Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1523/16.5 BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/02/2017
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:ARTIGO 88º N.º 2, DA LEI 23/2007
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
ARTIGO 130º, DO CPA DE 2015
ACTO TÁCITO
Sumário:I – O procedimento previsto no n.º 2 do art. 88º, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 29/2012, de 9/8, e conforme decorre expressamente dos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 54º, do Decreto Regulamentar 84/2007, na redacção do Decreto Regulamentar 2/2013, é um procedimento oficioso, ou seja, a sua abertura depende da decisão de um órgão da Administração – in casu, do Ministro da Administração Interna (sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências), por sua iniciativa ou mediante proposta do director nacional do SEF -, sendo certo que a manifestação de interesse apresentada pelo cidadão estrangeiro não tem a virtualidade de despoletar, isto é, de iniciar o procedimento administrativo, ao contrário do que acontece nos procedimentos particulares, em que o requerimento do interessado é, no plano prático, o próprio acto de abertura do procedimento.

II - Perante a manifestação de interesse apenas impende sobre o SEF um dever de resposta – que implica a ponderação sobre a abertura (ou não) do procedimento administrativo em causa (cfr. art. 13º n.º 1, do CPA de 2015) – e não também um dever de decisão sobre a solicitação de concessão de autorização de residência, visto que este dever de decisão apenas existe após a Administração se decidir pela abertura do procedimento administrativo em causa.

III - Não se encontrando assente a prolação de despacho a determinar a abertura desse procedimento oficioso, não se pode concluir no sentido da existência de um dever de decisão e, em consequência, nunca se poderia concluir no sentido da formação de acto tácito de deferimento de autorização de residência.

IV – Mesmo que se considere que a manifestação de interesse logo constitui o SEF no dever de decidir a solicitação de concessão de autorização de residência, sempre se teria de concluir no sentido da inexistência de acto tácito de deferimento, pois, de acordo com o estatuído no art. 130º n.º 1, do CPA de 2015, a formação de deferimento tácito tem de estar expressamente prevista em lei ou regulamento extravagante, o qual inexiste [pois no art. 88º, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 29/2012, de 9/8, e no art. 54º, do Decreto Regulamentar 84/2007, de 5/11, na redacção do Decreto Regulamentar 2/2013, de 18/3, não se prevê qualquer situação geradora de deferimento tácito e, no n.º 3 do art. 82º da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 63/2015, de 30/06, encontra-se prevista a formação de deferimento tácito para os casos de renovação de autorização de residência, situação manifestamente distinta da ora em causa, a qual respeita à concessão inicial de autorização de residência].
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I – RELATÓRIO
Muhammad ............... intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ao abrigo do art. 109º, do CPTA, contra o Ministério da Administração Interna, peticionando a condenação do réu a emitir-lhe o título de residência, bem como a aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 169º, do CPTA, por cada dia de incumprimento da sentença.

Por sentença de 5 de Novembro de 2016 do referido tribunal foi julgada improcedente a presente acção e, em consequência, absolvido o réu do pedido.


Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
“A - Não foram considerados pelo douto Tribunal a quo os seguintes factos com relevância para a apreciação e decisão do mérito da acção:
- O Autor demonstrou possuir todos os requisitos legais exigidos, no momento temporal em que o Réu admitiu o uso do artigo 88º da Lei 23/2007, de 4 de Julho; ou seja, em 10/02/2016.
- O Autor pediu a autorização de residência, instruiu o seu pedido com todos os documentos exigidos, pagou todas as taxas devidas ineremtes ao deferimento do seu pedido, e não obteve decisão, decorridos dez meses.
- Na data de 10/02/2016, foi concedido pelo Réu ao Autor "Visto" - fls.40 do PA não numerado; e que é o visto válido e que subjaz e sustenta a emissão do título de residência; nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 88º, da Lei 23/2007.
- O Réu limitou-se a apresentar requerimento nos autos afirmando que aqueles pedidos de concessão de autorização de residência estavam a ser objecto de reapreciação.
- A contrario, o Réu não logrou provar quaisquer factos que obstassem à apreciação/reapreciação e/ou à decisão do pedido formulado pelo Autor.
- O Título de Residência nada mais é que a "traduçãofísica" do "acto administrativo) de concessão de autorização de residência".
- Até à data da sentença, e decorridos que eram então DEZ meses sobre a conclusão do seu pedido, o Autor não havia recebido o seu Título de Residência.
- Em 07/06/2016, o Autor interpelou o Réu, solicitando informação quanto ao estado do seu título de residência, e solicitando a emissão e envio do mesmo.
- O Réu não respondeu a esta interpelação.
B - Não tendo a autorização de residência para o exercício de actividade profissional subordinada sido ainda emitida, o Autor mostra-se privado da possibilidade de beneficiar da aplicação do princípio da Equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15º, n.º 1 , da Constituição da República Portuguesa.
C - Mais que uma questão legal, configura-se uma questão MORAL: o Estado Português e o Réu (porque recebe 40% destas receitas), NÃO PODEM exigir e receber taxas de centenas de cidadãos, a título de emissão e envio dos seus títulos de residência (bem como assim, a totalidade das taxas a título de deferimento dos seus pedidos); taxas essas de valor superior a um salário mínimo nacional; reter essas quantias por meses e até anos sem qualquer justificação, e, posteriormente, vir negar a emissão dos mesmos.
D - E, que dizer das expectativas geradas pelo Réu nos requerentes em geral; e, no Autor em particular, mediante o pagamento da totalidade das taxas de taxas/emolumentos devidos pela análise e deferimento dos seus pedidos; e do artifício gerado pela recolha de fotos, impressões digitais e assinaturas?
E - Considerando os limites internos inerentes ao poder discricionário, temos que, no caso sub judice a Administração; o Réu, não se revelou nem correcto, nem honesto, nem justo, nem tão pouco bom.
F - O Réu violou, em especial, os principios da decisão (artigo 13º do CPA); da eficiência (artigo 5º do CPA); da celeridade (artigo 59º do CPA); da confiança, e da boa administração.
G - O n.º 1, do artigo 82º, da Lei 23/2007, estipula que "o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias.".
H - O Réu nada decidiu nesse prazo, nem tão pouco nos dez meses subsequentes; pelo que omitiu claramente o seu dever de decisão consagrado no artigo 52º, n.º 1, in fine, a da Constituição, e no artigo 13º do CPA sob a epígrafe "Princípio da Decisão".
I - Com essa omissão, o Réu violou ainda o princípio da confiança, porque o Autor pediu a autorização de residência em apreço, instruiu o pedido com todos os documentos exigidos, pagou todas as taxas devidas inerentes ao seu pedido e não obteve decisão, decorridos dez meses.
J - Ademais: para além do Autor ter demonstrado possuir - naquele momento temporal - todos os requisitos legais exigidos, também é inquestionável que e o Réu admitiu - na mesma data - o uso do meio excepcional e oficioso constante do n.º 2 do artigo 88, da Lei 23/2007.
L - Ou seja, o Réu auto vinculou-se a decidir. E, não decidiu.
M - Não procede a alegação que a discricionariedade que cabia ao Réu ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 88º, da Lei 23/2007, não está subordinada a prazos, ou está subtraída à observação e cumprimento dos princípios constitucionais da actividade administrativa.
N - Todo o cidadão é, perante a Administração, um sujeito jurídico de pleno direito, que, numa relação jurídica procedimental tem direito a uma decisão e NUNCA a uma "discricionariedade do silêncio", ou ao "silêncio incumprimento"; que corresponde, afinal, à violação do dever de decidir.
O - Mesmo no caso das autorizações de residência emitidas as abrigo do chamado "regime excepcional" (para os cidadãos que não preencham os requisitos dos restantes tipos de autorização de residência), o SEF está adstrito a agir em conformidade com os princípios constitucionais da actividade administrativa, ou seja, os princípios da prossecução do interesse público, do respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. artigo 266º da Constituição).
P - Citando António Francisco de Sousa: "não há discricionariedade sem limites", sendo que "a discricionariedade administrativa é sempre limitada pela lei e pelo Direito" (in "Direito Administrativo em Geral, 4ª edição, Porto: FDUP, 2001, págs. 358 e 298).
Q -A discricionariedade administrativa encontra-se limitada tanto pelas imposições do ordenamento jurídico (limites externos), como pelas exigências do bem comum, da ética administrativa, da boa administração e de todos os princípios que regem a Administração Pública (limites internos); limites que no caso sub judice não foram observados.
R - Se, como afirma Marcello Caetano "discricionário significa livre dentro dos limites permitidos pela realização de certo fim visado pela lei" (in "Princípios Fundamentais do Direito Administrativo", Coimbra: Almedina, a1996, pág. 129), temos então que, em termos temporais, muito depressa o Réu entrou no domínio da arbitrariedade.
S - A lei especial - artigo 82º, n.º 1, da Lei 23/2007, de 4 de Julho - determina o prazo de 60 dias para a decisão de concessão de autorização de residência. E, a Lei Geral - artigo 86º, n.º 1, do (novo) CPA - fixa o prazo de 10 dias.
T - Quer se considere o prazo geral, ou o prazo, especial, temos que ambos os prazos - no caso sub judice - se encontram extrapolados. Pelo que ocorreu deferimento tácito.
U - No actual CPA não existe previsão legal expressa em matéria de deferimento na concessão de regularizações extraordinárias.
V - É de considerar que estamos perante uma "lacuna"; tanto mais que o anterior CPA previa expressamente para estas situações o deferimento tácito na sua alínea c), do n.º 3, do artigo 108º.
X - Não será o facto de estamos perante um meio excepcional e oficioso, que permite e sua subtracção a este entendimento; em especial atentos os limites (externos e internos) do poder discricionário.
Z - O n.º 1, do artigo 10º do CC prevê: "Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.".
AA - Acrescenta o n.º 2, da mesma disposição que "há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.".
BB - O n.º 3, da mesma disposição, estipula por fim que: "Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segunda a norma que o próprio intérprete criaria, se houve de legislar dentro do sistema.".
CC - Por sua vez, o artigo 11º do atual Código Civil estipula: "As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.".
DD - Admitindo-se que o n.º 2, do artigo 88º, da Lei 23/2007, consubstancia uma norma excepcional, a mesma é, como o diz a Lei, susceptível de interpretação extensiva.
EE - Atento o artigo 11º do CC, existe interpretação extensiva sempre que o intérprete ao reconstituir a parte do texto da lei segundo os critérios estabelecidos no artigo 9º conclua que o pensamento legislativo coincide com um dos sentidos contidos na lei, mas o legislador, ao formular a norma disse menos do que queria, sendo, por isso, necessário alargar o texto legal.
