Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12843/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/10/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ÓNUS DA PROVA, TEORIA DAS NORMAS, PROPORCIONALIDADE .NACIONALIDADE
Sumário:I – O Código Civil de 1966 é inspirado, quanto ao chamado ónus da prova, pela substantivista “teoria das normas”, estabelecendo por isso um regime de distribuição do ónus da prova diferente do Código Civil de Seabra e do Código de Processo Civil de 1939; para evitar a insegurança jurídica e atento à normalidade da vida, o Código Civil de 1966, na linha de Leo Rosenberg, atende à posição substantiva das partes, e não à sua posição processual, para fazer a (justa) distribuição do peso e risco da falta de prova dos factos favoráveis a cada parte;

II – O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342º ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada;

III – A ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, prevista no artigo 57º, nº 8, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de 2006 e nos artigos 10º e 9º, al. a), da atual Lei da Nacionalidade, é uma ação de simples apreciação negativa, como se determina no artigo 10º, n º 3, al. a), do atual Código de Processo Civil;

IV – Resulta da norma injuntiva do nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil que, nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos legalmente constitutivos – positivos ou negativos - que o réu tenha alegado na contestação e (2º) para alegar os factos legalmente impeditivos – positivos ou negativos - do direito alardeado pelo réu;

V - Relativamente a todas as ações declarativas de simples apreciação negativa, a norma injuntiva do artigo 343º, nº 1, do Código Civil determina ao juiz que onere sempre o réu com o peso ou ónus da prova dos factos fundamentadores da sua pretensão - aqui cf. os artigos 3º, nº 1, e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade e os artigos 32º, nº 3, al. a) e 35º, nº 1, al. b), do Regulamento da Nacionalidade de 2006; se o oposto fosse consagrado pelo Código Civil (ou pelos tribunais), isso representaria uma afronta ao princípio constitucional da Proporcionalidade das leis (ou das decisões jurisdicionais), bem como ao princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efetiva;

VI – Se a inexistência da matéria de direito referida na al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (“ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”) é fundamento jurídico para a ação de oposição (note-se bem, “de oposição”), então, logicamente, essa “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” é constitutiva do direito subjetivo exercitado pelo cidadão estrangeiro a que o MP se opõe; e, por isso, os eventuais e indefinidos factos de vida constitutivos da “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” são igualmente factos fundamentadores do direito subjetivo que o autor pretende pôr em crise; são factos que convém ao interessado que sejam adquiridos no processo;

VII - Com efeito, nas ações de apreciação negativa, o direito em causa na lide é um direito subjetivo do réu; e, por isso, como é natural e lógico, o fundamento da ação pode ser, simplesmente, a inexistência de factos constitutivos desse direito; daí (i) o imperativamente disposto no nº 1 do artigo 343º do Código Civil, (ii) bem como no nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil;

VIII – Na legislação, nem sempre coerente ou bem escrita, sobre a aquisição de nacionalidade por se estar casado com cidadão português há mais de 3 anos, a referência a factos nunca é feita pelo legislador relativamente à ação de oposição, pois que o autor não afirma qualquer direito na petição inicial; a referência legal a factos é feita relativamente aos deveres procedimentais criados para com o requerente estrangeiro (vd., assim, os cits. artigos 32º, nº 3, al. a), 35º, nº 1, al. b), e 57º, nº 1: «as declarações para fins de aquisição da nacionalidade portuguesa devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa»);

IX – A atual Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de 2006 preveem, assim, vários deveres procedimentais a cargo do interessado cidadão estrangeiro, relativamente aos factos concretos que lhe dizem respeito (vd., assim, os artigos 32º, nº 3, 35º, nº 1, e 57º, nº 1 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), sujeitando-o a várias consequências ou cominações e às específicas regras de produção de prova do Código de Procedimento Administrativo e do Regulamento da Nacionalidade; isso é feito sob pena, inter alia, da consequência negativa prevista no importante artigo 32º, nº 3, al. a), do mesmo Regulamento;

X - Ou seja, não basta ao cidadão estrangeiro fazer apenas uma declaração genérica sobre o seu alegado direito subjetivo em adquirir a nacionalidade portuguesa; afinal, as leis referem-se a factos concretos para efeitos do procedimento administrativo e a uma ligação à comunidade nacional portuguesa que possa ser qualificada pelo Estado como sendo «efetiva»;

XI – Os preâmbulos dos diplomas legislativos e a doutrina jurídica não têm força prescritiva para a aplicação jurisdicional das leis; e o elemento histórico da interpretação das leis não se sobrepõe ao elemento lógico-sistemático da interpretação (isto é, à unidade e coerência do Sistema Jurídico): com efeito, as normas, como a da al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, não existem nem funcionam de forma abstrata, mas sim de modo sistemático, porque estão integradas num ordenamento jurídico concreto, do qual fazem parte, aqui, o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de 2006, os artigos 342º e 343º, nº 1, do Código Civil de 1966 e, ainda, os artigos 10º e 584º, nº 2, do Código de Processo Civil;

XII - A atual Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa não revogaram, não alteraram, nem excecionaram o imposto no artigo 343º, nº 1, do atual Código Civil de 1966;

XIII – A estrutura da norma contida no artigo 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade não contém na sua previsão qualquer factualidade, impeditiva ou de outro tipo, do direito subjetivo aqui em causa; aliás, as normas impeditivas não são factos impeditivos; retirar dali consequências imediatas quanto ao ónus da prova de factos seria ignorar o artigo 343º, nº 1, do Código Civil e, pior ainda, exigir do autor a prova e alegação de factos negativos legalmente indefinidos;

XIV – Seria injusto, “diabólico” e inconstitucional, por violação da máxima constitucional da Proporcionalidade, que a lei (por exemplo, o Código Civil, a Lei da Nacionalidade ou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa) ou que a jurisprudência onerassem os autores de processos jurisdicionais com o peso de uma prova impossível de factos ou com o ónus da prova de “factos negativos indeterminados ou indefinidos”, como é o caso de uma eventual factualidade negativa subjacente à inexistência de uma ligação qualificada (efetiva) à comunidade nacional portuguesa;

XV - Interpretar dessa forma a al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade e os artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966 constituiria um mecanismo de predeterminação sistemática de insucesso de uma parte processual em favor da outra, a que nenhum legislador ou tribunal pode hoje dar cobertura, o que, ademais, seria (i) assistemático do ponto de vista infraconstitucional (cfr. artigo 9º, nº 1, do Código Civil), bem como (ii) desrespeitador dos Princípios Constitucionais da Proporcionalidade e da Tutela Jurisdicional Efetiva;

XVI - O legislador do ónus da prova (através dos injuntivos artigos 342º ss do Código Civil) e os tribunais (através de uma correta interpretação daquelas regras substantivas) estão constitucionalmente vinculados, sob a luz do princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efetiva, a, cada um nas respetivas funções soberanas, evitarem (i) as situações do ónus da prova diabólica ou impossível (nomeadamente quanto a “factos negativos legalmente indeterminados ou indefinidos”, como aqui ocorre), (ii) as situações de desigualdade no acesso de todas as partes à possibilidade real de demonstração dos factos e ou ainda (iii) as situações de violação da Máxima Constitucional da Proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores dos posições jurídicas pretensivas litigadas no processo; é por isso que a ação prevista nos artigos 10º e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade, efetivamente enquadrada pelo Código de Processo Civil (cf. artigos 10º, nº 3, 411º e 413º), está, sempre, sujeita ao previsto no artigo 343º, nº 1, do Código Civil de 1966;

XVII – A única situação jurídica discutida na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a que se referem o artigo 51º, nº 8, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e os artigos 10º, 3º, nº 1, e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade, é o direito subjetivo de o cidadão estrangeiro réu adquirir a nacionalidade portuguesa, situação jurídica subjetiva ativa essa que tem dois fundamentos legais, imputáveis pelo direito substantivo à pessoa jurídica do interessado: (um fundamento fáctico) ser casado com uma pessoa de nacionalidade (originária ou não) portuguesa há mais de 3 anos e (um fundamento de direito a deduzir de factos) ter uma ligação à comunidade nacional portuguesa que possa ser qualificada como efetiva;

XVIII – Distinto de tais dois requisitos substantivos, deduzidos da leitura sistemático-teleológica do Regulamento da Nacionalidade de 2006 e da Lei da Nacionalidade, é o teor da al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade; esta norma, em coerência com a natureza da ação (logo, em coerência com o Código de Processo Civil e o Código Civil), permite ao MP contestar na petição inicial, através de mera negação (do direito subjetivo e/ou dos eventuais factos constitutivos), o direito subjetivo que o cidadão estrangeiro invocou, direito necessariamente assente em factos fundamentadores e que ele terá referido, como se prevê no Regulamento da Nacionalidade, à Administração Pública;

XIX - Sob pena de violação do artigo 10º, nº 3, al. a), e 584º, nº 2, do Código de Processo Civil e dos artigos 342º e 343º, nº 1, do Código Civil de 1966 ou, em última análise, com uma sua interpretação violadora dos princípios constitucionais da Tutela Jurisdicional Efetiva e da Proporcionalidade, os tribunais administrativos devem julgar procedente a referida ação administrativa de simples apreciação negativa sempre que não seja adquirida no processo, conforme os artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil, factualidade concreta que seja idónea a fazer nascer (isto é, a constituir, a fundamentar) o único direito discutido na causa;

XX – O acabado de expor não impede, antes pelo contrário, impõe que aqui, no caso concreto, se conclua que a ora ré viu, a final, ser adquirida no processo (cf. o artigo 413º do Código de Processo Civil) factualidade concreta suficiente que, traduzida para o direito objetivo segundo as citadas normas substantivas (cf. os artigos 3º, nº 1, e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade; os artigos 342º, nº 1, e 343º, nº 1, do Código Civil de 1966), sustenta, com verosimilhança e credibilidade, os dois pressupostos substantivos do direito subjetivo que a cidadã estrangeira ora ré alardeou a seu favor no procedimento administrativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

ação, com processo especial, de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra

· DORACY ………………….., residente no Brasil, melhor identificada a fls. 3 dos autos.

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Discutida a causa, o referido tribunal decidiu julgar a ação improcedente.

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Inconformado, o autor recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1) A ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa - que tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 4°, nº 2, al. a), do CPC) - deve ser qualificada como uma ação de simples apreciação negativa.

2) De acordo com o disposto no art. 343º, nº 1, do Código Civil, nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

3) À mesma conclusão se chegando se tivermos em conta o facto de que estamos perante uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado. que aí manif esta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.

4) Da matéria factual e documental carreada para os autos resulta apenas que a R. é casada com um cidadão de nacionalidade portuguesa, desde 1982, tem uma filha de nacionalidade portuguesa e reside e sempre residiu no Brasil.

5) Mas tal, por si só, não obstante os seus laços matrimoniais e familiares e a sua pertença a uma família de portugueses, não é demonstrativo da existência da ligação efetiva a Portugal que se exige.

6) Isto atendendo a que vive e sempre viveu no Brasil, pais onde nasceu, no qual tem todas as suas referências sociais e culturais, sendo que, a documentação exibida não comprova que a R. pretende. de facto, estabelecer-se em Portugal.

7) Não ficaram provados - até porque não foram alegados - quaisquer outros factos que pudessem ser indiciadores da referida ligação a Portugal, afigurando-se insuficiente a R. falar a língua portuguesa, pois que essa circunstância advém não de uma particular afinidade com Portugal, mas sim por ser essa a língua oficial do país onde reside.

8) Ou seja, não se mostram provados factos que possam fazer concluir que a R. participe ativamente na vida comunitária portuguesa ou que demonstre conhecimentos arreigados dos usos e costumes, da história e da geografia de Portugal, ao ponto de se poder concluir que tenha uma ligação efetiva à comunidade portuguesa.

9) Em suma, face à matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo, considerar que a R. não tinha ligação efetiva à comunidade portuguesa e, em consequência, declarar procedente a ação.

10) Até porque. tratando-se de uma ação de simples apreciação negativa. tendo o Ministério Público junto aos autos os documentos que estavam ao seu dispor, impor-se-ia que a R. trouxesse ao processo outros elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, o que não fez.

11) Não o tendo feito. o Tribunal. o quo violou o disposto nos arts 56º nº 2. al o), 57°, nº l, ambos do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL nº 237-A/2006 e artº 343 nº 1 do Código Civil.

12) Pelo que a sentença recorrida, deve ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente ação.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

QUESTÃO A RESOLVER

Os recursos, seja para o TCA, seja para o STA, devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos. Têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido, ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Cabe-nos, assim, resolver a seguinte questão:

-A factualidade provada demonstra ou não que a ré tem uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa?

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual:

A. A Requerida, Doraci …………………., filha de António …….. e Maria …………, é natural de Iguape, Estado de São Paulo, Brasil, onde nasceu a 04 de abril de 1964 (cf. documento de fls. 16 - processo físico).

B. Tem nacionalidade brasileira (cf. documento de fls. 20/21).

C. Reside e residiu sempre no Brasil (cf. documento de fls. 13/14).

D. Em 20 de Março de 1982, em São Vicente, São Paulo, Brasil, casou com o cidadão português António …………….., natural de Santa Eulália, Arouca (cf. documentos de fls. 19).

E. Em 14 de Novembro de 2013, prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, com base no referido casamento, mediante impresso de modelo próprio, com registo de entrada na Conservatória dos Registos Centrais em 06 de janeiro de 2014, tendo assinalado que tem ligação efetiva à comunidade portuguesa (cf. documentos de fls. 11-14).

F. A Requerida e o seu cônjuge têm uma filha, Maria …………….., nascida a 14 de agosto de 1982, em Santos, São Paulo, Brasil (cf. Assento de Nascimento n.º 265/2012, junto a f1s. 69/70, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

G. A Requerida e o cônjuge contraíram empréstimos bancários em Portugal, junto do "Banco ……… & ……….., S.A.", para aquisição de imóveis no país (cf. documentos de fls. 23, e seguintes).

H. A Requerida e o seu cônjuge adquiriram imóveis em Portugal (cf. documentos de fls. 23, e seguintes).

I. A Requerida visita frequentemente Portugal (cf. documento de fls. 75 -77).

J. Está integrada no sistema fiscal português, onde tem o NIF …………., emitido em 05.01 .1 994 (cf. documento de fls. 65).

K. No ano de 2012, apresentou declaração anual de IRS juntamente com o seu cônjuge (cf. documento de fls. 61).

L. A declaração para aquisição de nacionalidade portuguesa deu origem ao Processo da Conservatória dos Registos Centrais n.º ………...

M. Por de oficio 25 de Fevereiro de 2014, dirigido à Requerida, a Conservatória dos Registos Centrais, informou, além do mais, que a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos da alínea a) do artigo 9 da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, e que poderia juntar "mais e melhor provas de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa" (cf. documento de fls. 71).

N. Na sequência do Ofício referido na Alínea anterior, a Requerida apresentou a exposição de fls. 74, subscrita pela própria, com o seguinte teor: «Estou habilitando-me para a realização de um grande e incomensurável desejo, qual seja, obter a nacionalidade portuguesa, conforme Artigo 3". da Lei de Nacionalidade 37/81, 3/ 10, cujo processo está registado nesta Conservatória com o nº 137/14 em virtude de ser casada com cidadão português, com quem tenho filhos já detentores de nacionalidade portuguesa, para além de ser bisneta legítima de cidadã portuguesa por parte paterna, vindos para o Brasil de Nazaré em Portugal. Informo que minha ligação com Portugal é muito profunda, dada a criação familiar que tive em ambiente puramente português, para além de ser associada de entidade luso-brasileira que frequento e participo ativamente, demonstrando assim um forte espírito lusitano que herdei de meus pais e avós e bisavós. Viajo todos os anos para Portugal onde eu e meu marido possuímos imóveis em nosso nome, como V. Exa. poderá constatar através das provas já enviadas e anexas ao processo.».

O. Por despacho da Conservadora-auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais, de 15 de julho de 2014, foi determinada a remessa de certidão do Processo da Conservatória dos Registos Centrais n.º 137/2014, ao Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (cf. documento de fls. 89-93v, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

*

Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e apreciarmos o seu mérito de modo sindicável, com base em argumentos jurídicos explícitos e racionais, que respeitem o Direito e a Constituição, designadamente os direitos individuais ou de liberdade, o princípio fundamental da legalidade de todas as atividades de administração pública e, ainda, os corolários jurídicos do ideal de justiça. Isto quer dizer que o disposto nos artigos 2º, 13º, 17º, 18º/2, 112º, 266º, nº 2, e 268º, nº 4, da Constituição e nos artigos 6º a 10º do Código de Procedimento Administrativo é para ser efetivamente respeitado pelas decisões normativas e decisões concretas emitidas por todas as administrações públicas, bem como para ser materialmente garantido pelos tribunais. (1)

A.

Vejamos o tipo de ação que aqui temos e o chamado ónus da prova dos factos que interessam à causa.

Em obediência ao art. 10º/3/a) do Código de Processo Civil, segundo o qual estamos perante uma ação de simples apreciação se a ação tiver por fim único obter a de­claração da existência ou inexistência de um direito ou de uma factualidade, temos de afirmar o seguinte:

-a presente ação é de simples apreciação negativa, pois que o autor (MP) visa, com o seu pedido, a declaração judicial de inexistência de um direito (2) (e não de um facto) invocado pelo réu junto da Administração Pública portuguesa.

Assim, numa ação de apreciação negativa, como a presente, o direito em causa é do réu.

E, por isso, como é natural e lógico, o fundamento da ação pode ser apenas a inexistência de factos constitutivos desse alegado direito subjetivo (isto é, a inexistência de factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado).

É claro que antes de abordar factos constitutivos (ou fundamentadores) de um direito subjetivo não é possível abordar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito; nem abordar os eventuais factos negativos que contrariem o eventual sentido positivo dos concretos factos constitutivos.

Em consequência disso, existem

-o nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil (Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos constitutivos – positivos ou negativos - que o réu tenha alegado e (2º) para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu),

-e o nº 1 do artigo 343º do Código Civil de 1966 (Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos – positivos ou negativos - do direito que se arroga).

Cfr. assim:

- A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, vol. I, págs. 113 ss, e vol. III, 1982, págs. 209 ss, 213 ss e principalmente págs. 345 ss;

- A. A. ROMANO, L’azione di accertamento negativo, Napoli, 2006, pág. 416 ss;

- A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., 1985, págs. 20 ss e 305 ss;

- RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 2015, nos comentários aos artigos 5º e 10º;

- J. CASTRO MENDES, D.P.C., AAFDL, 1980, I, pág. 278;

- Ac. do STJ de 24-10-2006, P. nº 06A1980.

B.

Diz a atual versão de 2006, a 3ª, do artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade:

«Constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional».

Ou seja: basta ao MP invocar na petição inicial que falta o requisito (de direito) designado de “ligação efetiva à comunidade nacional”. Após, o MP ainda poderá utilizar o nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil.

Vejamos algumas importantes normas legais do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (Decreto-Lei nº 237-A/2006, alt. pelo Decreto-Lei nº 43/2013):

Artigo 57º

1 - Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior.

ARTIGO 32º

1 - As declarações a que se refere o n.º 1 do artigo anterior podem ser prestadas em extensões da Conservatória dos Registos Centrais junto de outras pessoas coletivas públicas, em termos a fixar por protocolo a celebrar entre essas entidades e a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, em conservatórias do registo civil e em serviços consulares portugueses, sendo aí reduzidas a auto, e enviadas para a Conservatória dos Registos Centrais, se possível por via eletrónica, nas condições que vierem a ser fixadas por portaria do Ministro da Justiça.

2 - Salvo tratando-se de atribuição de nacionalidade mediante inscrição de nascimento no registo civil português, as declarações referidas no número anterior podem ainda constar de impresso, de modelo a aprovar por despacho do diretor-geral dos Registos e do Notariado, podendo ser apresentadas nas extensões da Conservatória dos Registos Centrais ou enviadas, por correio, para a mesma Conservatória, ou por via eletrónica, nas condições que vierem a ser fixadas por portaria do Ministro da Justiça.

3 - As declarações efetuadas nos termos previstos no número anterior só se consideram prestadas na data da sua receção na Conservatória dos Registos Centrais, devendo ser objeto de indeferimento liminar, no prazo de 30 dias, nos seguintes casos:

a) Quando não constem do impresso de modelo aprovado para esse efeito, ou sejam omitidas menções ou formalidades nele previstas;

ARTIGO 35º

1 - As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º devem conter obrigatoriamente:

a) Os elementos previstos nas alíneas c), e), e g) do n.º 1 do artigo 33.º;

b) A declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa;

Note-se que é claro que todos os importantes deveres sublinhados nos transcritos artigos não dizem respeito ao processo contencioso, mas sim ao procedimento administrativo.

Está evidenciado ali que o requerente, como seria sempre razoável, deve juntar certos documentos quanto àquilo que é suscetível de prova por esses concretos documentos, o que raramente será o caso da “ligação efetiva a Portugal”; este requisito, que é matéria de direito, será explicitável, como nos parece normal, com factos pessoais e sobretudo não documentais.

Por isso mesmo é que a lei obriga o interessado a, no seu requerimento, se pronunciar «sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional» (artigo 57º/1 do Regulamento da Nacionalidade de 2006), após o que, logicamente, a factualidade (necessariamente) referida nessa pronúncia será instruída com os meios de prova adequados, fornecidos pelo interessado e ou obtidos pela Administração, de acordo com as regras e os princípios de procedimento administrativo.

Ali não se trata de uma pronúncia a fingir, de uma pronúncia genérica, vaga ou irrelevante. Se pudesse ser vaga e irrelevante, a lei não exigiria tal pronúncia por parte do interessado.

A sua violação, aliás, determina o indeferimento liminar do requerimento (cf. artigo 32º, nº 3, al. a), do Regulamento da Nacionalidade de 2006).

Este nº 1 do artigo 57º não é, pois, uma norma inútil. Apesar de a redação da Lei da Nacionalidade e do Regulamento da Nacionalidade de 2006 nem sempre ser a mais clara.

C.

Vejamos agora o dever de alegação dos factos essenciais que possam fundamentar o direito em discussão, aqui invocado pelo réu, e que é a pretensão administrativa ou o direito subjetivo de adquirir a nacionalidade portuguesa.

Ora, tal dever de alegação dos factos cabe às partes conforme o previsto nas normas imperativas constantes dos importantes artigos 5º/1, 552º/1/d), 572º/b) e 584º do Código de Processo Civil.

Ali sublinhamos o previsto no muito esclarecedor artigo 584º/2 do Código de Processo Civil, inexistente antes de 1961/67:

«Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e (2º) para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu».

É perfeitamente compatível com o disposto nos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966!

Com efeito, no caso das ações de simples apreciação negativa, como a presente, a factualidade que interessa em primeiro lugar é, e só pode ser, a factualidade concreta constitutiva do (único) direito reivindicado (pelo réu), factualidade a alegar no articulado designado como “contestação”. Após a contestação do titular do alegado direito é que, como decorre do artigo 584º/2 do Código de Processo Civil, o autor estará em justas condições de alegar eventuais factos negatórios e eventuais factos impeditivos do direito que ele, autor, contestou na petição inicial.

Cfr., embora não regulado pelo artigo 343º/1 do Código Civil, o caso especial da distribuição do ónus da prova nas ações administrativas de impugnação de ato administrativo, a reclamar do juiz uma interpretação justa e proporcional dos artigos 342º ss do Código Civil – assim: CARLOS CADILHA, A prova em contencioso administrativo- anotação ao Ac. do TCA Sul de 14.11.2007, P. 2982/07, in CJA, 69, págs. 41 ss; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral…, 3ª edição, 2015, págs. 242-247, e Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de atos administrativos (Ac. do STA – 1.ª Secção, de 26/1/2000, P. 37 739), in CJA, 20, págs. 38 ss.

É por isso que seria inútil, incoerente e ilegal procurarmos ou exigirmos factos impeditivos (de um direito litigado) sem previamente procurarmos ou exigirmos os correspetivos factos constitutivos (desse direito litigado).

É o que resulta, coerente e claramente, do nosso artigo 342º/1/2 do Código Civil e, por exemplo, do artigo 2697º do Código Civil italiano (3):

«Chi vuol far valere un diritto in giudizio deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento.

«Chi eccepisce l'inefficacia di tali fatti (…) deve provare i fatti su cui l'eccezione si fonda».

Traduzindo este artigo 2697º, ligeiramente diferente do nosso artigo 342º/1/2:

1º parágrafo - Quem (réu ou autor) quiser fazer valer um direito em juízo, deve provar os factos que constituem o fundamento desse direito (é o caso da aqui ré);

2º parágrafo - Quem invocar a ineficácia de tais factos (!) constitutivos deve provar os factos que fundamentam tal ineficácia. É esta a norma italiana que mais nos ilumina aqui: se uma parte invocar a ineficácia dos factos (!) provados pela outra parte, deve fazer a prova dos factos contrários àqueles. Portanto, primeiro os factos constitutivos e só depois os factos contrários àqueles, como parece razoável e lógico.

D.

Mas vejamos melhor o nosso Código Civil de 1966, relativamente ao chamado ónus da prova da factualidade fundamentadora do direito em causa neste processo; ou melhor, o ónus de iniciativa da prova (4).

Nesta sede, a utilização da obra processual de A. DOS REIS (de 1945 e anterior), em vez da obra de VAZ SERRA (in B.M.J., nº 110 a nº 112), não pode ser feita acriticamente e sem muitas cautelas, porque o Código de Processo Civil era então muito diferente, tal como o era o Código Civil de Seabra; prova disto é o que consta da obra Código de Processo Civil Anotado, II, a pp. 288 ss, precisamente porque não existiam então os artigos 342º e 343º do atual Código Civil (5) e ainda porque A. DOS REIS importara a doutrina meramente processualista do italiano MICHELI, substituída nos restantes países latinos, nos anos de 1950 e seguintes, pelas doutrinas normativistas e substantivistas de ROSENBERG (6).

E daí que, por vezes, se encontrem citações de frases de A. DOS REIS (inspiradas em MICHELI), de 1945, em textos que pretendem explicar os artigos 342º ss do Código Civil de 1966, o que, logicamente, cria graves equívocos (à semelhança, por exemplo, embora noutra sede, da confusão entre “capacidade de gozo” e “personalidade” contida no artigo 66º do Código Civil, originada pela tradução e importação de uma palavra alemã ambivalente “Reschtsfähigkeit” (7)).

Pode ainda originar confusões entre o atual artigo 414º do Código de Processo Civil de 1961/67 (referente ao julgamento dos factos) e o instituto regulado nos artigos 341º ss do Código Civil de 1966 (referente ao julgamento da causa), maxime nos artigos 342º, 343º e 346º; este último, aliás poucas vezes mencionado, dispõe que «…, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova».

A teoria das normas elaborada por ROSENBERG, sobretudo a partir da 2ª edição da sua obra Die Beweislast, veio mais tarde, já com a 3ª edição de 1953 (Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung (8)), a influenciar MANUEL DE ANDRADE (em 1956: Algumas Questões em Matérias de Injurias Graves como Fundamento de Divórcio), VAZ SERRA (9) (logo depois no B.M.J., Provas (direito probatório material), in B.M.J., nº 110, nº 111 e nº 112, a pp. 61-256, 5-194, 33-299, respetivamente), ANTUNES VARELA (como legislador material nos anos 1960 e posteriormente como autor do seu manual) e ainda, sobretudo, ANSELMO DE CASTRO (nos anos 1970 e 1980 (10)) e REMÉDIO MARQUES (nos anos 2000 (11)).

As teorias normativistas e substantivistas, portanto, inspiraram e explicam bem os artigos 342º e 343º do Código Civil, como se vê sobretudo na obra Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pp. 351 ss, de A. ANSELMO DE CASTRO, e na obra Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590 ss, de J. P. REMÉDIO MARQUES.

Para se entender uma das bases teóricas dos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 (também designado por alguma doutrina como o “Código Vaz Serra” (12)), devemo-nos recordar que, para ROSENBERG, a distribuição do ónus da prova está já implícita na regulação legal (substantiva) das próprias relações jurídicas, sendo por isso que tal distribuição deriva especificamente da forma como está estruturada a previsão das normas substantivas que regem o direito controvertido no processo. E assim também se conseguiu evitar a insegurança jurídica, perante a discricionariedade dos tribunais, existente na Alemanha do século XIX.

Importa, por outro lado, repetir uma importante distinção: o ónus ou risco da prova não está regulado no artigo 414º do Código de Processo Civil («A dúvida sobre a realidade de um facto … resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita»), mas sim nos artigos 342º ss do Código Civil. O artigo 414º do Código de Processo Civil tem a ver com o non liquet fáctico; o chamado ónus da prova tem a ver com o non liquet de mérito.

Outra distinção: o ónus da prova não é o ónus de alegar os factos essenciais para a ação, embora normalmente um acompanhe o outro; aliás, como escreve ANSELMO DE CASTRO, «o ónus da alegação é determinado pelo ónus da prova, e não este pelo primeiro» (in Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, p. 355).

Lembremo-nos ainda de algo muito importante aqui: é totalmente irrelevante para o tribunal que a prova relativamente a certa questão de facto tenha provindo da atividade de uma ou da outra parte (cfr. assim o atual artigo 413º do Código de Processo Civil de 1961/67).

Ora, nesse contexto, a pergunta a que o nosso atual regime do ónus da prova (13) responde nos artigos 342º ss do Código Civil, da autoria material de um VAZ SERRA já conhecedor da teoria das normas de ROSENBERG (Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung - O Ónus da Prova com base no Código Civil e no Código de Processo Civil, assim desde a 3ª edição)(14), é a seguinte:

-como se reparte entre os litigantes do processo o encargo de iniciativa da prova da factualidade que interessa à tutela jurisdicional da pretensão em causa, para efeitos de assunção do risco da falta ou insuficiência dessa factualidade?

E.

O critério legal para responder a tal pergunta foi, naturalmente, baseado nos valores inspiradores do Direito: a justiça, a razoabilidade, a eficiência e a normalidade. Devemos ter isto bem presente. Afinal, trata-se de uma regra de julgamento da causa.

Ora, o ónus da prova, o encargo material ou objetivo da prova, é uma regra legal de repartição do risco, quanto ao mérito da pretensão deduzida, de determinada factualidade essencial não ser adquirida no processo ou não ter sido sequer alegada nos articulados. Portanto, tal ónus de iniciativa da prova refere-se, hoje, à situação de mérito da parte contra quem o tribunal decidirá quando, em face dos elementos carreados para os autos por qualquer dos sujeitos processuais (cfr. princípio da aquisição processual), o juiz se não convença da realidade da factualidade que daria vantagem a essa parte.

Regem, no nosso caso, os consabidos arts. 342º ss do Código Civil de 1966.

A regra básica e geral, também lógica e equilibrada, decorrente dos artigos 342º e 343º e seguintes do Código Civil de 1966 é, pois, a de que quem (autor ou réu) invoca um direito, como sendo seu, tem o dever ou o encargo da prova dos factos constitutivos desse seu alegado direito (isto é, tem a carga da prova dos factos que são idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado).

Cfr. precisamente assim:

- J. P. REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590-596;

- A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, pp. 351 ss;

- J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, 3ª ed., 2013, pp. 121 e 207;

- P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, nota 5 ao art. 342º e notas ao art. 343º;

- Consº FERNANDO P. RODRIGUES, A Prova em Direito Civil, 2011, pp. 21-25;

- J. LEBRE DE FREITAS, A Confissão..., pp. 209-210, n. 33.

E factos constitutivos de um direito são os factos que, segundo a lei substantiva, se mostram capazes de fundar o direito de que alguém se arroga. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou do STJ não vai contra o que se acaba de referir.

Assim, nas ações de simples apreciação negativa, não se aplica, imediatamente, o disposto no artigo 342º/1 do atual Código Civil, pela simples razão de que nas ações de simples apreciação negativa o autor, visado em tal norma, não está a invocar qualquer direito; também não se aplica o artigo 342º/2, porque ele é autor e não réu; afinal, aplica-se imediatamente, além do artigo 584º/2 do Código de Processo Civil (15), o artigo 343º/1 do Código Civil: «compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga» - cfr. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, pp. 352 e 358.

«Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa incumbe ao réu o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga e que o autor pretende que seja declarado que não existe» (Ac. do T.R.L. de 9-5-1996, P. nº 013222).

Por isso, no fim das contas, a regra geral, lógica e pragmática (como diria ROSENBERG), constante do nosso Código Civil é sempre esta: quem invoca uma situação jurídica a seu favor, independentemente de ser autor ou réu, tem, dentro de um critério de normalidade (assim P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, p. 306), o ónus ou encargo da prova da factualidade fundamentadora dessa alegada situação jurídica benéfica (assim J. P. REMÉDIO MARQUES, op. e loc. cits.).

Nestes termos, nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos elementos da sua, aqui decisiva, facti species. Na incerteza ou na falta de suficientes factos fundamentadores, o juiz decidirá, portanto, contra a parte que a norma pretende beneficiar.

Importa, por isso, distinguir cuidadosamente as normas substantivas que aproveitam a cada uma das partes. Esta distinção faz-se, como fixaram ROSENBERG ou SCHWAB (cfr. ROSENBERG /SCHWAB /GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, 15.ª ed., Beck, Munique, 1993; ROSENBERG, Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung = O Ónus da Prova com base no Código Civil e no Código de Processo Civil - 5ª ed., Beck, Munique, 1965 (16), esta com tradução na América do Sul em La Carga de la Prueba, 2ª ed., Editorial B DE F, Montevideo, 2002; v., ainda, ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, trad., Ara Edit., Perú, 2007, 2 tomos), cujas teses foram timidamente recebidas por MANUEL DE ANDRADE em 1956 e adotadas pelo Código Civil de 1966 por influência de VAZ SERRA e ANTUNES VARELA nos anos 1960, sendo depois plenamente recebidas por, i.a., ANSELMO DE CASTRO nos anos de 1970 e 1980 e REMÉDIO MARQUES nos anos 2000: atende-se ao teor das normas que concedem o direito subjetivo ou outro tipo de situação subjetiva favorável, para efeitos de se apurar qual é a factualidade constitutiva ou fundamentadora; é da aquisição processual dessa factualidade que depende o sucesso da parte que se diz titular da situação jurídica subjetiva favorável.

As teorias de ROSENBERG e de SCHWAB, inspiradoras dos artigos 342º e 343º do nosso atual Código Civil, têm sobretudo em conta a redação legal de direito substantivo, que autonomiza os vários preceitos (que preveem factos; não preveem provas). Encontraremos, assim, (i) “normas de base” e (ii) “contranormas”; aquelas são constitutivas do direito subjetivo, porque preveem factos constitutivos; as contranormas podem ser impeditivas, excludentes ou extintivas das anteriores, porque preveem factos com tal efeito jurídico; também podem haver normas especiais do ónus da prova (é o que ocorre nos sistemas jurídicos onde não existam normas iguais às dos artigos 343º ss do nosso Código Civil).

As teorias de ROSENBERG e de SCHWAB pressupõem, na verdade e pragmaticamente, a existência de uma relação, não explicitada, de maior proximidade entre a parte onerada com a prova e o facto probando, por referência à norma de que tal parte se prevalece.

Mas, sublinhe-se que a identificação da norma constitutiva ou de base, donde se retira o facto fundamentador (cujo risco da prova compete ao beneficiário dela), requer uma análise teleológica do material jurídico existente nos textos legais substantivos (como, por exemplo, os artigos 3º/1 e 9º/a) da L.N. e 57º do Regulamento da Nacionalidade de 2006), para se poder estabelecer quais são os elementos que representam o fundamento ou a justificação substancial do efeito jurídico pretendido por quem tem um direito substantivo a afirmar ou a exercitar.

E daí haver normas clarificadoras como as do artigo 343º do nosso Código Civil. E daí também ser importante considerar a dificuldade de prova de certos tipos de factos da vida.

Enfim, o nosso sistema instituído nos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 para a distribuição do ónus da prova (uma pura necessidade de ordem prática, segundo LEO ROSENBERG) exprime uma equilibrada ou pragmática “teoria normativa e estática da distribuição do ónus da prova” (esta teoria estática, curiosamente, já foi mitigada no Brasil (17) - cfr. artigos 357º/III (18) e 373º (19) do novo Código de Processo Civil brasileiro e em Espanha - cfr. artigo 217º do novo Código de Processo Civil espanhol (20) - cujos novos sistemas se integram na “teoria dinâmica da distribuição do ónus da prova”, mas para acautelar, ainda com mais segurança, as situações de prova impossível ou diabólica, ou de desigualdade no acesso das partes à possibilidade real de demonstração dos factos, ou de violação da máxima constitucional da proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores – negativos ou positivos - das situações jurídicas subjetivas benéficas para cada uma das partes).

G.

Relembremo-nos que o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade não é uma norma especial de ónus da prova, nem prevê factos. Isto é decisivo. Tem, “apenas”, um conteúdo que será apurado a partir de factos concretos a alegar nos vários articulados da ação de oposição (em que o autor surge como “contestante” e o réu como “o verdadeiro demandante”).

Ora, por isso também, adiantamos desde já que, aqui, o autor MP não tem e não poderia ter, em nosso modesto entender, o ónus da prova da referida «inexistência da ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa», porque, afinal, se trata de matéria de direito (e não de factualidade constitutiva de um direito – assim: ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., III, p. 351).

O autor também não tem o ónus de alegar na petição inicial (antes de o réu suposto titular do direito vir a juízo) factos impeditivos (que, note-se, são sempre de caráter ambivalente ou sinalagmático), factos impeditivos que serão eventualmente alegados apenas noutro momento, isto é, como manda o cit. artigo 584º/2 do Código de Processo Civil, em resposta aos contrapostos factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado aqui, alegados na contestação (e no prévio procedimento administrativo).

Mais. O autor também não tem, porque não pode/deve ter, os ónus ou sequer as simples possibilidades de alegar e de provar “factos negativos indefinidos ou indeterminados” e de natureza privada relativos ao direito que o réu afirma ter no seu património jurídico. Seria uma tarefa desumana, logo, impossível e de imposição legal injusta.

Já o cidadão estrangeiro ora réu, que alardeia e invoca um seu direito (assente, por isso, em factos que ele conhece):

-tem o ónus e o peso da prova dos seus factos concretos idóneos a fazer nascer a sua ligação à comunidade nacional portuguesa, que tem de ser «efetiva»,

-e, por isso, tem o ónus de alegar, na sua contestação, os factos pessoais constitutivos do seu alegado direito subjetivo (os factos que fundamentam o direito que o autor contesta).

Só não seria assim se o Código Civil de 1966 e o Código de Processo Civil tivessem sido alterados nesta matéria pela Lei da Nacionalidade ou se a Lei da Nacionalidade contivesse um regime próprio de ónus da prova para as ações ali previstas. E, ainda assim, sem prejuízo de haver nesse putativo regime específico de ónus da prova uma violação da máxima constitucional da proporcionalidade, ao onerar, excessivamente e sem justificação, o autor.

Portanto, (1º) após o autor MP porventura afirmar na p.i. e com base no procedimento administrativo ocorrido que o réu não tem o direito que invocou, porque não existem ali factos que sustentem a exigida ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa, (2º) o réu tem, naturalmente, a necessidade de provar ou de ver provados os factos pessoais subjacentes ao (seu) direito subjetivo, que invocou antes do processo jurisdicional, isto é, os factos subjacentes à (sua) ligação efetiva à sociedade e cultura portuguesas.

Posteriormente, (3º) com ou sem a réplica referida no artigo 584º/2 do Código de Processo Civil, (4º) sobre tais factos concretos recairão as regras de julgamento da matéria de facto e as relativas aos diferentes meios (lícitos) de prova que constam do Código de Processo Civil - direito probatório formal, onde se incluem os importantes artigos 413º e 411º - bem como as regras que constam dos artigos 349º a 396º do Código Civil, que já são direito material.

(5º) Depois, já em sede de julgamento do mérito da causa, o juiz aplicará as regras de direito substantivo, incluindo, no caso de “faltarem factos essenciais provados”, as do chamado ónus da prova constantes dos arts. 342º ss do Código Civil de 1966, como direito substantivo que são.

Como já demos a entender, a cit. ligação do réu à comunidade nacional, a qualificar como efetiva, há de ser aferida, logicamente, por factos absolutamente alheios ao autor MP, i.e., por factos

-pessoais do interessado réu,

-relativos aos seus domicílios,

-relativos às línguas que fala ou não fala,

-relativos aos seus hábitos pessoais,

-relativos às amizades portuguesas que não tem ou tem,

-relativos aos livros portugueses que não lê ou lê,

-relativos à comida portuguesa que desconhece ou que não come,

-e relativos a muitos outros e indeterminados aspetos concretos de ordem privada, familiar, cultural, social e profissional,

que, a final, consubstanciem o requisito jurídico positivo da ligação efetiva à comunidade ou sociedade portuguesas.

Trata-se de demonstrar, de poder “normalmente” demonstrar, a factualidade constitutiva relativa a «uma inserção, ou adesão, livre, material e espiritual, do requerido (na oposição) à vida da comunidade tal como é vivida pela generalidade dos cidadãos» (Ac. do T.R.L. de 4-7-1996, P. nº 0982).

E, assim, se a Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade de 2006 expressamente nos dizem que a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional é fundamento (não fáctico) da oposição do MP à pretensão (!) de aquisição da nacionalidade portuguesa, isso significa necessariamente que o processo jurisdicional perscrutará e adquirirá factos concretos como manda o Código de Processo Civil, a integrar na previsão jurídico-normativa do artigo 9º/a) cit. da única maneira jurídico-logicamente possível, procurando os factos concretos de sentido positivo e mais fáceis de alegar e de provar.

A ligação à comunidade nacional a qualificar como efetiva é, pois, um requisito jurídico da satisfação administrativa ou jurisdicional da pretensão e do direito subjetivo que o cidadão estrangeiro «alardeia» (expressão esclarecedora retirada de ANTUNES VARELA et al., Manual…, p. 461).

H.

Ora, a lei e o Sistema Jurídico pretendem aqui a intervenção do MP, e, no caso de litígio, do Tribunal, para que este tipo de litígio, quando surja, não seja resolvido apenas por via do procedimento administrativo, do ato administrativo de recusa. O Direito nacional quer uma intervenção jurisdicional. Mas isso não muda a natureza das coisas, i.e., não muda aquilo que nos é imposto pelos vigentes

-arts. 5º/1, 10º/3/a), 571º/1‐2ª parte, 584º/2 (21) e 588º/1 do Código de Processo Civil e

-art. 343º/1 do Código Civil.

Quer dizer, aquilo que o interessado estrangeiro alardeia fora do processo judicial, no procedimento administrativo prévio, terá de ser aqui alegado e provado com factos constitutivos (como só poderia ser), sob pena de não se adquirirem nesta ação os fundamentos (fácticos) do requisito (jurídico) do direito subjetivo que invocou ante a Administração Pública.

Como se disse já, os factos constitutivos são os factos fundamentadores exigidos pela norma criadora do direito invocado ou litigado. E aqui, neste processo, o direito criado pela Lei da Nacionalidade conjugada com o Regulamento da Nacionalidade de 2006 (invocado ante a Administração Pública) é, tão somente, um direito subjetivo do ora réu, cidadão estrangeiro; é o direito subjetivo de adquirir a nacionalidade portuguesa, direito este (e não factualidade) que o ora autor põe em causa na petição inicial desta ação de mera declaração negativa.

É claro que o autor MP também poderá invocar na petição inicial que são falsos ou duvidosos os concretos factos pessoais constitutivos invocados no procedimento administrativo pelo cidadão estrangeiro para ali fundamentar o seu direito subjetivo, como lhe impõe o Decreto-Lei que contém o Regulamento da Nacionalidade (vd. os artigos atrás transcritos).

Enfim, seguindo aqui a metodologia válida para a teoria das normas de ROSENBERG, concluímos que a Lei da Nacionalidade e o seu Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de 2006 preveem ou exigem dois grupos de factos fundamentadores do único direito aqui litigado:

1º) o facto previsto no artigo 3º/1 e

2º) factualidade (não definida na lei, isto é, indeterminada) que seja idónea a ser qualificada, pela A.P. ou pelos tribunais, como “existência de uma ligação à comunidade nacional portuguesa com conteúdo e natureza efetiva”.

Atento este segundo grupo de factos, cabe sublinhar que, como é evidente, seria injusto, diabólico e desproporcionado que uma ordem jurídica onerasse uma parte processual com o peso da prova de uma factualidade negativa indeterminada ou indefinida. Estaria assim encontrado, dessa forma, um mecanismo de predeterminação sistemática de insucesso de uma parte em favor da outra (assim L. ROSENBERG, La Carga de La Prueba, Ediciones Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, 1956, pág. 84), a que nenhum legislador ou tribunal pode hoje dar cobertura, sob pena de clara injustiça e de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da tutela judicial efetiva e da proporcionalidade.

Quando se impõe a alguém que faça prova de um facto (não é o caso da al. a) do artigo 9º cit.), parte-se do princípio de que o facto, em si, é suscetível de ser provado. E quando se impõe a um concreto sujeito a prova de um determinado facto, quando este é invocado num dado contexto, parte-se do princípio que a prova de certo trecho da realidade é mais facilmente realizável por esse sujeito do que pelos demais a quem tal facto possa interessar. Depende, em primeira linha, das características do facto ou das circunstâncias da sua ocorrência. Nesta aceção, poderá talvez dizer-se que a dificuldade de prova é eminentemente objetiva, ela é inerente ao facto em si. Igualmente deve atender-se à dificuldade aferida pelas reais possibilidades de um determinado sujeito; e esta é tratada pela distribuição do ónus probatório.

Por outro lado, os factos impeditivos são factos suscetíveis de obstar a que um direito invocado se tenha validamente constituído (v.g., incapacidade, simulação, erro, dolo, etc.) e ainda os que, operando ab initio, apenas retardem o surgir desse direito ou a sua exequibilidade. Mas repetimos: nem a Lei da Nacionalidade, nem o Regulamento da Nacionalidade, preveem factos impeditivos do direito invocado pelo ora autor. Por exemplo, os cits. artigos 9º/a) e 10º cits. não referem factos, mas apenas uma condição processual (não fáctica) para o MP ir a juízo, decorrente de a lei saber, logicamente, que o Código Civil (artigo 343º/1) e o Código de Processo Civil (artigo 584º/2), conjugados devidamente, exigem que os factos fundamentadores do direito litigado sejam alegados em juízo pelo titular do direito, titular esse que, por isso mesmo, fica onerado com “o risco e a carga da prova”.

Quer dizer:

-Se a inexistência da matéria de direito referida na al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (“ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”) é fundamento jurídico para a ação de oposição (note-se bem, “de oposição”), então, logicamente, essa “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” é constitutiva do direito subjetivo exercitado pelo cidadão estrangeiro a que o MP se opõe;

-E, por isso, os eventuais e indefinidos factos de vida constitutivos da “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” são igualmente eventuais e indefinidos factos fundamentadores ou constitutivos do direito subjetivo que o autor pretende pôr em crise; são factos que, naturalmente, convém ao interessado que sejam adquiridos no processo.

I.

Outra coisa, diferente de factos impeditivos, são factos negativos, de sentido negativo ou negatório. Os factos impeditivos podem ser factos positivos, como é normal.

Na legislação aplicável a este processo não há quaisquer factos impeditivos a provar e alegar.

Ora, como escreveu VAZ SERRA (in B.M.J., nº 110, p. 120) e como bem explicou ANSELMO DE CASTRO (in Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, pp. 354-355), não releva como obstáculo a uma boa distribuição do ónus da prova o sentido negativo do facto essencial (previsto na lei) sob prova, porque o que interessa nesse caso é que esse facto negativo (definido ou determinado) seja requisito constitutivo do direito invocado. Tal como não releva se se onera com o peso da prova o autor ou o réu.

Os factos negativos em geral dizem “não” a algo (determinado ou indeterminado). Podem em abstrato ser:

(i) “factos negativos determinados” com referência às normas de direito substantivo que o processo visa tutelar (exemplo: “não - x”, sendo “x” o facto contraposto que permite negar a negação, isto é, “x” é facto de sentido positivo; “o réu não sabe onde fica Portugal” seria “não - x”, e “o réu sabe que Portugal fica em ...” seria “x”) ou

(ii) “factos negativos legalmente indeterminados” (exemplo: “não - nada” ou “não - ?”).

É, pois, fácil de constatar, sob critérios de normalidade e razoabilidade, a dificuldade extrema ou mesmo a impossibilidade de alguém alegar e provar um facto negativo legalmente não determinado ou legalmente indefinido.

Daí a racionalidade e a constitucionalidade do disposto nas 4 regras constantes dos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966.

O mesmo se entende hoje em Itália:

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 23229/2004;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 384/2007;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 22862/2010;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 19354/2010;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 12108/2010;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 16917/2012;

- ALBERTO A. ROMANO, L’azione di accertamento negativo, Jovene Editore, Napoli, 2006.

J.

Portanto:

i) - A regra básica de julgamento que os artigos 342º e 343º do Código Civil de 1966 impõem, na esteira de, por exemplo, ROSENBERG e SCHWAB, ANSELMO DE CASTRO (in Direito Processual Civil Declaratório, III) e REMÉDIO MARQUES (in Ação Declarativa…, 3ª ed.), é a seguinte: quem invoca a seu favor uma qualquer situação jurídica substantiva (com efeito extintivo de outra; com efeito impeditivo de outra; com efeito modificativo de outra; ou de tipo constitutivo dela própria) perderá a causa onde se discute essa situação jurídica, se não se provar no processo a factualidade concreta que fundamenta, substantivamente, a invocada situação jurídica;

ii) – Não é proibido, nem irrazoável, onerar alguém com o ónus da prova de uma factualidade relativamente negativa, isto é, com o peso da prova de um “facto negativo relacional, determinado, definido”;

iii) – Mas, como é impossível provar um “não-nada facto”, seria injusta, desproporcionada (e, portanto, inconstitucional), desnecessária e “diabólica” uma norma do Código Civil (ou uma jurisprudência) que onerasse alguém com o “peso da prova” de uma “factualidade negativa legalmente indeterminada”; seria o que ocorreria se considerássemos que o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade onera o MP com (a alegação e) o peso da prova de factos contrários a factos indeterminados (pessoais alheios) com referência ao conceito “ligação efetiva a Portugal”; e daí que não o façam os artigos 342º e 343º do atual Código Civil e 10º/3 do atual Código de Processo Civil.

K.

Não desconhecemos os doutos acórdãos recentes do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria:

- o autor MP teria (primeiro) o ónus de alegar e (depois) o ónus da prova dos factos de natureza negativa indeterminada subjacentes à conclusão jurídica (de natureza negativa) de que o cidadão estrangeiro não tem ligação efetiva a Portugal, (i) como se o artigo 35º/1/b) do Regulamento da Nacionalidade de 2006 (22) não tivesse significado, (ii) e em vez de ser o interessado réu a fazer a prova dos “seus” factos concretos pessoais (de sentido positivo) que integram o requisito jurídico da “existência de ligação efetiva a Portugal”;

- a Lei da Nacionalidade (e o Regulamento da Nacionalidade de 2006?) visaria promover o valor da unidade familiar, (i) apesar de a L.N. não o referir e (ii) de não exigir nem que o interessado tenha família, (iii) nem que o eventual cônjuge com nacionalidade portuguesa (natural ou adquirida) resida em Portugal; mas, (iv) ainda que fosse esse o fim da Lei da Nacionalidade e do Regulamento da Nacionalidade, daí não resultaria necessariamente nada quanto à inexigibilidade de outros requisitos legais (a não ser que a lei o dissesse); a ser assim, deixaria de ter sentido o disposto no artigo 9º, alínea a), da Lei da Nacionalidade, segundo o qual a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa tem, entre outros fundamentos, a não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional (cfr. assim o Ac. do STJ de 3-3-1998, P. nº 97 B 700).

- o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade remeteria para factos impeditivos (situação que obsta a que o direito tenha nascido eficazmente – assim VAZ SERRA, Provas, cit., nº 17), (i) os quais não se descortinam em nenhuma previsão da Lei da Nacionalidade (ao contrário do que se passa com as alíneas b) e c) daquele artigo), (ii) e sem se nomear quais os factos constitutivos contrapostos e ainda (iii) sem se considerar as implicações da existência lógica do cit. artigo 584º/2 do Código de Processo Civil;

- teria ficado claro, com base no elemento histórico da interpretação das leis, que assim é, (i) apesar de os restantes elementos da interpretação (cfr. artigo 9º/1 do Código Civil), nomeadamente o sistemático, apontarem em sentido contrário, uma vez que os artigos 342º e 343º do Código Civil de 1966 e 10º/3/a) do Código de Processo Civil não foram alterados, nem revogados, nem excecionados pela Lei da Nacionalidade.

Em bom rigor, nada de substantivo se alterou na nossa Lei da Nacionalidade desde 1981 quanto a este ponto nuclear, sobretudo se atendermos, coerentemente ou sistematicamente, ao imposto nos artigos 10º/3 do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil. (23)

Ora, o referido entendimento daqueles acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo significaria, de acordo com o Código Civil de 1966, que o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade é, afinal, uma norma especial de ónus da prova, relativamente ao imperativo artigo 343º/1 do Código Civil, exigindo do MP (a alegação e) o peso da prova de factos negativos indeterminados da vida pessoal do interessado réu. Ou seja, o autor MP teria de alegar e de fazer a prova, sem a colaboração do titular do único direito subjetivo litigado, dos seguintes factos absolutamente negativos ou “factos negativos indeterminados”, pertencentes exclusivamente ao mundo do réu e relevantes para sustentar o direito que, não o autor, mas o réu alardeia como sendo seu:

-o interessado não gosta da cultura portuguesa;

-o interessado nunca veio a Portugal;

-o interessado não frequenta nenhuma atividade ligada a Portugal;

-o interessado não acompanha a sua família nas viagens a Portugal;

-o interessado não quer ficar a viver em Portugal, disse à sua mulher que quer ir de imediato viver para a Alemanha ou o Egito;

-o interessado não fala português;

-o interessado não gosta do hino português, nem do povo português;

-o interessado, por ser ateu fanático ou muçulmano fanático, odeia as sociedades cristãs,

-o interessado não conhece os hábitos e costumes da população da localidade para onde diz que quer ir viver, ou do povo português;

-o interessado nada sabe sobre a geografia de Portugal;

-o interessado não conhece o fado, o bacalhau à portuguesa ou o Benfica;

-o interessado nada sabe sobre a História de Portugal;

-etc., etc…

Ali, o “etc.” explicita suficientemente o que se quer dizer com “factualidade negativa indeterminada”, privada e pessoal do réu.

Mas, pelo menos desde o Código Civil de 1966 e ainda sob a égide do princípio constitucional da Proporcionalidade (vinculativo para o ato de legislar, para o ato de administrar e para o ato de julgar) que, salvo o devido respeito, não pode ser assim, porque:

i) - Há que ter sempre em conta quais são os factos constitutivos do (único) direito litigado num processo, como resulta dos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil; o tribunal não pode nunca ignorar tal tipo de factos; é que, para tutelar um direito material, se o juiz não comprovar de todo os factos constitutivos, irrelevarão, consequente e logicamente, os factos impeditivos e os “correspetivos” factos negatórios ou negativos;

ii) - Não tem sentido ou é inútil, do ponto de vista do mérito a que se reportam os artigos 342º e 343º cits., falar em factos impeditivos (e não referidos na lei) de um direito litigado sem antes identificar e dar relevo jurisdicional aos correspetivos factos constitutivos desse direito (assim ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, p. 353); isto confirma-se ainda pelo teor (não revogado) do atual nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil, segundo o qual os eventuais factos impeditivos (diferente de factos negativos) do direito invocado pelo réu são alegados na réplica;

iii) – Os factos negativos (determinados) são factos carecidos de prova, para efeitos de oneração com o ónus da prova, desde que sejam requisitos da pretensão substantiva litigada (assim VAZ SERRA, Provas, in B.M.J., nº 110, p. 120), ou seja, desde que sejam factos constitutivos negativos; não é o que se passa aqui;

iv) - No caso presente, acresce que a Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade não preveem qualquer facto impeditivo do único direito litigado nesta concreta ação, com este concreto fundamento; por isso, basta ao autor MP, que não alega qualquer direito “seu” (!), invocar na p.i. aquilo que a al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade refere (e que é matéria de direito); depois, haverá lugar à normal aplicação do racionalmente previsto nos, aqui decisivos, artigos 572º/b) («Na contestação deve o réu expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor») e 584º/2 do Código de Processo Civil (24) e no, também aqui decisivo, artigo 343º/1 do Código Civil de 1966, tudo em conformidade com o imposto no artigo 10º/3/a) do Código de Processo Civil e em resultado da “teoria das normas” consagrada nos artigos 342º ss do Código Civil de 1966

- cfr. assim: A. ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório, III, págs. 345-365, P. LIMA/A. VARELA, in C.C. Anotado, I, notas aos artigos 342º e 343º, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Sobre o ónus da prova nas ações de responsabilidade civil médica, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, págs. 131-144, J. P. REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590-596, J. LEBRE DE FREITAS, A Confissão..., págs. 209-210, n. 33, RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, I e II, 2015, comentários aos artigos 5º, 10º e 584º;

v) – Por outro lado, o elemento histórico da interpretação da Lei da Nacionalidade e do Regulamento da Nacionalidade não se pode sobrepor ao elemento lógico-sistemático da ordem jurídica portuguesa (assim M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, págs. 371-372), aqui no contexto dos imperativos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 e dos também imperativos artigos 10º/3 e 584º/2 do Código de Processo Civil;

vi) - O Direito e a justiça, expressos no princípio constitucional da proporcionalidade, não autorizam que o legislador ou o juiz pretendam que o ora autor tenha de provar e alegar “factos negativos legalmente indeterminados ou factos absolutamente negativos”, isto é, factos negativos sem relação possível com concretos factos positivos decorrentes da norma de direito substantivo que sustenta o direito litigado, sob pena de se criar um ónus da prova diabólica, isto é, uma regra de julgamento injusta e desequilibrada. Não é por acaso que a jurisprudência portuguesa já sentiu a necessidade de afirmar que a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes do que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur (cfr. Ac. do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO de 17/12/2008, proc. n.º 0327/08; Ac. do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO Norte de 14/03/2013, proc. n.º 00997/12.8BEPRT; Ac. do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL de 04/12/2012, proc. n.º 06134/12).

E não é por acaso que o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO já emitiu, ainda que noutra sede, acórdãos como os de 24-11-99, proc. Nº 32434, e de 26-1-2000, proc. Nº 37739, apelando à centralidade das posições substantivas das partes, em vez das posições meramente processuais, para se “inverter” a posição das partes processuais e o ónus da prova; cfr., ainda o Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO de 2-5-2006, Pr. Nº 095/06. Mas, na verdade, nas ações de simples apreciação negativa não há necessidade do esforço jurídico ali evidenciado, porque a inversão do ónus da prova resulta de (justa e) expressa imposição legal (artigos 10º/3/a) do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil).

Portanto, com o devido respeito, o recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo sobre o ónus da prova nas ações relativas ao artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade seria, porventura, correto antes do Código Civil de 1966 e da Constituição de 1976, mas hoje desrespeita (i) o regime imperativo resultante da conjugação dos artigos 10º/3 do Código de Processo Civil e 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966; e, se fosse infraconstitucionalmente correto, desrespeitaria afinal (ii) o próprio princípio constitucional da proporcionalidade (25).

Dito de outro modo: aquela interpretação-aplicação dos artigos 342º ss do Código Civil, feita recentemente pelo Supremo Tribunal Administrativo, é, com o devido respeito, ilegal (porque violadora do artigo 343º/1 do Código Civil) e injusta (porque desproporcionada quanto à distribuição legal da “carga, peso ou ónus material da prova”).

L.

Assim, o que o nosso Sistema Jurídico impõe claramente aos tribunais é que, nas ações de apreciação ou declaração negativa (cfr. artigo 10º/3 do Código de Processo Civil), como é a presente ação, recaia sobre o réu o risco de não se fazer a prova dos factos constitutivos do direito de que ele se arroga. Nada mais natural e lógico, tendo em conta que o ónus da prova, ou ónus de iniciativa de prova, regulado no Código Civil de 1966:

-é uma regra (substantiva) de risco referente, sobretudo e em primeira linha, aos factos concretos constitutivos que interessam a quem, seja autor ou seja réu, invoca um direito como seu (e não a conclusões jurídicas);

-não se reporta ao ónus (processual) de alegação de factos, regulado no Código de Processo Civil;

-não é uma regra normal de enquadramento jurídico dos factos provados, mas sim uma regra especial de julgamento da causa para funcionar contra uma das partes oneradas com ele no caso de não ter ficado provado, a final, certo facto concreto essencial para sustentar a posição jurídica resultante de tal facto.

Continuemos.

Supõe-se que se pode dizer que, na jurisprudência, é maioritária a orientação segundo a qual o artigo 343º/1 do Código Civil implica uma inversão do ónus da prova: nas ações de simples apreciação negativa, não cabe ao autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto alheio não existe, mas compete ao réu, que vinha arrogando extrajudicialmente a existência desse seu direito ou facto, alegar e provar pela positiva tal existência.

Por isso também os nossos supremos tribunais consideram que a atribuição ao réu, nos temos do art. 343.º, n.º 1, do Código Civil, do ónus da prova dos factos constitutivos torna inútil a dedução de um pedido reconvencional por esse demandado, dado que o que essa parte vai obter através da prova daqueles factos é o mesmo que poderia conseguir através da procedência desse pedido reconvencional.

Neste tipo de ações, portanto, a alegação e o peso da prova dos factos constitutivos da posição jurídica benéfica (situação de vida com relevância jurídica, relacional ou não, em que se encontra colocado alguém (26)) substantiva em jogo incumbe, natural e logicamente, à parte que invoca como sua tal posição jurídica, parte que fica por isso onerada com o risco da não demonstração desses “seus” factos.

M.

