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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06816/10
Secção: CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/12/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONTRATO DE EMPREITADA; VISTORIA; RECEPÇÃO PROVISÓRIA; RECEPÇÃO DEFINITIVA
Sumário:
i) Os efeitos jurídicos da falta de realização da vistoria no prazo de 22 dias a que alude o art. 198.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro (na redacção aplicável) – recepção definitiva tácita –, só se produzem se, antes do pedido da sua realização para efeitos de recepção definitiva da obra, não tiverem sido detectadas deficiências e reclamadas estas perante o empreiteiro.

ii) Decorrido o prazo estipulado no ponto n.º 5, da cláusula 8.ª, do contrato de empreitada, existindo anomalias para serem corrigidas, continua a ora Recorrida a beneficiar da garantia especial, como a caução prestada pela ora Recorrente, porque assim também as partes convencionaram no contrato de empreitada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório

………………………………………, SA. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, por si intentada contra a EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, a que lhe sucedeu, na sequência da Deliberação 61/AM/2013, in 1.º Suplemento ao BM n.º 1006, de 30.05.2013, o Município de Lisboa (Recorrido) e, em consequência, absolveu a Ré do pedido, assim como julgou improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1.ª Tendo ocorrido a recepção provisória da totalidade da obra a 12/01/2004 e tendo ficado acordado entre as partes no contrato de empreitada que, caso nos três anos seguintes nenhuma anomalia ou deficiência fosse detectada na obra, todas as garantias prestadas seriam liberadas, não tendo sido detectadas tais deficiências, em vistoria realizada para o efeito até 12/01/2007, a caução e respectivos reforços deveriam ter sido totalmente liberadas pela R., nos termos do artigo 210.º do RJEOP, e da cláusula 8.ª do Contrato de Empreitada, beneficiando a R. em diante, apenas, da garantia geral do cumprimento das obrigações.

2.ª O artigo 208.º do RJEOP impõe que findo o prazo de garantia proceder-se-á a nova vistoria de todos os trabalhos da empreitada, para efeitos de recepção definitiva da obra, lavrando-se em auto a ocorrência de eventuais deficiências pelas quais deva responsabilizar-se o empreiteiro, nos termos do previsto no artigo 209.º, n.º 2.

3.ª A realização de vistoria anterior, dentro do prazo de garantia da obra, que eventualmente tenha detectado alguma deficiência nos trabalhos efectuados, ainda que não corrigida pelo empreiteiro, não obsta ao cumprimento da obrigação constante do artigo 208.º do RJEOP, nem o dono da obra pode recusar a realização da vistoria com esse fundamento.

4.ª De resto, não resultando do probatório que as fissuras encontradas na vistoria de 26/04/2007 são imputáveis ao A., nos termos do artigo 209.º, n.º 2, do RJEOP, nem tendo a R. apresentado documento bastante para o efeito, mais ainda se impõe o cumprimento da obrigação prevista no artigo 208.º do RJEOP.

5.ª Não tendo a R. procedido à realização da vistoria requerida pelo A. para efeitos de recepção definitiva da obra até 12/02/2009, na sequência do pedido de vistoria para esse efeito apresentado pela A. em 12/01/2009 (22 dias úteis antes daquela data) a obra deve considerar-se definitivamente recebida pela R. desde aquela data (12/02/2009), nos termos do artigo 208.º e 198.º, n.º 5, do RJEOP,

6.ª Pelo que, não tendo dado provimento aos pedidos do A., o Tribunal a quo na sentença recorrida violou, precisamente, o disposto nos artigos 198.º, n.º 5, 208.º e 210.º do RJEOP, e a cláusula 8.ª do Contrato de Empreitada.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser dado total provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, só assim se fazendo JUSTIÇA!



O Recorrido contra-alegou, produzindo as seguintes alegações:

1 - As partes convencionaram livremente, o procedimento em matéria de prazos para redução da caução e respectivos reforços, bem como da libertação total dos mesmos, afastando, porque ambas assim quiseram e aceitaram, o artigo 210º, do Decreto lei 405/93, de 10 de Dezembro, com o estipulado na cláusula 8ª, do contrato de empreitada, de 29/10/1999, que claramente e sem oferecer qualquer dúvida na sua interpretação, refere, relativamente à libertação total da caução e respectivos reforços, no seu ponto n.º 5, o seguinte: «Decorridos 3 (três) anos após a recepção provisória, efectuar-se-á nova vistoria e não havendo quaisquer deficiências por reparar, a EPUL procederá à libertação da caução e respectivos reforços.»

2 - Se a recepção provisória da empreitada ocorreu em 12/01/2004, três anos após a mesma, nos termos e para os efeitos do acordado entre as partes no ponto n.° 5, da cláusula 8ª do contrato de empreitada, será sempre após 12/01/2007 e não antes, como, salvo o devido respeito, erradamente está a interpretar a ora Recorrente.

3 - Ocorreu que, decorridos três anos após a recepção provisória, em cumprimento do disposto no n.° 3, da cláusula 8ª, foi realizada nova vistoria, tendo a mesma detectado deficiências por reparar.

4 - Pelo que, decorrido o prazo de três anos, estipulado no ponto n.° 5, da cláusula 8ª, do contrato de empreitada, existindo anomalias para serem corrigidas, o que se veio a verificar no presente caso, continua a ora Recorrida a beneficiar da garantia especial, como a caução prestada pela ora Recorrente e porque assim livremente as partes convencionaram no contrato de empreitada.

5 - Podendo inclusivamente executar essa caução e seus reforços, ou as correspondentes garantias, para se prover dos meios destinados ao custo das reparações, conforme estipulado no ponto n.° 6, da cláusula 8ª, do contrato de empreitada ou não faria sentido sequer a sua existência!

6 - Bem sabendo a ora Recorrente que se, em 26/04/2007, havia realizado uma vistoria com a ora Recorrida, tendo-se verificado na mesma a existência de diversas fissuras em todos os alçados, do prédio objecto da empreitada, que a ora Recorrente se comprometeu a reparar, mas não o fez, não cumprindo a sua palavra, nem com isso se preocupando, dificilmente aceitaria a Recorrida a vistoria para efeitos de recepção definitiva da obra!

7 - A lógica de raciocínio e análise do Tribunal a quo foi simplesmente a correcta, no sentido de que, a vistoria do artigo 208º, n.º 1, do D.L. n.º 405/93, de 10 de Dezembro, destina-se a todos os trabalhos da empreitada que hajam sido efectivamente realizados no decurso do prazo de garantia da empreitada, pressupondo a verificação do cumprimento dos deveres do empreiteiro com o dono de obra.

8 - Se a Recorrente nada fez em relação às diversas fissuras verificadas em todos os alçados, do prédio objecto da empreitada, de que tinha perfeito conhecimento e não podia ignorar, não havia trabalhos para vistoriar, aquando da solicitação da Recorrente da vistoria para efeitos de recepção definitiva da obra, que apenas accionou com o intuito, perante a recusa da Recorrida que teria como certa, de operar automaticamente o n.º 5, do artigo 198º, do D.L. n.º 405/93, de 10 de Dezembro, isto é, a recepção definitiva tácita!

9- Não poderá ser outro o entendimento que "(...) a nova vistoria de todos os trabalhos da empreitada." referida no artigo 208º, n.º 1, do D.L. n.º 405/93, de 10 de Dezembro, «pressupõe a realização dos trabalhos de correcção relativos às deficiências anteriormente detectadas nas anteriores vistorias, no âmbito da recepção provisória.», como e muito bem refere o saneador sentença.

10 -Aplicando-se o artigo 198°, n.° 5, do D.L. n.° 405/93, de 10 de Dezembro, como pretende a ora Recorrente, considerando-se definitivamente recebida a obra, seria desfavorecer claramente a posição do dono de obra em face da conduta manifesta de propositada inacção, que foi a do empreiteiro ora Recorrente, durante o período de garantia da empreitada, em relação às diversas fissuras verificadas em todos os alçados, do prédio objecto da empreitada, e às quais, propositadamente, nada fez!

11 - Não é manifestamente insustentável, ao contrário do que alega a ora Recorrente, mas sim de elementar justiça, perante o caso concreto, o entendimento do Tribunal a quo de que os efeitos jurídicos da falta de realização da vistoria no prazo de 22 dias só se produzem se, antes do pedido de realização de vistoria para efeitos de recepção definitiva, não tiverem sido detectadas deficiências e reclamadas as mesmas perante o empreiteiro, o que não foi o caso em apreço!

12 - Em face das circunstâncias, a solicitação de vistoria de todos os trabalhos da empreitada, em 12/01/2009, para efeitos de recepção definitiva da obra, em boa verdade e na prática, não teria qualquer efeito útil, e somente foi reveladora de falta de ética, por parte da ora Recorrente!

13 - Pelo que, Tribunal a quo, não violou, ao contrário do que quer fazer crer a ora Recorrente, o disposto nos artigos 198°, n.° 5, 208° e 210° do RJEOP, nem a cláusula 8ª do contrato de empreitada, antes aplicou, justamente, o direito aos factos concretos.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, nada disse.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida errou ao concluir, de acordo com regime jurídico de empreitadas de obras públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro (aplicável à data dos factos), que os efeitos jurídicos da falta de realização da vistoria no prazo de 22 dias só se produzem se, antes do pedido de realização de vistoria para efeitos de recepção definitiva, não tiverem sido detectadas deficiências e reclamadas as mesmas perante o empreiteiro, o que não havia sucedido no caso em apreço.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de empreiteiro de obras públicas - Acordo;

B) Em 22/02/2002, a Autora celebrou com as empresas …………………….., S.A. e ………………………………., S.A., um contrato de cessão de posição contratual que estas detinham no contrato de empreitada que haviam celebrado com a ora Ré, denominado "Empreitada n° 11/99 - Construção de 46 fogos e um Pavilhão Desportivo na Graça - Epul Jovem 7, em Lisboa" - Acordo e cfr. docs. l e 2, de fls. 16-19 e de fls. 20-25 dos autos;

C) O contrato de empreitada que antecede foi outorgado em 29/10/1999 entre a Ré e o consórcio …………………. - Acordo e cfr. doc. 2, de fls. 20-25 dos autos;

D) Relativamente à caução prestada e sua liberação acordaram as partes na cláusula 8ª do contrato de empreitada, o seguinte:

"7. No acto de assinatura do presente contrato, será prestada uma caução, por meio de garantia bancária, correspondente a 5% do valor total da adjudicação.

2. A caução anteriormente referida será reforçada através do desconto (retenção) de 5% (...) em cada pagamento parcial a que o Segundo Outorgante tiver direito, o qual poderá, a todo o tempo, ser substituído por garantia bancária.

3. Se, decorrido de l (um) ano após a recepção provisória, não existirem quaisquer reservas, deficiências, omissões ou imperfeições por reparar, a caução e respectivos reforços serão reduzidos para 2,5% (...);

4. Decorridos 2 (dois) anos após a recepção provisória, efectuar-se-á nova vistoria e não havendo quaisquer deficiências por reparar, a EPUL procederá à redução da caução e respectivos reforços para 1,25% (...);

5. Decorrido 3 (três) anos após a recepção provisória, efectuar-se-á nova vistoria e não havendo quaisquer deficiências por reparar, a EPUL procederá à liberação total da caução e respectivos reforços.

6. Se das vistorias resultarem omissões ou imperfeições, a caução e respectivos reforços só serão, conforme os casos, reduzidos ou totalmente libertados, após reparação daquelas anomalias, a realizar pelo empreiteiro no prazo fixado.

Caso este assim não proceda, poderá o dono da obra, de igual forma, executar essa caução e seus reforços, ou as correspondentes garantias, para se prover dos meios destinados ao custo dessas reparações. (...) " - Acordo e doe. de fls. 24-25 dos autos;

E) Para efeitos de cumprimento do disposto na cláusula 8a do contrato de empreitada, a Autora prestou perante a Ré, que a aceitou, uma caução no valor de € 208.100,49, através da garantia bancária n° 03/325/10221, emitida pelo banco ……, no valor de € 114.223,74 e do seguro caução com apólice n° 740021570337, emitida pela ………………….., no valor de € 93.876,75-Acordo;

F) Os trabalhos da empreitada foram integralmente executados e em 12/01/2004 a empreitada foi integralmente recebida sem quaisquer reservas - Acordo;

G) Nos pagamentos feitos pela Ré à Autora, nos dias 29/09/2004, 11/03/2005 e 08/07/2005, a Ré reteve as quantias de, respectivamente, de € 4.204,94, € 1.348,27 e de € 7.379,48, para reforço da caução inicial - Acordo;

H) A recepção provisória da empreitada ocorreu em 12/01/2004, sem quaisquer reservas ou observações, tendo sido cumpridos todos os trabalhos de construção constante do plano de trabalhos e respectivo projecto de execução, anexados aos cadernos de encargos e aprovados pela fiscalização - Acordo;

I) A Ré só reduziu a caução prestada pela Autora através de garantia bancária e do seguro caução em 50% do seu valor, uma única vez, em 19/12/2005 - Acordo e doc. 3, a fls. 26 a 28 dos autos;

J) Nenhum outro valor da caução prestada ou seus reforços foi reduzido até à presente data - Acordo;

K) Em 26/04/2007, realizou-se uma vistoria com a Autora, tendo-se verificado a existência de diversas fissuras em todos os alçados do prédio objecto da empreitada - cfr. docs. teor dos docs. de fls. 121,122-123,124,125,126,127 e 128-129 dos autos, para que se remete, para todos os efeitos legais;

L) A reparação das aludidas deficiências foi solicitada, por diversas vezes, por escrito à Autora - cfr. docs. teor dos docs. de fls. 121, 122-123, 124, 125, 126, 127 e 128-129 dos autos, para que se remete, para todos os efeitos legais;

M) Em 12/01/2009, a Autora solicitou à Ré, a marcação da vistoria para efeitos de recepção definitiva da empreitada - Acordo e doc. de fls. 120 dos autos;

N) A Ré recusou o pedido antecedente, alegando não terem sido reparadas as fissuras nos alçados, registadas na vistoria realizada em 26/04/2007 e solicitadas várias vezes - cfr. docs. 2 e 3, juntos com a contestação, a fls. 121 a 127 dos autos;

O) As deficiências encontradas não foram executadas pela Autora - cfr. docs. teor dos docs. de fls. 121, 122-123, 124, 125, 126, 127 e 128-129 dos autos, para que se remete, para todos os efeitos legais;

P) A Ré procedeu à marcação da vistoria solicitada pela Autora para o dia 23/02/2009, mediante carta datada de 28/01/2009, recebida pela Autora em 30/01/2009, em face da insistência da Autora - Acordo e doc. 4, a fls. 29 dos autos;

Q) Por fax datado de 11/02/2009, a Autora formulou a reserva dos direitos que lhe assistiam face ao agenciamento da mesma vistoria, por considerar "a empreitada em causa recebida definitivamente, deforma tácita (..,), informando-se assim que a ……… não estará presente na data marcada por V. Exas, para a referida vistoria." -Acordo e doe. 5, a fls. 31 e 32 dos autos;

R) Por carta datada de 19/02/2009, a Ré não aceitou a invocação antecedente da Autora - cfr. doc. 3, a fls. 122-123 dos autos;

S) Em 23/02/2009 a Ré elaborou auto de vistoria para efeitos de recepção definitiva onde consta que: "(...) Foi verificado pelos intervenientes nesta vistoria, que os edifícios evidenciavam patologia de fissuras em vários alçados (...). Foi deliberado pelos intervenientes que, face às deficiências acima indicadas, a obra objecto da supracitada empreitada não se encontra em condições de ser recebida definitivamente. (...)" - doe. 6, a fls. 34 dos autos;

T) Em 03/03/2009 a Autora recebeu da Ré, o auto de vistoria que esta realizou à obra dos autos para efeitos de recepção definitiva no dia 23/02/2009, enviado por carta datada de 27/02/2009 - Acordo e does. de fls. 33, 34 e 35;

U) Em 04/03/2009, a Autora formulou uma reclamação contra o auto de recepção definitiva - Acordo e cfr. doc. de fls. 36 a 39 dos autos;

V) A Autora veio instaurar a presente acção administrativa comum, em 17/03/2009 - cfr. fls. 3 dos autos;

W) Em resposta à reclamação apresentada pela Autora em 04/03/2009, ora assente em U), em 19/03/2009 a Ré comunicou o seu indeferimento e reiterou a sua obrigação de executar as reparações das fissuras nos alçados, no prazo mencionado no auto de vistoria, no prazo máximo de 60 dias - cfr. doc. de fls. 128-129 dos autos,

Não foram consignados factos não provados, nem autonomamente exarada a fundamentação da decisão da matéria de facto.



II.2. De direito

Discorda a Recorrente da decisão do Tribunal a quo que considerou que a libertação total da caução tem como pressuposto, não verificado, que não fossem encontradas deficiências na vistoria realizada, pelo que, sendo as mesmas encontradas, estava a EPUL legitimada a reter a caução para boa garantia da execução da empreitada. Alega para tanto, ao fim e ao cabo, que “não tendo a R. procedido à realização da vistoria requerida pelo A. para efeitos de recepção definitiva da obra até 12/02/2009, na sequência do pedido de vistoria para esse efeito apresentado pela A. em 12/01/2009 (22 dias úteis antes daquela data) a obra deve considerar-se definitivamente recebida pela R. desde aquela data (12/02/2009), nos termos do artigo 208.º e 198.º, n.º 5, do RJEOP.

Por sua vez, defende o Recorrido que “decorrido o prazo de três anos, estipulado no ponto n.° 5, da cláusula 8ª, do contrato de empreitada, existindo anomalias para serem corrigidas, o que se veio a verificar no presente caso, continua a ora Recorrida a beneficiar da garantia especial, como a caução prestada pela ora Recorrente e porque assim livremente as partes convencionaram no contrato de empreitada” (conclusão 4), que “não é manifestamente insustentável, ao contrário do que alega a ora Recorrente, mas sim de elementar justiça, perante o caso concreto, o entendimento do Tribunal a quo de que os efeitos jurídicos da falta de realização da vistoria no prazo de 22 dias só se produzem se, antes do pedido de realização de vistoria para efeitos de recepção definitiva, não tiverem sido detectadas deficiências e reclamadas as mesmas perante o empreiteiro, o que não foi o caso em apreço” (conclusão 11).

Vejamos o que, sobre a questão jurídica objecto dos autos, se escreveu na decisão recorrida:

Nos termos que resultam dos autos, vem a Autora a juízo deduzir a presente acção administrativa comum, sob a forma sumária, pedindo o reconhecimento do direito à recepção definitiva da empreitada e, em consequência, a libertação da caução prestada, a título de garantia da boa execução dos trabalhos da empreitada.

Conforme resulta da selecção dos factos assentes, não existe qualquer divergência entre as partes quanto à matéria de facto, por não existir qualquer oposição entre os factos relevantes para a decisão a proferir, mas antes uma divergência quanto à solução jurídica a dar ao litígio, isto é, quanto à interpretação e aplicação do direito aplicável.

Analisando.

Remetendo para o teor da alínea B), do probatório, extrai-se que em 22/02/2002, a Autora celebrou com as empresas ……….. e ………., um contrato de cessão de posição contratual que estas detinham no contrato de empreitada que haviam celebrado com a ora Ré, denominado "Empreitada n° 11/99 - Construção de 46 fogos e um Pavilhão Desportivo na Graça - Epul Jovem 7, em Lisboa", tendo a Autora prestado, para efeitos de garantia da boa execução dos trabalhos uma caução no valor de € 208.100,49, através da garantia bancária n.º 03/325/10221, emitida pelo banco ……., no valor de € 114.223,74 e do seguro caução com apólice n° 740021570337, emitida pela …………………….., no valor de € 93.876,75.

Os trabalhos da empreitada foram integralmente executados e em 12/01/2004 a empreitada foi integralmente recebida sem quaisquer reservas por parte da Ré.

Assim, nessa data, em 12/01/2004 ocorreu a recepção provisória da empreitada, sem quaisquer reservas ou observações, tendo sido cumpridos todos os trabalhos de construção constante do plano de trabalhos e respectivo projecto de execução, anexados aos cadernos de encargos e aprovados pela fiscalização.

A Ré só reduziu a caução prestada pela Autora através de garantia bancária e do seguro caução em 50% do seu valor, uma única vez, em 19/12/2005 e nenhum outro valor da caução prestada ou seus reforços foi reduzido até à presente data.

Em 26/04/2007, realizou-se uma vistoria com a Autora, tendo-se verificado a existência de diversas fissuras em todos os alçados do prédio objecto da empreitada, tendo a sua reparação sido solicitada, por diversas vezes, por escrito à Autora.

Contudo, sem que as deficiências encontradas fossem executadas pela Autora, em 12/01/2009, a Autora solicitou à Ré, a marcação da vistoria para efeitos de recepção definitiva da empreitada.

A Ré, num primeiro momento recusou esse pedido, alegando não terem sido reparadas as fissuras nos alçados, registadas e depois, em face da insistência da Autora, acabou por proceder à marcação da vistoria solicitada para o dia 23/02/2009.

Por fax datado de 11/02/2009, a Autora formulou a reserva dos direitos que lhe assistiam face ao agendamento da mesma vistoria, por considerar "a empreitada em causa recebida definitivamente, deforma tácita (,..), informando-se assim que a …….. não estará presente na data marcada por K Exas, para a referida vistoria.", invocação que a Ré não aceitou, por carta datada de 19/02/2009.

Em 23/02/2009 a Ré elaborou auto de vistoria para efeitos de recepção definitiva onde consta que: "(...) Foi verificado pelos intervenientes nesta vistoria, que os edifícios evidenciavam patologia de fissuras em vários alçados (...). Foi deliberado pelos intervenientes que, face às deficiências acima indicadas, a obra objecto da supracitada empreitada não se encontra em condições de ser recebida definitivamente. (...)", contra o qual a Autora formulou uma reclamação que veio a ser indeferida já na pendência da lide, reiterando a Ré a obrigação de a Autora executar as reparações das fissuras nos alçados.

Explanados os factos essenciais, vejamos o direito aplicável.

Considerando a data da outorga do contrato de empreitada, em 29/10/1999, é de entender, tal como as partes nisso estão de acordo, ser aplicável o regime jurídico de empreitadas de obras públicas, aprovado pelo D.L. n° 405/93, de 10/12.

Começa a Autora por alegar que existe mora na extinção da caução, por tendo a recepção provisória da obra ocorrido em 12/01/2004, a Ré não ter convocado a Autora para a realização de vistoria conjunta à empreitada para efeitos de redução ou extinção da caução prestada, nos termos da cláusula 8a do contrato de empreitada, disso não tendo sido impedida nos 11 dias anteriores ao final de cada um dos prazos estipulados na cláusula citada.

Antes de mais, impõe-se analisar o que dispõe a cláusula 8.ª do contrato, relativamente à caução prestada e à sua liberação:

" 1. No acto de assinatura do presente contrato, será prestada uma caução, por meio de garantia bancária, correspondente a 5% do valor total da adjudicação.

2. A caução anteriormente referida será reforçada através do desconto (retenção) de 5% (...) em cada pagamento parcial a que o Segundo Outorgante tiver direito, o qual poderá, a todo o tempo, ser substituído por garantia bancária.

3. Se, decorrido de 1 (um) ano após a recepção provisória, não existirem quaisquer reservas, deficiências, omissões ou imperfeições por reparar, a caução e respectivos reforços serão reduzidos para 2,5% (,..);

4. Decorridos 2 (dois) anos após a recepção provisória, efectuar-se-á nova vistoria e não havendo quaisquer deficiências por reparar, a EPUL procederá à redução da caução e respectivos reforços para 1,25% (...);

5. Decorrido 3 (três) anos após a recepção provisória, efectuar-se-á nova vistoria e não havendo quaisquer deficiências por reparar, a EPUL procederá à liberação total da caução e respectivos reforços.

6. Se das vistorias resultarem omissões ou imperfeições, a caução e respectivos reforços só serão, conforme os casos, reduzidos ou totalmente libertados, após reparação daquelas anomalias, a realizar pelo empreiteiro no prazo fixado.

Caso este assim não proceda, poderá o dono da obra, de igual forma, executar essa caução e seus reforços, ou as correspondentes garantias, para se prover dos meios destinados ao custo dessas reparações. (...) ".

No caso dos autos verifíca-se que tendo a recepção provisória da obra ocorrido em 12/01/2004, em 26/04/2007, realizou-se uma vistoria com a Autora, tendo-se verificado a existência de diversas fissuras em todos os alçados do prédio objecto da empreitada.

Assim, ocorre que decorridos três anos após a recepção provisória, em cumprimento do disposto no n° 3, da cláusula 8ª, foi realizada nova vistoria, tendo a mesma detectado deficiências por reparar.

Daí que de imediato se possa dizer que não estava verificado o pressuposto normativo da cláusula 8.ª para que a EPUL, ora Ré, tivesse procedido à liberação total da caução e respectivos reforços.

Tal liberação total da caução tem como pressuposto, não verificado, que não fossem encontradas deficiências na vistoria realizada, pelo que, sendo as mesmas encontradas, está a Ré legitimada a reter a caução para boa garantia da execução da empreitada.

Consequentemente, mantendo-se tais deficiências por reparar desde 2007 até hoje, por parte da Autora, não se verifica existir qualquer mora na extinção da caução, já que a mesma está apenas a cumprir a finalidade legal e pela qual foi exigida no início da outorga do contrato.

De resto, não se deve olvidar o facto de o clausulado do contrato celebrado valer com a força de lei inter partes, vinculando-as ao seu exacto cumprimento.

Não obstante o regime jurídico das empreitadas de obras públicas e concretamente o disposto no art° 210° do D.L. n° 405/93, de 10/12, existem matérias não vinculativas, em que existe liberdade de conformação pelas partes, o que ocorreu relativamente à matéria da garantia da empreitada, em que as partes, por acto de vontade, acordaram sobre os termos da extinção da caução.

Pelo exposto, é de denegar razão à Autora quando invoca a mora na extinção da caução, com as consequências de facto e de direito decorrentes desse facto jurídico, como seja, a improcedência do pedido de pagamento de juros de mora, por os mesmos resultarem não provados.

No que concerne à alegada falta de recepção definitiva da empreitada ou à recepção definitiva tácita da empreitada, impõe-se igualmente, em face dos factos supra analisados, denegar razão à Autora.

Embora a Autora, em 12/01/2009 tenha solicitado a marcação de vistoria para efeitos de recepção definitiva da empreitada, estavam pendentes inúmeros pedidos de realização de trabalhos de correcção das deficiências encontradas.

Prevendo o art. 207.º do D.L. n.º 405/93 o prazo de garantia de cinco anos e o art. 208.º e segs., o regime da recepção definitiva da obra, preceitos que são precedidos do regime da recepção provisória, regulado nos art.s 198° e segs., é de entender que a nova vistoria que deve ocorrer para efeitos de recepção provisória pressupõe a realização dos trabalhos de correcção relativos às deficiências anteriormente detectadas nas anteriores vistorias, no âmbito da recepção provisória.

Isto é, quando no art° 208°, n° 1 se prevê que "Findo o prazo de garantia e por iniciativa do dono da obra ou a pedido do empreiteiro, proceder-se-á a nova vistoria de todos os trabalhos da empreitada", está subjacente que possa existir uma alteração do status quo anterior, relativamente à última vistoria, pois caso contrário, por nada ter sido feito de modo a corrigir as deficiências detectadas em anteriores vistorias e sucessivamente reclamadas pelo dono da obra, não existem razões de fundo para proceder-se a nova vistoria, já que não será recebida definitivamente a obra.

A solução seria diferente, no sentido reclamado pela Autora, se antes do pedido de realização da vistoria para efeitos de recepção definitiva não tivessem sido detectadas deficiências e as mesmas não tivessem sido reclamadas perante o empreiteiro, caso em que se aplicaria o disposto no art° 208° do D.L. n° 405/93 e os efeitos jurídicos associados à falta de realização da vistoria no prazo previsto de 22 dias subsequentes ao pedido do empreiteiro, mas essa situação não se verifica no caso trazido ajuízo.

Termos em que perante o exposto, será de denegar razão à Autora quanto a todo o peticionado em juízo.

E o assim decidido é de manter.

O contrato de empreitada em questão rege-se pelo Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, com as alterações constantes da Lei n.º 94/97 de 23 de Agosto, que determinou a aplicação do mesmo diploma legal às empreitadas de obras públicas promovidas por empresas públicas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos. Sendo que o próprio contrato de empreitada, na sua cláusula 9.ª, prevê a remissão para o referido Decreto-Lei n.º 405/93.

Ora, nos termos do art. 199.º, n.º 4, do REOP, quando o empreiteiro não reclame ou seja indeferida a sua reclamação e não faça nos prazos marcados as modificações ou reparações ordenadas, assistirá ao dono da obra o direito de as mandar efectuar por conta do empreiteiro, debitando a este as importâncias despendidas.

Por outro lado, nos termos da cláusula 8.ª do contrato: “Decorrido 3 (três) anos após a recepção provisória, efectuar-se-á nova vistoria e não havendo quaisquer deficiências por reparar, a EPUL procederá à liberação total da caução e respectivos reforços” (n.º 5); e “Se das vistorias resultarem omissões ou imperfeições, a caução e respectivos reforços só serão, conforme os casos, reduzidos ou totalmente libertados, após reparação daquelas anomalias, a realizar pelo empreiteiro no prazo fixado” (n.º 6).

E, estabelece-se no já referido art. 198.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, que: “Se o dono da obra não proceder à vistoria nos 22 dias subsequentes ao pedido do empreiteiro e não for impedido de a fazer por causa de força maior ou em virtude da própria natureza e extensão da obra, considerar-se-á esta, para todos os efeitos, recebida no termo desse prazo.”

Assim, de acordo com o enquadramento normativo que cabe ao caso, não podia ser outra a conclusão alcançada pelo tribunal a quo de que embora a Autora, em 12.01.2009 tivesse solicitado a marcação de vistoria para efeitos de recepção definitiva da empreitada, estavam pendentes inúmeros pedidos de realização de trabalhos de correcção das deficiências encontradas. Donde, prevendo o art. 207.º do Decreto-Lei n.º 405/93 o prazo de garantia de cinco anos e o art. 208.º e s., o regime da recepção definitiva da obra, preceitos que são precedidos do regime da recepção provisória, regulado nos art.s 198.º e s., é de entender, como o fez o Tribunal a quo, que a nova vistoria que deve ocorrer para efeitos de recepção provisória pressupõe a realização dos trabalhos de correcção relativos às deficiências anteriormente detectadas nas anteriores vistorias, no âmbito da recepção provisória. Aliás, na sentença recorrida, para melhor explicitação do regime aplicável, não deixou de se esclarecer que: “A solução seria diferente, no sentido reclamado pela Autora, se antes do pedido de realização da vistoria para efeitos de recepção definitiva não tivessem sido detectadas deficiências e as mesmas não tivessem sido reclamadas perante o empreiteiro, caso em que se aplicaria o disposto no art. 208.º do D.L. n.º 405/93 e os efeitos jurídicos associados à falta de realização da vistoria no prazo previsto de 22 dias subsequentes ao pedido do empreiteiro, mas essa situação não se verifica no caso trazido a juízo.

Pelo exposto, não se verificando o imputado erro de julgamento de direito, na improcedência das conclusões de recurso, terá que negar-se provimento ao mesmo e manter o saneador-sentença recorrido.




III. Conclusões

Sumariando:

i) Os efeitos jurídicos da falta de realização da vistoria no prazo de 22 dias a que alude o art. 198.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro (na redacção aplicável) – recepção definitiva tácita –, só se produzem se, antes do pedido da sua realização para efeitos de recepção definitiva da obra, não tiverem sido detectadas deficiências e reclamadas estas perante o empreiteiro.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 12 de Novembro de 2015



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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António Vasconcelos