FF - Admitindo-se que o artigo 88º, n.º 2 é uma norma excepcional que admite sempre a interpretação extensiva, a sua lacuna em termos de deferimento tácito terá de ser obrigatoriamente colmatada com o previsto no nº 3 do artigo 10º do CC, "é resolvida de acordo com a própria norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar de dentro do espírito do sistema.".
GG - O deferimento tácito está subjacente à Lei de Imigração, e porque o cidadão imigrante não pode tornar-se "um refém" da Administração Publica; e esta não pode condicionar, com a sua inércia, a sua vida; as suas expectativas; tudo porque precisamente estão em causa seres humanos.
HH - E, até porque, vigora um princípio taxativo na lei de 90 dias para o Réu tomar uma decisão; previsto no artigo 82º, n.º 1 da atual Lei de Imigração.
II - Ou, por interpretação extensiva, ou por analogia o certo é que existe uma lacuna em matéria de deferimento tácito.
JJ - E, tal lacuna deverá ser integrada pelo intérprete (Julgador) de acordo com o espírito da Lei.
LL - E, o Espírito da Lei, quer na atual Lei de Imigração, quer no CPA, é no sentido de existir deferimento tácito.
MM - Como se referiu ab initio, todo o Direito assenta em prazos legais, as partes têm as suas vidas, os seus planos, as suas expectativas, e a Administração Pública quer-se eficiente e cumpridora de prazos legais, cfr. artigo 10º do CPA.
NN - Pelo que se verifica deferimento tácito.
TERMOS EM QUE SE CONCLUINO SENTIDO DE E COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE VOSSAS EXAS:
A) SER REVOGADA A SENTENÇA DO DOUTO TRIBUNAL A QUO.
B) SER CONSIDERADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO.
C) SEJA CONFIRMADO COMO LIMITE TEMPORAL INSTRUTÓRIO OU DECISÓRIO PARA A CONCESSÃO DE RESIDÊNCIA POR VIA DO ARTIGO 88º, N.º 2, O PRAZO MÁXIMO DE NOVENTA DIAS.
D) OU,O PRAZO DE DEZ DIAS; POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 86º, N. 1, DO CPA.
E) DEVE DECLARAR-SE O DEFERIMENTO TÁCITO DA CONCESSÃO DA AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA, ATENTO O DECURSO DO TEMPO E PELA INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
F) DEVE O RÉU SER INTIMADO A EMITIR O TÍTULO DE RESIDÊNCIA RELATIVO AO AUTOR.
G) NO MAIS DEVE SER DECLARADA COMO PROCEDENTE E PROVADA A INTIMAÇÃO
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegação de recurso.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte factualidade:
«A) O Requerente é nacional do Paquistão (cf. documento de fls. 6, e seguintes, do Processo Administrativo).
B) Em 10 de Fevereiro de 2016, formulou pedido de concessão de autorização de residência, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 88.º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (cf. documento de fls. 1, e seguintes, do Processo Administrativo).
C) Em 10 de Fevereiro de 2016, foi ouvido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Lisboa, tendo declarado que: não obteve o adequado visto de residência por desconhecer a lei; desde que chegou a Portugal trabalha como empregado de mesa; permaneceu em território nacional por estar integrado no mercado de trabalho e ter aqui melhores condições de vida; não tem familiares residentes em Portugal (cf. documento de fls. 38, do Processo Administrativo).
D) Com data de 10 de Fevereiro de 2016, foi elaborada proposta de “prorrogação de permanência por 306 dias, nos termos do n. 1 do art. 71 e do n. 2 do art. 72 da Lei n. 23/2007, de 4 de Julho”, por se mostrarem reunidos os “requisitos essenciais previstos no art. 44 e 50 do Decreto Regulamentar n.º 84/11, de 05/11”. (cf. documento de fls. 40, do processo Administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) Por despacho de 10 de Fevereiro de 2016, foi determinado que se emitisse, a favor do Requerente, prorrogação de permanência, por 306 dias, nos termos da proposta mencionada na Alínea anterior (cf. documento de fls. 40, do Processo Administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
F) Em 10 de Fevereiro de 2016, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elaborou a proposta de emissão de autorização de residência de fls. 42, do Processo Administrativo, que aqui se reproduz:
“1. No dia 10 da mês de Fevereiro de 2016, foi recebido neste Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de Autorização de Residência ao abrigo do n.º 2 do artigo 88º da lei 23/2007, de 4 de Julho, na sua actual redacção, formulado pelo cidadão MUHAMMAD ..............., de nacionalidade Paquistão, nascido a 11 do mês de Abril de 1980, e portador do PASSAPORTE n.º …………………...
2. Consultado o expediente remetido, considera-se provado a existência de motivos de força maior relacionados com razões pessoais e profissionais atendíveis, designadamente face à urgência na resolução de necessidades laborais impreteríveis e na desproporcionalidade do ónus para o interessado na obtenção do visto consular para o efeito bem como, a inexistência de norma de carácter geral mais adequada ao enquadramento da situação em apreço.
ENQUADRAMENTO LEGAL
3. A Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na sua actual redacção, aprovou um novo regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros de território nacional.
4. Nos termos do nº 2 do artigo 88º da citada lei, o Membro do Governo responsável pela área da Administração Interna, por sua iniciativa ou mediante proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras pode conceder uma autorização de residência ao nacional de país terceiro com dispensa da titularidade do visto de residência aos nacionais de países terceiros que possuam um contrato de trabalho (ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, por associação com assento no Conselho Consultivo ou pela Autoridade para as condições de trabalho), tenham entrado legalmente em território nacional e aqui permaneçam legalmente e estejam inscritos e tenham a sua situação regularizada perante a segurança social.
5. A norma em apreço não visou a legalização em massa da situação documental de cidadãos a trabalhar em Portugal mas a possibilidade de regularização documental de cidadãos integrad os no mercado formal de trabalho.
6, Neste sentido a aplicação do dispositivo legal, pressupõe não só o preenchimento dos requisitos insertos nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo mas também uma avaliação do caso concreto balizada por critérios que justifiquem a derrogação das normas gerais de admissão.
7. Assim, a excepcionalidade da situação do nacional de país terceiro e a consequente aplicação do regime excepcional depende da existência de motivos de força maior ou de razões pessoais ou profissionais atendíveis
ANÁLISE DO PEDIDO
8. Do pedido resulta que o cidadão supra identificado se encontra integrado no mercado formal de trabalho e com a situação perante Segurança Social regularizada.
Entende-se, assim, que fazer depender a regularização da sua situação documental da titularidade do adequado visto de residência implica a suspensão da relação laboral e a ausência do mesmo para o país de origem a fim de solicitar o referido visto.
10. As consequências de tal suspensão numa relação de trabalho consolidada (atenta a sua duração) e os efeitos em termos de desproporcionalidade) que a sua interrupção representa levam a considerar a existência de razões profissionais
11. Por tudo quanto antecede, entendemos estarem reunidas as condições para que V. Exa utilize o poder discricionário previsto no nº 2 do artigo 88º. da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na sua actual redacção, e determine que seja concedida autorização de residência para trabalho a favor do cidadão MUHAMMAD ..............., de nacionalidade Paquistão, nascido a 11 do mês de Abril de 1980, e portador do PASSAPORTE n.º ………………….” (cf. documento de fls. 42, do Processo Administrativo)

Nos termos do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos:

- O facto B) é substituído pelo seguinte facto:
B) No dia 10 de Fevereiro de 2016, requereu ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a concessão de autorização de residência nos termos do art. 88º n.º 2, da Lei 23/2007, de 4 de Julho, “na sua atual versão” (cfr. fls. 1, do processo administrativo).

- São aditados os seguintes factos G) a N):
G) O requerimento referido em B) foi acompanhado dos documentos constante de fls. 2 a 10, 15 a 25, 28 a 37 e 39, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
H) A proposta de prorrogação de permanência por 306 dias, descrita em D), referia-se ao período de 10 de Abril de 2015 a 9 de Fevereiro de 2016 (cfr. fls. 40, do processo administrativo).
I) O requerente pagou em 10 de Fevereiro de 2016 os montantes mencionados no Doc. 1, junto com a petição inicial, bem como nos Docs. 1 e 2, juntos com o requerimento remetido em 3.10.2016 a estes autos, aqui se dando por integralmente reproduzido o teor de cada um desses documentos.
J) Em 7 de Junho de 2016, o requerente solicitou ao “Director Regional do SEF de Lisboa – DRLVTA” informação sobre as diligências efectuadas com vista à emissão do seu título de residência, solicitando a emissão e envio do mesmo (cfr. Doc. n.º 2, junto com a petição inicial).
K) A entidade demandada não respondeu ao requerimento descrito em J) (facto não impugnado pela entidade demandada).
L) O título de residência não foi emitido (facto aceite pela entidade demandada e que está de acordo com os documentos constantes do processo administrativo).
M) Em 21.3.2016 a Directora Nacional do SEF proferiu o seguinte despacho:

«Texto no original»

” (cfr. Doc. 1, junto com a contestação).
N) E em 4.7.2016 a Directora Nacional do SEF proferiu o seguinte despacho:
“ «Texto no original»
” (cfr. Doc. 2, junto com a contestação).
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida incorreu em erro:
- na fixação da matéria de facto;
- ao ter julgado improcedente o pedido de intimação do recorrido a emitir o título de residência relativo ao recorrente (cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).


Erro na fixação da matéria de facto

O recorrente pretende o aditamento, à factualidade dada como provada na sentença recorrida, do invocado na conclusão A), da sua alegação de recurso.

Quanto à questão do aditamento dos factos relativos aos documentos que instruíram o requerimento de autorização de residência, às taxas pagas, à afirmação do recorrido de que o pedido estava a ser objecto de reapreciação, a não ter recebido o título de residência, à interpelação do recorrido em 7.6.2016 e à falta de resposta a essa interpelação, a mesma já se encontra corrigida por este tribunal, nos termos supra referidos, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º n.º 1, do CPC de 2013 (cfr. factos aditados como G), I), J), K), L), M) e N)).

No remanescente falece a razão ao recorrente, dado que:
- relativamente à alegada concessão ao recorrente, em 10.2.2016, de “Visto”, constata-se que, do teor de fls. 40, do processo administrativa, resulta a factualidade dada como provada nas alíneas D) e E), bem como na alínea H), esta aditada ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, sendo certo que trata-se de matéria de direito saber se tal factualidade sustenta (ou não) a emissão de título de residência;
- correspondem a meras conclusões jurídicas as suas afirmações no sentido de que demonstrou possuir todos os requisitos legais exigidos, o recorrido não provou quaisquer factos que obstassem à decisão do pedido e o título de residência é a tradução física do acto de concessão de autorização de residência.


Erro da sentença recorrida ao julgar improcedente o pedido de intimação do recorrido a emitir o título de residência

A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de intimação do recorrido a emitir o título de residência relativo ao recorrente com base na seguinte fundamentação:
i) - o despacho descrito na alínea E), dos factos provados, não decidiu o pedido de autorização de residência formulado em 10.2.2016 - o qual não foi objecto de decisão expressa -, mas apenas decidiu a prorrogação da permanência do recorrente em território nacional;
ii) - o recorrente não tem razão quando diz que o pedido de autorização de residência deve considerar-se tacitamente deferido, pois, conforme decorre do n.º 3 do art. 82º, da Lei 23/2007, de 4/7, o deferimento tácito aí previsto respeita apenas aos pedidos de renovação de autorização de residência;
iii) - o pedido de autorização de residência não foi objecto de decisão e o recorrente apenas poderia obter a condenação do recorrido para cumprir o dever de decisão (e a Administração apenas poderia ser condenada a proferir decisão expressa sobre o pedido do recorrente se, na data de propositura da acção, já tivesse decorrido o prazo de 90 dias estabelecido no n.º 1 do art. 82º, da Lei 23/2007, de 4/7, para a decisão do pedido de concessão de autorização de residência), mas aquele, não só não pediu a condenação do recorrido a decidir o pedido de autorização de residência, como afirmou expressamente que apenas pretende a condenação do recorrido a emitir e enviar-lhe imediatamente o título de residência – por entender que o pedido foi objecto de deferimento -, pelo que, atento o princípio do pedido, o Tribunal não pode pronunciar-se sobre a eventual violação do dever legal de decidir o pedido de concessão de autorização de residência.

Atento o teor das conclusões da alegação de recurso, verifica-se que o recorrente invoca o erro de julgamento da sentença recorrida quanto aos pontos i) e ii), descritos no parágrafo antecedente, pelo que cumpre conhecer - e apenas - de tais erros de julgamento.

Com efeito, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos arts. 608º n.º 2, 635º n.º 4 [“Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, pois, de acordo com o n.º 3 desse art. 635º, “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente] e 639º n.º 1, todos do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA, sem prejuízo das questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida quanto aos referidos pontos i) e ii).

Como supra se referiu – a propósito do conhecimento da impugnação relativa à fixação da matéria de facto -, trata-se de matéria de direito saber se a factualidade dada como provada sob as alíneas D), E) e H) sustenta (ou não) a emissão de título de residência, isto é, se o despacho descrito na referida alínea E) corresponde ao despacho de concessão de autorização de residência.

Ora, o despacho descrito nessa alínea E), dos factos provados, não conheceu do requerimento de concessão de autorização de residência formulado em 10.2.2016, antes decidindo a prorrogação de permanência do recorrente em território nacional, de 10 de Abril de 2015 a 9 de Fevereiro de 2016, nos termos dos arts. 71º n.º 1 e 72º n.º 2, da Lei 23/2007, de 4/7, sendo certo que a concessão de prorrogação de permanência é realidade distinta da concessão de autorização de residência [cfr., quanto à distinção, os capítulos V (arts. 71º a 73º) e VI (arts. 74º a 124º), da Lei 23/2007, de 4/7, respectivamente].

Defende, no entanto, o recorrente que a autorização de residência que solicitou encontra-se tacitamente deferida, mas sem razão, como se passa a demonstrar.

Dispõe o art. 88º, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 29/2012, de 9/8, sob a epígrafe “Autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada”, o seguinte:
1 - Para além dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º, só é concedida autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada a nacionais de Estados terceiros que tenham contrato de trabalho celebrado nos termos da lei e estejam inscritos na segurança social.
2 - Excecionalmente, mediante proposta do diretor nacional do SEF ou por iniciativa do membro do Governo responsável pela área da administração interna, pode ser dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições gerais previstas nessa disposição, preencha as seguintes condições:
a) Possua um contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, por associação com assento no Conselho Consultivo ou pela Autoridade para as Condições de Trabalho;
b) Tenha entrado legalmente em território nacional e aqui permaneça legalmente;
c) Esteja inscrito e tenha a sua situação regularizada perante a segurança social.
3 - A concessão de autorização de residência nos termos dos números anteriores é comunicada pelo SEF, por via eletrónica, ao Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P., e nas regiões autónomas aos correspondentes serviços regionais, para efeitos de execução do contingente definido nos termos do artigo 59.º.
(…)” (sublinhados e sombreado nossos).

Por sua vez estatui o art. 54º, do Decreto Regulamentar 84/2007, de 5/11, na redacção do Decreto Regulamentar 2/2013, de 18/3, sob a epígrafe “Pedido de concessão de autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada”, o seguinte:
1 - O pedido de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada apresentado por titular de visto de residência para a mesma finalidade deve ser acompanhado de contrato de trabalho celebrado nos termos da lei.
2 - O procedimento oficioso de concessão excecional de autorização de residência, desencadeado ao abrigo do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pelas Leis n.os 29/2012, de 9 de agosto, 56/2015, de 23 de junho, e 63/2015, de 30 de junho, rege-se pelo disposto nos artigos 54.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
3 - Sem prejuízo do número anterior, pode ser apresentada manifestação de interesse, por via eletrónica ou presencial, que será objeto de análise pelo SEF para averiguar da suscetibilidade ou não de proposta de abertura do procedimento oficioso, manifestação que deve ser acompanhada dos seguintes documentos:
a) Contrato de trabalho celebrado nos termos da lei ou documento emitido por alguma das entidades previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pelas Leis n.os 29/2012, de 9 de agosto, 56/2015, de 23 de junho, e 63/2015, de 30 de junho, que comprove a existência da relação laboral;
b) Documento que comprove a sua entrada e permanência legais em território nacional;
c) Informação necessária para verificação da inscrição na administração fiscal e da regularidade da sua situação contributiva na segurança social, obtida nos termos do n.º 9 do artigo 212.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pelas Leis n.os 29/2012, de 9 de agosto, 56/2015, de 23 de junho, e 63/2015, de 30 de junho.
4 - Se, nos termos dos n.os 2 ou 3, houver lugar à abertura do procedimento oficioso, a respetiva decisão final é adotada na sequência de entrevista presencial com o cidadão estrangeiro, e tendo em conta a excecionalidade da situação em causa, designadamente:
a) Motivos de força maior;
b) Razões pessoais ou profissionais atendíveis.
(...)
6 - Os representantes no conselho consultivo para os assuntos da imigração de cada uma das comunidades de imigrantes submetem à aprovação do conselho a lista das associações que relevam para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pelas Leis n.os 29/2012, de 9 de agosto, 56/2015, de 23 de junho, e 63/2015, de 30 de junho, a qual vigora durante o período correspondente ao do respetivo mandato” (sublinhados e sombreados nossos).

Conforme resulta da factualidade dada como assente, o recorrente apresentou perante o SEF, em 10.2.2016, manifestação de interesse, ao abrigo do n.º 2 do art. 88º, acima transcrito.

O recorrente entende que tal manifestação de interesse implicou a abertura do procedimento administrativo e que, em consequência, o recorrido tinha o dever de decidir a sua pretensão de concessão de autorização de residência no prazo de 90 dias, previsto no art. 82º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 63/2015, de 30/6 - ou no prazo de 10 dias, previsto no art. 86º n.º 1, do CPA de 2015 -, o qual há muito se encontra esgotado, razão pela qual entende que a autorização de residência que solicitou encontra-se tacitamente deferida, pedindo a intimação do recorrido a emitir-lhe o título de residência.

Ora, o procedimento previsto no n.º 2 do referido art. 88º, e conforme decorre expressamente dos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 54º, do Decreto Regulamentar 84/2007, na redacção do Decreto Regulamentar 2/2013, supra transcritos, é um procedimento oficioso [como o são, por exemplo, a abertura de um concurso público para realização de obra pública ou para o preenchimento de vagas num dos lugares do quadro do funcionalismo – neste sentido, Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, 1989, Volume III, pág. 187, e José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves, José Cândido de Pinho, Código de Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 5ª ed., 2002, pág. 280], ou seja, a sua abertura depende de decisão de um órgão da Administração – in casu, do Ministro da Administração Interna (sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências), por sua iniciativa ou mediante proposta do director nacional do SEF -, sendo certo que a manifestação de interesse descrita na alínea B), dos factos provados, não tem a virtualidade de despoletar, isto é, de iniciar o procedimento administrativo, ao contrário do que acontece nos procedimentos particulares, em que o requerimento do interessado é, no plano prático, o próprio acto de abertura do procedimento.

Assim sendo, e perante a manifestação de interesse descrita na alínea B), dos factos assentes, apenas impendia sobre o recorrido um dever de resposta – que implica a ponderação sobre a abertura (ou não) do procedimento administrativo em causa (cfr. art. 13º n.º 1, do CPA de 2015) – e não também um dever de decisão sobre a solicitação de concessão de autorização de residência, isto é, sobre a pretensão jurídica substantiva do recorrente, visto que esse dever de decisão apenas existe após a Administração se decidir pela abertura do procedimento administrativo em causa – neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª Edição, 2003, págs. 125 a 128, 293 a 299 e 373 a 377.

Assim sendo, e não se encontrando assente no caso sub judice a prolação de despacho a determinar a abertura do procedimento em causa, não se pode concluir no sentido da existência de tal dever de decisão e, em consequência, nunca se poderia concluir no sentido da formação de acto tácito de deferimento de autorização de residência.

Mesmo que, assim, não se entenda – ou seja, caso se considere que a manifestação de interesse apresentada em 10.2.2016 logo constituiu o recorrido no dever de decidir a solicitação de concessão de autorização de residência -, sempre se teria de concluir no sentido da inexistência de tal acto tácito de deferimento.

Efectivamente, prescreve o art. 130º, do CPA de 2015, sob a epígrafe “Atos tácitos”, que:
1 - Existe deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.
2 - Considera-se que há deferimento tácito se a notificação do ato não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão.
(…)”.

Como explica António Políbio Henriques, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2016, págs. 262 e 263, em anotação a este art. 130º:
Este artigo redefiniu o regime do deferimento tácito, sendo de salientar a eliminação da habilitação direta de atos de deferimento tácito que estava contida nos n.ºs 1 e 3 do anterior artigo 108.º. Presentemente, no n.º 1 deste artigo, o Código limita-se a eleger a falta de notificação da decisão final sobre a pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal como factor de valoração positiva do silêncio da Administração e a remeter para normas especiais de habilitação, de lei ou regulamento, a previsão dos casos em que aquele tem o valor de deferimento.
Deste modo, é seguro que (ao contrário do que sucedia com o anterior artigo 108.º) o artigo 130.º, relativamente às relações entre a Administração e os particulares, não consagra uma regra geral no sentido de que o silêncio da Administração sobre os requerimentos dos interessados vale como deferimento, não enuncia tipos de situações em que o silêncio tenha esse valor e, por consequência, não é fonte imediata da formação de qualquer deferimento tácito. Este só tem lugar, caso a caso, na dependência de lei (1) especial expressa que o preveja” (sublinhados e sombreados nossos).

Conforme ensina Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª Edição, 2016, págs. 215 a 217:
Por regra, os atos administrativos são expressamente emitidos. Como, hoje, resulta com clareza do novo artigo 130º do CPA, na ordem jurídica portuguesa, existem atos tácitos nas situações em que a lei (2) expressamente preveja a formação dos chamados deferimentos tácitos.
Essas situações ocorrem quando, no âmbito de um procedimento desencadeado por um interessado, que apresentou um requerimento dirigido à emissão de um ato administrativo, a lei (3), excecionalmente, associa ao decurso do prazo legal para a tomada da decisão, sem que a Administração tenha cumprido o dever legal que se lhe impunha de decidir, a presunção de que a pretensão apresentada pelo requerente foi julgada conforme às exigências postas pelo ordenamento jurídico e, portanto, deferida. (…)
(…)
A nosso ver, o novo artigo 130.º do CPA teve o enorme mérito de clarificar que – ao contrário do que parecia resultar do anterior artigo 108º -, a formação de deferimento tácito, no âmbito das relações entre a Administração e os particulares, tem lugar nos tipos de procedimentos em que, mediante previsão expressa, lei (4) especial o preveja.
Na verdade, do próprio artigo 130º do CPA não resulta, só por si, a formação de qualquer deferimento tácito no âmbito desse tipo de relações, nem, muito menos, a consagração de uma regra – de âmbito geral ou, pelo menos, para certos tipos de situações – no sentido de que o silêncio da Administração perante os requerimentos que lhe são dirigidos tem o valor de um deferimento tácito. Cada caso de deferimento tácito depende de previsão especial.
(…)
Em todos os tipos de procedimentos em relação aos quais lei (5) especial não preveja a formação de deferimentos tácitos, as situações de incumprimento, por parte da Administração, dentro do prazo legal, do dever de decidir as pretensões deduzidas pelos interessados não dão lugar à formação de qualquer ato tácito.” (sublinhados e sombreados nossos).

E como salienta Tiago Antunes, A decisão no novo Código do Procedimento Administrativo, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, Coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Volume II, 3ª Edição, 2016, págs. 186 e 187:
Primo, o CPA deixou de contemplar uma cláusula geral de situações geradoras de deferimento tácito, como aquela que constava do artigo 108.º, n.º 1 do anterior Código. De facto, o artigo 130.º, n.º 1 do CPA não faz qualquer alusão genérica a situações-tipo ou a espécies de procedimentos em que a regra do deferimento tácito seja aplicável.
Esta é uma alteração deveras importante, pois o deferimento tácito tem inerente uma função estabilizadora e de promoção da segurança jurídica dos particulares, o que não é compatível com a sua previsão através de cláusula aberta, de fronteiras difusas. (…)
(…)
Secundo, o CPA deixou de conter uma lista de casos em que o silêncio da Administração se converte num ato tácito positivo, como aquela que constava do artigo 108.º, nº 3 do anterior Código – cujas alíneas, de resto, estavam já praticamente todas revogadas, caducadas ou ultrapassadas por força de evoluções legislativas posteriores (57 Segundo JOÃO TIAGO SILVEIRA, apenas a alínea g) do ex-artigo 108.º, n.º 3 do CPA não tinha perdido, entretanto, atualidade. Cfr. a respetiva demonstração in O Deferimento Tácito…, cit., pp. 149 ss.). De facto, o artigo 130.º do CPA não prevê agora diretamente quaisquer hipóteses de deferimento tácito, limitando-se a definir o regime jurídico abstratamente aplicável à sua formação, sem referir caso algum em concreto.
Em resultado das duas novidades assinaladas, podemos concluir que, no atual ordenamento jusadministrativo pátrio, se forma um deferimento tácito quando este efeito jurídico esteja expressa e taxativamente previsto em normas especiais constantes de uma lei ou de um regulamento (60 A possibilidade de previsão de deferimentos tácitos, não só por lei, mas também por regulamento administrativo foi sugerida por JOÃO TIAGO SILVEIRA durante o período de consulta pública que precedeu a aprovação do novo CPA. Cfr. “A decisão administrativa no anteprojeto de revisão do CPA”, cit., p. 113) extravagantes (61 “Extravagantes” no sentido de diplomas próprios, distintos ou autónomos relativamente ao CPA). (…) Este é um regime que merece a nossa inteira concordância, quer na exigência de previsão específica, quer na exigência de que essa previsão conste de diplomas avulsos, não emanados diretamente do CPA” (sublinhados e sombreados nossos).

Assim, cumpre determinar se existe lei ou regulamento extravagante que preveja para a situação ora em análise a formação de deferimento tácito, ou seja, cumpre averiguar se na Lei 23/2007, de 4/7, ou no Decreto Regulamentar 84/2007, de 5/11, se prevê a formação desse efeito jurídico.

Ora, no art. 88º, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 29/2012, de 9/8, e no art. 54º, do Decreto Regulamentar 84/2007, de 5/11, na redacção do Decreto Regulamentar 2/2013, de 18/3, não se prevê qualquer situação geradora de deferimento tácito.

No n.º 3 do art. 82º [o qual se inclui na Secção I – relativa às disposições gerais -, do Capítulo VI, relativo à residência em território nacional], da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 63/2015, de 30/06, encontra-se prevista a formação de deferimento tácito para os casos de renovação de autorização de residência, situação manifestamente distinta da ora em apreciação, a qual respeita à concessão inicial de autorização de residência.

Conclui-se, assim, que não ocorreu qualquer deferimento tácito de autorização de residência, sendo certo que nada do invocado nas conclusões de recurso tem a virtualidade de alterar esta conclusão, carecendo de total fundamento a afirmação de que a inexistência de norma expressa a prever a formação de acto tácito de deferimento traduz-se numa lacuna jurídica, com a consequente necessidade de recurso designadamente à interpretação extensiva, pois tal entendimento é totalmente incompatível com o que se dispõe no art. 130º n.ºs 1 e 2, do CPA de 2015, conforme supra explicitado – também neste sentido, Ac. deste TCA Sul de 2.2.2017, proc. n.º 1651/16.7 BELSB.

Do exposto resulta que deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.

*
Atento o disposto no art. 4º n.ºs 2, al. b), e 6, do Regulamento das Custas Processuais, o recorrente deverá ser condenado nos encargos do presente recurso jurisdicional.


III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
II – Condena-se o recorrente nos encargos do presente recurso jurisdicional.
III – Registe e notifique.
*
Lisboa, 2 de Março de 2017

(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)

(Conceição Silvestre – 1ª adjunta)

(Carlos Araújo – 2º adjunto)

(1)Ou regulamento.
(1) Ou regulamento.
(1)Ou regulamento.
(1)Ou regulamento.
(1)Ou regulamento.