Este critério do onus probandi assenta também, desde o Código Civil de 1966, na ideia pacífica e justa (e pragmática) de que é mais fácil ao réu arcar com o peso da prova da existência de um seu direito ou de um seu facto contestado pelo autor, visto que impor a este a prova da inexistência do direito ou do facto em questão seria forçá-lo a uma prova impossível ou muito difícil (assim VAZ SERRA, Provas, in B.M.J., n.º 110, pág. 164). «Em caso de a prova de um facto se revelar difícil para uma das partes e ser fácil para outra por ser do seu conhecimento pessoal e/ou poder ter acesso fácil ao seu conhecimento e prova e não poder deixar de conhecer, o encargo de provar cabe à parte que se encontra em melhor posição para a produzir e auxiliar a descoberta da verdade; quem tem um facto a seu favor é quem melhor se acautela com os meios de o provar» (Ac. do T.R.L. de 22-10-1996, P. nº 02911).

Por vezes não será situação simples, mas a prática jurisdicional mostra que aquele entendimento é o mais abrangente. Isto sem prejuízo dos cuidados (que não discordância, obviamente) de CHIOVENDA no longínquo ano de 1937 (N. Digesto It., II, 1937, pp. 131 ss): «Também no que respeita ao ónus da prova, a ação de simples apreciação não difere [...] de qualquer outra ação; o autor é aquele que pede a atuação da lei; e o ónus da prova pertence-lhe, de acordo com as regras gerais. Isto é mais claro na ação de apreciação positiva. Mas é igualmente verdade na negativa: nesta última, ele deverá provar a inexistência de uma vontade da lei, sem que se possa distinguir, como alguém faz, entre o caso em que se negue que um direito jamais tenha nascido, no qual a prova dos factos constitutivos incumbirá ao réu, e o caso no qual se negue que exista atualmente, no qual o autor da declaração deverá provar os factos extintivos. Neste ponto deve acentuar-se a diferença fundamental entre a ação de apreciação e os juízos de jactância. E reincide-se em todos os inconvenientes da coação a agir (nemo invitus agere cogatur), quando se dá ao autor da ação de apreciação negativa o tratamento de que gozaria se fosse réu. É suficiente benefício, para o autor, poder obter do processo, por sua própria iniciativa, a certeza jurídica, sem que seja preciso agravar a posição do réu, constrangendo-o a uma prova para a qual forçosamente não está preparado».

É precisamente esta parte final da douta preocupação cit. (“…sem que seja preciso agravar a posição do réu, constrangendo-o a uma prova para a qual forçosamente não está preparado”) que não se aplica de todo aos demandados em casos normais e simples como o presente; antes o contrário, como diria o autor dos artigos 342º ss do Código Civil, VAZ SERRA. O ora réu está, como é evidente, muito melhor preparado para a prova dos factos constitutivos do seu alegado direito do que o “oponente” MP quanto à prova de factos concretos negatórios dos factos pessoais do réu em que, naturalmente, assenta o direito alardeado por ele antes deste processo.

Basta atentar, materialmente, nos aqui decisivos artigos 584º/2 e 10º/3 do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil.

N.

Por outro lado, há quem se impressione com o preâmbulo da atual Lei da Nacionalidade e com as cits. modificações operadas na letra do artigo 9º/a), embora sem atender às regras injuntivas constantes do Código Civil e do Código de Processo Civil e às importantes normas do Regulamento da Nacionalidade de 2006 já atrás transcritas.

Ora, quanto aos preâmbulos das leis ou decretos-lei, a verdade do Direito é que as intenções e as explicações dadas pelo legislador formal, como até as teses de alguns académicos, auxiliarão seguramente o intérprete na melhor compreensão do regime legal (i.e., no apuramento do pensamento legislativo, coisa diferente do pensamento do legislador: art. 9º do Código Civil); mas, não fazendo parte integrante dele, as intenções e as explicações dadas pelo legislador formal não relevam elas próprias do domínio do Direito instituído, carecendo por isso, em si mesmas, de eficácia prescritiva (assim o Ac. nº 377/2015 do Tribunal Constitucional, no ponto nº 12), ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a máxima interpretativa da unidade do Sistema Jurídico, imposta no nº 1 do art. 9º do CC, aqui tendo em conta o significado jurídico-processual dos arts. 342º e 343º do Código Civil e 10º/3 e 584º/2 do Código de Processo Civil, artigos que não foram ainda revogados.

Se assim é em geral, por maioria de razão o seria e será quando a matéria em causa (aqui, ónus da alegação dos factos constitutivos e ónus da prova em ações de simples apreciação negativa) se traduzisse eventualmente na previsão de novas regras, opostas às regras gerais e comuns, como é o caso das cits. regras jurídicas existentes no Código Civil de 1966 (artigos 342º e 343º/1) e no Código de Processo Civil (artigos 10º/3 e 584º/2), há várias décadas, nos domínios da alegação dos factos e da prova dos factos.

O.

É, enfim, inegável que a Lei da Nacionalidade de 1981 e o Regulamento da Nacionalidade de 2006 não alteraram, nem revogaram os artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966 (diferentes do anterior Código Civil), tal como não alteraram, nem revogaram os artigos 10º/3 e 584º/2 do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis.

No caso deste tipo de processo em concreto, a verdade é que a lei impõe ao MP que, logicamente com base no processo instrutor, invoque apenas, com ou sem factos concretos, que o interessado réu não preenche os requisitos claramente exigidos na lei substantiva. Depois haverá lugar à contestação e ao mais previsto no Código de Processo Civil, nomeadamente no seu artigo 584º. Seguir-se-á a normal produção das provas de acordo com o Código de Processo Civil e o julgamento da matéria de facto de acordo com o Código Civil de 1966 e o Código de Processo Civil; e, no julgamento do mérito, havendo falta de factos provados que sejam constitutivos das posições substantivas das partes, ficando o tribunal sem o preenchimento da previsão da norma substantiva que sustenta a posição substantiva de cada parte, haverá então lugar à aplicação das regras lógicas e justas de repartição do risco previstas nos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil.

Cfr. assim:

- J. P. REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590-596;

- A. A. ROMANO, op. e loc. cits.;

- A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., pp. 445-451 e 460-461;

- P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, nota 5 ao art. 342º e notas ao art. 343º;

- JOSÉ LEBRE DE FREITAS/I. ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, I, 3ª ed., 2014, no comentário aos artigos 5º e 10º;

- RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 2015, no comentário ao artigo10º, e volume II, 2015, no comentário ao artigo 584º.

P.

Relembremos e apliquemos sumariamente as 4 regras que resultam do artigo 342º e do artigo 343º/1 do Código Civil de 1966:

Primeira regra injuntiva: «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado»;

ora, neste litígio, o autor não invoca qualquer direito, sendo o réu quem o faz, pelo que só o réu tem o ónus da prova de factos fundamentadores do único direito subjetivo litigado;

Segunda regra injuntiva: «a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita»;

ora, para este litígio, a Lei da Nacionalidade não prevê qualquer factualidade impeditiva, modificativa ou extintiva do direito subjetivo invocado pela ré, nem o autor a pode invocar na petição inicial, pelo que não há factualidade desse tipo a provar e alegar na petição (assim cfr. o artigo 584º/2 do Código de Processo Civil);

Terceira regra injuntiva: «em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito»;

Quarta regra injuntiva: «nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga»;

Q.

Ora, já vimos que estamos, no caso subjudice, perante uma ação de simples declaração negativa.

E, se isso não bastasse, sempre seria de constatar que o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade não se refere a matéria de facto. Portanto, a sua previsão normativa não está sujeita ao regime do ónus da prova, não servindo para o determinar, ao contrário do pressuposto na já abordada jurisprudência recente do STA. É que os artigos 342º e 343º/1 do Código Civil regem sempre aqui, a par do artigo 10º/3 do Código de Processo Civil.

No caso presente, de ação de simples apreciação negativa, tudo isto significa que:

i) - o ora réu tem, num critério de normalidade (assim P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, p. 306), o ónus, o risco, o peso ou o encargo da prova da factualidade constitutiva do seu alegado direito de obter a nacionalidade portuguesa, a qual terá sido invocada no procedimento administrativo como impõe o artigo 35º/1/b) do Regulamento da Nacionalidade («As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa».);

ii) - se os factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado não forem adquiridos em juízo, o ora réu perderá a causa;

iii) – não é exigível a qualquer parte, designadamente ao aqui autor, a imposição legal de invocar e de provar “factos negativos indeterminados” (exemplo: “não-nada de concreto”); isto é, só tem sentido e razoabilidade haver um eventual ónus da prova quanto a factos “relativamente negativos”, a factos negativos determinados (exemplo: “não-x concreto”), contraponíveis a factos positivos, como nos dizem regras da experiência, da lógica e da justiça, sob pena de se criar um encargo da prova definitivamente diabólico, impossível de satisfazer; diferentemente, os “factos negativos determinados” podem ser provados através da demonstração do facto positivo contrário.

Já vimos, também, que a distribuição justa e racional do ónus da prova dos factos tem a ver com um específico “non liquet” fundado na falta ou insuficiência de factos provados para efeitos de vencimento e decaimento quanto à pretensão substantiva em discussão.

Tenhamos, assim, presentes os factos concretos adquiridos (cfr. artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil) neste processo.

Relembre-se que, sob a égide dos artigos 342º ss do Código Civil de 1966, é só caso a caso, com aplicação das regras (i) da experiência, (ii) da normalidade, (iii) da justiça e (iv) da proporcionalidade e razoabilidade, sem prejuízo de regras legais especiais sobre a força probatória de certos meios de prova, que é possível e justo fazer-se o juízo conducente ao preenchimento da previsão normativa aqui em causa (o sentido positivo implícito nos citados artigos 3º/1(27), 9º/a) (28) e 10º(29) da Lei da Nacionalidade e nos citados e exigentes artigos 32º/1/2/3/a)-2ª parte, 35º/1/b) (30)/c), 56º/2 e 57º/1/7 do Regulamento da Nacionalidade de 2006), isto é, o juízo sobre a factualidade que in concreto possa ser “fundamentadora” (na terminologia de ROSENBERG) ou constitutiva do direito litigado.

Ora, é claro que não se tem de pressupor ou exigir que os estrangeiros neste tipo de situação têm de já residir em Portugal. Faria muito pouco sentido.

A aqui ré, que tem o “peso da prova” a onerá-la, como atrás exposto, (i) é casada com um português de nascimento, (ii) é bisneta de portugueses de nascimento, (iii) tem filhos portugueses, (iv) vem frequentemente a Portugal, (v) onde tem imóveis, (vi) pediu empréstimos bancários com o marido e (vii) paga impostos, e ainda (viii) frequenta atividades portuguesas no Brasil.

No caso presente, a ré viu, a final, ser apurada factualidade concreta que, traduzida para o Direito segundo as cits. normas substantivas da Lei da Nacionalidade, do Regulamento da Nacionalidade e do Código Civil, sustenta, com credibilidade, o pressuposto de direito que a ré alardeia fora do processo e no processo como sendo seu.

Cfr. assim, por exemplo, o Ac. do S.T.J. de 19-1-2006, P. nº 03192/05-2ª Secção: «O ónus da prova da ligação efetiva à comunidade nacional (art.º 9, al. a), da Lei n.º 37/81, de 03-10, a Lei da Nacionalidade) incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade, mesmo tratando-se de menor, hipótese esta em que se não deve ser tão exigente na demonstração do predito, visto não ser possível existir o nível de participação na cidadania que deve ser exigido a uma pessoa adulta, do que decorre não ser, sem mais, suficiente a manifestação de vontade do interessado, maxime através dos seus representantes legais (art.º 2 da aludida Lei), para que se atribua a nacionalidade portuguesa ao menor».

Enfim, sem prova de factos constitutivos do seu alardeado e invocado direito, a ré não mereceria a tutela jurisdicional do direito que alardeava como sendo seu; com a prova de factos constitutivos do seu alardeado e invocado direito, merecerá a efetiva tutela do direito que alardeava como sendo seu. E, com os factos adquiridos no presente processo, de acordo com os artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil, a ora ré logrou satisfazer aqui o seu ónus objetivo ou material da prova.

Assim, sublinhando de novo que o chamado ónus da prova não é a regra normal de enquadramento jurídico dos factos provados, embora funcione para dar resposta ao mérito da causa (portanto, já depois do momento do funcionamento eventual do artigo 414º do Código de Processo Civil), parece-nos que, perante a concreta factualidade provada no presente processo, pode-se concluir pelo preenchimento do requisito legal aqui exigido: que a estrangeira aqui interessada em ser portuguesa tem uma ligação efetiva a Portugal e à sua realidade sociocultural.

Portanto, a factualidade aqui adquirida de acordo com o Código de Processo Civil (artigos 10º/3-a), 584º/2, 411º e 413º) impõe-nos a conclusão, obtida sob a égide do artigo 343º/1 do Código Civil, de que a interessada ora ré detém, além do requisito de facto previsto no artigo 3º/1 da L.N., o requisito de direito exigido para poder adquirir a nacionalidade portuguesa (a citada ligação efetiva à nação e cultura portuguesas).

Portanto, como tal tipo de factualidade constitutiva da única situação jurídica aqui litigada (factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado) existe nestes autos, resta concluir a favor da ré, como nos confirma ou impõe o nº 1 do artigo 343º do Código Civil.

É esta a única resposta, proporcionada e justa, a dar perante o imposto ao tribunal pelos vigentes e aqui aplicáveis artigos 10º/3 do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil de 1966.

Improcedem, portanto, as conclusões nº 5 ss do recurso.

R.

No mais, fazemos nossa a seguinte jurisprudência:

-Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 13-9-2012, P. nº 0721/12 (rel. P. BORGES):

I - Nos termos do art. 150º, nº 1, do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excecionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista excecional de um acórdão do TCA que confirmou a procedência de uma ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, intentada ao abrigo dos arts. 9º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de outubro, com a redação introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, e em que a controvérsia se reconduz à questão do ónus da prova do requisito da ligação efetiva à comunidade nacional, e a saber se os factos provados são ou não impeditivos de uma ligação efetiva à comunidade nacional por parte da recorrente, matéria cuja reapreciação está vedada ao tribunal de revista, nos termos do nº 4 do art. 150º do CPTA.

- Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 26-9-2012, P. nº 0722/12 (rel. S. BOTELHO):

I - Nos termos do art. 150º, nº 1, do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excecionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista excecional de um acórdão do TCA que confirmou a procedência de uma ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, intentada ao abrigo dos arts. 9º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de outubro, com a redação introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, e em que a controvérsia se reconduz à questão do ónus da prova do requisito da ligação efetiva à comunidade nacional, e a saber se os factos provados são ou não impeditivos de uma ligação efetiva à comunidade nacional por parte da recorrente, matéria cuja reapreciação está vedada ao tribunal de revista, nos termos do nº 4 do art. 150º do CPTA.

-Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 22-3-2012, P. nº 08174/11 (rel. TERESA DE SOUSA):

I - A ação de oposição à aquisição da nacionalidade como ação de simples apreciação negativa, destina-se à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências que daí resultam, face ao disposto no art. 343º, nº 1, do CC, segundo o qual compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. II - Por se estar perante uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, também lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão; III - Nada se provando que revele uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial, sendo certo que a Recorrente não vive, e nunca viveu em Portugal, tal como o seu cônjuge e os seus filhos, o facto de ser casada com um cidadão português não pode, só por si, ser considerado como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, devendo, tal como resulta dos arts. 22º e 56º, nº 2, do Regulamento da Nacionalidade ser comprovada a ligação efetiva à comunidade nacional.

-Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 3-5-2012, P. nº 06222/10 (rel. TERESA DE SOUSA):

I – Apenas se provando que o Recorrente é casado com uma cidadã portuguesa desde 1993, sendo pai de dois filhos também portugueses, nada se provou que revele uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial, sendo certo que o Recorrido não vive, e nunca viveu em Portugal, tal como o seu cônjuge e os seus filhos: II - O facto de ser casado com uma cidadã portuguesa não pode, só por si, ser considerado como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, devendo, tal como resulta dos arts. 22º e 56º, nº 2, do Regulamento da Nacionalidade ser comprovada a ligação efetiva à comunidade nacional; III – A ligação efetiva à comunidade nacional há de ser aferida pelo domicílio, pela língua, por aspetos de ordem familiar, cultural, social, de amizade e económico-profissional, que consubstanciem a ideia de pertença à comunidade portuguesa, o que inclui uma integração na sociedade portuguesa.

-Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 20-11-2014, P. nº 10824/14 (rel. P. P. GOUVEIA):

I - As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do Regulamento da Nacionalidade devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa (artigo 35º/1/b) do R.N.) II - Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional (artigo 57º/1 do R.N.) III - O ónus da prova em sede do previsto no artigo 9º/a) da atual Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade rege-se pelo disposto na lei geral, designadamente nos artigos 342º e 343º do C.C IV - Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. V - Neste tipo de ações, o autor, M.P., não está a invocar nenhum direito (seu, substantivo), na terminologia do artigo 342º/1 do C.C. VI - A aplicação do artigo 343º/1 do C.C. ao caso presente é confirmada pelo facto óbvio de que a tese contrária exigiria normalmente do M.P. uma prova verdadeiramente impossível, sobretudo por causa da impossibilidade jurídica e constitucional de o MP invadir a vida privada e social do interessado. VII - A prova da ligação efetiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais, pelo que a prova tem de ser feita através de factos próprios do interessado no pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Exigir neste contexto a aplicação do artigo 342º/1 do C.C., além de ilegal, seria irracional ou ilógico.

-Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 29-1-2015, P. nº 10708/13 (rel. P. M. MARQUES):

i) Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional. ii) O ónus da prova para efeitos do disposto no artigo 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade rege-se pelo disposto na lei geral, designadamente nos artigos 342.º e 343.º do C. Civil. iii) A prova da ligação efetiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais, intimamente conexionada com a vida privada do interessado, pelo que a prova tem de ser feita através de factos próprios do requerente do pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. O que é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade. iv) Não demonstra a existência de uma ligação efetiva à comunidade portuguesa a interessada que assenta o pedido de aquisição da nacionalidade na circunstância de ser filha de pai que, no ano de 2006, adquiriu a nacionalidade portuguesa.

-Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-6-2015, P. nº 12086/15 (rel. P. P. GOUVEIA):

I – A ação de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa é uma ação de simples apreciação negativa conforme descrita no CPC, natureza essa imposta pela disciplina conjunta contida na Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade. II – Como tal, está sujeita ao imposto no artigo 343º, nº 1, do C. Civil, sob pena de se ter de concluir que o legislador ordinário foi irracional ao impor ao MP uma prova impossível ou manifestamente irrazoável. III – O nosso regime jurídico de aquisição da nacionalidade portuguesa por estrangeiros não contém qualquer presunção legal de existência da ligação efetiva à comunidade nacional; a existir, seria um paradoxo no contexto das regras previstas na Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade.

*

S.


Conclusões:
I – O Código Civil de 1966 é inspirado, quanto ao chamado ónus da prova, pela substantivista “teoria das normas”, estabelecendo por isso um regime de distribuição do ónus da prova diferente do Código Civil de Seabra e do Código de Processo Civil de 1939; para evitar a insegurança jurídica e atento à normalidade da vida, o Código Civil de 1966, na linha de Leo Rosenberg, atende à posição substantiva das partes, e não à sua posição processual, para fazer a (justa) distribuição do peso e risco da falta de prova dos factos favoráveis a cada parte;
II – O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342º ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada;
III – A ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, prevista no artigo 57º, nº 8, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de 2006 e nos artigos 10º e 9º, al. a), da atual Lei da Nacionalidade, é uma ação de simples apreciação negativa, como se determina no artigo 10º, n º 3, al. a), do atual Código de Processo Civil;
IV – Resulta da norma injuntiva do nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil que, nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos legalmente constitutivos – positivos ou negativos - que o réu tenha alegado na contestação e (2º) para alegar os factos legalmente impeditivos – positivos ou negativos - do direito alardeado pelo réu;
V - Relativamente a todas as ações declarativas de simples apreciação negativa, a norma injuntiva do artigo 343º, nº 1, do Código Civil determina ao juiz que onere sempre o réu com o peso ou ónus da prova dos factos fundamentadores da sua pretensão - aqui cf. os artigos 3º, nº 1, e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade e os artigos 32º, nº 3, al. a) e 35º, nº 1, al. b), do Regulamento da Nacionalidade de 2006; se o oposto fosse consagrado pelo Código Civil (ou pelos tribunais), isso representaria uma afronta ao princípio constitucional da Proporcionalidade das leis (ou das decisões jurisdicionais), bem como ao princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efetiva;
VI – Se a inexistência da matéria de direito referida na al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (“ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”) é fundamento jurídico para a ação de oposição (note-se bem, “de oposição”), então, logicamente, essa “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” é constitutiva do direito subjetivo exercitado pelo cidadão estrangeiro a que o MP se opõe; e, por isso, os eventuais e indefinidos factos de vida constitutivos da “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” são igualmente factos fundamentadores do direito subjetivo que o autor pretende pôr em crise; são factos que convém ao interessado que sejam adquiridos no processo;
VII - Com efeito, nas ações de apreciação negativa, o direito em causa na lide é um direito subjetivo do réu; e, por isso, como é natural e lógico, o fundamento da ação pode ser, simplesmente, a inexistência de factos constitutivos desse direito; daí (i) o imperativamente disposto no nº 1 do artigo 343º do Código Civil, (ii) bem como no nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil;
VIII – Na legislação, nem sempre coerente ou bem escrita, sobre a aquisição de nacionalidade por se estar casado com cidadão português há mais de 3 anos, a referência a factos nunca é feita pelo legislador relativamente à ação de oposição, pois que o autor não afirma qualquer direito na petição inicial; a referência legal a factos é feita relativamente aos deveres procedimentais criados para com o requerente estrangeiro (vd., assim, os cits. artigos 32º, nº 3, al. a), 35º, nº 1, al. b), e 57º, nº 1: «as declarações para fins de aquisição da nacionalidade portuguesa devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa»);
IX – A atual Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de 2006 preveem, assim, vários deveres procedimentais a cargo do interessado cidadão estrangeiro, relativamente aos factos concretos que lhe dizem respeito (vd., assim, os artigos 32º, nº 3, 35º, nº 1, e 57º, nº 1 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), sujeitando-o a várias consequências ou cominações e às específicas regras de produção de prova do Código de Procedimento Administrativo e do Regulamento da Nacionalidade; isso é feito sob pena, inter alia, da consequência negativa prevista no importante artigo 32º, nº 3, al. a), do mesmo Regulamento;
X - Ou seja, não basta ao cidadão estrangeiro fazer apenas uma declaração genérica sobre o seu alegado direito subjetivo em adquirir a nacionalidade portuguesa; afinal, as leis referem-se a factos concretos para efeitos do procedimento administrativo e a uma ligação à comunidade nacional portuguesa que possa ser qualificada pelo Estado como sendo «efetiva»;
XI – Os preâmbulos dos diplomas legislativos e a doutrina jurídica não têm força prescritiva para a aplicação jurisdicional das leis; e o elemento histórico da interpretação das leis não se sobrepõe ao elemento lógico-sistemático da interpretação (isto é, à unidade e coerência do Sistema Jurídico): com efeito, as normas, como a da al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, não existem nem funcionam de forma abstrata, mas sim de modo sistemático, porque estão integradas num ordenamento jurídico concreto, do qual fazem parte, aqui, o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de 2006, os artigos 342º e 343º, nº 1, do Código Civil de 1966 e, ainda, os artigos 10º e 584º, nº 2, do Código de Processo Civil;
XII - A atual Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa não revogaram, não alteraram, nem excecionaram o imposto no artigo 343º, nº 1, do atual Código Civil de 1966;
XIII – A estrutura da norma contida no artigo 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade não contém na sua previsão qualquer factualidade, impeditiva ou de outro tipo, do direito subjetivo aqui em causa; aliás, as normas impeditivas não são factos impeditivos; retirar dali consequências imediatas quanto ao ónus da prova de factos seria ignorar o artigo 343º, nº 1, do Código Civil e, pior ainda, exigir do autor a prova e alegação de factos negativos legalmente indefinidos;
XIV – Seria injusto, “diabólico” e inconstitucional, por violação da máxima constitucional da Proporcionalidade, que a lei (por exemplo, o Código Civil, a Lei da Nacionalidade ou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa) ou que a jurisprudência onerassem os autores de processos jurisdicionais com o peso de uma prova impossível de factos ou com o ónus da prova de “factos negativos indeterminados ou indefinidos”, como é o caso de uma eventual factualidade negativa subjacente à inexistência de uma ligação qualificada (efetiva) à comunidade nacional portuguesa;
XV - Interpretar dessa forma a al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade e os artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966 constituiria um mecanismo de predeterminação sistemática de insucesso de uma parte processual em favor da outra, a que nenhum legislador ou tribunal pode hoje dar cobertura, o que, ademais, seria (i) assistemático do ponto de vista infraconstitucional (cfr. artigo 9º, nº 1, do Código Civil), bem como (ii) desrespeitador dos Princípios Constitucionais da Proporcionalidade e da Tutela Jurisdicional Efetiva;
XVI - O legislador do ónus da prova (através dos injuntivos artigos 342º ss do Código Civil) e os tribunais (através de uma correta interpretação daquelas regras substantivas) estão constitucionalmente vinculados, sob a luz do princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efetiva, a, cada um nas respetivas funções soberanas, evitarem (i) as situações do ónus da prova diabólica ou impossível (nomeadamente quanto a “factos negativos legalmente indeterminados ou indefinidos”, como aqui ocorre), (ii) as situações de desigualdade no acesso de todas as partes à possibilidade real de demonstração dos factos e ou ainda (iii) as situações de violação da Máxima Constitucional da Proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores dos posições jurídicas pretensivas litigadas no processo; é por isso que a ação prevista nos artigos 10º e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade, efetivamente enquadrada pelo Código de Processo Civil (cf. artigos 10º, nº 3, 411º e 413º), está, sempre, sujeita ao previsto no artigo 343º, nº 1, do Código Civil de 1966;
XVII – A única situação jurídica discutida na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a que se referem o artigo 51º, nº 8, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e os artigos 10º, 3º, nº 1, e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade, é o direito subjetivo de o cidadão estrangeiro réu adquirir a nacionalidade portuguesa, situação jurídica subjetiva ativa essa que tem dois fundamentos legais, imputáveis pelo direito substantivo à pessoa jurídica do interessado: (um fundamento fáctico) ser casado com uma pessoa de nacionalidade (originária ou não) portuguesa há mais de 3 anos e (um fundamento de direito a deduzir de factos) ter uma ligação à comunidade nacional portuguesa que possa ser qualificada como efetiva;
XVIII – Distinto de tais dois requisitos substantivos, deduzidos da leitura sistemático-teleológica do Regulamento da Nacionalidade de 2006 e da Lei da Nacionalidade, é o teor da al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade; esta norma, em coerência com a natureza da ação (logo, em coerência com o Código de Processo Civil e o Código Civil), permite ao MP contestar na petição inicial, através de mera negação (do direito subjetivo e/ou dos eventuais factos constitutivos), o direito subjetivo que o cidadão estrangeiro invocou, direito necessariamente assente em factos fundamentadores e que ele terá referido, como se prevê no Regulamento da Nacionalidade, à Administração Pública;
XIX - Sob pena de violação do artigo 10º, nº 3, al. a), e 584º, nº 2, do Código de Processo Civil e dos artigos 342º e 343º, nº 1, do Código Civil de 1966 ou, em última análise, com uma sua interpretação violadora dos princípios constitucionais da Tutela Jurisdicional Efetiva e da Proporcionalidade, os tribunais administrativos devem julgar procedente a referida ação administrativa de simples apreciação negativa sempre que não seja adquirida no processo, conforme os artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil, factualidade concreta que seja idónea a fazer nascer (isto é, a constituir, a fundamentar) o único direito discutido na causa;
XX – O acabado de expor não impede, antes pelo contrário, impõe que aqui, no caso concreto, se conclua que a ora ré viu, a final, ser adquirida no processo (cf. o artigo 413º do Código de Processo Civil) factualidade concreta suficiente que, traduzida para o direito objetivo segundo as citadas normas substantivas (cf. os artigos 3º, nº 1, e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade; os artigos 342º, nº 1, e 343º, nº 1, do Código Civil de 1966), sustenta, com verosimilhança e credibilidade, os dois pressupostos substantivos do direito subjetivo que a cidadã estrangeira ora ré alardeou a seu favor no procedimento administrativo.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, julgando-o improcedente.

Sem custas, por isenção legal do MP.

Lisboa, 10-3-2016


(Paulo H. Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)

(1) Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral…, 3ª ed., 2015, pp. 41-55.
(2) Cfr., sobre o conceito de direito subjetivo, PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, I, 2014, pp. 235-244; D. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., pp. 75 ss. No Direito privado, cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, T.G.D. Civil, 6ª ed., 2010, cap. I do título IV.
(3) Única norma legal do Código Civil italiano que regula aquilo que os nossos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 regulam.
(4) J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, 3ª ed., p. 211.
(5)O artigo 2405º do Código Civil de Seabra dizia apenas que a obrigação de provar incumbe àquele que alega o facto.
(6)Este autor, inspirador dos atuais artigos 342º e 343º do Código Civil, começou a ser recebido parcialmente entre nós só em 1956, muito depois das obras de Alberto dos Reis, por MANUEL DE ANDRADE, in Algumas Questões em Matérias de Injurias Graves como Fundamento de Divórcio, Coimbra Ed., 1956. Mais tarde intervieram decisivamente Vaz Serra e Antunes Varela, bem como Anselmo de Castro.
(7) PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, T.G.D. Civil, 6ª edição, ponto nº 15, págs. 72 ss.
(8) A 4ª edição é de 1956, Munique, editora Beck.
(9) O autor material, inter alia, dos artigos 341º ss do Código Civil.
(10) ARTUR ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., volume III, 1982, pp. 209 ss e 345 ss.
(11) Cfr. Ação Declarativa …, 3ª ed., 2010, pp. 590 ss.
(12) A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, I, 4ª edição, 2012, nº 60 (págs. 238 ss);
(13) Em inglês, quase nunca com o nosso significado romano-germânico, é usado o termo “burden of proof”; refere-se mais ao julgamento de facto do que ao julgamento da causa. Já em castelhano é usado o termo “carga de la prueba” para o nosso ónus da prova.
(14) A. VAZ SERRA, Provas - direito probatório material, in B.M.J, nº 110 (1961), págs. 61 ss, nº 111 (1961), págs. 5 ss, e nº 112 (1962), págs. 33 ss.
(15) Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e (2º) para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu
(16) A edição que teve influência em Portugal e nas Américas foi a 3ª edição, Beck, Munique, de 1953. A última edição data de 1965 e foi a 5ª, já certamente conhecida de Antunes Varela e de Anselmo de Castro.
Cfr., hoje, BAUMGARTEL/LAUMEN/PRUTTING, Handbuch der Beweislast: Grundlagen, 3ª ed., Carl Heymanns Verlag, 2015.
(17) Cfr. FREDIE DIDlER JR./PAULA SARNO BRAGA/RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA, Curso de Direito Processual Civil, 2º, 9º ed., Editora Juspodivm, Salvador, 2014, pp. 101 ss.
(18) Artigo 357º do novo Código de Processo Civil brasileiro
«(…)
III - Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373».
(19) Artigo 373º do novo Código de Processo Civil brasileiro
«O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o Processo».
Sobre este artigo, hoje, alguns comentadores brasileiros dizem o seguinte:
«O parágrafo 1º introduziu o sistema da carga dinâmica da prova. Essencialmente, esta teoria implica que a carga probatória recai sobre quem está em melhores condições de esclarecer os fatos. Tal teoria tem sua manifestação mais antiga em 1823 e foi exposta pelo filósofo inglês JEREMIAS BENTHAM (Tratado de las pruebas judiciales. Valeta Ediciones: Buenos Aires, 2002.p.289). Tal teoria chegou na Europa continental, principalmente na Alemanha, pela obra de WILHEIN KISCH e LEO ROSENBERG. Na Argentina, ganhou espaço, pelas investigações de Arazi que identificou naquele País um antecedente nacional no projeto de reforma do Código Civil, datado de 1933. Mais recentemente, JORGE W. PEYRANO – 1978 – aplica tal teoria em um caso de erro médico (Las cargas probatórias dinâmicas. Inaplicalidad. Rosario: Juris, 2005. p. 46-48). Foi este autor argentino – Jorge Peyrano – quem mais dedicou-se ao tema, produzindo farta doutrina sobre o mesmo. No Brasil, reputa-se o protagonismo do estudo de ANTÔNIO JANYR DALL’AGNOL JUNIOR (Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos Tribunais, São Paulo, 788: p. 92-107, jun. 2001). Segundo o autor, pela teoria da distribuição dinâmica dos ônus probatórios: a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; b) ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se exibe a distinção já tradicional entre fatos constitutivos, extintivos etc. Releva, isto sim: a) o caso em sua concretude e b) a “natureza” do fato a provar - imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo. Segundo DALL`AGNOL, essa teoria permite: que se imponha ao demandado o ônus de antecipar as despesas necessárias para a produção de perícia destinada à prova de fato constitutivo alegado pelo autor; que se imponha ao hospital a prova da regularidade de seu comportamento, pois ele é que deve sempre cuidar de ser preciso nos relatórios, fichas de observação, controle, tratamento, remédios ministrados e tudo o mais que possa ilustrar cada caso; que recaia sobre o cirurgião o ônus de esclarecer o juízo sobre os fatos da causa, pois nenhum outro tem como ele os meios para comprovar o que aconteceu na privacidade da sala cirúrgica e sobre os médicos em geral, o ônus de comprovar a regularidade de sua atuação; que caiba às instituições bancárias o ônus da produção da prova documental relativa à relação contratual, bem como o ônus de provar a legalidade de suas cláusulas e de sua execução. Conclui o autor: o que parece inegável, a estas alturas da história do processo civil, é que não mais se pode estabelecer aprioristicamente a própria distribuição do encargo de provar. Sobre o tema JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER arremata que por esta teoria, distribui-se o ônus da prova caso a caso, segundo o prudente arbítrio do juiz. Renuncia-se à fixação de regras gerais, necessariamente apriorísticas. Em lugar da lei, a consciência do juiz. (Sobre o Ônus da Prova. In Estudos de direito processual civil. LUIZ GUILHERME MARINONI, coordenador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 3650)» - in Novo Código de Processo Civil Anotado, O.Adv.Bras., Porto Alegre, 2015, págs. 309-310.
(20) Artigo 217º do novo Código de Processo Civil espanhol
«1. Cuando, al tiempo de dictar sentencia o resolución semejante, el tribunal considerase dudosos unos hechos relevantes para la decisión, desestimará las pretensiones del actor o del reconviniente, o las del demandado o reconvenido, según corresponda a unos u otros la carga de probar los hechos que permanezcan inciertos y fundamenten las pretensiones.
2. Corresponde al actor y al demandado reconviniente la carga de probar la certeza de los hechos de los que ordinariamente se desprenda, según las normas jurídicas a ellos aplicables, el efecto jurídico correspondiente a las pretensiones de la demanda y de la reconvención.
3. Incumbe al demandado y al actor reconvenido la carga de probar los hechos que, conforme a las normas que les sean aplicables, impidan, extingan o enerven la eficacia jurídica de los hechos a que se refiere el apartado anterior.
4. En los procesos sobre competencia desleal y sobre publicidad ilícita corresponderá al demandado la carga de la prueba de la exactitud y veracidad de las indicaciones y manifestaciones realizadas y de los datos materiales que la publicidad exprese, respectivamente.
5. De acuerdo con las leyes procesales, en aquellos procedimientos en los que las alegaciones de la parte actora se fundamenten en actuaciones discriminatorias por razón del sexo, corresponderá al demandado probar la ausencia de discriminación en las medidas adoptadas y de su proporcionalidad.
A los efectos de lo dispuesto en el párrafo anterior, el órgano judicial, a instancia de parte, podrá recabar, si lo estimase útil y pertinente, informe o dictamen de los organismos públicos competentes.
6. Las normas contenidas en los apartados precedentes se aplicarán siempre que una disposición legal expresa no distribuya con criterios especiales la carga de probar los hechos relevantes.
7. Para la aplicación de lo dispuesto en los apartados anteriores de este artículo el tribunal deberá tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponde a cada una de las partes del litigio».
(21) Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e (2º) para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu.
(22) «As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa».
(23) Cfr. Ac. do T.R.L. de 19-5-1998, P. nº 071911. Bem como, noutra sede paralela, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-99, Pr. Nº 32434, e de 26-1-2000, Pr. Nº 37739.
(24) «Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e (2º) para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu».
(25) Sobre esta norma jurídica importante tanto para o legislador como para o juiz, cfr., por exemplo, ROBERT ALEXY, Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, in O Direito, 146º, IV, 2014, págs. 817 ss; PEDRO MACHETE, O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência constitucional, também em relação com a jurisprudência dos tribunais europeus, in XV Conferência Trilateral dos Tribunais Constitucionais de Espanha, Itália e Portugal, 2013.
(26) PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, T.G.D.C., 6ª ed., 2010, p. 242.
(27) ARTIGO 3º
1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.
(28) ARTIGO 9º
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
(29) ARTIGO 10º
1 - A oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de um ano a contar da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade, em processo a instaurar nos termos do artigo 26.º
2 - É obrigatória para todas as autoridades a participação ao Ministério Público dos factos a que se refere o artigo anterior.

(30) «As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa».