso vertente.

Pelo exposto a matéria dada como não provada não poderia ser outra senão a supra referida.» (sublinhados nossos).


II.2. De Direito
i) Da nulidade da decisão recorrida suscitada que foi «nos termos previstos e conjugados dos artigos 95.°, n.° 1 e 2,1.a parte do CPTA e 140.° do CPTA com expressa remição para a al. d), 2.a parte, e al. e), 2.a parte, do n.° 1 do artigo 615.° do CPC e, ainda, 607 °, n.°4, e 615°, n.°1,als. c) e d) do CPC».

A Recorrente entende que o acórdão recorrido conhece de objeto diverso do pedido formulado na ação arbitral, pelo que se encontra ferida de nulidade.

Para tal alega, em suma, que o pedido formulado nos autos se reconduz, apenas, ao acórdão do Conselho de Justiça (CJ) da Recorrente, de 25.05.2021 – cfr. alegações de recurso e introito da decisão recorrida.

Porém, o conhecimento, em sede de recurso, da impugnação de uma decisão do CJ, proferida, por seu turno, em sede de recurso administrativo de anterior acórdão do Conselho de Disciplina (CD) da mesma entidade, pode pressupor, como sucede no caso em apreço, que a invalidade do acórdão do CJ resulte, precisamente, de ter secundado um procedimento ou entendimento ilegal constante de decisão anterior do CD.

De notar, aliás, que o Recorrido aduziu isso mesmo em sede do referido recurso que interpôs para o CJ, do acórdão de 29.03.2021 do CD – cfr. facto n.º 7 supra -, argumentado que este havia sido proferido sem que lhe tivessem sido assegurados os seus direitos fundamentais de audição e defesa antes da prolação deste acórdão do CD.

Porém, no dispositivo, o tribunal a quo, em vez de reportar a sua apreciação para a decisão impugnada – o acórdão do CJ de 25.05.2021 - decide revogar «as decisões do Conselho de Disciplina da Associação de Futebol de Braga, datadas de 31/12/2020 e 29/03/2021», sem nada decidir quanto ao acórdão impugnado.

Razão pela qual é nula a decisão recorrida, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.s 95.º e 140.º do CPTA e art. 615.º, n.º 1, alínea e), in fine, do CPC, pois que o tribunal a quo, efetivamente, decidiu sobre objeto diverso do que lhe havia sido pedido.

Porém, e neste mesmo pressuposto, já não procede a invocada nulidade do acórdão recorrido por ter conhecido de questão de que não pudesse conhecer, pois que ambas as decisões do CD que foram julgadas nulas, suportam a invocada invalidade da decisão impugnada do CJ, pois que esta confirmou, nos seus precisos termos, a decisão do CD que se lhe antecedeu, pelo que, em termos de fundamentação, o acórdão recorrido não excede o âmbito do recurso tal como o mesmo foi interposto.


Relativamente à imputada nulidade do acórdão recorrido, por violação do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, em virtude de o tribunal a quo ter feito «completa TÁBUA RASA dos meios de prova junto aos autos e requeridos pela Recorrente e, como tal, lançou mão de nova decisão infundada e nula, nulidade que aqui expressamente vai arguida, nos termos conjugados dos artigos 607.°, n.°.4, e 615.°, n.°1, als. c) e d) do CPC» - cfr. conclusão de recurso n.º 20
Como é bom de ver, o que perpassa do assim invocado não consubstancia uma nulidade da decisão recorrida, pois que, nos termos das invocadas alíneas c) e d) do art. 615.º do CPC, não resulta dos autos, nem tal foi alegado pela Recorrente, que os fundamentos da decisão recorrida estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, antes pelo contrario, decorre dos autos que o Recorrente bem compreendeu o sentido da decisão recorrida e os motivos pelos quais se insurge contra a mesma. Assim como não resulta dos autos que o tribunal a quo tivesse deixado de se pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, designadamente, face à invocada “tábua rasa” que fez dos meios de prova juntos aos autos, pois que, compulsada a decisão que foi proferida sobre a matéria de facto e respetiva motivação, a questão que lhe está subjacente deverá ser conhecida como erro de julgamento e não como nulidade da decisão em causa, o que se fará de seguida.

Tendo presente que, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação – cfr. art. 665.º, n.º 1, do CPC e art. 149.º, n.º 1 do CPTA -, avancemos.

iii) Do erro de julgamento imputado ao acórdão recorrido «por inexistência de fundamentos, fácticos e legais, para o provimento do recurso interposto pelo Demandante/Recorrido, por não se encontrarem feridas do vício de nulidade as decisões disciplinares proferidas pela Recorrente datadas de 31.12.2020 e 29.03.2021».

No âmbito do direito disciplinar desportivo, atenta natureza sancionatória do processo, rege o disposto no art. 16.º, n.º 1 do RD LPFP que, sob a epígrafe «Direito subsidiário», dispõe que «[n]a determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações».

Neste pressuposto, atentemos, pois, no discurso fundamentador do acórdão recorrido, quanto a este aspeto, aliás, único fundamento da conhecida nulidade da decisão impugnada nos autos:

«(…) verifica-se que o arguido/demandante não foi notificado para exercer o direito de resposta/defesa em momento posterior ao alegado cometimento da infração e em momento anterior às decisões de condenação (decisões de 31/12/2020 e 29/03/2021).

Forçoso é concluir, assim, pela nulidade das decisões do Conselho de Disciplina da Associação de Futebol de Braga, datadas de 31/12/2020 e 29/03/2021, que condenou a Demandante, nos termos do artigo 65.°, n.° 2, do Regulamento Disciplinar, aplicando-se-lhe as seguintes penas: a) Derrota 3-0; b) Multa 125 euros; c) Pagamento de despesas de arbitragem, porquanto não foram assegurados à Demandante os direitos de audiência e de defesa, em manifesta violação do disposto na norma vertida no artigo 32.°, n.° 10, da CRP.».

Para assim decidir, o tribunal a quo escudou-se na decisão que proferiu sobre a matéria de facto, em cumprimento, aliás, do acórdão proferido por esta instância de recurso – P. 48/21, de 19.05.2022, e da qual se reproduz infra, em parte, embora supra transcrita, para maior facilidade de exposição:

«(…) 8. A Demandante não foi notificada para efeitos do exercício do direito de defesa em momento posterior ao Despacho do CJ da Demandada referido em 6. e em momento anterior ao acórdão do CD proferido no âmbito do recurso de revisão referido em 7.

(…)

MOTIVAÇÃO

(…)

Da conjugação da prova documental e testemunhal produzida, bem como com base nas regras da experiência da vida e segundo a regra da livre apreciação da prova, o tribunal ficou convencido que a Demandante nunca foi notificada para o exercício do seu direito de defesa em sede de processo disciplinar, quer antes de decisão proferida pelo CD em 31/12/202, quer mesmo em momento anterior ao acórdão do CD proferido no âmbito do recurso de revisão de 29/03/2021, pelo que se deram como provados os factos vertidos em 2. e 8.

Aliás, apesar de a Demandada alegar em sede de contestação que o direito de defesa da Demandante foi respeitado, a verdade é que não junta qualquer documento nesse sentido.

Da mesma forma, apesar de o Acórdão do CJ de 29/03/2021 referir que a Demandante não carreou para os autos qualquer prova, a verdade é que não foi junto aos autos qualquer documento que demonstre que lhe tenha sido dada tal oportunidade.

Não foi produzida também qualquer prova testemunhal sobre esta matéria de crucial importância no caso vertente.»

Contra esta decisão insurge-se o Recorrente, trazendo à colação, reiterando-a, a sua versão dos factos e do direito que entende dever ser aplicado no caso. Porém, como é sabido, sobre o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, recaem ónus precisos e, de alguma forma, exigentes, conforme resulta do disposto no art. 640.º do CPC.

Decorre da jurisprudência dos tribunais superiores que com possibilidade de recurso da matéria de facto, o legislador não se pretende que seja realizado um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

O recurso em que impugne a decisão sobre a matéria de facto, não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.

E é precisamente porque o recurso em que se impugna a decisão sobre a matéria de facto, não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, que se impõe ao recorrente um ónus, o de proceder a uma tríplice especificação, tal como decorre do citado art. 640.º do CPC, a saber:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.».

Quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, deva ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto – cfr. n.º 1, do citado e supra transcrito art. 640.º do CPC.

Neste pressuposto, e retomando o caso em apreço, resulta das conclusões de recurso apresentadas que em nenhuma delas o Recorrente identifica os concretos pontos de facto impugnados - por referência à decisão sobre a matéria de facto proferia pelo tribunal a quo – como também não identifica os concretos meios de prova que possam impor diversa decisão, bastando-se com a invocação genérica de que « o Tribunal a quo fez completa TÁBUA RASA dos meios de prova junto aos autos» - cfr. conclusão n.º 20; que «da leitura e análise do processo disciplinar, o que se retira e prova é o inverso: todas as diligências foram encetadas pela Recorrente de forma a que ao Demandante fossem assegurados os direitos de audição e de defesa.» - cfr. conclusão n.º 23; que «o acervo documental que instrui os presentes autos, mormente o procedimento disciplinar junto, mostram-se objectivamente compreensíveis e demonstram o cuidado e zelo dos órgãos disciplinares da Recorrente no tratamento e na decisão que foi tomada nos autos disciplinares.» - cfr. conclusão n.º 26; que, «zelosos e cautelosos no cumprimento das formalidades legais a que se encontram adstritos, os órgãos que tutelam o poder disciplinar da Recorrente conferiram ao Demandante: i) oportunidade de ser ouvido antes de serem aplicadas as sanções impugnadas, pois que tal lhe foi conferido; (…)» - cfr. conclusão n.º 30.

Nestes termos, e face a todo o exposto, imperioso se torna concluir que o Recorrente incumpriu o seu ónus primário de impugnação da matéria de facto – cfr. art. 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC, supra citado e transcrito -, pelo que, votado está o presente recurso ao insucesso, na estrita medida em que outra decisão não pode ser proferida que não seja a da nulidade da decisão impugnada, pois que provado ficou nos autos que «[a] Demandante não foi notificada para efeitos do exercício do direito de defesa em momento posterior ao Despacho do CJ da Demandada referido em 6. [despacho que convolou o primeiro recurso interposto para o CJ em recurso de revisão e ordenou a baixa dos autos ao CD] - e em momento anterior ao acórdão do CD proferido no âmbito do recurso de revisão referido em 7. [de 29.03.2021]» - cfr. facto n.º 8, supra – decisão da qual o Recorrido recorreu para o CJ da Recorrente, e de cuja decisão, de 25.05.2021 se impugna nos presentes autos.

Resultando provado que antes da decisão impugnada, de 25.05.2021, que confirmou a decisão anterior do CD, de 29.03.2021, que havia aplicado sanções disciplinares ao Recorrido, sem que este tivesse sido notificado para efeitos do exercício do direito de defesa em momento anterior à sua prolação, é o acórdão impugnado nulo, por violação do direito de defesa e de audiência do arguido, tal como resulta da fundamentação do acórdão recorrido e que, face a todo o exposto, se deverá manter.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, consequentemente:

a) anular a decisão recorrida na parte em que, no dispositivo, revogou as decisões do Conselho de Disciplina da Associação de Futebol de Braga, de 31.12.2020 e de 29.03.2021;

e, conhecendo do seu objeto,

b) julgar procedente a ação, declarando a nulidade da decisão do Conselho de Justiça da Associação de Futebol de Braga, de 25.05.2021, que manteve a anterior decisão do seu Conselho Disciplina, por não terem sido assegurados, no procedimento disciplinar em apreço, os direitos de audiência e de defesa do arguido, em violação do disposto no art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 02.11.2022

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira